Auxílios e obstáculos à reformo inglesa (1529-1547)


TOMAS CRANMER

No ano de 1529 começou Tomás Cranmer a gozar o favor real, e por
fim foi promovido à Sé de Canterbury. Cranmer era homem de sabedoria e
piedade, mas tímido e indeciso - sendo isto reconhecido até pelos
contemporâneos mais amigos. Embora superior a Latimer em erudição,
era-lhe muito inferior em lealdade a Cristo, e levou bastante tempo a tomar
a resolução de se desembaraçar das malhas do papismo.
O progresso da Reforma podia ter-se desenvolvido muito em
conseqüência da promoção de Cranmer, mas não aconteceu assim. As
facilidades que Cranmer mostrou em ajudar a obra parece que não foram
nada proporcionais à sua elevada posição; e Estevão Gardiner, bispo de
Winchester, o grande perseguidor, tinha mais influência junto ao rei em
todos os assuntos referentes aos interesses da igreja do que o novo primaz.
Mas era evidente que Cranmer simpatizava com muitas das doutrinas dos
reformadores; e vemos que usou da sua autoridade para dar liberdade a
Latimer, a quem colocou de novo no seu presbitério. Isto pelo menos foi
uma ação conveniente.

MAIS MARTÍRIOS

Contudo, a tortura aos hereges continuou como dantes; e dois meses
depois da promoção de Cranmer, João Frith, um íntimo amigo de Tyndale,
sofreu o martírio juntamente com um aprendiz de alfaiate, chamado
Hewett, que tinha negado a presença corporal no sacramento. Não se deve
porém supor que Cranmer tomasse qualquer parte nestes atos brutais;
eram inteiramente devidos ao selvagem beatismo do bispo de Winchester,
por quem o arcebispo tinha uma dedicada antipatia.
Houve ainda muitas outras vítimas do zelo de Gardiner, mas não nos
podemos referir a elas individualmente: estão registradas no Céu, e Deus
não se há de esquecer de nenhuma delas.
Mas, entre todas, a que merece mais especial menção é a mártir Ana
Kime mais conhecida por Ana Askew. Era esposa de um tal Kime, um
papista fanático. Só algum tempo depois de casada, foi que o Senhor lhe
abriu os olhos e lhe mostrou pela luz da sua Palavra os erros papistas; mas
logo que recebeu a luz manifestou bem o favor que lhe tinha sido concedido
pela firmeza e coragem com que prosseguiu nas suas convicções.
A primeira perseguição que teve de sofrer veio do seu próprio marido,
cujo ódio pelo Evangelho venceu por fim de tal maneira toda a afeição
natural que a expulsou de sua casa. Ligou-se então à corte da rainha
Catarina Parr, que era uma cristã sincera; e ali a sua beleza, a sua piedade,
e a sua ilustração, atraíam a atenção de todos, despertando mais tarde
o ódio de Gardiner e do seu partido. Vigiavam todos os seus movimentos,
mas nada encontravam em que pudessem basear uma acusação. A sua
maneira de viver era irrepreensível.
No ano de 1545 foi acusada de heresia, e lançada na prisão. O seu
primeiro interrogatório perante os inquisidores teve lugar no mês de março
do mesmo ano, no fim do qual foi mandada para a sua cela em Newgate,
onde ficou durante perto de um ano. O seu segundo interrogatório foi perante
o conselho do rei em Greenwich, onde ela foi escarnecida e insultada
pelo bispo de Winchester e seus adeptos, sendo novamente conduzida para
Newgate.
Um dia ou dois mais tarde foi removida para a Torre onde o Lord
Chanceler esforçou-se por induzi-la a indicar outros da corte que eram
suspeitos de partilhar com as suas opiniões; e não querendo ela fazê-lo,
aquele miserável monstro ordenou que a colocassem no cavalete da
tortura. "E para conservar-me sossegada", diz a pobre vítima paciente, "e
não gritar, o Lord Chanceler e o Mestre Rich torturaram-me com as suas
próprias mãos até eu estar quase morta... Mas dou graças ao meu Senhor
Deus pela sua eterna misericórdia. Ele deu-me forças para persistir na
minha fé, e espero que hei de resistir até o fim". Depois disso foi levada
para uma casa e deitada numa cama com os ossos moídos e doridos como
jamais os teve o patriarca Jó; e enquanto ali jazia, o Chanceler mandou
dizer-lhe que se quisesse abandonar as suas opiniões seria bem tratada,
em caso contrário seria reenviada para Newgate e queimada. Mas ela
respondeu que preferia morrer do que negar a sua fé; e esta resposta foi
que decidiu a sua sorte.
Nesse mesmo ano, não se sabendo a data certa, foi completada a
tragédia de Ana Askew, que foi levada da prisão para ser queimada.
Estando muito fraca e não podendo andar, foi levada para Smithfield numa
cadeira, e quando a levaram para o poste nem podia ter-se de pé.
Amarraram-na portanto pelo meio do corpo com uma corrente. Então
ofereceram-lhe o perdão do rei se se retratasse; porém ela respondeu que
não tinha vindo ali para negar o seu Senhor e Mestre. Chegaram então o
fogo à lenha, e em breve os seus sofrimentos acabaram, e o seu espírito subiu
ao Céu. Mais três vítimas sofreram ao mesmo tempo.
Desgraçados tempos! Bem se podia erguer o grito de "Por quanto
tempo Senhor Deus, por quanto tempo?!"

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