Da segunda à quarta cruzada (1100-1200)


As memórias a respeito do século que vamos tratar, são realmente
desanimadoras; apenas uns pequenos raios de luz brilhavam nas trevas
que predominavam.

TRABALHOS MISSIONÁRIOS

É verdade que se faziam várias tentativas de caráter missionário nas
partes da Europa que ainda se conservavam pagas, mas os resultados
eram parciais e incertos. Otho, bispo de Banberg, levou o Evangelho a
Pomerânia, país conquistado pelo duque da Polônia. Quando o povo dali
viu que as idéias do bispo eram pacíficas, e que vinha oferecer-lhes a
salvação, e não roubar e oprimir, escutaram as suas palavras e foram
batizados. Os naturais da ilha de Rugen, que tinham recebido o Evangelho
no século anterior, mas que tinham outra vez caído na adoração às imagens,
e até ofereciam sacrifícios humanos ao mártir S. vítor, também se
converteram em parte, por meio de Absalão, arcediago de Lunden. Mas
parece que nesse trabalho mais se empregavam as armas carnais do que a
espada do Espírito, e podemos portanto com razão duvidar da sinceridade
de muitas conversões. Finalmente, depois de mencionarmos Vicelin, bispo
de Oldenberg, que parece ter feito um verdadeiro trabalho evangélico entre
as nações eslavas, pouco ou nada resta a dizer dos trabalhos daquela
época.

UM NOVO TESTEMUNHO

Mas este século tornou-se notável pela existência de um testemunho
de novo caráter - testemunho que parecia mais um preparativo para uma
coisa futura, do que a continuação do passado. As necessidades dos
pagãos tinham produzido este, mas as necessidades da própria igreja estavam
produzindo aquele. Um era a proclamação do Evangelho aos pobres e
ignorantes; e outro era um protesto contra a corrupção de uma hierarquia
rica, que professava saber tudo. A igreja professa tornar-se agora
completamente corrupta, e não é portanto de admirar que houvesse oradores
ousados, que se tivessem levantado para gritar contra ela.

PEDRO DE BRUYS

Desses oradores, um dos primeiros foi Pedro de Bruys, natural do Sul
de França, e considerado como um homem de espírito indomável. Foi ao
princípio presbítero, mas pelo modo pessoal e picante das suas pregações
despertou a animosidade do clero, necessitou de andar fugindo para
escapar à perseguição. Eram muitos e importantes os pontos em que ele
diferia da igreja professa desse tempo, e ele não deixou de os tornar
bastante conhecidos. Protestou contra as inovações de Roma; contra a
construção de igrejas ricas; contra a adoração de crucifixos; contra a
doutrina da transubstanciação; contra a celebração da missa, e contra a
eficácia das esmolas e das orações pelos defuntos. O fervor da sua
eloqüência ganhou-lhe muitos ouvintes e não poucos adeptos; mas a sua
missão parece ter sido mais de destruição do que de reforma, a ponto do
reformador pupin, do século dezessete, contar que em Provença não se
viam senão cristãos batizados de novo, igrejas profanadas, altares deitados
abaixo e cruzes queimadas. Depois de trabalhar no meio de muita
perseguição durante mais de vinte anos, foi queimado em vida em S. Gilles,
no ano de 1130.

O ITALIANO HENRIQUE

A influência do ensino de De Bruys, não pôde, porém, ser destruída, e
a sua obra foi levada por diante por um italiano chamado Henrique, que
pelo seu extraordinário zele e eloqüência convincente levou tudo adiante de
si. Andava por toda a parte descalço, mesmo no inverno; tinha pouca roupa
e de pior qualidade. As cabanas dos camponeses eram onde
freqüentemente descansava; mas, assim como seu divino Mestre, muitas
vezes não tinha onde reclinar a cabeça. Passou muitas horas amargas
debaixo dos pórticos, ou em montes sombrios, exposto à chuva e ao vento
frio da noite; mas os sofrimentos não lhe faziam perder a coragem, nem as
ameaças dos seus inimigos lhe causaram medo. Ensinou, como fizera
Pedro de Bruys: que era um erro construir igrejas ricas, visto que a igreja
de Deus não consistia numa porção de pedras, mas na união dos fiéis;
também que a cruz não devia ser adorada; que a transubs-tanciação era
uma doutrina infernal; que as orações pelos defuntos eram vãs e inúteis.
Um homem tão ousado não podia ter licença para gozar a sua liberdade por
muito tempo, e por isso Henrique foi por fim agarrado e preso em Rheims, e
depois removido para Tolosa, onde foi morto por ordem de Alberico, o
legado papal, no ano 1.147.

MAIS MÁRTIRES

Vários outros, a quem também chamavam hereges -provavelmente
adeptos de Henrique e de Pedro de Bruys -sofreram o martírio em Colônia,
no mesmo ano; e Evervinus, de Steinfeld, próximo daquela cidade, fez uma
narrativa desses martírios em uma carta a Bernardo, abade de Clairvaux.
Depois de falar da sua firmeza e resolução: "E o Que é mais extraordinário
é que forem para o poste, e sofreram o tormento do fogo, não só com
paciência mas até com prazer e alegria". Este mesmo Bernardo que
aprovou o zelo que perseguia os fiéis cristãos até o ponto de lhes dar a
morte, também disse deles: "Se os interrogam a respeito da sua fé, não
pode haver nada de mais cristão; se investigam sobre as suas conversas,
nada há mais irrepreensível; e o que dizem confirmam-no pelos atos.
Quanto ao que diz respeito à sua vida e às suas maneiras, não atacam ninguém,
não abusam de ninguém. Os seus rostos estão pálidos devido a.
jejuns; não comem o pão da preguiça, mas sustentam-se pelo suor dos
seus rostos".
É, contudo, caso para nos alegrarmos ver que, apesar da perseguição,
aumentava o número dos dissidentes de Roma. O abade, a quem acima nos
referimos, descreve-os como sendo "uma multidão de hereges" e outro
escritor, Eckbert, afirma que "aumentavam extraordinariamente em todos
os países", enquanto Guilherme de Newbury diz que eles pareciam tornarse
mais numerosos que a areia do mar. Eckbert ainda diz mais: que os
"hereges" tinham diferentes nomes segundo os países onde se
encontravam.

PEDRO WALDO

Mas a luz mais brilhante desse século foi talvez Pedro Waldo, o
piedoso negociante de Lyon. A morte súbita de um amigo despertou-lhe
pensamentos sérios, e ele tornou-se um atento leitor das Escrituras
Sagradas. Distribuiu seus bens pelos pobres, dedicou o resto de sua vida a
praticar atos piedosos. Um conhecimento mais amplo da Bíblia fez-lhe
perceber a corrupção no sistema religioso que então predominava e levou-o
por fim a repeli-lo como cristão. Entretanto estava também ansioso por
livrar outros do estado tenebroso em que ele também se encontrara havia
ainda tão pouco tempo, e começou a andar por um lado e outro, a fim de
pregar as riquezas insondáveis de Cristo. Um dos seus adversários,
Stephanus de Borbonne, informa-nos que Waldo era aplicado ao estudo
dos primeiros ensinadores da igreja e prestava muita atenção à leitura da
Bíblia, e por isso tornou-se tão familiar com este livro, que tinha tudo
gravado na memória, e determinou procurar aquela perfeição evangélica
que distinguiu os apóstolos. Stephanus informa-nos mais que, tendo
vendido todos os seus bens, e distribuído aos pobres o dinheiro resultante
dessa venda, o piedoso negociante foi por diversos sítios pregando o
evangelho e as coisas que sabia de cor, nas ruas e praças públicas. Entre
outras coisas contadas pelo mesmo escritor, lemos que reunia à roda de si
homens e mulheres de todas as classes, mesmo das mais humildes, e
confirmando-os no conhecimento do Evangelho mandava-os pelos países
vizinhos para pregarem. Mas os passos que Waldo deu para a tradução dos
Evangelhos em língua vulgar serão sempre considerados como a sua maior
obra. Sem isto nunca poderia ter mandado para fora do país, com palavras
de vida, os seus discípulos, porque eram ignorantes e as Sagradas
Escrituras só se podia obter na língua latina.
A sua fidelidade, porém não podia deixar de ter oposição, e a notícia
deste grande fato provocou logo a oposição do Vaticano. Enquanto Waldo
se contentou com a insignificante tarefa de reformar a vida do clero, não
sofreu grande oposição, mas logo que tirou da bainha aquela terrível arma,
a Palavra de Deus, e a colocou nas mãos do povo, declarou-se inimigo de
Roma. Colocar uma Bíblia aberta nas mãos dos leigos era, nem mais nem
menos que perturbar os próprios fundamentos do papismo, porque a
Palavra de Deus era o maior adversário de Roma. O papa foi por isso muito
pronto e decisivo, e mandou publicar uma excomunhão contra o honrado
negociante. Ainda assim, a despeito da bula de Alexandre, Waldo ficou em
Lyon mais três anos, muito ocupado a pregar e distribuir as Sagradas
Escrituras, e por este tempo, vendo o papa que as medidas que tinha
adotado não produziam efeito, estendeu as suas ameaças a todos os que
estivessem em contato com o herege. Foi então que Waldo, por causa dos
seus inimigos, deixou a cidade e durante os quatro anos que ainda viveu foi
como peregrino na face da terra, tendo, contudo, sido sempre guardado
pela providência de Deus de ser vítima da Perseguição de Roma, e morreu
de morte natural no ano 1179.
A dispersão dos adeptos de Waldo (os "Homens pobres de Sião")
depois da morte dele contribuiu muito para que o Evangelho se espalhasse,
e muitos deles encaminharam-se para os Alpes, entre os quais estão
situados os vales dos Vaudois. Ali, com grande alegria sua, encontraram
uma colônia de cristãos que professava idéias muito semelhantes às deles e
que davam, pelo seu modo de vida e conversa, um belo exemplo, tanto de
fraternidade cristã como de felicidade doméstica. Foram recebidos por
esses crentes simples, de braços abertos, e até lhes permitiam morar na
sua colônia, e deste modo participar da felicidade deles e, dentre pouco
tempo, partilharam também dos seus sofrimentos. Deixemo-los ali por
enquanto e lancemos a vista a outros que estavam dentro do grêmio da
igreja de Roma, cujos nomes têm alguma importância nas memórias eclesiásticas
do século.
Nomearemos quatro entre eles: Bernardo de Clairvaux, Abelard,
Arnaldo de Brescia e Tomaz A. Becket. Apesar de estes não serem tão
ortodoxos como muitos partidários de Roma poderiam ter desejado.
De Bernardo de Clairvaux já falamos, e de um modo bastante
desfavorável; mas, apesar do seu zelo contra os adeptos de Henrique e
Pedro de Bruys, parece ter sido um homem de alguma piedade, pois
censurou sem receio os abusos e os crimes do clero, a vida luxuriosa dos
bispos, e sua embriaguez; as suas carruagens ricas, as suas baixelas de
alto preço, as suas esporas de ouro. Tudo isso caiu sobre a censura da sua
pena! Também não teve escrúpulo de falar dos padres como servos do
Anticristo; dos abades como sendo mais senhores de castelos do que
padres de mosteiros, mais príncipes de províncias do que dirigentes de almas.
Na verdade a influência de Bernardo era enorme e, talvez, não tivesse
igual.
Abelardo era francês, e tornou-se notável por ser o primeiro homem
que ensinou teologia publicamente sem ter ordens de padre. Da parte
romântica da sua história não estamos dispostos a tratar, mas, ainda
assim, há nela o bastante para nos comover e excitar uma certa admiração
pelo homem. Contudo, foram os poetas e não os teólogos que disseram as
melhores coisas a seu respeito. Podemos considerá-lo, porém, como um
sábio eclesiástico, e como tal ele leva a palma a todos os seus
contemporâneos. Vinha gente de grandes distâncias, pronta a atravessar
mares e montanhas e a se sujeitar a muitos inconvenientes conquanto
tivesse o privilégio de o ouvirem. Mas nas suas pregações o raciocínio, em
grande parte, tomava o lugar da fé, a ponto de afastar do bom caminho, até
no que diz respeito a alguns princípios fundamentais do cristianismo. Por
fim a sua grande popularidade despertou a animosidade de Roma, e o
grande sábio retirou-se mais tarde para o mosteiro de Clugny onde foi
muito bem recebido pelo respectivo abade. Morreu no ano 1142.

ARNALDO DE BRESCIA

Arnaldo de Brescia fora segundo se diz discípulo de Abelard, mas
evidentemente não estava corrompido desse homem tão brilhante, mas tão
infeliz. Parece que, apesar de nunca se ter desligado da sua obediência ao
papa, desafiava publicamente o poder; e o caráter destruidor e revolucionário
da sua pregação faz-nos lembrar um dos seus contemporâneos:
Pedro de Bruys.
Servindo-se para texto das palavras do Senhor: "O meu reino não é
deste mundo", começou uma série de ataques à vida do clero em Roma, que
era onde a sua iniqüidade mais se salientava.
"Se Cristo era pobre", dizia ele, "se os apóstolos eram pobres, se os
monges eram mal vestidos, fazendo seus trabalhos e jejuns, com as faces
emagrecidas pela fome, e os olhos fitos no chão, sendo a imagem da vida
real dos apóstolos e de Cristo, quão longe dos apóstolos e de Cristo então
estavam esses bispos e abades vivendo como príncipes e grandes senhores,
com os seus mantos forrados de pele e de escarlata e púrpura; esses bispos
e abades que montam nos seus cavalos fogosos com freios de ouro, que
usam esporas de prata e que levantam a cabeça como se fossem reis". A
hierarquia de Roma, picada por essas censuras, pediu a sua expulsão e,
em conseqüência disso, ele foi banido pelo concilio Lateranense nó ano
1139. Mas tornou a vir no ano 1154 e começou novamente as suas
pregações poderosas e apaixonadas, até fazer com que o povo se tornasse
barulhento e questionasse com os padres em diferentes ocasiões.
Numa dessas rixas ficou ferido um cardeal, e Adriano fez publicar
uma interdição contra a cidade e não a levantou enquanto Arnaldo não
fosse expulso dali. As ameaças produziram o efeito desejado, e por algum
tempo os movimentos do reformador parece terem sido incertos. Depois de
andar de um lado para outro, achou asilo em Zurich, onde foi
bondosamente recebido pelo bispo da diocese. Bernardo, porém não o
deixou descansar. Tinha-o vigiado com impaciência cheia de cólera, e agora
instou com o papa para que tomasse medidas severas a seu respeito. Nada
se fez, porém, até o pontificado de Adriano II (um inglês, cujo verdadeiro
nome era Nicolau Breakspear), em cujas mãos o ousado pregador foi
entregue pelo imperador Barbarosa. O papa, com medo de que o povo
tentasse livrá-lo, condenou-o apressadamente num concilio secreto, e antes
de romper o dia Arnaldo tinha deixado de existir e as suas cinzas foram
lançadas nas margens do Tibre.

TOMAZ A BECKET

Do nascimento e da família deste homem extraordinário nada se
sabe, ainda que haja quem afirme que ele era filho de um negociante de
Londres. Começou os estudos em Oxford, e acabou-os em Bolonha; então
entrou ao serviço da igreja e elevou-se, a passos rápidos, à dignidade de
arcediago de Cantuária.
O rei Henrique II, que então ocupava o trono da Inglaterra, tinha
apenas vinte e cinco anos de idade, mas já havia começado a mostrar um
espírito independente, e prometia, como o pai, reprimir em grande parte o
poder papal. Isto levantou graves receios no espírito de Teobaldo, arcebispo
de Cantuária, que procurou colocar próximo do rei um homem enérgico e
de habilidade, que fosse dedicado à igreja e capaz de resistir esta oposição,
e que, em caso de necessidade, vencesse a vontade, do rei.
Pareceu-lhe que esse homem era Becket, e quando o lugar de
chanceler do reino vagou-se, recomendou o arcediago como pessoa muito
competente para o desempenhar. A sua recomendação foi bem recebida, e
em breve Becket tornou-se um favorito do rei. Caiu nas boas graças do seu
soberano, entrou em todos os seus projetos, e até (pois isso fazia parte de
sua astúcia política) acompanhou-o nos seus esforços para reprimir a
invasão do poder papal na Inglaterra. Tornou-se notável, nesta época, pela
sua natureza mundana e pela maneira principesca em que vivia. Na caça,
nos banquetes, nos torneios a sua presença era sempre precisa; e quando
saía tornava-se mais notável do que os outros nobres pela magnificência da
sua equipagem e pelo esplendor da sua comitiva, que geralmente se
compunha de seiscentos a setecentos cavaleiros.
Henrique parecia sempre felicíssimo quando estava com seu favorito;
e enquanto esteve com Becket a amizade foi recíproca; mas logo que o
monarca confiante o elevou ao arcebispado de Cantuária, vago pela morte
de Teobaldo, ele mudou completamente de tática e mostrou bem ser inflexível
vassalo de Roma. Os seus pedidos então tornaram-se arrogantes e
urgentes; e pouco depois o rei sentia amargamente ter dado tais honras ao
seu favorito.
Durante algum tempo tinha o clero da Inglaterra estado a diligenciar
para obter a imunidade das leis civis; e, na verdade, tinha conseguido em
tudo seus fins. Entre os anos de 1154 a 1163 nada menos de cem
assassinatos e grande número de orgias tinham sido cometidos por
homens com ordens sacerdotais, e nem um só dos criminosos tinha sido
chamado a responder pelo seu crime. Isto só por si é conclusivo. Becket
favorecia agora a causa dos padres, e oferecia a sua proteção ao
assassinato e ao incesto. Viu-se quanto ele os protegia quando tomou
debaixo da sua proteção um padre acusado de sedução, e de ter, mais
tarde, assassinado o pai da sua infeliz vítima. O rei exigiu que o criminoso
fosse entregue, mas não se fez caso da sua ordem. O prelado altivo
respondeu que a degradação do delinqüente era castigo suficiente, e
firmou-se resolutamente nesta resposta.
Para remediar estes abusos, e definir mais claramente a sua
prerrogativa, o rei reuniu os seus barões e consultou-os sobre o que havia
a fazer; e, como eles partilhassem das idéias do seu soberano e
reconheciam a necessidade de adotar medidas enérgicas para proteger o
povo dos ataques do clero, trataram de redigir o notável código de leis,
conhecido por "Constituições de Clarendon". Foi ali de do, entre outras
coisas, que se algum processo se levantasse entre qualquer eclesiástico e
um leigo, seria decidido nos tribunais do rei, e não em Roma.
Becket assinou estas constituições de muito má vontade, e logo
violou o seu compromisso apelando para Roma. Em seguida, como
estivesse forte com a promessa da indulgência do papa, recusou em
absoluto reconhecê-las. Tinha, é verdade, assinado essas leis novas, mas
declarou que não se tinha comprometido a confirmá-las, pondo-lhes o seu
selo, e por meio deste subterfúgio limitou as conseqüências do seu ato.
A igreja e a coroa tinham-se agora declarado uma contra a outra, e
era evidente que o conflito entre o rei e o clero, que Hildebrando tinha
começado havia um século, estava agora para ser continuado na Inglaterra.
O primeiro ato de Becket bem mostrou como ele compreendia o espírito da
época. Abandonou o seu lugar; despediu a sua numerosa comitiva e trocou
as suas vestimentas ricas por uma camisa de crina e um hábito de monge,
e entregou-se a todas as austeridades de uma vida monarcal. A sua falsa
santidade foi a sua arma, e depressa atraiu a si a simpatia do povo
supersticioso. Henrique, porém, apesar de estar desgostoso com o
procedimento do seu arcebispo, não se rendeu tão facilmente, e, depois de
empregar algumas vãs tentativas para trazer de novo à submissão o bispo
rebelde, mandou proceder contra ele como traidor. Becket, entretanto,
tinha pedido licença para sair do reino; mas, conhecendo o gênio de
Henrique, e receando pela sua vida, tratou de se pôr a salvo por meio da
fuga, logo que soube das idéias do rei. Saiu às escondidas de noite de
Northanston e, dando muitas voltas para iludir seus perseguidores, fugiu
para o continente onde foi recebido com honras e sinais de afeto pelo rei da
França, e, por conselho do papa, retirou-se para a abadia de Pontigny,
onde tomou hábito de monge da ordem de Cister, e aguardou com
inquietação o resultado dos acontecimentos.
Fora declarado traidor, e os seus parentes e amigos foram expulsos
do reino; mas Becket vingou-se excomungando todos os seus adversários.
A cerimônia da excomunhão realizou-se na igreja de Vizelay, e pareceu que
foi excepcionalmente terrível e imponente. No meio do badalar dos sinos, e
da lúgubre entonação dos padres, foi lida a fórmula impiedosa, e umas
vinte ou mais pessoas, cujo único crime era obedecer às ordens do seu
soberano, foram votadas pela maldição do arcebispo, a uma vida de
horrível sofrimento na terra e de inextinguíveis chamas no inferno. As
cruzes dos altares foram invertidas; apagaram as tochas; deixaram os sinos
de tocar; os padres e o povo afastaram-se vagarosamente do edifício, e a
igreja ficou silenciosa, solitária e em trevas.
A luta entre Henrique e Becket durou sete anos, e mais tempo teria
durado provavelmente se os pedidos simultâneos de Luís XII e do papa não
tivesse conseguido que Becket voltasse a ocupar seu antigo lugar. Quando
voltou para o seu país mostrou-se tão altivo e intransigente como quando
de lá tinha saído. Nada diremos, porém, acerca das questões que se deram
com o rei, e da péssima conduta do arcebispo para com ele. A narrativa
seria interessante, mas não entra nos limites da nossa história. A sua
insolên-cia e orgulho por fim tornaram-se insuportáveis, e a imprudente
observação que fez um dos bispos a Henrique de que não haveria paz para
ele, nem para o seu reino, enquanto Becket fosse vivo, avivou o grande
ressentimento do rei e obrigou-o a exclamar: "Não haverá ninguém que me
livre deste padre turbulento?" Quatro cavaleiros que ouviram estas
palavras dirigiram-se logo a Cantuária e, não podendo conseguir do altivo
prelado uma promessa de obediência ao seu soberano, assassinaram-no
perto do altar da catedral.

SEGUNDA CRUZADA

As nossas referências ao século XII ficariam incompletas se
deixássemos de falar das outras cruzadas. O ano de 1147 é notável por ser
o ano em que teve lugar a segunda cruzada contra os maometanos.
Durante bastantes anos o poder dos cruzados na Síria e Palestina vinha
diminuindo cada vez mais, e os soldados da cruz, como lhes chamavam,
tinham-se entregado a uma vida de luxúria e ociosidade - tentações
próprias dos países do Oriente. Os maometanos, aproveitando-se destas
circunstâncias, reuniram as suas forças, e depois de embaraçarem os
cristãos e de os enfraquecerem consideravelmente com várias escaramuças,
conseguiram tomar posse novamente de Edessa e estavam
concentrando a sua atenção sobre Antioquia.
Os cruzados, tendo a consciência da sua fraqueza, ficaram deveras
alarmados, e enviaram mensagem a Roma implorando socorro; e foi esta a
origem da segunda cruzada. O papa Eugênio III satisfez o pedido, e confiou
prudentemente a pregação da cruzada a Bernardo de Clairvaux. Além da
muita eloqüência do ilustrado abade, tudo quanto ele dizia tinha um
grande peso moral que o devia fazer ganhar qualquer causa que advogasse;
e a confiança que o papa depositou nele foi bem cabida. O rei da França e o
imperador da Alemanha responderam ambos à chamada. Depois de
reunirem 900.000 homens em volta da bandeira da cruz, este grande
exército dividiu-se em duas partes e marchou para a Palestina. Mas a
infelicidade acompanhou-os em todos os seus passos, e o resultado da
empresa foi miserável e humilhante. Só uma pequena parte do exército
francês chegou à Terra Santa, e os seus chefes nada puderam fazer devido
às invejas e dissensões entre os soldados. No ano de 1149 o resto do
exército desbaratado voltou para a Europa, tendo morrido muitos milhares
de homens na empresa.

A TERCEIRA E QUARTA CRUZADAS

A terceira e quarta cruzadas também tiveram lugar neste século e
foram um pouco mais bem sucedidas. Ricardo I da Inglaterra que
comandava a última, ganhou algumas vitórias brilhantes, mas com
enormes perdas de vidas. Os seus feitos terminaram com a trégua com
Saladino, o emir sarraceno, depois disso voltou Ricardo para a Inglaterra.
Diz-se que pereceram 120.000 cristãos durante o cerco de Acre, onde
estava o rei presente, e se juntarmos a estes os 180.000 maometanos que
morreram na mesma ocasião, temos um total de 300.000 guerreiros como
preço de um só combate em que nada se ganhou senão algumas honras
vãs e algum renome!
E quem foi responsável por toda esta perda de vidas? Só podemos
dizer que foi o cabeça da Roma papal, e ao próprio papa era evidente que,
por causa destas longas expedições à Palestina, a Europa havia de perder
muito sangue, gastar sua força e estragar seu tesouro. Não havia a mais
pequena idéia de converter os infiéis à fé de Cristo -que é a verdadeira
missão do cristianismo - o único fim era enfraquecer o poder dos monarcas
temporais para que os pontífices pudessem reinar sobre eles. O papismo é
essencialmente infiel. Pregar o Evangelho a toda a criatura, é o que o
Senhor ordenou a todos os que o reconhecem como Salvador e Senhor. Mas
o papa aconselhava: "Matai os infiéis sem piedade! arrancai o joio pela raiz
e jogai-o ao fogo para que se queime: é esta a obra que Deus quer que
façais!
As três ordens de monges militares, os Cavaleiros de S. João de
Jerusalém, os Cavaleiros Templários, e os Cavaleiros Teotônicos podem
considerar-se como o rebento das cruzadas, mas o seu caráter era mais
político do que religioso, e basta-nos mencioná-lo apenas. Os Cavaleiros
Templários chegaram a ser os mais poderosos, e para alguém chegar a ser
reconhecido naquela ordem empregava-se o maior mistério. Anos depois,
quando eles se estabeleceram na Ilha de Malta, com a sua riqueza
aumentada, levantou-se uma grande inveja contra eles, e espalharam-se as
mais medonhas histórias a respeito dos seus ritos secretos e cerimônias
extraordinárias. A sua atitude soberba, fria e antipática, deu causa à sua
queda, e no ano 1314.foi a ordem abolida por decreto do papa.

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