Da quinta à oitava cruzada (1200-1300)


O século XIII, apesar de ter sido, a muitos respeitos, um período de
importância, pouco notável se tornou pelo lado do trabalho missionário.
Os nestorianos continuaram na sua missão de converter gente na
Tartária, Pérsia e China; e os dinamarqueses também fizeram pequenas
tentativas nesse sentido neste último país. Também na Espanha se fizeram
alguns esforços para converter ao cristianismo a população árabe do país,
mas sem resultado. O papa Clemente IV aconselhou então que fossem
expulsos do reino, e, tendo-se dado ouvidos ao seu conselho, seguiu-se
uma carnificina cruel. Também se fizeram tentativas para levar o
Evangelho às localidades pagas de Prússia, a ponta da espada, e Conrado,
duque de Massora, fez com que os cavaleiros teotônicos tomassem parte
nessa bárbara empresa. Os habitantes, ao princípio ressentiram-se destas
medidas forçadas, mas o poder das armas obrigou-os por fim à submissão,
e acabaram por se curvarem, de má vontade, ao jugo papal. Animados por
este bom êxito, os cavaleiros mais tarde estenderam a sua missão a
Lituânia onde, roubando, matando e incendiando, depressa reduziram o
povo a um estado de servilismo, e obrigaram todos a serem batizados.

TRISTE CONDIÇÃO DA CRISTANDADE

Estes atos de injustiça e opressão, cometidos dentro dos limites da
cristandade, não devem causar muita admiração, se considerarmos a
condição em que se achava a igreja professa nessa época. Eclesiásticos de
todas as categorias, desde o próprio papa, esforçavam-se por alcançar
riquezas e poder, e os mestres e outros teólogos estavam gastando a sua
sabedoria e eloqüência em controvérsias inúteis e especulações sem
proveito sobre questões que não estavam ao alcance dos espíritos pouco
talentosos.
"Nunca", diz Rogério Bacon (o mais erudito inglês daquele tempo),
"nunca houve uma aparência tão grande de sabedoria, nem um tão grande
ardor pelo estudo, em tantas faculdades e em tantos países, como nestes
últimos quarenta anos. Os doutores estão espalhados por todas as cidades,
por todos os castelos, por todas as vilas, e, não obstante, nunca houve
tanta ignorância e tanto erro! Grande parte dos estudantes gastam seu
tempo com más traduções de Aristóteles, e perdem assim o trabalho e a
despesa que fazem. A única coisa que atrai a sua atenção são as
aparências; não se importam de saber o que é que aprendem, pois desejam
apenas mostrar-se muito sábios à sociedade estúpida".
A maioria das pessoas eram realmente tão ignorantes quanto possível
e quase que inteiramente destituídas de espiritualidade. Desprezavam o
estudo, e assim ficavam à mercê dos padres, que lhes conheciam o valor, e
procuravam todos os meios de evitar o desenvolvimento dos seus
conhecimentos. A política do clero era usurpar quanto lhe fosse possível o
poder dos tribunais civis; de modo que quase todos os casos de perjúrio,
blasfêmia, usura, bigamia, incesto, fornicação etc, eram julgados nos
tribunais eclesiásticos. Ainda assim tinham a astúcia de fazer com que a
sanção das suas decisões e a execução das suas sentenças fossem
entregues ao poder temporal, livrando-se, assim, segundo pensavam, da
responsabilidade de qualquer engano da justiça.

LUXÚRIA DO CLERO

Não há dúvida de que a Europa era, no século treze, governada pelos
padres, que tinham a seu favor a riqueza e a sabedoria. Os mosteiros
tinham-se tornado em palácios, onde os abades podiam dar as suas festas
suntuosas, e sustentar os seus amores criminosos, protegidos pelo forte
braço de Roma. Os bispos eram príncipes que em muitos casos eram donos
das terras para as quais tinham sido nomeados governadores espirituais.
Os frades tinham suas belas moradas nos subúrbios de todas as cidades
importantes, e passeavam diariamente pelas ruas, com os seus hábitos
negros, para receberem as saudações do povo. As cabanas dos pobres e os
castelos dos ricos tinham as portas sempre abertas àquelas visitas, e, ou
com vontade ou sem ela, tinham forçosamente de recebê-los. Ainda
vagueavam tristemente pelo meio dos túmulos e nas montanhas alguns
ermitões e outros reclusos que com as suas severidades ascéticas
fortaleciam muito o poder do papa. Muitos verdadeiros cristãos,
desgostosos com a conduta desregrada dos padres, teriam sem dúvida
abandonado o aprisco se não fossem esses ermitões que, com a sua
suposta santidade, enchiam de medo os supersticiosos e anulavam as
objeções dos descontentes.
Pode-se bem imaginar qual teria sido a força deste poder que obrigava
um homem, por qualquer ofensa venal que lhe tinha sido arrancada no
confessionário, a jejuar, ou a andar descalço, ou a deixar de usar roupa
branca, ou a ir em peregrinação; ou mesmo, quando desejavam ver-se livre
do ofensor, obrigavam-nos a tomar o hábito e entrar num mosteiro! Era
este o poder que tinham os padres; e estamos certos de que eles usavam
desse poder sempre que pudessem por esse meio ganhar alguma coisa.
Mas, se os padres governavam o povo, eram eles governados pelo
papa. Todos lhe estavam sujeitos; e tanto mais que foi durante este século
que o dogma da infalibilidade do papa se salientou. O dominicano Tomás
de Aquino, tomando por verdadeiros os escritos de Beneditino Graciano, do
século anterior, acrescentou-lhes ainda bastantes coisas falsas e
tradicionais, e desta mistura de erros e superstições surgiu a perigosa
doutrina da infalibilidade papal.

INOCÊNCIO III E O REI FELIPE DE FRANÇA

Dos papas deste século o maior foi, talvez, Inocêncio III, que subiu a
essa "dignidade" no ano de 1198. Com certeza não teve quem o excedesse
em maldade. O seu verdadeiro nome era Lotário de Conti, mas os seus
cardeais deram-lhe o nome de Inocêncio em testemunho da sua "vida
irrepreensível!"
Ura dos primeiros atos de Inocêncio, ao subir à cadeira papal, foi
destruir a felicidade doméstica do rei da França. Filipe Augusto atraído
pela fama da beleza da princesa Isemburge da Dinamarca, prometeu a sua
mão àquela senhora, realizando-se em seguida o casamento. Ora, o monarca,
que tinha procedido muito precipitadamente, mostrou desde o
princípio uma aversão invencível pela sua jovem esposa, e, recusando-se a
viver com ela como sua mulher, repudiou-a para casar com a jovem e linda
Agnes, filha do duque de Merânia, por quem sentiu um profundo e
verdadeiro amor.
Contudo, o papa tomou partido da princesa repudiada e ameaçou pôr
o país inteiro sob interdição se o rei não abandonasse a filha do duque e
recebesse a princesa Isemburge com afeto conjugai. Esta não era, de modo
algum, uma ameaça vã, e as conseqüências de tal interdição iriam recair
fortemente sobre os súditos inocentes de rei da França. Suspender os atos
públicos de religião era, aos olhos de todos, uma coisa terrível, visto que
quase todo o seu culto era realizado por meio dos padres, e, em geral, não
tinham o recurso da oração particular.
Mas Filipe não quis ceder. Disse que o seu divórcio da princesa
dinamarquesa era legal, pois tinha sido ratificado pelo papa anterior,
Celestino III. Além disso, estava legalmente casado com Agnes que já lhe
tinha dado dois filhos. O papa, porém, não quis ouvir nada disso, e como
Filipe continuou a teimar, deu a necessária autorização ao seu legado,
então em Dijon, para proclamar a interdição. À meia noite teve lugar, a
toque dos sinos, uma execrável cerimônia. Queimaram a hóstia
consagrada, cobriram as imagens de preto, e puseram as relíquias nos
túmulos. Em seguida o clero saiu da igreja em procissão solene, tendo à
frente o cardeal com a sua estola roxa de luto; e quando ele pronunciou a
interdição, os padres apanharam as tochas, fecharam as portas das igrejas,
e todas as orações, todos os serviços religiosos, ficaram indefinidamente
suspensos. Só os sacramentos de batismo, confissão e extrema unção eram
permitidos pela igreja, e andavam todos com a barba por fazer; era proibido
o uso de carne, e os cadáveres sem terem lugar de sepultura eram lançados
aos cães, que infestavam as cidades, e aos bandos de aves de rapina.
Filipe protestou em vão contra este procedimento extremo; mas o
papa foi inexorável e as suas ordens tinham de ser obedecidas. Agnes teve
de ser abandonada, Isemburge reintegrada nos seus direitos. Enquanto
isto não acontecesse tinha de durar a interdição. Mas o afeto de Filipe
concentrava-se na sua linda esposa, e não se poderia convencer a
submeter-se a uma ordem tão áspera. A própria Agnes não tinha ambições
de rainha, mas não podia suportar o pensamento de se separar do seu
marido: ela apenas queria ser o que o papa e o parlamento a tinham feito,
sua legítima esposa. Desesperado pela dor da esposa e pela sua própria
impossibilidade de acalmar-se, o rei exclamou: "Vou-me tornar
maometano. Feliz Saladino que não tem papa que o governe!" Mas a tudo
isto respondia a ordem cruel: "Obedece ao papa, abandona Agnes e torna a
receber Isemburge".
Por fim o rei cedeu. O papa venceu aquela luta e retirou a interdição.
As igrejas tornaram-se a abrir ao povo, as imagens foram destampadas as
relíquias novamente expostas e os sacramentos ministrados como antes. A
princesa foi reconhecida como esposa de Filipe, mas a sua aversão por ela
tinha aumentado em conseqüência de tudo quanto tinha sucedido e
continuou a recusar-se a viver com ela como sua mulher. A linda e amável
Agnes, separada a força do seu marido, morreu pouco depois, com o coração
despedaçado.

INOCÊNCIO III E O REI JOÃO DA INGLATERRA

Mas não foi a França o único país que sofreu os horrores de uma
interdição durante o pontificado de Inocêncio III. O rei João da Inglaterra,
pelas suas ameaças grosseiras ao papa, fez com que o seu país fosse
também visitado por uma interdição. Porém esta não produziu efeito algum
no ânimo de João, e quando, no ano seguinte, foi excomungado, recebeu a
bula do papa com desprezo. A bula foi seguida no ano 1211 por um ato de
deposição, e a coroa de João foi-lhe confiscada - os seus súditos foram
desligados dos seus juramentos de obediência, e foi-lhes dada liberdade de
prestarem a sua obediência a uma pessoa mais digna de ocupar o trono
que estava vago. Por fim Filipe Augusto de França foi convidado a tomar as
armas contra o rei contumaz. Foram-lhe também prometidos os territórios
ingleses para aumentar o seu próprio reino. Esta última medida do papa
venceu por completo o covarde João, e a sua antiga altivez e independência
deram imediatamente lugar a uma baixeza e a um servilismo que quase
não há igual na história.
Numa casa dos templários, próximo a Dover, o rei da Inglaterra, de
joelhos, colocou a sua coroa aos pés de Pendulfe, o legado papal, e cedeu a
Inglaterra e a Irlanda ao papa; jurou-lhe homenagem como seu senhor
soberano e prestou juramento de fidelidade aos seus sucessores. Foram
esses os vergonhosos e humilhantes termos ditados pelo suposto pastor do
rebanho de Cristo, e suportados por um rei inglês!
Filipe Augusto, que tinha nesse meio tempo feito imensas despesas
para organizar um exército, foi em seguida informado, sem mais
explicações que devia desistir das hostilidades e que qualquer tentativa
contra o rei da Inglaterra seria altamente ofensiva para a santa Sé.
Mas o triunfo do papa transformou-se em alarme quando, dois anos
mais tarde, os barões da Inglaterra com o arcebispo Langton à sua frente,
reuniram-se em Runnymede e forçaram o tirano João a renovar e ratificar
a carta das suas liberdades, que lhes tinha sido conferida por Henrique I.
"Pois quê?", exclamou Inocêncio, "os barões da Inglaterra atrevem-se
a transferir para outros o patrimônio da igreja de Roma? Por S. Pedro, não
podemos deixar um tal crime impune". Mas os barões tinham um ânimo
muito diferente do seu soberano; e quando o papa anulou a grande carta e
ameaçou os que a defendiam, eles receberam a excomunhão com um
silêncio de desprezo.

A DOUTRINA DA TRANSUBSTANCIAÇÃO

O pontificado de Inocêncio adquiriu maior importância por ser ele
quem estabeleceu por decreto o dogma fatal da transubstanciação,
decidindo, assim, uma questão que, havia tanto tempo, se agitava no
espírito de muitos. No quarto concilio Laterano (1215) foi afirmado
canonicamente que, depois de o padre pronunciar as palavras de
consagração os elementos sacramentais do pão e do vinho ficam
convertidos na substância do corpo e do sangue de Cristo. Assim, foram
decretadas honras divinas aos elementos consagrados, que se tornaram
objeto de culto e adoração. Foram feitos cofres ricos, lindamente
cinzelados, para os receberem e, desse modo, segundo esta doutrina falsa,
o Deus vivo era encerrado num cofre, e podia ser transportado de um para
outro lado!

ESTABELECIMENTO DO JUBILEU

Mas a atividade do papismo ainda se mostrou de outra maneira
durante este século. A decadência em que tinham caído as cruzadas, que
enriqueceram os cofres da Igreja Romana ao mesmo tempo em que
empobreceram o resto da Europa, fez com que o papa começasse a
procurar nova fonte de receita, e, para isso, a idéia que um engenhoso católico
apresentou foi que o lugar de peregrinação para os cristãos devia ser
mudado de Jerusalém para Roma. Isso veio em auxílio do desejo papal.
Rios de dinheiro correram então para o Vaticano, e quando, no fim do
século, o papa
Bonifácio VII instituiu o que chamam o jubileu, o êxito foi completo.
De cem em cem anos havia de ter lugar uma peregrinação a Roma; e esta
instituição tornou-se tão rendosa que a perspectiva de esperar cem anos
por essa fonte de riqueza era um esforço grande demais para a paciência
dos papas, e por isso mudaram o intervalo para cinqüenta anos. Mas
mesmo esse espaço de tempo foi considerado muito longe, e, logo depois,
foi determinado e estabelecido que o prazo fosse de vinte e cinco anos.

A QUINTA CRUZADA

Já demos a entender que o entusiasmo pelas cruzadas estava
declinando, mas a História conta que em diversas ocasiões se organizaram
nada menos de outros cinco exércitos para aquela causa sem esperança. O
primeiro desses (a quinta cruzada) foi proclamado por Inocêncio III, mas ele
não encontrou muitos que o ajudassem. Apenas alguns fidalgos franceses,
auxiliados pela república Veneziana, conseguiram reunir um pequeno
exército que tomou de assalto a cidade de Constantinopla. Reintegraram
Isac Ângelo no trono, como imperador dos gregos, e estavam para se retirar
quando o novo imperador foi assassinado e levantou-se repentinamente um
grande tumulto e insurreição na cidade. Depois de restabelecida a ordem,
os cruzados elegeram um novo imperador, Balduíno, conde de Flandres, e
em seguida voltaram para seu país. Durante cinqüenta e sete anos
sucessivos o império grego foi governado por esta dinastia dos francos.

A SEXTA, SÉTIMA E OITAVA CRUZADAS

A sexta cruzada foi proclamada por Honório III, e os guerreiros eram
principalmente alemães e italianos. Marcharam para o Egito e apoderaram-se
de Dalmieta, tendo morrido no cerco 70.000 habitantes. Foi uma perda
de vidas humanas inútil, como se provou mais tarde, porque a cidade foi
retomada pelos sarracenos no decurso de alguns anos.
Pode-se dizer que a sétima e oitava cruzadas foram o resultado de um
voto que Luís IX de França fez quando estava doente. Pareceu-lhe ver no
fato do seu restabelecimento a expressão da vontade do Céu, que ele
livrasse o santo sepulcro do poder dos infiéis, e as longas demoras que
houve não puderam dissipar esta convicção. A sua primeira expedição foi
empreendida no ano de 1249 e deu em resultado a retomada de Dalmieta,
mas no ano seguinte o rei e quase todo o seu exército foram feitos
prisioneiros. Quatro anos depois foi pago o seu resgate por uma grande
soma, e combinaram uma trégua com os sarracenos por dez anos. Tendo o
rei feito várias peregrinações aos lugares santos, voltou então para a
França.
Mas ele não tinha esquecido seu voto, e, dezesseis anos mais tarde
envolveu-se numa outra cruzada. Cansado no corpo, mas com o espírito
muito vigoroso e cheio de esperanças, partiu com o seu exército a 14 de
março de 1270. Antes de ter passado o ano, o restante daquele triste exército
estava a caminho da Europa, tendo deixado seu rei na Tunísia. Sem
ter cumprido seu voto nem realizado suas esperanças, o rei morreu de
peste no mês de agosto, deixando a conquista da Terra Santa tão longe de
se realizar como sempre.
Assim terminou a oitava cruzada, a última que os papas
proclamaram durante muitos anos com uma ou outra exceção, a última em
que tomou parte qualquer soberano da Europa. Tanto os reis como os
imperadores tinham visto todos os males que as "guerras santas"
originaram, e os papas estavam muito preocupados com cruzadas de outra
espécie, e mais perto de casa para cuidarem dessas empresas tão incertas.
Mas os papas foram os únicos que ganharam com as cruzadas, e o
aumento do seu poder temporal foi considerável durante aqueles quatorze
anos de lutas e derramamento de sangue. Na verdade, o clero em geral não
tinha deixado de aproveitar a ocasião e, enquanto os nobres da Europa
estavam sacrificando suas vidas na Palestina, os bispos e os abades
tinham estado a usurpar os estados desses reis, e a encher de tesouros
roubados os cofres da igreja de Roma.

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