RECONTEXTUALIZAÇÃO DO QUERIGMA BÍBLICO


Assim entendida, a revelação (parágrafo 3) é um desafio porque impele a descobrir no acontecimento uma riqueza de sentido que não tem por que "coincidir" com o que aconteceu em Israel. Mas, por ou­tro lado, por causa de sua própria fecundidade, a linguagem da fé tem dois condicionamentos significativos:

a)   Por um lado, parte de uma experiência ou de um acontecimen­to, por si mesmo, fugaz e irreversível: o discurso da fé se desloca con­tinuamente ao contemplar determinado acontecimento a partir de novas experiências ou práticas. É a distância desimplicadora da reser­va-de-sentido do acontecimento ou do relato, que já o leu. Por isso parece estranha a preocupação desmedida em imobilizar os dogmas. Não os negamos; na verdade, eles têm uma função "enclausuradora" em um determinado momento da discussão teológica sobre a inter­pretação da práxis. E uma forma através da qual a comunidade defen­de sua identidade. O que é anti-hermenêutico é a constituição rígida dos mesmos em fórmulas definitivas.
b)   Por outro lado, a linguagem da fé somente pode ser cultural e literariamente limitada. Isso é condição de toda linguagem. Todo dis­curso - ao pretender dizer algo a alguém sobre alguma coisa - supõe uma clausura contextual que o torna inteligível. De outra forma, não é mensagem. Efetivamente, não há línguas universais. Tampouco a Bíblia foi escrita acima dos tempos e das culturas. Foi escrita por e para o povo hebreu. Somente mediante profundas releituras, chegou a ser o livro dos primeiros cristãos em um reduzido âmbito geográfi­co. Isto significa que a mensagem bíblica está fortemente contextua­lizada. Para que seja compreendida a partir de outras situações histó­ricas, deve ser "recontextualizada". Se o cristão é capaz de ler os si­nais dos tempos, a referida leitura deverá estar em sintonia com os "eixos querigmáticos" da Bíblia, por sua vez, codificados nos "eixos semânticos" (nível do texto) que já foram mencionados.

Esta perspectiva hermenêutica - fortalecida com as contribuições do desvio pela semiótica - garante a legitimidade das teologias de ba­se, como é para nós a teologia da libertação. Se esta parte de uma análise correta e conscientizadora da realidade social, não é por isso que se converte em "sociologia" nem em "antropologia". Acaso não importa conhecer a realidade na qual Deus se revela? As próprias ciências sociais não podem entender-se como instrumento para recon­textualizar a mensagem de Deus? Mas é certamente a fé que reconhe­ce nas situações de cativeiro, marginalização e opressão, e em toda si­tuação humana, um chamado de Deus para uma realização plena.

Nenhum comentário: