A Condição Original do Homem como a Imagem de Deus


É muito estreita a conexão existente entre a imagem de Deus e o estado original do homem
e, por isso ambos são geralmente considerados juntos. Uma vez mais teremos que distinguir entre diferentes conceitos históricos da condição original do homem.
1.    O CONCEITO PROTESTANTE. Os protestantes ensinam que o homem foi criado num estado de relativa perfeição, um estado de justiça e santidade. Não significa que ele já tinha alcançado o mais elevado estado de excelência de que era suscetível. Geralmente se admite que ele estava destinado a alcançar um grau mais elevado de perfeição pela obediência. Um tanto semelhante a uma criança, era perfeito em suas partes, não porém em grau. Sua condição era preliminar e temporária, podendo levar a maior perfeição e glória ou acabar numa queda. Foi por natureza dotado daquela justiça original que é a glória máxima da imagem de Deus e, conseqüentemente, vivia num estado de santidade positiva. A perda daquela justiça significaria a perda de uma coisa que pertencia à própria natureza do homem em seu estado ideal. O homem podia perdê-la e ainda continuar sendo homem, mas podia não perdê-la e continuar sendo o homem no sentido ideal da palavra. Noutras palavras, sua perda significaria realmente uma deterioração e um enfraquecimento da natureza humana. Além disso, o homem foi criado imortal. Isto se aplica não à alma somente, mas a toda a pessoa do homem; e, portanto, não significa apenas que a alma estava destinada a ter existência permanente. Tampouco significa que o homem foi elevado acima da possibilidade de ser presa de morte; isto só se pode afirmar sobre os anjos e os santos que estão no céu. Significa, porém, que o homem, como criado por Deus, não levava dentro de si as sementes da morte e não teria morrido necessariamente em virtude da constituição original da sua natureza. Embora não estivesse excluída a possibilidade de vir a ser vítima da morte, não estava sujeito à morte, enquanto não pecasse. Deve-se ter em mente que a imortalidade original do homem não era uma coisa puramente negativa e física, mas era também uma coisa positiva e espiritual. Significava vida em comunhão com Deus e o gozo do favor do Altíssimo. Esta é a concepção fundamental da vida, segundo a Escritura, assim como a morte é primariamente a separação de Deus e a sujeição à Sua ira. A perda dessa vida espiritual daria lugar à morte, e redundaria também na morte física.1 naturais da natureza humana como tal e, pela justitia naturalis, esses poderes foram muito bem ajustados uns aos outros. Ele estava sem pecado e vivia num estado de inocência perfeita. Pela própria natureza das coisas, porém, havia uma tendência dos apetites e paixões inferiores para rebelar-se contra os poderes superiores da razão e da consciência. Essa tendência, denominada concupiscência, não era pecado em si mesma, porém facilmente podia vir a ser ocasião e combustível para o pecado. (Mas, cf. Rm 7.8; Cl 3.5; 1 Ts 4.5, authorized Version; Almeida, Edição Rev. e Corr.). Então, o homem. Como originariamente constituído, por natureza estava sem santidade positiva, mas também sem pecado, embora levando o fardo de uma tendência que facilmente poderia redundar em pecado. Mas agora Deus acrescentou à constituição natural do homem o dom sobrenatural da justiça original pela qual ele foi habilitado a manter na devida sujeição as propensões e os desejos inferiores. Quando o homem caiu, perdeu aquela justiça original, mas a constituição original da natureza humana permaneceu intacta. O homem natural está agora exatamente onde Adão estava antes de ser dotado da justiça original, embora com uma inclinação um tanto mais forte para o mal.
3. CONCEITOS DE ÊNFASE RACIONALIZANTE. Os pelagianos, os socinianos, os arminianos, os racionalistas e os evolucionistas lançam em total descrédito a idéia de um estado primitivo de santidade. Os quatro primeiros grupos concordam que o homem foi criado num estado de inocência, ou seja, de neutralidade moral e religiosa, mas foi dotado de livre arbítrio, de modo que podia seguir esta ou aquela direção. Os evolucionistas afirmam que o homem começou a sua carreira num estado de barbárie, no qual ele estava apenas ligeiramente afastado dos animais irracionais. Os racionalistas de todos os tipos acreditam que uma co-criada justiça e santidade é uma contradição de termos. O homem determina o seu caráter por sua própria e livre escolha, e a santidade só pode resultar de uma vitoriosa luta contra o mal. Pela própria natureza do caso, pois, Adão não pode ter sido criado num estado de santidade. Além disso, os pelagianos, os socinianos e os racionalistas sustentam que o homem foi criado mortal. A morte não resultou da entrada do pecado no mundo, mas era simplesmente o término natural da natureza humana como esta foi constituída. Adão teria morrido [sem a Queda], em virtude da constituição original da sua natureza.

Dados Bíblicos a Respeito da Imagem de Deus no Homem


Os ensinamentos da Escritura a respeito da imagem de Deus no homem dão base para as seguintes afirmações:
fundamento algum. Enquanto que o primeiro sentido da preposição hebraica be (traduzida aqui por "à”) é indubitavelmente "em”, evidentemente pode ter também o mesmo sentido da preposição le (aqui traduzida por "conforme”), e é evidente que tem esse sentido aqui. Observe-se que se diz que somos renovados ou refeitos "segundo a imagem” de Deus, em Cl 3.10; e também que as preposições empregadas em Gn 1.26 ao invertidas em Gn 5.3.
2.    A imagem de Deus segundo a qual o homem foi criado, certamente inclui o que geralmente se denomina "justiça original”, ou mais especificamente, verdadeiro conhecimento, justiça a santidade. Diz-nos a Bíblia que Deus fez o homem muito bem, Gn 1.31 ("muito bom”) e "reto”, Ec 7.29. O Novo Testamento indica muito especificamente a natureza da condição original do homem onde fala do homem sendo refeito em Cristo, isto é, como sendo levado de volta a uma condição anterior. É evidente que a condição à qual ele é restaurado em Cristo não é de neutralidade, nem boa nem má, na qual a vontade esta num estado de perfeito equilíbrio, mas, sim, um estado de verdadeiro conhecimento, Cl 3.10, justiça e santidade, Ef 4.24. Estes três elementos constituem a justiça original perdida por causa do pecado, mas reconquista em Cristo. Pode-se-lhe chamar imagem moral de Deus, ou imagem de Deus no sentido mais restrito da palavra. A criação do homem segundo esta imagem moral implica que a condição original do homem era de santidade positiva, e não um estado de inocência ou de neutralidade moral.
3.    Mas não se deve restringir a imagem de Deus ao conhecimento, à justiça e à santidade originais, perdidos devido ao pecado; ela inclui também elementos que pertencem à constituição natural do homem. São elementos que pertencem ao homem como tal, como as faculdades intelectuais, os sentimentos naturais e a liberdade moral. Como um ser cria do à imagem de Deus, o homem tem uma natureza racional e moral, que não perdeu com o pecado e que não poderia perder sem deixar de ser o homem. Esta parte da imagem de Deus de fato foi corrompida pelo pecado, mas ainda permanece no homem, mesmo depois de sua queda no pecado. Note-se que o homem, mesmo após a queda, independentemente da sua condição espiritual, é apresentado como imagem de Deus, Gn 9.6; 1 Co 11.7; Tg 3.9. Deve-se a atrocidade do crime de homicídio ao fato de que é uma agressão à imagem de Deus. À luz destas passagens da Escritura, não há base para dizer que o homem perdeu completamente a imagem de Deus.
levantar a questão se o corpo do homem também constitui uma parte da imagem. E, ao que parece, está questão deve ser respondida afirmativamente. Diz a Bíblia que o homem - não apenas a alma do homem - foi criado à imagem de Deus, e o homem, a "alma vivente”, não é completo sem o corpo. Alem disso, a Bíblia apresenta o assassínio como destruição do corpo, Mt 10.28, e também como destruição da imagem de Deus no homem, Gn 9.6. Não precisamos procurar a imagem na substância material do corpo; acha-se ela, antes, no corpo visto como o instrumento próprio para auto-expressão da alma. Mesmo o corpo está destinado a tornar-se no fim um corpo espiritual, isto é, um corpo totalmente dominado pelo espírito, um instrumento perfeito da alma.
5.    Outro elemento da imagem de Deus ainda, é a imortalidade. Diz a Bíblia que só Deus tem imortalidade, 1 Tm 6.16, e isto pareceria excluir a idéia da imoralidade humana. Mas é mais que evidente, pela Escritura, que o homem também é imortal, nalgum sentido da palavra. O sentido é que somente Deus tem imortalidade como uma qualidade essencial, tem-na em Si e de Si próprio, ao passo que a imortalidade do homem é uma dádiva, é derivada de Deus. O homem foi criado imortal ano apenas no sentido de que sua alma foi dotada de uma existência interminável, mas também no sentido de que ele não levava dentro de si as sementes da morte física, e em sua condição não estava sujeito à lei da morte. Foi feita a ameaça da morte como punição do pecado, Gn 2.17, e que isso incluía a morte corporal ou física, está patente em Gn 3.9. Paulo nos fala que o pecado trouxe a morte ao mundo, Rm 5.12; 1 Co 15.20, 21, e que morte deve ser considerada como o salário do pecado, Rm 6.23.
da alma, e o ultimo, às faculdades morais. Belarmino considerava a palavra “imagem” como um designativo dos dons naturais do homem, e a palavra “semelhança” como uma descrição daquilo que foi acrescentado sobrenaturalmente ao homem. Ainda outros afirmavam que “imagem” indica a conformidade inata com Deus, e “semelhança”, a adquirida. É muito mais provável, porem, como foi exposto na seção anterior, que ambas as palavras expressem a mesma idéia, e que “semelhança” seja apenas um acréscimo epizegético para designar a imagem como sumamente parecida ou muito semelhante. A idéia expressa pelas duas palavras é a da própria imagem de Deus. A doutrina da imagem de Deus no homem é da maior importância na teologia, pois essa imagem é a expressão daquilo que é mais distinto no homem e em sua relação com Deus. O fato de ser o homem imagem de Deus distingue-o dos animais e de todas as outras criaturas. Quando podemos saber da Escritura, até mesmo os anjos não compartem com os homens essa honra, embora às vezes o assunto seja apresentado como se compartissem. Calvino chega a dizer que “não se pode negar que os anjos também foram criados à semelhança de Deus visto que, como Cristo declara (Mt 22.30), a nossa perfeição suprema consiste em sermos semelhantes a eles”.11 Mas nessa declaração o grande reformador não leva devidamente em conta o ponto especifico da comparação presente na afirmação de Jesus. Em muitos casos, a suposição de que os anjos também foram criados à imagem de Deus resulta de uma concepção da imagem que a limita às nossas qualidades morais e intelectuais. Mas a imagem inclui também o corpo do homem e seu domínio sobre a criação inferior. Os anjos jamais são apresentados como da criação, mas como espíritos ministradores enviados para servir aos herdeiros da salvação. As mais importantes concepções da imagem de Deus no homem são as que damos a seguir.
sede da imagem de Deus está na alma, embora alguns raios da sua glória brilhem também no corpo. Acha ele que a imagem consistia especialmente naquela integridade original da natureza do homem, perdida por causa do pecado, integridade que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade. Ao mesmo tempo ele acrescenta "que a imagem de Deus abrange tudo que na natureza do homem sobrepuja a de todas as outras espécies de animais”.1 Esta concepção mais ampla da imagem de Deus veio a ser a predominante na teologia reformada (calvinista). Daí dizer Witsius: "A imagem de Deus consistia antecedenter, na natureza espiritual e imortal do homem; formaliter, em sua santidade; consequenter, em seu domínio”.12 Opinião muito semelhante é expressa por Turretino.13 Em resumo, pode-se dizer que a imagem de Deus consiste (a) Da alma ou do espírito do homem, isto é, das qualidades de simplicidade, espiritualidade, invisibilidade e imortalidade. (b) Dos poderes ou faculdades psíquicas do homem como um ser racional e moral, a saber, o intelecto e a vontade com as suas funções. (c) Da integridade moral e intelectual da natureza do homem, que se revela no verdadeiro conhecimento, justiça e santidade, Ef 4.24; Cl 3.10. (d) Do corpo, não como substância material, mas como o apto órgão da alma, e que participa da imortalidade desta; e como o instrumento por meio do qual o homem pode exercer domínio sobre a criação inferior. (e) Do domínio do homem sobre a terra. Contrariamente aos socianinos, alguns eruditos reformados foram longe demais na direção oposta, quando consideraram esse domínio com uma coisa não pertencente de modo algum à imagem, mas sim, como o resultado de uma concessão especial de Deus. Em conexão com a questão, se a imagem de Deus pertence à essência do homem propriamente dita, a teologia reformada não hesitou em dizer que ela constitui a essência do homem. Todavia, ela distingue entre os elementos da imagem de Deus que o homem não pode perder sem deixar de ser homem, elementos que consistem das qualidades e poderes da alma humana, e aqueles elementos que o homem pode perder e continuar sendo homem, a saber, as boas qualidades éticas da alma e seus poderes. Neste sentido restrito, a imagem de Deus é idêntica ao que se chama justiça original. É a perfeição moral da imagem que podia ser perdida por causa do pecado, e foi.
com o que ambos têm em comum, sua diferença é de pequena importância. Por meio do pecado, o homem perdeu inteiramente a imagem de Deus, e o que agora o distingue dos animais tem muito pouca significação religiosa ou teológica. A grande diferença entre aquele e estes está na imagem de Deus, e esta o homem perdeu inteiramente. Em vista disso, também é natural que os luteranos adotem o traducionismo, e assim ensinem que a alma do homem origina-se como a dos animais, isto é, pela procriação. Isso também explica o fato de que os luteranos dificilmente reconhecem a unidade moral da raça humana, mas acentuam enfaticamente a sua unidade física, e a reprodução exclusivamente física do pecado. Barth aproxima-se mais da posição luterana que a da reformada quando busca a imagem de Deus num "ponto de contato” entre Deus e o homem, numa certa conformidade com Deus, e depois afirma que isto não somente foi arruinado, mas até mesmo aniquilado pelo pecado.1
3.    O CONCEITO CATÓLICO ROMANO. Os católicos romanos não concordam totalmente em sua concepção da imagem de Deus. Limitamo-nos aqui a uma exposição do conceito predominante entre eles. Eles sustentam que, quando da criação, Deus dotou o homem de certos dons naturais, como a espiritualidade da alma, a liberdade da vontade e a imortalidade do corpo. A espiritualidade, a liberdade e a imortalidade são dos naturais e, como tais, constituem a imagem natural de Deus. Além disso, Deus "temperou” (ajustou) os poderes naturais uns junto aos outros, colocando os inferiores na devida subordinação aos superiores. A harmonia assim estabelecida é chamada justitia - justiça natural. Mas, mesmo assim, permaneceu no homem a tendência natural dos apetites e paixões inferiores de rebelar-se contra a autoridade dos poderes superiores da razão e da consciência. Essa tendência, chamada concupiscência, não é pecado em si mesma, mas passa a ser pecado quando recebe o consentimento da vontade e passa à ação voluntária. A fim de capacitar o homem a manter sob controle a sua natureza inferior, Deus acrescenta aos dons naturais (dona naturalia) certos dons sobrenaturais (dona supernaturalia). Estes incluíam o dom acrescentado (donum superadditum) da justiça original (a sobrenatural semelhança com Deus), dado por acréscimo como um dom alheio à constituição original do homem, seja imediatamente ao tempo da criação, ou nalgum ponto posterior, como recompensa pelo uso apropriado dos poderes naturais. Estes dons sobrenaturais, o donum superadditum da justiça original inclusive, foram perdidos devido ao pecado, mas a sua perda não rompeu a natureza essencial do homem.

Conceitos Históricos da Imagem de Deus no Homem

De acordo com a Escritura, o homem foi criado à imagem de Deus e, portanto, tem relação com Deus. Traços desta verdade acham-se na literatura pagã. Paulo assinalou aos atenienses que alguns dos seus poetas falam do homem como geração de Deus, At 17.28. Os primeiros "pais da igreja” concordavam plenamente que a imagem de Deus, nos homens consistia primordialmente de características racionais e morais do homem, e em sua capacidade para a santidade; mas alguns se inclinavam a incluir também as características corporais. Irineu e Tertuliano traçaram uma distinção entre a "imagem” e a "semelhança” de Deus, vendo a primeira nas características corporais, e a última na natureza espiritual do homem. Clemente de Alexandria e Orígenes, porém, rejeitaram a idéia de qualquer analogia corporal e sustentavam que a palavra "imagem” indica as características do homem como tal, e a palavra "semelhança”, qualidades não essenciais do homem, mas que podem ser cultivadas ou perdidas. Esta idéia encontra-se também em Atanásio, Hilário, Ambrósio, Agostinho e João de Damasco. Segundo Pelágio e seus seguidores, a imagem consistia apenas em que o homem foi dotado de razão, para que pudesse conhecer a Deus; de livre arbítrio, para que fosse capaz de escolher o bem e praticá-lo; e do necessário poder governar a criação inferior. A distinção já feita por alguns dos primeiros "pais da igreja” entre a imagem e a semelhança da Deus foi mantida pelos escolásticos, embora nem sempre expressa do mesmo modo. Concebia-se que a imagem incluía as faculdades intelectuais da razão e da liberdade, e que a semelhança consistia da justiça original. A isto acrescentou-se outro ponto de distinção, a saber, a distinção entre a imagem de Deus como dom natural ao homem, algo pertencente à própria natureza do homem como tal, e a semelhança de Deus, ou a justiça original como dom sobrenatural, que servia de controle da natureza inferior do homem. Havia uma diferença de opinião quanto a se o homem foi dotado dessa justiça original logo na criação, ou se a recebeu mais tarde como recompensa por sua obediência temporária. Era essa justiça original que capacitava o homem a merecer a vida eterna. Os reformadores rejeitaram a distinção entre a imagem e a semelhança, e consideravam a justiça original como incluída na imagem de Deus e como pertencem à própria natureza do homem em sua condição originaria. Contudo, havia uma diferença de opinião entre Lutero e Calvino. Aquele não buscava a imagem de Deus em nenhum dos dons naturais do homem, tais como as suas faculdades racionais e morais, mas, sim, exclusivamente na justiça original e, portanto, considerava a imagem como inteiramente perdida devido ao pecado. Calvino, por outro lado, expressa-se como segue, após afirma que a imagem de Deus abrange tudo aquilo em que a natureza do homem sobrepuja a de todas as outras espécies de animais: ‘Por conseguinte, com esta expressão (‘imagem de Deus’) indica-se a integridade de que Adão foi dotado quando o seu intelecto era límpido, as suas emoções estavam subordinadas à razão, todos os seus sentidos eram regulados devidamente, e quando ele verdadeiramente atribuía toda a sua excelência aos admiráveis dons do seu Criador. E conquanto a sede primaria da imagem divina estivesse na mente e no coração, ou na alma e suas faculdades, não havia parte nenhuma, mesmo no corpo, em que não fulgissem alguns raios de glória”.10 Ela incluía tanto os dotes naturais como aquelas qualidades espirituais designadas como justiça original, isto é, real conhecimento, justiça e santidade. A imagem foi contaminada pelo pecado, mas somente essas qualidades espirituais foram totalmente perdidas. Os socinianos e alguns dos arminianos mais antigos ensinavam que a imagem de Deus consistia somente do domínio do homem sobre a criação inferior. Schleiermacher rejeitou a idéia de um estado original de integridade e de justiça original como uma doutrina necessária. Desde que, como ele o vê, a perfeição moral ou a justiça e santidade só podem ser resultado de desenvolvimento, considera uma contradição de termos falar do homem como criado num estado de justiça e santidade. Dai, a imagem de Deus no homem só pode ser uma certa receptividade para com o divino, uma capacidade de responder ao ideal divino e de crescer rumo à semelhança de Deus. Teólogos modernos ha que, como Martensen e Kaftan, seguem essa linha de pensamento.

A Origem da Alma no Indivíduo


1. CONCEITOS HISTÓRICOS SOBRE S ORIGEM DA ALMA. A filosofia grega dedicou considerável atenção ao problema da alma humana e não deixou de fazer sentir a sua influencia na teologia cristã. A natureza, a origem e a existência permanente da alma eram objetos de consideração. Platão cria na preexistência e na transmigração da alma. Na Igreja primitiva a doutrina da preexistência da alma limitava-se praticamente à escola Alexandrina. Orígenes foi o principal representante dessa idéia e a combinava com a noção de uma queda pré-temporal. Logo apareceram dois outros conceitos e se provaram muito mais populares nos círculos cristãos: o criacionismo e o traducionismo. A teoria do criacionismo sustenta que Deus cria uma nova alma por ocasião do nascimento de cada indivíduo. Foi a teoria dominante na igreja oriental, e também encontrou alguns defensores no Ocidente. Jerônimo e Hilário de Pictávio foram os seus representantes mais proeminentes. Na igreja ocidental o traducionismo aos poucos foi ganhando terreno. De acordo com este conceito, a alma do homem, como o corpo, origina-se mediante reprodução. Geralmente se funde com a teoria realista de que a natureza humana, em sua inteireza, foi criada por Deus e crescentemente se individualiza, à medida que a raça humana se multiplica. Tertuliano foi o primeiro a expor a teoria do traducionismo e esta, sob a influência dele, continuou a obter apoio nas igrejas norte-africana e ocidental. Parecia adequar-se melhor à doutrina da transmissão do pecado que era comum naqueles círculos. Para Leão, o Grande, ela constituía o ensino da fé católica. No Oriente não foi bem acolhida. Agostinho hesitou entre as duas teorias.Alguns dos escolásticos mais antigos mostravam-se um tanto indecisos, embora considerassem o criacionismo a mais provável das duas; mas com o correr do tempo, tornou-se consenso de opinião entre os teólogos que as almas individuais são criadas. Diz Pedro Lombardo: “A igreja ensina que as almas são criadas quando de sua infusão no corpo”. E Tomaz de Aquino foi mais longe, ao dizer: “É heresia dizer que a alma intelectual é transmitida por meio de geração”. Este ficou sendo o conceito dominante na Igreja Católica Romana. Desde os dias da Reforma, há diferença de opinião entre os protestantes. Lutero expressou-se em favor do traducionismo, e este tornou a opinião dominante na Igreja Luterana. Calvino, por outro lado, apoiou decididamente o criacionismo. Diz ele, em seu comentário de Gn 3.16: "Tampouco é necessário lançar mão da antiga ficção de certos escritores, de que as almas são derivadas por descendência dos nossos primeiros pais”. Desde a época da reforma, tem sido sempre esta opinião comum nos círculos reformados (calvinistas). Não significa que não há exceções à regra. Jonathan Edwards e Hopkins, na teologia da Nova Inglaterra, favoreciam o traducionismo. Júlio Mueller, em sua obra sobre A Doutrina Cristã do pecado (The Christian Doctrine of Sin), exibe um argumento em favor da preexistência da alma, ligado ao da queda pré-temporal, a fim de explicar a origem do pecado.
2.    PREEXISTENCIALISMO. Alguns teólogos especulativos, dentre os quais Orígenes, Scotus Erígena e Júlio Mueller são os mais importantes, defendiam a teoria de que as almas dos homens existiam num estado anterior, e que certas ocorrências naquele primeiro estado explicam a condição em que essas almas se acham agora. Orígenes vê a atual existência material do homem, com todas as suas desigualdades e irregularidades morais e físicas, como um castigo pelos pecados cometidos numa existência anterior. Scotus Erígena também sustenta que o pecado deu entrada no mundo da humanidade no estado pré-temporal, e que, portanto, o homem começa a sua carreira na terra como pecador. E Júlio Mueller recorre à teoria, com o fim de conciliar as doutrinas da universalidade do pecado e da culpa individual. Segundo ele, cada pessoa necessariamente deve ter cometido pecado voluntário naquela existência anterior.
Essa teoria expõe-se a várias objeções: (a) É absolutamente vazia de bases bíblicas e filosóficas e, pelo menos nalgumas de suas formas, baseia-se no dualismo de matéria e espírito como ensinado na filosofia pagã, fazendo da ligação da alma com o corpo uma punição para a alma. (b) Faz realmente do corpo uma coisa acidental. A alma estava inicialmente sem o corpo, recebendo-o posteriormente. O homem era completo sem o corpo. Isto elimina virtualmente a distinção entre o homem e os anjos. (c) Destrói a unidade da raça humana, pois presume que todas as almas individuais existiam muito antes de entrarem na vida presente. Elas não constituem uma raça. (d) Não acha suporte na consciência do homem. O homem absolutamente não tem consciência de uma tal existência anterior; tampouco sente que o corpo é uma prisão ou um lugar de punição para a alma. De fato, ele teme a separação de corpo e alma como uma coisa antinatural.
a.    Argumentos em favor do traducionismo. Vários argumentos são aduzidos em favor dessa teoria. (1) Alega-se que é favorecida pela descrição bíblica segundo a qual (a) Deus uma única vez soprou nas narinas no homem o fôlego de vida, e depois deixou que o homem reproduzisse a espécie, Gn 1.28; 2.7; (b) a criação da alma de Eva estava incluída na de Adão, desde que se diz que ela foi feita "do homem” (1 Co 11.8), e nada se diz acerca da criação da sua alma, Gn 2.23; (c) Deus cessou a obra de criação depois de haver feito o homem, Gn 2.2; e (d) afirma-se que os descendentes estão nos lombos* dos seus pais, Gn 46.26; Hb 7.9,10. Cf. também passagens como Jô 3.6; 1.13; Rm 1.3; At 17.26. (2) tem o apoio da analogia da vida vegetal e animal, em que o aumento numérico é assegurado, não por um número continuadamente crescente de criações imediatas, diretas, mas pela derivação natural de novos indivíduos de um tronco paterno. Cf., porém, Sl 104.30. (3) A teoria procura também apoio na herança de peculiaridades mentais e tipos familiais, tantas vezes tão notórios e notáveis como semelhanças físicas, que não podem ser explicados pela educação ou pelo exemplo, desde que se evidenciam mesmo quando seus pais não vivem para criar os seus filhos. (4) Finalmente, ela parece oferecer a melhor base par a explicação da herança da depravação moral e espiritual, que é assunto da alma, e não do corpo. É muito comum combinar o traducionismo com a teoria realista para explicar o pecado original.
b.    Objeções ao traducionismo. Diversas objeções podem ser levantadas contra essa teoria. (1) É contrária à doutrina filosófica da simplicidade da alma. A alma é uma substância puramente espiritual que não admite divisão. A reprodução da alma pareceria implicar que a alma do filho se separa de algum modo da alma dos pais. Além disso, levanta-se a questão se ela se origina da alma do pai ou da mãe. Ou provém de ambos? Sendo assim, não é um composto? (2) para evitar a dificuldade recém-mencionada, esse conceito tem que recorrer a uma destas três teorias: (a) que a alma da criança teve uma existência anterior, uma espécie de preexistência; (b) que a alma está potencialmente presente na semente do homem ou da mulher ou de ambos, o que é materialismo; ou (c) que a alma é produzida, isto é, criada de algum modo pelos pais, o que faz deles criadores, em certo sentido. (3) O traducionismo parte do pressuposto de que, depois da criação original, deus só age mediatamente. Depois dos seis dias da criação a Sua obra criadora cessou. A contínua criação de almas, diz Delitzsch, é incoerente com a relação de Deus com o mundo. Pode-se, porém, levantar a questão: Que será, então, da doutrina da regeneração, que não é efetuada por causas secundárias? (4) Geralmente se alia à teoria do realismo, uma vez que é o único modo pelo qual pode explicar a culpa original. Fazendo isso, afirma a unidade numérica da substância de todas as almas humanas, posição insustentável; e também deixa de dar uma resposta satisfatória à questão, por que os homens são responsabilizados somente pelo primeiro pecado de Adão, e não pelos seus pecados subseqüentes, nem pelos pecados dos seus outros antepassados. (5) Finalmente, na forma imediatamente acima indicada, a teoria leva a dificuldades insuperáveis na cristologia. Se em Adão a natureza humana pecou globalmente, e esse pecado foi, portanto, o verdadeiro pecado de cada parte dessa natureza humana, não se pode fugir à conclusão de que a natureza humana de Cristo também foi pecadora e culpada, porque teria pecado de fato em Adão.
4. CRIACIONISMO. Para este modo de ver, cada alma individual deve ser considerada como uma imediata criação de deus, devendo a sua origem a um ato criador direto, cuja ocasião não se pode determinar com precisão. A alma é, supostamente, uma criatura pura, mas unida a um corpo depravado. Não significa necessariamente que a alma é criada primeiro. Separadamente do corpo, corrompendo-se depois pelo contato com o corpo, o que pareceria pressupor que o pecado é algo físico. Pode simplesmente significar que a alma, conquanto chamada à existência por um ato criador de deus, é, contudo, pré-formada na vida física do feto, isto é, na vida dos pais e, assim, adquire a sua vida não acima e fora daquela complexidade de pecado que pesa sobre toda a humanidade, mas debaixo dessa complexidade e nela.1
a.    Argumentos em favor do criacionismo. São as seguintes, as mais importantes considerações em favor dessa teoria: (1) É mais coerente com as descrições gerais da Escritura, que o traducionismo. O relato original da criação indica marcante distinção entre a criação do corpo e a da alma. Aquele é tomado da terra, ao passo que esta vem diretamente de Deus. Esta distinção se mantém através de toda a Bíblia, onde o corpo e a alma não somente são apresentados como substâncias diferentes, mas também como tendo origens diferentes, Ec 12.7; Is 42.5; Zc 12.1; Hb 12.9. Cf. Nm 16.22. Da passagem de Hebreus, mesmo Delitzch, apesar de traducionista, diz: "Dificilmente poderá haver um texto-prova mais clássico em favor do criacionismo”.2 (2) É claramente mais coerente com a natureza da alma humana, que o traducionismo. A natureza imaterial e espiritual e, portanto indivisível, da alma do homem, geralmente admitida por todos os cristãos, é expressamente reconhecida pelo criacionismo. Por outro lado, o traducionismo defende uma derivação da essência que, como geralmente se admite, necessariamente implica separação ou divisão da essência. (3) Evita os perigos latentes que corre
0    traducionismo na área da cristologia, e faz maior justiça à descrição escriturística da pessoa de Cristo. Ele foi verdadeiro homem, possuindo verdadeira natureza humana, corpo real e alma racional, nasceu de mulher, fez-se semelhante a nós em todos os pontos - e, todavia, sem pecado. Diversamente de todos os outros homens, Ele não participou da culpa e corrupção da transgressão de Adão. Isso foi possível porque Ele não compartiu a mesma essência numérica que pecou em Adão.
b.    Objeções ao criacionismo. O criacionismo expõe-se às seguintes objeções: (1) A objeção mais séria é exposta por Strong com as seguintes palavras: "Se essa teoria admite que a alma era possuída originalmente de tendências depravadas, faz de Deus o autor direto do mal moral; se ela sustenta que a alma foi criada pura, faz de Deus indiretamente o autor do mal moral, ensinando que Ele introduz essa alma pura num corpo que inevitavelmente a corromperia”. Esta é, indubitavelmente, uma séria dificuldade, e geralmente é considerada como o argumento decisivo contra o criacionismo. Agostinho já tinha chamado a atenção para o fato de que o criacionista devia procurar evitar este risco. Deve-se ter em mente, porém, que, ao contrário do traducionista, o criacionista não considera o pecado original inteiramente como matéria de herança. Os descendentes de Adão são pecadores, não como resultado de serem postos em contato com um corpo pecaminoso, mas em virtude do fato de que Deus lhes imputa a desobediência original de Adão. E é por essa razão que Deus retira deles a justiça original, seguindo-se naturalmente a corrupção do pecado. (2) O criacionismo considera que o pai terreno gera somente o corpo do seu filho - certamente não a parte mais importante da criança - e, portanto, não explica o reaparecimento das características morais e mentais dos pais nos filhos. Além disso, por tomar esta posição, ele atribui aos animais irracionais poderes de reprodução mais nobres que ao homem, pois o animal se multiplica segundo sua espécie. A última consideração não tem muita importância. E no concernente às semelhanças morais e mentais de pais e filhos, não é preciso supor necessariamente que essas semelhanças só podem ser explicadas com base na hereditariedade. Nosso conhecimento da alma ainda é muito deficiente, para falarmos com absoluta segurança sobre este ponto. Mas essas semelhanças podem achar explicação, em parte no exemplo dos pais, em parte na influência do corpo, sobre a alma, e em parte no fato de que Deus não cria todas as almas igualmente, mas em cada caso particular cria uma alma adaptada ao corpo ao qual se unirá, e ao complexo relacionamento em que será introduzida. (3) O criacionismo não está em harmonia com a relação atual de Deus com o mundo e com a Sua maneira de agir nele, visto ensinar uma atividade criadora direta de Deus, e assim ignora o fato de que Deus presentemente age por meio de causas secundárias e cessou Sua obra criadora. Esta objeção não é muito grave para os que não têm uma concepção deísta do mundo. É uma pressuposição gratuita, dizer que Deus cessou a Sua atividade criadora no mundo.

5. OBSERVAÇÕES FINAIS.
a. Requer-se cautela ao falar sobre este assunto. Deve-se admitir que os argumentos de ambos os lados são muito equilibrados, apresentando peso igual. Em vista deste fato, não é surpreendente que Agostinho tenha achado difícil fazer uma escolha entre os dois. A Bíblia não faz nenhuma afirmação direta a respeito da origem da alma do homem, exceto no caso de Adão. As poucas passagens da Escritura aduzidas em favor de uma teoria ou da outra, dificilmente podem ser chamadas conclusivas num ou noutro caso. E, uma vez que não temos claro ensino da Escritura sobre o ponto em questão, é necessário falar com cautela sobre o assunto. Não pretendamos sabedoria acima daquilo que está escrito. Vários teólogos são de opinião que há um elemento de verdade nestas duas teorias, que se deve reconhecer.1 Dorner mesmo sugere a idéia de que cada uma das três teorias discutidas representa um aspecto da verdade completa: “O traducionismo, consciência genérica; o preexistencialismo, consciência própria, ou o interesse da personalidade como um pensamento divino, eterno e separado; o criacionismo, consciência de Deus”.1
b. Alguma forma de criacionismo merece preferência. Parece-nos que o criacionismo merece preferência porque (1) não encontra a insuperável dificuldade filosófica que pesa sobre o traducionismo; (2) evita os erros cristológicos que o traducionismo envolve; e (3) harmoniza-se mais com a nossa idéia de aliança. Ao mesmo tempo, estamos convencidos de que a atividade criadora de Deus originando almas humanas deve ser entendida como estando mais estreitamente ligada ao processo natural da geração de novos indivíduos. O criacionismo não tem a pretensão de poder eliminar todas as dificuldades, mas, ao mesmo tempo, serve de advertência contra os seguintes erros: (1) que a alma é divisível; (2) que todos os homens são numericamente da mesma substância; e (3) que Cristo assumiu a mesma natureza numérica que caiu em Adão.

Os Elementos Constitutivos da Natureza Humana


1. AS DIFERENTES OPINIÕES QUE FORAM COMUNS NA HISTÓRIA: DICOTOMIA E TRICOTOMIA. É costume. Especialmente nos círculos cristãos, entender que o homem consiste de duas partes distintas, e de duas somente, a saber, corpo e alma. Esta concepção é tecnicamente denominada dicotomia. Ao lado dela, porém, apareceu outra, segundo a qual a natureza humana consiste de três partes, corpo, alma e espírito. É designada pelo termo trícotomia. O conceito do homem tripartido originou-se na filosofia grega, que entendia a relação mútua entre o corpo e o espírito do homem segundo a analogia da mútua relação entre o universo material de Deus. Pensava-se que, justamente como estes só podiam ter comunhão um com o outro por meio de uma terceira substância ou de um ser intermediário, assim aqueles só podiam entrar em relações mútuas vitais por meio de um terceiro elemento, ou de um elemento intermediário, a saber, a alma. Por um lado, a alma era considerada como imaterial e, por outro, como adaptada ao corpo. Na medida em que se adapta ao nous ou ao pneuma, era tida como imortal, mas Ana medida em que se relaciona com o corpo, como carnal e mortal. A mais conhecida, e também a mais crua forma de tricotomia, é a que toma o corpo como a parte material da natureza humana, a alma como o princípio da vida animal, e o espírito como o elemento humano racional, imortal e relacionado com Deus. A concepção tricotômica do homem recebeu considerável apoio dos “pais” da igreja grega ou Alexandrina dos primeiros séculos da era cristã. Encontra-se, embora nem sempre exatamente da mesma forma, em Clemente de Alexandria, Orígenes e Gregório de Nissa. Mas, depois que Apolinário a empregou de maneira ofensiva à perfeita humanidade de Jesus, foi ficando gradativamente desacreditada. Alguns dos “pais” gregos ainda aderiam a ela, apesar de explicitamente repudiada pro Atanásio e Teodoreto. Na igreja latina, os principais teólogos apoiavam, diversamente, a dupla divisão da natureza humana. Foi especificamente a psicologia de Agostinho que deu proeminência a este modo de ver. Durante a Idade Média, tornou-se objeto de crença comum. A Reforma não trouxe mudança alguma, quanto a isso, conquanto uns poucos luminares menores defendessem a teoria tricotômica. A Igreja Católica Romana aderiu ao veredicto do escolasticismo, mas nos círculos do protestantismo ouviram-se outras vozes. Durante o século dezenove a tricotomia foi revivida numa ou noutra forma por certos teólogos alemães e ingleses, como Roos, Olshausen, Beck, Delitzsch, Auberlen, Oehler, White e Heard; mas não encontrou muito apoio no mundo teológico. Os recentes advogados dessa teoria não concordam quanto à natureza da psyque, nem quanto à sua relação com os outros elementos da natureza humana. Delitzsch a concebe como uma exaltação do pneuma, enquanto que Beck, Oehler e Heard a consideram como o ponto de união entre o corpo e o espírito. Delitzsch não é bem coerente e ocasionalmente parece oscilar, e Beck e Oehler admitem que a descrição bíblica do homem é fundamentalmente dicotômica. Dificilmente se pode dizer que a sua defesa de uma tricotomia implica a existência de três elementos distintos no homem. Além dessas duas concepções teológicas, houve também, principalmente no último século e meio, os conceitos filosóficos do materialismo absoluto e do idealismo absoluto, aquele sacrificando a alma em favor do corpo, e este, o corpo em favor da alma.
2. OS ENSINAMENTOS DA ESCRITURA SOBRE OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA NATUREZA HUMANA. A exposição geral da natureza do homem na Escritura é claramente dicotômica. De um lado, a Bíblia nos ensina a ver a natureza do homem como uma unidade, e não como uma dualidade consistente de dois elementos diferentes, cada um dos quais movendo-se ao longo de linhas paralelas em realmente unir-se para formar um organismo único. A idéia de um simples paralelismo entre os dois elementos da natureza humana, encontrada na filosofia grega e também nas obras de alguns filósofos posteriores, é inteiramente alheia à Escritura. Embora reconhecendo a complexa natureza humana, ela nunca a expõe como redundando num duplo sujeito no homem. Cada ato do homem é visto como um ato do homem todo. Não é a alma, e sim, o homem, corpo e alma, que é redimido em Cristo. Esta unidade já acha expressão na passagem clássica do Velho Testamento - a primeira passagem a indicar a complexa natureza do homem - a saber, Gn 2.7: "Então formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra, e lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. A passagem toda trata do homem: "Formou o Senhor Deus ao homem... e o homem passou a ser alma vivente”. Esta obra realizada por Deus não deve ser interpretada como um processo mecânico, como se Ele tivesse formado primeiro o corpo do homem e depois tivesse posto nele uma alma. Quando Deus formou o corpo, formou-o d modo que, pelo sopro do Seu Espírito Santo, o homem se tornou imediatamente alma vivente, Jó 33.4; 32.8. A palavra "alma”, em Gn 2.7, não tem o sentido que geralmente lhe atribuímos - sentido deveras alheio ao Velho Testamento - mas denota um ser vivo, e é a descrição do homem completo. Exatamente a mesma expressão hebraica, nephesh hayyah (alma ou ser vivente) é aplicada também aos animais em Gn 1.21, 24, 30. Assim, esta passagem, embora indicando que há dois elementos no homem, dá ênfase, porém, a unidade orgânica do homem.
Ao mesmo tempo, ela contém igualmente provas da composição dual da natureza. Contudo, devemos acautelar-nos quanto a esperar ver no Velho Testamento a distinção posterior entre o corpo, como o elemento material, e a alma, como o elemento espiritual da natureza humana. Esta distinção entrou em uso mais tarde, sob a influência da filosofia grega. A antítese - alma e corpo -mesmo em seu sentido neotestamentário, não se acha no velho testamento. De fato, o hebraico não tem uma palavra para o corpo como organismo. A distinção veterotestamentária dos dois elementos da natureza humana é de diferente espécie. Em sua obra sobre A Doutrina Bíblica do Homem, 1 diz Laidlaw: “Vê-se com clareza que a antítese é entre o inferior e o superior, o terreno e o celeste, o animal e o divino. Não se trata tanto de dois elementos, mas de dois fatores que se unem, com uma resultante única e harmoniosa - ‘o homem passou a ser alma vivente’”. É evidente que é essa a distinção presente em Gn 2.7. Cf.também Jó 27.3; 32.8; 33.4; Ec 12.7. Várias palavras são empregadas no Velho Testamento para indicar o elemento inferior do homem ou partes dele, como “carne”, “pó”, “ossos”, “entranha”, “rins”, e também a expressão metafórica de Jó 4.19, “casas de barro”. Há também diversas palavras que indicam o elemento superior, como “espírito”, “alma”, “coração” e “mente”. Tão logo passamos do Velho para o Novo testamento, encontramos as expressões antitéticas com que estamos mais familiarizados, como “corpo e alma”, “carne e espírito”. As palavras gregas correspondentes foram, sem dúvida, moldadas pelo pensamento filosófico grego, mas passaram para o Novo testamento por intermédio da Septuaginta e, portanto, retiveram a sua ênfase veterotestamentária. Ao mesmo tempo, a idéia antitética do material e o imaterial atualmente se liga a elas.
Os tricotomistas procuram suporte no fato de que a Bíblia, como eles a vêem, reconhece duas partes constitutivas da natureza humana em acréscimo ao elemento inferior ou material, a saber, a alma (hebraico,nephesh; grego, psyque) e o espírito (hebraico, ruah; grego, pneuma ). Mas o fato de serem empregados esses termos com grande freqüência na escritura não dá base para a conclusão de que designam partes componentes, em vez de aspectos diferentes da natureza humana. Um cuidadoso estudo da Escritura mostra claramente que ela emprega as palavras umas pelas outras, em permuta recíproca. Ambos os termos indicam o elemento superior ou espiritual do homem, vendo-o, porém, de diferentes pontos de vista. Contudo, é preciso mostrar logo de início que a distinção que a Escritura faz entre os dois não concorda com o que é mais comum na filosofia, de que a alma é o elemento espiritual do homem, conforme se relaciona com o mundo animal, enquanto que o espírito é aquele mesmo elemento em sua relação com o mundo espiritual superior, e com Deus. Os seguintes fatos militam contra essa distinção filosófica: Ruah-pneuma, bem como nephesh-psyque, são empregados com referência à criação animal inferior, Ec 3.21; Ap 16.3. A palavrapsyque é empregada até com referencia a Jeová, Is 42.1; Jr 9.9; Am 6.8 (texto hebraico); Hb 10.38. Os mortos desencarnados são chamados psyqai,Ap 6.9; 20.4. Os mais elevados exercícios da religião são atribuídos à psyque, Mc 12.30; Lc 1.46; Hb
6.18, 19; Tg 1.21. Perder a psyque é perder tudo. É mais que evidente que a Bíblia emprega as duas palavras uma pela outra, permutando-as reciprocamente. Observa-se o paralelismo em Lc 1.46, 47: “A minha alma engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu
Salvador”. A fórmula escriturística para designar o homem é, nalgumas passagens, "corpo e alma”, Mt 6.25;5 10.28; e noutras, "corpo e espírito”,6 Ec 12.7; 1 Co 5.3, 5. Às vezes a morte é descrita como a entrega da alma, Gn 35.18; 1 Rs 17.21; At 15.26;77 e também como a entrega do espírito, Sl 31.5; Lc 23.46; At 7.59. Além disso, tanto "alma” como "espírito”são empregados para designar o elemento imaterial do homem, 1 Pe 3.19; Hb 12.23; Ap 6.9; 20.4. A principal distinção feita pela Escritura é como segue: a palavra "espírito”designa o elemento espiritual do homem como o princípio de vida e ação que domina e dirige o corpo; ao passo que a palavra "alma” denomina o mesmo elemento como o sujeito da ação no homem e, portanto, muitas vezes é empregada em lugar do pronome pessoal no Velho Testamento, Sl 10.1, 2; 104.1; 146.1; Is 42.1; cf, também Lc 12.19. Em diversos casos, designa mais especificamente a vida interior como a sede dos sentimentos. Isso tudo está em completa harmonia com Gn 2.7, "o Senhor Deus...lhe soprou nas narinas o fôlego de vida, e o homem passou a ser alma vivente”. Assim, pode dizer que o homem tem espírito, mas é alma. Portanto, a Bíblia indica dois, e somente dois, elementos constitutivos da natureza humana, a saber, corpo e espírito ou alma. Esta descrição escriturística harmoniza-se também com a consciência própria do homem. Enquanto que o homem tem consciência do fato de que consiste de um elemento material e de um elemento espiritual, nenhum homem tem consciência de possuir alma em distinção do espírito.
Há, porém, duas passagens que parecem estar em conflito com a usual descrição dicotômica da escritura, a saber, 1 Ts 5.23, "O mesmo Deus de paz vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo, sejam conservados íntegros e irrepreensíveis na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo”; e Hb 4.12, "porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. Deve-se notar, porém, que: (a) É boa regra de exegese que as afirmações excepcionais sejam interpretadas à luz da analogia Scripturae, ou seja, da apresentação usual da Escritura. Em vista deste fato, alguns dos defensores da tricotomia admitem que essas passagens não provam necessariamente a posição deles. (b) A simples menção dos termos espírito e alma um ao lado do outro não prova que, segundo a escritura, são duas substâncias distintas, como também Mt 22.37 não prova que Jesus Considerava o coração, a alma e o entendimento como três substâncias distintas. (c) Em 1 Ts 5.23 o apóstolo deseja simplesmente fortalecer a afirmação: "O mesmo Deus da paz vos santifique em tudo”, com uma declaração epizegética,88 na qual se resumem os diferentes aspectos da existência do homem, e na qual o apóstolo se sente perfeitamente livre para mencionar os termos alma e espírito um ao lado do outro, porque a Bíblia distingue entre ambos. Ele não poderia ter pensado na alma e no corpo como duas substâncias diferentes, porquanto noutros lugares da Escritura diz ele que o homem consiste de duas partes, Rm 8.10; 1 Co 5.5; 7.34; 2 Co 7.1; Ef 2.3; Cl 2.5. (d) Hb 4.12 não deve ser entendido no sentido de que a palavra de Deus, penetrando no íntimo do homem, faz separação entre a sua alma e o seu espírito, o que naturalmente implicaria que são dias substâncias diferentes; mas simplesmente no sentido de uma declaração de que ela produz uma separação entre os pensamentos e as intenções do coração.9
3. RELAÇÃO MÚTUA DO CORPO E DA ALMA. A exata relação mútua do corpo e da alma tem sido exposta de várias maneiras, mas em grande medida continua sendo um mistério. As seguintes são as teorias mais importantes relativas a este ponto:
a.    Teorias monistas. São as que partem do pressuposto de que o corpo e a alma são da mesma substância primitiva. De acordo com o materialismo, essa substância primitiva é a matéria, e o espírito é um produto da matéria. E de acordo com o idealismo absoluto e com o espiritualismo, a substância primitiva é o espírito, e este se torna objetivo para si mesmo no que se chama matéria. A matéria é um produto do espírito. A objeção a esse conceito monista é que coisas tão diferentes como o corpo e a alma não podem ser extraídas uma da outra.
b.    Teoria dualistas. Algumas teorias partem do pressuposto de que existe uma dualidade essencial de matéria e espírito, e apresentam as suas relações mútuas de várias maneiras: (1) Ocasionalismo.Segundo esta teoria, sugerida por Cartésio, a matéria e o espírito operam cada um de acordo com leis peculiares a cada qual, e essas leis são tão diferentes que não há possibilidade de ação conjunta. O que se parece com isso só pode ser explicado com base no princípio de que, por ocasião da ação de um desses elementos, Deus, por Sua atividade direta, produz uma ação correspondente no outro. (2) Paralelismo.Leibnitz propôs a teoria da harmonia pré-estabelecida. Isto baseia-se também na pressuposição de que não há direta interação entre o material e o espiritual, mas não presume que Deus produz, o que é evidente, ações conjuntas mediante interferência contínua. Em vez disso, a teoria sustenta que Deus fez o corpo e a alma de modo tal, que um corresponde perfeitamente ao outro. Quando se dá um movimento no corpo, há um movimento correspondente na alma, de acordo com certa lei da harmonia pré-estabelecida. (3) Dualismo realista. Os fatos simples aos quais temos sempre que retornar e que estão incorporados na teoria do dualismo realista, são os seguintes: O corpo e a alma são substancias distintas, que de fato interagem, embora o seu modo de interação escape ao exame humano e continue sendo um mistério para nós. A união entre os dois elementos pode ser chamada união de vida: os dois se relacionam organicamente, a alma agindo sobre o corpo e o corpo sobre a alma. Algumas das ações do corpo são dependentes da operaçãoconsciente da alma, enquanto que outras não. As operações da alma estão ligadas ao corpo, como seu instrumento na vida presente; mas, a julgar pela continuidade da existência e da atividade conscientes da alma, pode-se concluir que ela pode agir sem o corpo. Este modo de ver certamente está em harmonia com as exposições bíblicas sobre este ponto. Grande parte da psicologia dos dias atuais está se movendo decididamente rumo ao materialismo. Sua modalidade mais extremista vê-se no behaviorismo, com a sua negação da alma, da mente e até mesmo da consciência. Tudo que essa corrente deixa como objeto de estudo é o comportamento humano.

A Origem do Homem e a Unidade da Raça


1.    TESTEMUNHO ESCRITURÍSTICOS DA UNIDADE DA RAÇA. A Escritura ensina que a humanidade toda descente de um único par. Este é o sentido óbvio dos capítulos iniciais de Gênesis. Deus criou Adão e Eva como os iniciantes da espécie humana, e lhes ordenou que fossem fecundos e se multiplicassem e enchessem a terra. Alem disso, a narrativa subseqüente em Gênesis mostra claramente que as gerações seguintes, até ao tempo do dilúvio, estiveram em ininterrupta relação genética com o primeiro casal, de sorte que araçá humana constitui, não somente uma unidade especifica, uma unidade no sentido de que todos os homens compartem a mesma natureza humana, mas também uma unidade genética ou genealógica. Isso é ensinado também por Paulo em At 17.26, “de um só fez toda raça humana para habitar sobre a face da terra”. A mesma verdade é básica para a unidade orgânica da raça humana na primeira transgressão, e da provisão para a salvação da raça em Cristo, Rm 5.12, 19; 1 Co 15.21, 22. Não se deve entender esta unidade de raça realisticamente, como o faz Shedd, que diz: “A natureza humana é uma substância especifica ou geral criada nos primeiros indivíduos de uma espécie humana e com eles, não ainda individualizada, mas, pela geração ordinária, subdividida em partes, formando estas partes distintas e separados indivíduos da espécie. A substancia una e especifica é, pela programação, metamorfoseada em milhões de substâncias individuais, ou pessoas. Um indivíduo é uma parte fracionaria da natureza humana separada da massa comum e constitui uma pessoa particular, tendo todas as propriedades essenciais da natureza humana”.4 As objeções a esse conceito serão noutro contexto.
coadamitas, que presume que houve diferentes centros de criação. Já em 1655 Peyrerius* desenvolve teoria dos pré-adamitas, que parte do pressuposto de que havia homens antes de Adão ser criado. Essa teoria foi revivida por Winchell, que não negava a unidade da raça, mas considerava Adão como o primeiro antepassado dos judeus, e não chefe da raça humana. Em anos recentes, Fleming, sem ser dogmático na matéria, disse haver razoes para supor-se que existiam raças de homens inferiores antes de Adão aparecer em cena por volta de 5500 a.C. Embora inferiores aos adamitas, já tinham capacidades diferentes das dos animais. O homem adâmico posterior foi dotado de capacidades maiores e mais nobres, e provavelmente foi destinado a levar toda a outra humanidade existente à obediência ao Criador. Ele fracassou, não preservando a sua própria fidelidade a Deus e, portanto, Deus providenciou a vinda de um descendente humano e, contudo, muito mais que humano, para que pudesse realizar o que Adão não conseguiu. O conceito que Fleming foi levado a defender é "que o ramo inquestionavelmente caucasiano é tão somente a derivação, pela geração normal, da raça adâmica, a saber, dos membros da raça adâmica que serviam a Deus e que sobreviveram ao dilúvio - Noé e seus filhos e filhas”.1 Mas essas teorias, todas e cada uma delas, não acham apoio na Escritura, e são contrárias a At 17.26 e a tudo quanto a Bíblia ensina com referência à apostasia e à libertação do homem. Além disso, a ciência apresenta diversos argumentos em favor da unidade da raça humana, como os seguintes:
a.    O argumento da história. As tradições da raça dos homens apontam decisivamente para uma origem e uma linhagem comuns na Ásia Central. A historia das migrações do homem tende a mostrar que houve uma distribuição partindo de um único centro.
b.    O argumento da filosofia. O estudo das línguas da humanidade indica uma origem comum. As línguas indo-germânicas* têm em suas raízes um idioma primitivo comum, um velho remanescente do qual ainda existe no sânscrito. Alem disso, há prova que mostra que o antigo idioma egípcio é o elo de ligação entre a língua indo-européia e a semítica.
c.    O argumento da psicologia. A alma é a parte mais importante da natureza constitucional do homem, e a psicologia revela claramente o fato de que as almas dos homens, quaisquer que sejam as tribos ou nações a que pertençam, são essencialmente idênticas. Têm em comum os mesmos apetites, instintos e paixões animais, as mesmas tendências e capacidade, e, acima de tudo, as mesmas qualidades superiores, as características morais e mentais que pertencem exclusivamente ao homem.
d.    O argumento das ciências naturais ou da fisiologia. É agora opinião comum dos especialistas em fisiologia comparada, que a raça humana constitui tão somente uma única espécie. As diferenças que existem entre as varias famílias da humanidade são consideradas simplesmente como variedades dessa espécie única. A ciência não assevera positivamente que a raça humana descende de um único par, mas, não obstante, demonstra que pode muito bem ter sido este o caso, e que provavelmente é.

A Teoria Evolucionista da Origem do Homem


Entre as várias teorias que têm sido aventadas para explicar a origem do homem, acha-se atualmente em campo a teoria evolucionista e, portanto, merece breve consideração.
toda e qualquer ruptura é fatal para a teoria. Nada que seja absolutamente novo e imprevisível tem que ter estado potencialmente no germe originário, do qual todas as coisas se desenvolveram. E o processo todo tem que ser dirigido, do começo ao fim, por forças inerentes. O evolucionismo teísta, que parece mais aceitável a muitos teólogos, simplesmente considera a evolução como o método de ação de Deus. Às vezes é apresentado numa forma em que Deus é apenas chamado para servir de ponte sobre as lacunas que há entre a criação inorgânica e a orgânica, e entre a criação irracional e racional. Mas, na medida em que se presume uma operação especial de Deus, admite-se a existência de lacunas que a evolução não pode cobrir, e alguma coisa nova é trazida à existência, naturalmente a teoria deixa de ser uma pura teoria evolucionista. Às vezes se afirma que só o corpo humano foi originado por um processo de evolução dos animais inferiores, e que Deus dotou esse corpo de uma alma racional. Esta idéia recebe muito apoio nos círculos católico-romanos.
2. OBJEÇÕES À TEORIA. Várias objeções podem ser levantadas contra a teoria de que o homem descende evolutivamente dos animais inferiores.
a. Do ponto de vista do fôlego, a maior objeção a esta teoria é, naturalmente, que é contrária aos explícitos ensinamentos da palavra de Deus. Dificilmente a Bíblia poderia ensinar com mais clareza do que o faz, que o homem é produto de um direto e especial ato criador de Deus, e não de um processo de desenvolvimento de um tronco simiesco de animais. Ela assevera que Deus formou do pó da terra, Gn 2.7. Alguns teólogos, em seu anseio por harmonizar os ensinos da Escritura com a teoria evolucionista, sugerem que isto se interprete no sentido de que Deus formou o corpo do homem do corpo dos animais que, depois de tudo, não passa de pó. Mas isto não tem base nenhuma, visto que não há razão pela qual a expressão geral "do pó da terra” fosse usada depois que o escritor já tinha descrito a criação dos animais e, daí, tornasse mais específica a afirmação. Além disso, esta interpretação também é excluída pela declaração de Gn 3.19, "No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado: porque tu és pó e ao pó tornarás”.Certamente não significa que o homem retornará ao seu estado animal anterior. Animal e homem igualmente voltarão ao pó, Ec 3.19, 20. Finalmente, em 1.Co 15.39 se diz explicitamente que, "nem toda carne é a mesma; porém uma é a carne dos homens, outra a dos animais”. Quanto ao espírito do homem, a Bíblia ensina explicitamente que ele veio diferentemente de Deus, Gn 2.7, e, portanto, não pode ser considerado como um desenvolvimento natural de alguma substância previamente existente. Em perfeita harmonia com isto, diz Eliú: "O Espírito de Deus me fez; e o sopro do Todo-poderoso me dá vida”, Jó 33.4. Ademais, a Escritura ensina também que o homem ficou de imediato separado da criação inferior por um grande abismo. De imediato fora elevado nível intelectual, moral e religioso, criado que fora à imagem de Deus, e lhe foi dado o domínio sobre a criação inferior, Gn 1.26, 27, 31; 2.19, 20; Sl 8.5-8. Contudo por sua queda, decaiu do seu elevado estado e ficou sujeito a um processo de degeneração que às vezes redunda em bestialidade. Isso é exatamente o oposto do que nos ensina a hipótese evolucionista. Segundo esta, o homem estava no nível mais baixo, ao início da sua carreira, mas ligeiramente afastado dos animais, e desde esse tempo vem subindo a níveis mais altos.
b. A segunda grande objeção é que a teoria não tem adequada base em fatos bem estabelecidos. Deve-se ter em mente que, como foi indicado anteriormente, a teoria evolucionista em geral, conquanto muitas vezes apresentada como doutrina firmada, até o presente não passa de uma hipótese em desenvolvimento e não comprovada, uma hipótese que ainda não recebeu nenhuma promessa de sucesso na demonstração daquilo que se propõe provar. Muitos dos mais proeminentes evolucionistas admitem francamente o caráter hipotético da sua teoria. Ainda se confessam firmes crentes na doutrina da linhagem animal do homem, mas não hesitam em dizer que não podem falar com segurança do método de operação da sua hipótese. Quando Darwin publicou as suas obras, pensou-se que afinal fora encontrada a chave do processo, mas ao transcorrer do tempo se viu que a chave não servia na fechadura. Na verdade, Darwin dizia que a sua teoria dependia inteiramente da possibilidade de transmissão dos caracteres adquiridos, e logo veio a ser uma das pedras angulares da teoria biológica de Weissmann que os caracteres adquiridos não são herdados. Sua opinião recebeu abundante confirmação graças aos estudos posteriores da genética. Com base na suposta transmissão de caracteres adquiridos, Darwin falava com grande segurança da transmutação da espécie e vislumbrava uma contínua linha de desenvolvimento da célula primordial ao homem; mas as experiências de De Vries, Mendel e outros tendiam a desacreditar o seu conceito. As mudanças graduais e imperceptíveis de Darwin deram lugar às repentinas e inesperadas mutações de De Vries. Enquanto que Darwin pressupunha variação interminável em diversas direções, Mendel demonstrou que as variações ou mutações nunca retiram o organismo da espécie e estão sujeitas a uma lei definida. E a citologia moderna, em seu estudo da célula, com os seus genes e cromossomos como veículos dos caracteres herdados, confirmou esta idéia. Provou-se que as novas espécies dos evolucionistas, assim chamadas, não eram de modo nenhum espécies verdadeiras, mas apenas espécies alteradas, ou seja, variedades da mesma espécie. Nordenskioeld, em sua História da Biologia (History of Biology), cita a seguinte sentença de um relato popular dos resultados da pesquisa da hereditariedade, como refletindo o verdadeiro estado da questão: “Justamente em razão do grande número de fatos que a moderna pesquisa da hereditariedade trouxe à luz, prevalece atualmente o caos, no que diz respeito aos conceitos sobre a formação de espécies”, p.613. Proeminentes evolucionistas admitem francamente agora, que a origem das espécies é um completo mistério para eles. E, sendo assim, eles não têm muita probabilidade de explicar a origem do homem.
Em sua maneira de provar que o homem descende de uma espécie de macacos antropóides, Darwin apoiou-se, (1) no argumento derivado da similaridade estrutural entre o homem e os animais de categoria superior; (2) no argumento embriológico; e (3) no argumento dos órgãos rudimentares. A esses três foram acrescentados posteriormente, (4) o argumento derivado dos testes de sangue; e (5) o argumento paleontológico. Mas nem um só desses argumentos dá a prova desejada. O argumento da semelhança estrutural presume, sem base, que a similaridade soe pode ser explicada de um modo. Todavia, pode muito bem ser explicada pela admissão de que Deus, ao criar o mundo animal, fez certas formas típicas básicas completas, de maneira que se obtivesse unidade na variedade, precisamente como um grande musicista constrói a sua vigorosa composição sobre um único tema, que por vezes é repetido, e a cada repetição introduz novas variações. O princípio da pré-formação* dá uma adequada explicação das variações em foco. A similaridade embriológica, como tal, pode ser explicada com base no mesmo princípio. Além disso, estudos biológicos recentes parecem indicar que o parentesco ou a descendência não pode ser provada por nenhuma similaridade estrutural, mas somente por uma relação genética. No que se refere aos órgãos rudimentares, mais de um cientista expressaram dúvida quanto ao seu valor como testemunhas de vestígios. Em vez de serem restos inúteis de órgãos animais, pode muito bem ser que sirvam a um propósito definido no organismo humano. Os testes de sangue, em sua forma original, embora indicando certa semelhança entre o sangue dos animais e o do homem, não provam que haja uma relação genética, desde que nesses testes só por parte do sangue, o soro estéril, que não contém matéria viva, foi usado, embora seja um fato comprovado que a porção sólida do sangue, que contém matéria viva, foi usado, embora seja um fato comprovado que a porção sólida do sangue, que contém as células vermelhas e brancas, é o veículo dos fatores hereditários. Testes posteriores, em que foi posto em uso o espectroscópio e foi examinado o sangue completo, provaram conclusivamente que há uma diferença essencial entre o sangue dos animais e o do homem. O argumento paleontológico é igualmente inconcluso. Se o homem realmente descende dos macacos antropóides, poder-se-ia esperar que as formas intermediárias ainda existiriam nalgum lugar. Mas Darwin não pôde encontrar esse elo perdido, como também, não pôde achar os milhares de elos perdidos, entre as varias espécies de animais. O que nos dizem é que os primitivos progenitores do homem de há muito desapareceram. Sendo assim, seria possível ainda acha-los entre os fosseis. E de fato alguns cientistas alegam que encontraram alguns ossos de homens muito antigos. Eles reconstituíram para nós esses homens, e podemos divertir-nos olhando as fotos imaginarias do homem de Java reconstituído (Pithecanthmpus erectus), do homem de Heidelberg (Homo Hidelbergenis), do homem de Neandertal (Homo Neanderthalensis), do homem de Cro-Magno, do homem de Piltdown, e outros. Parece que essas reconstituições são levadas a serio por alguns, mas realmente elas têm pouco valor. Visto que só foram achados uns poucos ossos de cada um dos referidos homens, e mesmo estes estavam espalhados, nalguns casos, de modo que não há certeza de que pertençam ao mesmo corpo, eles apenas testificam a engenhosidade dos cientistas que os reconstituíram. Casos há em que os especialistas não estão de acordo quanto a se os ossos em questão pertenciam a um homem ou a um animal. O dr. Wood, professor de anatomia da Universidade de Londres, diz num opúsculo sobre a Ascendência do Homem (Ancestry of Man): "Não vejo ocupação menos digna da ciência da antropologia do que a rara atividade de modelar, pintar ou desenhar essas figuras de pesadelo da imaginação, e de lhes emprestar, no processo, um valor completamente falso da realidade evidente”.1 Fleming, um dos mais proeminentes cientistas dos dias atuais, diz: "A conclusão disso tudo é que não podemos pôr em ordem todos os conhecimentos fósseis do suposto ‘homem’ numa seqüência linear gradualmente progredindo no tipo ou na forma, a partir da forma ou tipo de algum macaco antropóide, ou de outro mamífero, até aos tipos modernos e atualmente existentes do homem verdadeiro. Qualquer suposição ou afirmação de que se pode fazer isso, e de que é verdadeiro, sem duvida é incorreta. É certamente enganoso e indizivelmente pernicioso expor em revistas populares ou noutras publicações lidas por crianças, figuras de gorilas ou chimpanzés rotuladas de ‘primo do homem’ ou ‘parente mais próximo do homem’, ou publicar desenhos inteiramente imaginários e grotescos de um suposto ‘homem de Java’ com rosto selvagem como sendo um antepassado do homem moderno, como ocasionalmente se faz. Os que fazem tais coisas são culpados de ignorância ou de deturpação deliberada dos fatos. Tampouco se justifica que os pregadores nos púlpitos digam às suas igrejas que há acordo geral entre os cientistas quanto à explicação evolucionista da origem do homem, como procedente de um antepassado animal”.2 Mas não é o corpo humano que apresenta as maiores dificuldades ao evolucionista. Esta surgem da consideração do elemento espiritual do homem, ou daquilo que geralmente se denomina "origem da mente”.É neste ponto que a sua debilidade se torna mais dolorosamente visível. A despeito de todas as suas tentativas, tem falhado notavelmente, não conseguindo dar uma explicação plausível da origem da mente humana, ou da inteligência (progressividade), da língua, da consciência e da religião. Isto poderia ser exposto minuciosamente, mas não o achamos necessário. Há muitos que, como Dennert e Bateson, ainda professam fé na doutrina da descendência humana pela evolução, mas repudiam o    método darwiniano de evolução e o consideram pouco menos que um completo fracasso. Todavia, não sabem de nenhum outro método que lhe pudesse tomar o lugar. Quer dizer que, para eles, o evolucionismo deixou de ser uma ciência e passou a ser, uma vez mais, uma simples teoria filosofia. Disse Bateson: "Lemos o seu esquema evolucionista (de Darwin) como leríamos os de Lucrecio e Lamarck. ...Estamos no mesmo ponto em que Boyle estava, no século dezessete”. O testemunho do Dr. D. H. Scott é muito parecido. Num discurso presidencial ante a Associação Inglesa para o Progresso da Ciência (British Association for The Advancemente of Science), ele fez as seguintes declarações: "Tudo está de novo no cadinho. ...Então, será que a evolução não é um fato cientificamente comprovado? Não, não é... É um ato de fé - porque não há alternativa”. Nem se pensa na criação, é claro. Disse ele mais, que há nas ciências naturais "um retorno ao caos pré-darwiniano”. O dr. Flechmann, de Erlangen, escreve: "A teoria darwiniana não tem nem um só fato em que se apoiar...é puro produto da imaginação”. Ainda mais forte é a afirmação do dr, B, Kidd: "O darwinismo é um composto de espantosa presunção e incomparável ignorância”.1 Cientistas como Fleming, Dawson, Kelly e Price não hesitam em rejeitar a teoria evolucionista e em aceitar a doutrina da criação. A respeito da origem do homem, diz Sir William Dawson: “Nada sei da origem do homem, exceto o que me diz a Escritura - que Deus o criou. Nada sei alem disso, e não conheço ninguém que o saiba”.2 Diz Fleming: “Tudo que no presente a ciência pode dizer à luz do conhecimento humano limitado, e definitivamente afirmado, é que não sabe como, onde e quando foi originado o homem. Se nos há de chegar algum conhecimento disso, haverá de vir de alguma outra fonte que não a antropologia moderna”.