Primeira cruzada (1094-1100)


URBANO II PROMOVE UMA CRUZADA

O papismo pouco ganhou com a luta de Gregório contra o imperador,
e antes do fim do século o papa reinante achou conveniente recorrer a um
novo expediente para promover os interesses temporais do papismo. De
tempos em tempos chegavam da Terra Santa queixas de insultos e ultrajes
feitos a peregrinos que se dirigiam ao santo sepulcro, e Urbano II, que
então ocupava a "cadeira de São Pedro" lembrou-se de promover uma
grande guerra religiosa. Imaginou que, se pudesse envolver a Europa toda
neste projeto e privar a diferentes países dos seus melhores soldados, ser-lhe-
ia fácil dar um impulso às suas pretensões temporais, como até então
nenhum papa conseguira dar, visto que os barões turbulentos e os
príncipes poderosos estariam ausentes dos seus países e não haveria
ninguém que lhe pudesse fazer oposição.

PEDRO, O ERMITAO, PREGANDO A CRUZADA

Em vista disto prestou toda a atenção às queixas de um dos
principais instigadores da nova agitação, um tal Pedro, ermitão de Amiens,
e animou-o muito a pregar uma cruzada. Este homem notável tinha
visitado Jerusalém no ano 1093. E viu com indignação a maneira como os
seus companheiros de peregrinação eram tratados pelos turcos que
estavam de posse da cidade, e nessa ocasião fez um voto solene de levantar
as nações da Europa contra os infiéis - voto que se propunha agora a
cumprir. Montado numa mula, vestido com um hábito muito comprido,
apertado na cintura com um cinto de cânhamo, foi de cidade em cidade
incitando o povo a armar-se em defesa do santo sepulcro. Os seus apelos
calorosos causaram ora medo, ora indignação aos seus ouvintes, e
produziram rapidamente o efeito desejado.
"Por que se há de permitir aos infiéis", exclama ele, "que conservem
por mais tempo a guarda de territórios cristãos, tais como o monte das
Oliveiras e o jardim de Getsêmani? Por que hão de os adeptos de Maomé,
os filhos da perdição, manchar com seus pés hostis a terra sagrada que foi
testemunha de tantos milagres, e que ainda hoje, fornece tantas relíquias
com manifesto poder sobre-humano? Estão ali prontos para ser ajuntados
e guardados pelo fiel sacerdote que fosse à testa da expedição, ossos de
mártires, vestimentas de santos, pregos da cruz, e espinhos da coroa. Que
o chão de Sião seja purificado pelo sangue dos infiéis massacrados".
Tal era o caráter da pregação do monge; e quando tinha conseguido
levar o povo a um certo grau de delírio, e viu que todos estavam prontos a
receber quaisquer ordens que se lhes dessem, o próprio Urbano veio
confirmar com palavras de aprovação a pregação de Pedro: fez o seu
discurso no mercado, e foi freqüentemente interrompido pelo grito de "Deus
assim o quer!", "Deus assim o quer!", pois teve o cuidado de apelar para as
paixões do povo, e não deixou de oferecer a absolvição dos mais negros
pecados a todos que se juntassem ao exército santo.

PARTIDA DA PRIMEIRA CRUZADA

Em conseqüência destes apelos, uma grande multidão, em número de
60.000 homens, partiu para a Palestina na primavera do ano 1096, tendo
Pedro à sua frente. Eram principalmente camponeses, segundo parece, e
tão ignorantes, que dizem que perguntavam em todas as cidades por onde
passavam: "Já estamos em Jerusalém?" Mal pensando que estavam
destinados a nunca chegarem à cidade santa. Depois de imensos revezes
chegaram a Constantinopla e atravessaram o Bósforo, mas tendo seguido
até a capital turca, encontraram com um exército comandado por Solimão,
o sultão de Icónium, que os derrotou quase completamente. Dos 60.000
que tinham partido, só voltou um terço para contar a derrota.

A SEGUNDA EXPEDIÇÃO

No ano seguinte organizou-se outro exército, e puseram-se em
marcha outra vez 60.000 cruzados, de todas as classes e condições,
acompanhados de muitas mulheres, criados e trabalhadores de toda a
espécie. Este imenso exército dividiu-se em quatro campos com o fim de
facilitar o arranjo de mantimentos, e seguiram para Constantinopla por
caminhos diferentes. Reuniram-se ali e prosseguiram juntos o seu
caminho, morrendo milhares deles na jornada em conseqüência do grande
calor e da falta de água.
A perda de todos os cavalos e as invejas e questões freqüentes entre
os soldados, foram outras dificuldades que se levantaram, mas, apesar de
todos estes obstáculos, o exército foi seguindo seu caminho e avançando
pouco a pouco para Antioquia. Tiveram lugar algumas escaramuças antes
de ali chegarem, tornando-se mais notáveis a batalha de Dorylinum em que
os cruzados saíram vencedores, e o cerco de Edessa, de que resultou a
tomada dessa cidade, depois de pouca resistência da parte dos
maometanos. Antioquia, contudo, não se rendeu tão facilmente. A
fertilidade da região verdejante ao redor da cidade foi tão Perigosa para a
causa da cruzada como o tinham sido as planícies ardentes e estéreis da
Frígia alguns meses antes, e os sitiantes logo que se viram nas margens
férteis do Orontes, e entre os bosques do Defene entregaram-se aos mais
loucos excessos. A aproximação do inverno veio encontrá-los
desprevenidos; tinham o acampamento alagado, as tendas estavam
estragadas pelo vento, e os horrores da fome tornavam-se novamente
inevitáveis, chegando os soldados a devorar os cadáveres dos seus inimigos
para se alimentarem, até que a traição de um dos sitiados lhes deu a
imediata e inesperada posse da cidade. Na escuridão da noite e na ocasião
em que se desencadeava uma tempestade medonha, os cruzados escalaram
os muros ao som do seu excitante grito de guerra: "Deus assim o quer!" E
entraram na cidade.

OS CRUZADOS EM ANTIOQUIA

A tomada de Antioquia pelos cruzados não ficou por muito tempo sem
contestação. A guarnição não se tinha rendido completamente, e o seu
espírito guerreiro animou-se quando tiveram conhecimento de que vinha
em seu auxílio um exército de 200.000 turcos sob o comando de Keboga,
príncipe de Mosul. À proporção que a perspectiva dos maometanos ia
melhorando, a dos cruzados ia-se tornando pior, e mais uma vez estavam
ameaçados de derrota. Veio porém, ajudá-los a superstição, e tendo sido,
como diziam, repentinamente descoberta a lança que atravessou o lado ao
Salvador, e cujo esconderijo foi revelado a um monge astucioso, chamado
Bartolomeu, deu isso lugar a uma reação maravilhosa no ânimo dos
cruzados. Podemos aqui dizer que foi o monge que "achou" a lança. Tinhalhe
sido "revelado" em sonhos, segundo dizia ele, que a lança estava
debaixo do grande altar da igreja de São Pedro, mas só depois de outros
terem procurado numa profundidade de doze pés, foi que ele ofereceu a
sua ajuda. A hora que ele escolheu para isso era muito própria - o
crepúsculo; e o hábito com que ele desceu era igualmente muito próprio -
um grande capote. Havia debaixo desse, lugar para os ferros de muitas
lanças. Bartolomeu teve bom êxito na sua busca, e saiu da cova com o
ferro de uma lança na mão, que mostrou em triunfo ao exército
desanimado. O efeito foi maravilhoso. Com o grito animador de "Que Deus
se levante, e que os seus inimigos sejam desbaratados!", as portas da
cidade foram logo abertas e o exército precipitou-se sobre o inimigo
descuidoso. A vitória foi certa e os sarracenos foram expulsos do campo
como palha adiante do vento. O resultado foi decisivo, e os grandes
despojos do inimigo caíram nas mãos dos cruzados. Voltaram para a
cidade com grandes demonstrações de alegria, e depois de proclamarem
um dos seus chefes chamado Bohemond, como príncipe de Antioquia,
entregaram-se durante dez meses a toda espécie de vício e preguiça;
completamente esquecidos, ao que parece, das tristes experiências -que tinham
sofrido.

OS CRUZADOS AVISTAM JERUSALÉM

Só depois de maio do ano seguinte é que o exército se pôs outra vez
em marcha, e ao aproximar-se de Jerusalém o seu fanatismo passou todos
os limites. Passaram por Tiro e Sidom, Cesaréia e Lídia, Emaús e Belém, e
por fim chegaram a uma elevação donde enxergaram a cidade santa,
estendendo-se como um mapa diante deles. Foi então que o entusiasmo de
todos chegou ao seu auge: levantou-se o grande grito de "Jerusalém!
Jerusalém! Deus assim o quer! Deus assim o quer!" e os cruzados
prostraram-se no chão e beijaram a terra consagrada.
Mas havia ainda muito que fazer. Jerusalém pertencia-lhes
antecipadamente, mas não de fato. O governador sarraceno ofereceu-se
para receber os cruzados na qualidade de peregrinos, mas esta oferta foi
rejeitada; os cristãos não queriam chegar a nenhuns termos, nem
concordar com qualquer compromisso. A sua missão era livrar a Terra
Santa da tirania e opressão dos incrédulos, e só isto lhes daria descanso. O
cerco durou quarenta dias, e durante este tempo os sitiantes foram
reduzidos outra vez à última extremidade. Um sol abrasador, que tornava a
sede ainda mais intolerável secou a água do ribeiro de Cedron e as cisternas
tinham sido envenenadas ou destruídas pelos inimigos, e
desesperados por esta desagradável circunstância, preparavam-se para um
assalto final.

TOMADA DE JERUSALÉM

Mais uma vez a superstição auxiliou-os. Correram boatos de que um
dos seus bravos chefes, Godofredo de Bouliion, tivera uma visão de que
estavam continuando o cerco debaixo da direção de anjos. Vira uma forma
brilhante com armadura celestial pairando sobre o monte das Oliveiras,
brandindo uma espada desembainhada e dando sinal para esse último
assalto. Os 40.000 guerreiros desesperados levantaram o antigo grito de
"Deus assim o quer"! e em breve todo o exército trepava pelos muros que
rodeavam Jerusalém. O esforço foi grande e custou muito sangue, mas a
vitória pertenceu aos sitiantes, e o próprio Godofredo foi o primeiro que
ganhou uma posição firme e incontestável sobre os muros. Logo em
seguida saltou para dentro da cidade consagrada, seguido de milhares de
seus soldados, que se lançaram sobre seus inimigos com uma fúria
incansável. O morticínio que se seguiu não se pode descrever. Não
pouparam nem idades nem sexos, e a carnificina de 70.000 maometanos
foi considerada pelos cruzados como uma obra dos cristãos muito digna de
elogios. Durante três dias houve na cidade um dilúvio de sangue, e dizem
os historiadores que merece todo o crédito a afirmação de que no templo e
no pórtico de Salomão o sangue chegava às cilhas das selas dos cavalos.
Por fim chegou a bonança; e no oitavo dia depois do ataque
reuniram-se os chefes vitoriosos, e ofereceram o reino de Jerusalém a
Godofredo de Bouliion. Era ele, incontestavelmente, o herói do dia, mas
com uma modéstia que se igualava ao seu heroísmo, recusou a dignidade
real, e aceitou o título mais humilde de Defensor e Barão do Santo
Sepulcro. Outra vitória, em Ascalom, pouco depois, assegurou a posição
dos cruzados; e uma vez que tinham sido vingados seus irmãos peregrinos
do mal que lhe fizeram os maometanos, entenderam que a sua missão
estava terminada, e muitos deles prepararam-se para voltar à sua terra
natal.
Os maometanos tinham estado de posse da cidade desde a conquista
de Omar no ano 637, um período de 462 anos: a data certa da sua tomada
foi o dia 15 de julho do ano 1099. Era uma sexta-feira; e eram justamente
três horas da tarde quando Godofredo saiu vitorioso sobre os muros da
cidade.

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