Reformo nos reinados de Eduardo VI, Maria e Isabel (1547-1558)


Eduardo VI tinha agora subido ao trono. Apesar de ter apenas nove
anos de idade, já tinha dado evidentes provas de uma piedade verdadeira, e
era considerado como um príncipe de grande futuro por todos os que
favoreciam a religião protestante. Tinha ele realmente a nobre ambição de
fazer do seu país a vanguarda da Reforma, e oferecer um refúgio livre na
sua Ilha aos ensinadores fugitivos. Devido à sua pouca idade, foi o seu tio,
o duque de Somerset, homem de princípios protestantes, nomeado regente
do reino; e a notícia da sua nomeação reanimou as esperanças dos cristãos
na Inglaterra e despertou a abatida energia deles.

EFETUAM-SE MAIS REFORMAS

Bem depressa Somerset fez valer a sua autoridade, reprimindo a
perseguição e tratando de outras reformas necessárias: o sacrifício da
missa foi proibido; foi permitido que se lessem as Sagradas Escrituras, e
todos os que tinham sido expulsos do reino no reinado de Henrique, por
causa da sua religião, tiveram licença para voltar. Muitos dos bispos,
também foram expulsos das suas dioceses para darem lugar a homens
mais competentes, medida que se tornava muito necessária, em vista da
indolência e soberba de muitos dos prelados de Henrique. Quanto a
Bonner, o bispo perseguidor de Londres, não só foi privado do seu bispado,
mas tendo sido reconhecido culpado de ofensas e mau comportamento foi
lançado na prisão. Foi esta também a sorte de Gardiner e Tonstall, bispos
de Winchester e Durham.
Além disso, o conselho do rei tinha nomeado certas pessoas para
visitarem todas as dioceses, com o fim de reprimirem abusos, e de darem
conta do estado de cada bispado. Estes eram divididos em grupos, tendo
cada grupo dois pregadores que explicavam ao povo a doutrina da Reforma
e pregavam o Evangelho numa linguagem que podia facilmente ser
entendida por todos.

APARECEM AS NUVENS

No meio de todas estas reformas salutares, apareceu uma nuvem no
horizonte espiritual, começando a circular boatos alarmantes referentes à
saúde do rei, para aumentar o desassossego dos protestantes; o próprio
regente foi derrubado pela força política do duque de Northumberland, e
enviado ao cadafalso. Contudo, os Seymours, a quem foi conferida a
responsabilidade do governo, também eram a favor da Reforma, e os bispos
protestantes foram animados pelo Estado a prosseguir nos seus árduos
trabalhos, mas os boatos desanimadores sobre a saúde do rei continuavam
a circular, e a ansiedade dos protestantes aumentava diariamente. Ainda
se não tinha passado um ano que o novo governo estava no poder, quando
esses boatos se tornaram em realidade, apresentando-se uma época má na
história da Reforma inglesa. Eduardo tinha falecido, e Maria havia subido
ao trono da Inglaterra.

MARIA NO TRONO

A perspectiva estava longe de ser agradável. A rainha Maria era uma
católica fanática, e isso não dava muitas esperanças aos protestantes; além
disso era filha de Catarina de Aragão cujo divórcio de Henrique VIII tinha
sido aprovado por Cranmer, e isto não era um pensamento muito animador
para o chefe eclesiástico do protestantismo do país. Os sentimentos de
Maria não eram nada benignos para com as doutrinas que Cranmer tinha
estado a promulgar com tanto cuidado, durante o reinado do seu irmão; e
ainda menos benignos eram os seus sentimentos para com o próprio
Cranmer, a quem, na verdade, considerava como seu grande inimigo.
Durante o reinado do jovem rei, Maria pedira licença para ouvir missa na
sua própria casa, mas Eduardo lhe havia negado; e agora deviam cair sobre
a cabeça de Cranmer as conseqüências desta recusa. E verdade que ele
aconselhara o rei a conceder a licença, mas, ou Maria ignorava este fato, ou
fingia ignorá-lo; e só o sangue de Cranmer podia aplacar a sua indignação.
Como rainha, odiava-o por causa das suas medidas reformado-ras; como
católica por causa das restrições de espécie religiosa que ela imaginava ter
ele lhe imposto no reinado anterior; e sobretudo, como mulher, por causa
da sua decisão na questão do divórcio, pela qual ela ficara considerada
como filha bastarda.
Contudo, durante os primeiros meses do seu reinado, a rainha
disfarçou os seus verdadeiros sentimentos; e com o fim de estabelecer a
sua posição no trono, prometeu tolerância. Os protestantes não seriam
incomodados nem na profissão nem na prática da sua religião nem se
usaria qualquer violência em matéria de fé. Mas o cardeal Pole estava ao
lado da rainha, e Gardiner e Bonner esperavam a ocasião de lançar o
veneno no seu espírito, não sendo possível em tais circunstâncias que este
estado de neutralidade continuasse.
O povo também não tinha compreendido os benefícios que uma
completa Reforma lhe podia trazer, porque a obra parcial feita no reinado
de Henrique não tinha tido a simpatia popular pelas medidas inconstantes
e autocraticas do rei, e a obra no reinado de Eduardo não tinha tido tempo
de criar raízes. Por isso, enquanto o Parlamento se reuniu, um dos
primeiros e principais atos foi abolir as inovações religiosas que Cranmer e
Somerset se tinham empenhado em introduzir, e restaurar o culto na sua
antiga base. Como conseqüência imediata, milhares de padres casados
foram expulsos dos seus cargos e, com suas mulheres e filhos, reduzidos a
pedir esmola.

MAIS MARTÍRIOS

As perseguições não tardaram a seguir-se. O primeiro mártir foi um
eclesiástico chamado João Rogers. Esteve prisioneiro durante algum tempo
na sua própria casa, e depois em Newgate, onde teve de permanecer com
criminosos, assassinos, ladrões, etc, até chegar o dia do seu julgamento. A
conduta dos seus juizes no primeiro interrogatório foi muito irregular e
turbulenta. As suas observações foram caracterizadas pela rudeza e
leviandade, e mais de uma vez se entregaram a violentos ataques de riso.
Depois de três interrogatórios no tribunal de chanceler, onde Rogers
mostrou muita modéstia e paciência, foi declarado contumaz, e entregue ao
poder secular para ser queimado.
Alguns dias depois Rogers foi levado ao bispo Bonner para ser
exautorado. No fim do ato, Rogers suplicou que o deixassem dizer algumas
palavras à sua mulher antes de ser queimado, mas negaram-lhe o pedido.
"Então", disse ele, "está provada qual é a vossa caridade". O fiel mártir foi
queimado em Smithfield e suportou a morte com firmeza cristã.
Os martírios tornaram-se freqüentes e bem depressa Gardiner e
Bonner tiveram bastante que fazer neste sentido. Sanders, Hooper, Taylor,
Farrar, todos sofreram cada um por sua vez, juntamente com muitos
outros de menos importância aos olhos dos homens, mas que não eram decerto
menos preciosos aos olhos de Deus. Um jovem chamado Guilherme
Hunter foi um destes; Bonner ofereceu-lhe a liberdade e quarenta libras se
ele abjurasse. Ainda mais: ofereceu-lhe uma colocação na sua própria casa,
se ele aceitasse essas condições, mas Hunter recusou-as: "A-gradeço-lhe as
suas boas ofertas!" disse o jovem, "contudo, senhor, se não puder
persuadir a minha consciência por meio das Escrituras, eu nunca me
apartarei de Deus por amor do mundo, porque considero as coisas
mundanas como perda e estéreo, comparadas com o amor de Cristo".
Hunter foi, pois, queimado em Smithfield, e não ficou atrás dos outros
mártires em fé e firmeza.

MARTÍRIO DE LATIMER E RIDLEY

No ano de 1555 o venerável Latimer sofreu o martírio tendo sessenta
e quatro anos. Podia-se com verdade dizer dele que tinha combatido o bom
combate e guardado a fé, porque ninguém tinha sido mais fiel às suas
convicções, nem mais ousado em as manifestar do que ele. O seu companheiro
de martírio, Ridley, era mais novo, mas já se tinha tornado
célebre como um dos maiores campeões da Reforma; e talvez que, em
sabedoria, é bom pensar que fosse superior a Latimer. Estes dois servos de
Cristo foram amarrados ao mesmo poste; e a proporção que o fogo ia ardendo
em volta deles, iam-se animando mutuamente no Senhor. Ridley
sofreu mais porque a lenha empregada para o seu martírio era verde, e
bem precisava das consolações do seu irmão mártir: "Tenha coragem,
Mestre Ridley". dizia Latimer, "e seja homem. Havemos de hoje acender
uma tal luz na Inglaterra, pela graça de Deus, que espero que nunca há de
se apagar". Algum tempo depois de Latimer ter cessado de falar, ouviram
Ridley gritar na sua agonia: "Aproximem mais o fogo; é lento demais!" Mas
por fim as chamas alcançaram a pólvora que lhe tinham posto à roda do
pescoço, e os seus sofrimentos finalmente acabaram.

MARTÍRIO DE CRANMER

Em seguida chegou a vez de Cranmer, mas não com a mesma glória
dos outros mártires. Embora cristão, e por fim mártir também, foi tímido e
inconstante quase até a morte; e num momento de grande tentação, faltoulhe
a coragem, e caiu. Era já velho e pela ordem da natureza, poucos anos
mais poderia viver, mas ainda parecia agarrado à vida. Foi depois do seu
interrogatório e da sentença lavrada que começou a vacilar; e nesta
situação, persuadido pelas lisonjas dos seus inimigos e os receios da
tortura nas chamas, estendeu a mão para assinar uma retratação. "Esta
retratação", diz Foxe, "ainda bem não estava escrita, e já os doutores e
prelados a levavam a imprimir e a espalhavam por toda a parte. A rainha
que tinha agora tido ocasião de vingar o seu antigo pesar, recebeu esta
retratação com muito prazer; mas não perdeu a idéia de mandar matar o
seu autor".
Pode-se calcular qual era a situação do pobre arcebispo nestas
condições. A sua vergonha e completa negação da fé destruiu a sua paz de
espírito, e ao mesmo tempo não diminuiu a severidade da sua sentença, e
na verdade sentia-se muito desgraçado. Mas Cranmer ainda era o objeto do
amor de Cristo, e havia de ser restaurado pela graça divina. Era uma
ovelha do Senhor, e apesar de ter andado errante, ainda era um membro
do rebanho, e amado com um amor que nem os seus erros podiam fazer
diminuir. Pouco depois começou a sentir no seu coração os benéficos sinais
do Espírito, que o levaram a confessar a Deus a sua falta; e assim lhe
voltou a paz de espírito, e uma força que não era a sua própria tomou
posse da sua alma. O seu desejo de viver cessou, e começou a esperar com
resignação e alegria pura, o momento em que Deus o chamasse para si.
No dia 21 de março de 1556, foi levado da prisão para a igreja de Sta.
Maria, em Oxford, para ali estar presente ao seu sermão fúnebre que devia
ser pregado pelo Dr. Cole, um zeloso papista. A igreja estava apinhada de
gente, visto esperar-se que o arcebispo fosse chamado para ler a sua retratação,
e o momento era de verdadeiro interesse. Os papistas estavam ali
para presenciarem o triunfo da sua religião, e os protestantes para se
certificarem com tristeza da verdade das notícias desastrosas a respeito do
arcebispo. Enquanto o Dr. Cole prosseguiu o seu sermão notou-se que
Cranmer por várias vezes derramava lágrimas, e uma ou duas vezes voltouse
e ergueu as mãos ao Céu como se estivesse orando. Muitos dos
assistentes choravam também e exprimiam a maior compaixão e piedade.
O sermão terminou e a congregação dispunha-se a partir, quando Dr.
Cole pediu a todos os presentes que esperassem um pouco. "Irmãos", disse
ele, "para que ninguém duvide da sincera conversão e do arrependimento
deste homem, ele irá falar perante vós; peço, portanto, ao Mestre Cranmer,
que cumpra agora o que prometeu há pouco, isto é, que exprima
publicamente a verdadeira e indubitável profissão da sua fé para que todos
fiquem sabendo que ele é na verdade um católico".
"Assim farei, e com a maior vontade," disse o arcebispo, descobrindo
a sua cabeça para falar; e em seguida, depois de um momento de silêncio,
levantou-se e começou a falar ao povo. A primeira parte do seu discurso,
que foi interrompido pela mais sincera oração, foi uma solene exposição da
vaidade da vida humana e do engano das riquezas; a confissão ficava para
o fim. A proporção que o discurso prosseguia, tanto os papistas como os
protestantes ficavam cada vez mais sossegados e atentos, sem fazerem uma
única interrupção. Por fim chegou-se à confissão, e nesse momento um
intenso sentimento de excitação percorreu aquela multidão ali reunida. "E
agora", disse Cranmer, "chego ao importante ponto que tanto perturba a
minha consciência mais do que tudo quanto eu jamais disse ou fiz em toda
a minha vida; vem a ser a publicação de um escrito contrário à verdade, e
que eu agora aqui renego como coisas escritas pela minha mão contrárias à
verdade que eu tinha e tenho no coração. Foram escritas por medo da
morte e para salvar a minha vida se assim pudesse. São mentirosos todos
os papéis que eu tenho escrito e assinado com a minha mão depois da
minha degradação; papéis em que eu escrevi muitas coisas falsas. E visto
que a minha mão ofendeu a Deus, pois escreveu coisas contrárias ao meu
coração, esta minha mão será a primeira a ser castigada. Quanto ao papa,
nego-o, como inimigo de Cristo que é, pois é o Anticristo; nego-o com todas
as suas falsas doutrinas. Quanto ao sacramento, eu creio conforme ensinei
no I meu livro contra o bispo de Winchester; livro esse que ensina uma
doutrina tão verdadeira a respeito do sacramento que ele há de conservarse
no último dia perante o julgamento de Deus, quando a doutrina papista
tiver vergonha de se manifestar".
Não se pode descrever a cena de confusão que se seguiu a este
discurso. Os protestantes choravam lágrimas de reconhecimento e de
alegria e os papistas raivosos rangiam os dentes. Quanto ao Dr. Cole, tinha
já ouvido bastante de confissão e quando o arcebispo começava a
desenvolver as suas observações sobre o papismo e o sacramento, ele
exclamou: "Façam calar esse herege e levem-no daqui!"
A graça triunfara e a derrota dos católicos fora completa.
Ao ser levado ao lugar do seu suplício, Cranmer despojou-se do seu
vestido externo, e deixou-se amarrar ao poste com uma cadeia de ferro.
Acendeu-se em seguida a fogueira, e quando o fogo chegou à roda dele,
estendeu a sua mão direita sobre as chamas (a mão que assinara a
retratação) e viram-no dizer repetidas vezes, "Esta indigna mão direita!...
esta indigna mão direita!..." Em seguida repetiu diversas vezes o grito de
Estêvão: "Senhor Jesus, recebe o meu espírito!" e assim expirou.
Muitos, algumas centenas até foram sacrificados no altar da sua fé
na Inglaterra no reinado e sob as ordens de Maria, incluindo eclesiásticos,
nobres, negociantes, lavradores, trabalhadores, criados, mulheres e até
crianças. Há a acrescentar a estes muitos outros que sofreram doutras
maneiras, pela tortura e pela prisão, tudo com o consentimento da
perversa rainha.

MORTE DE MARIA. ISABEL SOBE AO TRONO

Maria morreu em 17 de novembro de 1558 quase ao mesmo tempo
que o seu primeiro e principal conselheiro, o cardeal Pole, sucedendo-lhe
ao trono a sua irmã Isabel. Apesar de tudo que falam de Isabel, não se
pode negar que a subida dela ao trono da Inglaterra marcou a restauração
do protestantismo, e embora a sua vaidade a tornasse perigosamente
parcial a muito do ritual da igreja romana, e consentisse na perseguição
dos Puritanos, a Reforma foi sem dúvida estabelecida na Inglaterra durante
o seu reinado, e numa base mais firme e mais larga do que jamais tinha sido.
0 reinado de Isabel viu a política do reinado de Maria invertida, e
pouco depois da sua subida ao trono, o protestantismo foi proclamado
como a religião nacional.

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