Zwínglio e a reforma suíça (1404-1522)


Deixando Lutero em Wartburgo, notemos o que Deus tinha estado a
fazer pelo seu povo em outro ponto da Europa por meio de outros
instrumentos.
É especialmente digno de menção que ao mesmo tempo em que se ia
iniciando a Reforma na Alemanha, ia-se abalando cada vez mais o trono
papal, em conseqüência de um despertamento religioso na Suíça, e o
instrumento que Deus tinha escolhido para o cumprimento desta obra ali
foi um padre de Roma chamado Ülrico Zwínglio. Se Lutero era filho de um
mineiro, o reformador suíço não se podia gabar de ser de origem mais
nobre, visto que seu pai era pastor, e guardava seu rebanho em Wildaus,
no vale de Tockemburgo.

ZWÍNGLIO NOS ESTUDOS

Se não fosse o fato de o pai de Zwínglio destiná-lo a igreja, podia este
ter morrido sem que seu nome jamais chegasse a nós. Mas tudo foi
sabiamente ordenado por Deus, que tinha uma obra especial e importante
para dar a fazer ao filho do pastor; e a sua mocidade foi regulada em
conformidade com isso. Ainda não tinha dez anos de idade quando o
mandaram para os estudos, sob a vigilância do seu tio, o deão de Wesen, e
ali deu tais provas da sua inteligência, que seu parente tomou a
responsabilidade da sua educação e mandou-o estudar sucessivamente em
Basiléia, Berne, Viene, e de novo em Basiléia. Quando voltou para esta
cidade teve a felicidade de ficar entregue aos cuidados do célebre Tomás
Wittembach, homem que via claramente os erros de Roma, e ao mesmo
tempo não era estranho à importante doutrina de justificação pela fé. O
professor não escondia ao seu discípulo, nem os seus conhecimentos, nem
as suas opiniões; e foi ali que Zwínglio ouviu pela primeira vez, com um
sentimento de admiração, que "a morte de Cristo era o único resgate para a
sua alma".
Deixando Basiléia após concluir o seu curso de teologia e depois de
ter tomado o grau de bacharel em letras, foi escolhido para pastor da
comunidade de Claris, onde ficou dez anos. Durante a sua permanência
ali, dedicou-se a um estudo profundo das Escrituras e a examinar com
atenção as doutrinas e práticas da igreja primitiva, como estavam descritas
nos escritos dos antigos doutores, e isso mais o convenceu do estado de
corrupção em que se achava a igreja professa; e começou a exprimir as
suas opiniões sobre matérias eclesiásticas com uma clareza admirável.
No ano de 1516 estava ele em Einsiedeln, no cantão de Schwyz, tendo
recebido um convite do governador do mosteiro dos Beneditinos para
paroquiar a igreja de "Nossa Senhora de Ermitagem", que era então um
foco da idolatria e superstição de Roma. O que Lutero vira em Roma, viu
Zwínglio em Einsiedeln; e o seu zelo na obra da Reforma foi estimulado
pelas deploráveis descobertas que ali fez. Os seus trabalhos na Ermitagem
foram abençoados, e o administrador Geroldseok e vários monges foram
convertidos.
Depois de um ministério fiel de três anos em Einsiedeln, o reitor e os
cônegos da igreja catedral de Zurique convidaram-no para ser seu pastor e
pregador, sendo este convite aceito. Alguns, suspeitando das doutrinas
reformadas, opunham-se à sua nomeação, mas a sua reputação era tão
grande, e os seus modos tão atraentes, que estava a maioria a seu favor, e
foi devidamente eleito. Zurique tornou-se então a esfera central dos seus
trabalhos, e foi ali que travou conhecimento com Oswaldo Myconius, que
mais tarde escreveu a sua vida.

ZWÍNGLIO PREGANDO EM ZURIQUE

Quando ele pregava na catedral, reuniam-se milhares de pessoas
para o ouvir; a sua mensagem era nova para os seus ouvintes, e expunha-a
numa linguagem que todos podiam compreender. Diz-se que a energia e
novidade do seu estilo produziu impressões indescritíveis, e muitos foram
os que obtiveram bênçãos eternas por meio do Evangelho puro e claro,
enquanto que todos admiraram-se do que ouviam. Era grande a sua fé no
poder da Palavra de Deus para converter as almas sem explicações
humanas. Não quis restringir-se aos textos destinados às diferentes festividades
do ano, que limitavam, sem necessidade, o conhecimento do povo
com respeito ao livro sagrado e declarou que era sua intenção começar no
evangelho de S. Mateus e segui-lo capítulo por capítulo, sem os
comentários dos homens. "No púlpito", diz Myconius, "não poupava ninguém.
Nem papa, nem prelados, nem reis, nem duques, nem príncipes,
nem senhores, nem pessoa alguma. Nunca tinham ouvido um homem falar
com tanta autoridade. Toda a força e todo o deleite de seu coração estavam
em Deus e em conformidade com isso exortava a cidade de Zurique a
confiar somente nele". "Esta maneira de pregar é uma inovação!" -
exclamavam alguns - "e uma inovação leva a outra; onde irá isto parar?"
"Não é maneira nova", respondia Zwínglio, com modos cortezes e brandos,
"pelo contrário é antiga. Recordem-se dos sermões de Crisóstomo sobre S.
Mateus, e de Agostinho sobre S. João". Com estas respostas pacíficas,
desarmava muitas vezes os seus adversários, chegando até com freqüência
a atraí-los a si.
Neste ponto ele apresenta um notável contraste com o rude e enérgico
Lutero.
Estava Zwínglio em Zurique havia pouco mais ou menos um ano
quando a peste visitou a Suíça, e o reformador foi atacado por ela. Ele orou
a Deus sinceramente pelo seu restabelecimento e obteve resposta para a
sua oração, e a misericórdia divina em o poupar foi mais um incentivo para
uma devoção ainda mais profunda. O poder da sua pregação aumentava
sempre, e seguiu-se um tempo de muita bênção, convertendo-se centenas
de pessoas; e por este motivo os padres ficavam encolerizados e indignados.
Zwínglio convidou-os mais do que uma vez para uma disputa pública, mas
eles receavam o convite, e por fim, para fazerem calar o reformador,
apelaram para o Estado. Este apelo foi a ruína deles, porque o Estado
decretou: "Visto que Ülrico Zwínglio tinha por diferentes vezes convidado
publicamente os contrários à sua doutrina a contradizê-la com argumentos
das Escrituras, e visto que apesar disto nenhum o tinha querido fazer, ele
podia continuar a anunciar e pregar a Palavra de Deus exatamente como
até então. E também que todos os ministros de religião, quer residentes na
cidade quer no campo, se absteriam de ensinar qualquer doutrina que não
pudessem provar pelas Escrituras; e que deveriam igualmente evitar fazer
acusações de heresia e outras alegações escandalosas, sob pena de castigo
severo". Assim se viu Roma presa na própria rede que armara, e mais uma
vez vencida, enquanto que o decreto se tornou um poderoso impulso para a
Reforma.

OFERTA DO PAPA A ZWÍNGLIO

Entretanto o papa (Adriano VI), que tinha estado a ameaçar a
Saxônia com os seus anátemas, recebeu as alarmantes notícias do
movimento na Suíça, e, temendo os efeitos de uma segunda reforma,
experimentou um novo estratagema com Zwínglio. Sabia que o reformador
suíço era um homem mais delicado do que Lutero, e por isso enviou-lhe
uma carta mui lisonjeira, certificando-o da sua amizade especial, e
chamando-lhe seu "amado filho" e fez acompanhar esta epístola
assucarada de provas evidentes da sua consideração. Quando Myconius
perguntou ao portador do breve papel o que era que o papa lhe tinha
encarregado de oferecer a Zwínglio, recebeu esta resposta: "Tudo menos a
cadeira de S. Pedro". Mas Zwínglio conhecia bem a astúcia de Roma, e
preferiu a liberdade com que Jesus Cristo o tinha libertado, ao jugo de
superstição, e a um barrete de cardeal.

PROGRESSO DA REFORMA

Depois deste acontecimento a Reforma ganhou terreno com muita
rapidez, e o reformador recebia constantes incentivos para a obra e as mais
agradáveis provas de que Deus estava com ele. Em janeiro de 1524 foi
publicado um decreto que determinava que as imagens fossem destruídas;
em abril de 1525 foi abolida a missa, e determinado que desde então, pela
vontade de Deus, fosse a Ceia do Senhor celebrada conforme fora instituída
por Cristo, e o costume apostólico. Mais tarde ainda, chegou a notícia da
conversão das freiras do poderoso convento de Konigsfeldt, onde os escritos
de Zwínglio tinham entrado; e o coração do reformador exultou quando
recebeu uma carta que lhe tinha sido dirigida por uma dessas convertidas.
Isto foi um golpe terrível para Roma. O efeito que um Evangelho claro e
simples produziu nas freiras foi mostrar-lhes a inutilidade de uma vida de
celibato e solidão, e pediram ao governo licença para sair do convento. O
concilio, mal compreendendo as razões que elas tinham para isso, e
assustado com aquele pedido, prometeu-lhes que a disciplina do convento
seria menos severa e que lhes aumentaria a pensão. "Não é a liberdade da
carne que nós pedimos", respoderam elas, "mas sim a liberdade do
Espírito". 0 pedido das freiras foi satisfeito porque o próprio Concilio ficou
também esclarecido; e não foram só as freiras de konigsfeldt que foram libertas;
as portas de todos os conventos foram abertas de par em par, e a
oferta de liberdade estendeu-se a todas as internas.

EFEITOS DA REFORMA EM BERNA

Em Berna o poder da verdade manifestou-se de outro modo, não
menos interessante. Os magistrados em sinal de regozijo pela grande obra,
soltaram vários prisioneiros, e concederam completo perdão a dois
desgraçados que estavam esperando o dia da sua execução. "Um grande
grito", escreve Bullinger. discípulo de Zwínglio, "ressoou por toda a parte.
Num dia Roma decaiu em todo o país, sem traições, sem violências, sem
seduções; unicamente pela força da verdade". Os felizes cidadãos,
despertados pelo poder da verdade, exprimiram os sentimentos dos seus
corações da maneira mais generosa. "Se um rei, ou imperador, nosso
aliado", diziam eles, "estivesse para entrar na nossa cidade, não
perdoaríamos nós as ofensas, e não auxiliaríamos os pobres? E agora que o
Rei dos reis, o príncipe de paz, o Filho de Deus, o Salvador do gênero
humano está conosco, e trouxe consigo o perdão dos pecados, a nós que
merecíamos ser expulsos da sua presença, que melhor podemos nós fazer
para celebrar a sua chegada à nossa cidade do que perdoar aqueles que
nos ofenderam?"

A OBRA EM BASILÉIA

Em Basiléia, uma das comarcas mais poderosas da Suíça, as
doutrinas da Reforma espalharam-se com incrível rapidez, e produziram os
melhores resultados. Os zelosos burgueses limparam o país das suas
imagens, e quando o humilde e piedoso Oecolâmpade (o Melanchton da
reforma Suíça), acabou de completar um ministério fiel de seis anos na
comarca, adotaram em todas as igrejas o culto reformado, que foi
firmemente estabelecido por um decreto do Senado.
O coração exulta ao descrever esta gloriosa obra de Deus, e sentimos
não poder continuar uma tarefa tão agradável, mas falta-nos espaço.

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