Depois do ano do terror (1000-1100)


A reação que se seguiu ao Ano do Terror deu em resultado uma
mania de construir templos, que logo se apoderou de toda a igreja. A
imensa riqueza que a pregação terrorista dos monges extorquira do povo foi
em grande parte empregada para esse fim; e é um ponto de dúvida se as
igrejas daquele tempo foram jamais ultrapassadas em tamanho e beleza de
arquitetura.
Aliviados dos horrores do medonho pesadelo que marcou os últimos
dias daquele século, notou-se um certo melhoramento no ensino; e os
esforços do papa Silvestre II, que estudara nas escolas da Arábia - então o
grande centro de instrução - foram muito proveitosos neste ponto. Ainda
assim, quando ele publicou um tratado de geometria, a sua ciência
favorita, as curvas e ângulos aterraram de tal modo os monges
supersticiosos, que o acusaram de se meter em ciências proibidas, e
fugiram dele como se foge de uma ne-cromante. Se o seu zelo tivesse sido
tão real na causa de religião como fora na causa de ciência, teria a
cristandade podido purificar-se de muitas das suas manchas, mas não o
foi, e nos últimos tempos do seu pontificado, ainda as trevas enegreciam a
malfadada Igreja Romana. A importância cada vez maior que andava ligada
ao poder eclesiástico, para o que contribuiu bastante a magnificência dos
nobres durante o Ano de Terror, pode-se avaliar pelo fato de que os bispos
e abades tinham na Germânia direitos de barões e até de duques, não só
dentro dos seus territórios, como também fora deles, e que os estados
eclesiásticos não eram já descritos como situados em certos condados, mas
estes condados como situados nos bispados. 0 progresso no trabalho
missionário entre os pagãos parecia ter quase parado, embora tivesse
continuado na Rússia, Suécia, e Dinamarca, e o Evangelho fosse espalhado
na Polônia, Rússia e Hungria. Os cristãos nestorianos merecem, contudo,
algum louvor por terem levado o Evangelho à Tartária e à Mongólia, tendo
bom êxito principalmente nas províncias de Turkestão, Cosgar, Genda e
Tangut. Provavelmente a falta de êxito entre os missionários do Ocidente é
devida à falta de verdadeira piedade, e aos muitos erros com que o caminho
do Evangelho tinha sido obstruído. Ao percorrer as memórias desse século,
em vão procuraremos provas do Evangelho ter sido ensinado com toda sua
pureza, ou de qualquer assembléias de crentes se ter reunido em bases
verdadeiras, conforme as Escrituras Sagradas.

A RAINHA MARGARIDA, E BERENGER

Até mesmo os exemplos pessoais de piedade são raros, e além da
rainha Margarida da Escócia, e de Berenger, não ouvimos de muitos
cristãos notáveis cuja sabedoria fosse acompanhada de qualquer prova
evidente de piedade. O próprio cristianismo de Margarida tinha muito de
romano, e quem lê a sua história fica perplexo a seu respeito. A monotonia
de sua vida religiosa faz-nos sentir mais dó do que satisfação, e não
podemos deixar de notar que havia muita ostentação nos seus atos de
benevolência, e muito aparato na sua humildade. Em todo o caso, era uma
verdadeira cristã, e não podemos deixar de ser gratos por qualquer raio de
luz, por fraco que fosse, que brilhasse naquela época tenebrosa.
Berenger é digno de menção por ter feito reviver a controvérsia sobre
a presença do corpo e sangue de Cristo na eucaristia. Era arcediago de
Angers, e ensinou com zelo que o pão e o vinho eram simplesmente
emblemas da morte do Senhor, e não eram convertidos no corpo e sangue
de Cristo, como se dizia. Por isso foi intimado a comparecer em Roma, onde
a força de ser ameaçado com a tortura e a morte, foi obrigado a assinar
uma retratação, mas depois de muita tristeza de coração pela sua
infidelidade voltou às suas primeiras opiniões, e morreu em sossego no ano
de 1088.

TRABALHO DOS PAULÍCIOS

Mas na verdade devem ser concedidas palmas, quanto à devoção
cristã, a uns crentes que estavam fora do grêmio de Roma. Durante esse
século os paulícios dirigiram-se da Europa Ocidental para a França, onde
encontraram muita perseguição da parte dos romanos; estes, para se
verem livres deles, acusaram-nos de serem hereges e eles foram queimados
vivos. Diz-se muito mal destes homens evidentemente devotos, mas como
essa maledicência parte dos seus inimigos, cuja honestidade e veracidade
já mostramos ser pouca, é melhor tomá-la no sentido oposto, ou repeli-la
completamente. Imaginam alguns que a semente da igreja Vaudois foi
semeada pelos missionários paulícios.

NOVOS PLANOS DE ROMA

Mas Roma estava empreendida numa obra mais importante do que
ocupar-se com a teimosia de alguns hereges inofensivos. O papa ainda não
tinha sido investido de toda a autoridade a que aspirava: uma monarquia
universal. E os soberanos da Europa estavam ainda livres do seu poder. A
sua grande ambição de se elevar à alta dignidade de autocrata do mundo
inteiro, posto que há muito tempo tivesse sido pensada, estava para ser
agora publicamente anunciada, e o pontificado de Hildebrando era a
ocasião propícia para a formação e cumprimento parcial deste projeto
ousado.

O PAPA HILDEBRANDO

Nasceu em Soana, uma cidade situada nos baixos pantanosos de La
Marema. Diz-se que seu pai fora carpinteiro, mas descendia de uma família
nobre, e gozava a proteção, se não da amizade, dos condes de Tusculum. 0
jovem Hildebrando foi educado, contra o seu desejo, no mosteiro de
Calvelo, próximo à sua cidade natal, e depois no mosteiro de S. Marcos, no
monte Avenida, onde a sua aplicação e amor ao estudo chamaram a
atenção de seu tio, o abade do mosteiro. Ligou-se, ainda muito novo, à
ordem os monges beneditinos, mas aos dezesseis anos, desgostoso com a
muita brandura de S. Marcos, passou para o famoso mosteiro de Clugny,
onde se observava uma austeridade muito maior. Aqui, de mais a mais,
havia maior facilidade em adquirir conhecimentos seculares, sempre tão
necessários às maquinações da igreja de Roma. Mesmo neste período da
sua história parece ter já dado prova de uma grande inteligência, que junto
com astúcia e ambição, haviam de fazer dele o déspota espiritual do seu
tempo.
Parecia, à primeira vista, que Hildebrando ganhara uma grande
influência no Vaticano quando ainda não tinha vinte e cinco anos de idade,
por que o encontramos muito ocupado numa intriga com Benedito IV, um
papa destronado em Roma, e combinando com ele a mudança dos seus
direitos para um tal Graciano, pela quantia de 1.500 libras em ouro. Mas
parece que ele não foi a Roma até a eleição de Bruno, bispo de Toul, à Sé
papal, por nomeação de Henrique III da Germânia. O bispo estava em
Clugny na ocasião da sua eleição, e Hildebrando conseguiu persuadi-lo de
que a nominação de pontífice feita por um potentado mundano era uma
vergonha para a igreja.
O poder eclesiástico, dizia ele, não se deve sujeitar ao poder secular; e
aconselhou-o a empreender uma viagem a Roma, com o hábito de
peregrino, e a que recusasse a dignidade de papa até lhe ser conferida pela
vontade do povo e pelo ato dos cardeais. Bruno percebeu a sabedoria e a
sagacidade deste conselho, e propôs a Hildebrando que o acompanhasse na
sua jornada, proposta que o monge imediatamente aceitou. Este plano
excedeu toda a espectativa, e o povo recebeu o peregrino candidato ao
trono papal com aclamações. Hildebrando cobriu-se de honras e fizeram-no
subdiácono de S. Paulo, cardeal, abade, e cônego da "santa" Igreja Romana,
e guarda do altar de S. Pedro. Não se pode calcular a influência que lhe deu
este simples ato. Tornou-se logo o administrador dos negócios papais e
chegou a governar até o próprio papa. Realmente, sua santidade era um
simples brinquedo nas suas mãos, como se provou quando Hildebrando
provocou a sua deposição, empregando para isso o suborno e a intriga.
Depois disto, Hildebrando ficou durante vinte anos trabalhando
ocultamente, depondo e elegendo papas conforme desejava.
Enquanto os papas estavam satisfeitos com as comodidades e gozos
que desfrutavam, Hildebrando, que não apreciava nada disso, andava
ocupado com os seus projetos.
Incitava e originava contendas, usurpações e conquistas por toda
parte, pondo tudo em confusão, para poder realizar os seus projetos
quando tratasse de restabelecer a ordem. Não fez segredo nenhum da sua
força e provou-a pelo seu procedimento para com o Papa Alexandre II, que
o ofendeu por se ter oferecido para suspender o exercício das suas próprias
funções eclesiásticas enquanto não fosse devidamente nomeado pelo poder
temporal. Hildebrando subiu ao trono papal e, com o punho fechado,
atingiu a cara do pontífice, na presença de cardeais, embaixadores e
outros. Em outra ocasião, em pleno concilio de bispos, acusou a todos da
assembléia de serem discípulos de Simão, e depôs um que se atreveu a
repelir a acusação.
Durante todo este tempo seus planos foram amadurecendo, devagar,
é verdade, mas com toda a segurança; e pouco a pouco, com a precaução
que era a metade do seu poder, foi subindo até chegar à cadeira papal, e no
mês de março de 1073 foi unanimemente eleito papa pelo concilio de
cardeais, tomando o nome de Gregório VIII.

AMBIÇÃO DE HILDEBRANDO

Mas até isso era simplesmente um meio para alcançar um fim. A
carreira que Hildebrando estava prosseguindo havia vinte anos não devia
acabar aqui; não era este o fim principal pelo qual ele se tinha esforçado.
Os seus planos eram mais vastos, e, num sentido, menos egoístas; só a
instituição de uma permanente hierarquia, com autoridade ilimitada sobre
todos os povos e reinos na face da terra, poderia satisfazer a sua ambição.
Sim, ele queria organizar um poderoso estado eclesiástico, que governasse
os destinos dos homens, uma poderosa teocracia ou oligarquia espiritual
com o poder de instruir o povo nos seus dogmas infalíveis, para obrigar as
suas consciências e dar forças à sua obediência; um estado cujo
governador fosse supremo sobre todos os governadores do mundo,
elegendo e depondo reis à sua vontade, pondo interdição a províncias e
reinos inteiros, e sem que ninguém ousasse opor-se a isso, em suma, um
vice regente de Deus na terra, que não pudesse errar, de quem se não
pudesse apelar!
Mas era preciso fazer algumas reformas importantes antes de chegar
a realizar estes planos ambiciosos. Devia suprimir-se imediatamente a
venda de benefícios eclesiásticos, ou o pecado de simonia.
Havia por toda parte muitos que imaginavam que o dom de Deus
podia adquirir-se por dinheiro. Mas ainda havia outra coisa que o espírito
de Gregório odiava mais do que a simonia, era o casamento do clero. Ele
bem via que enquanto isso fosse permitido, todos os seus esforços seriam
baldados. 0 casamento era um laço que unia os padres ao povo, e
enquanto não se despedaçasse esse laço, não poderia haver a verdadeira
unidade que desejava. O clero devia ser uma classe completamente
separada, livre dos laços de parentesco, tendo um único fim, a manutenção
e a glória da igreja. Não devia reconhecer parentesco algum senão o
espiritual: fora disto todos os interesses e ambições, sentimentos e desejos
eram traidores e indignos. Estas eram as idéias de Gregório, e neste
sentido deu as suas ordens.
A ordem que Gregório deu a respeito do casamento do clero teve
resultados terríveis. Dissolveu os mais respeitáveis matrimônios, separou
os que Deus tinha unido: maridos, mulheres e crianças; deu lugar às mais
lamentáveis discórdias e espalhou por toda a parte as negras calamidades;
especialmente as esposas eram levadas ao desespero, e expostas a mais
amarga dor e vergonha. Mas quanto mais forte era a oposição, mais alto se
proclamavam as maldições contra qualquer demora na plena execução das
ordens do pontífice. Os desobedientes eram entregues aos magistrados
civis, para serem perseguidos, privados dos seus bens, e sujeitos a
indignidades e sofrimentos de muitas espécies.

CONTENDA ENTRE GREGÓRIO E HENRIQUE IV

Outro decreto de Gregório foi atacar o ato de sagração de bispos pelos
leigos, e isto envolveu-o em questão com Henrique IV da Germânia. Já
desde muito antes do tempo de Carlos Magno, era costume os bispos e
abades serem sagrados pelos reis e imperadores, e Henrique não estava
disposto a perder aquele privilégio tão antigo, pela simples imposição de
um padre de Roma.
Esta recusa irritou o papa, e levou-o a ser conivente na ruína de
Henrique.
E não foi esta a única causa das suas dissensões. Quando
comunicaram a Henrique as ordens de Gregório a respeito do pecado de
simonia, o imperador, embora recebesse bem a idéia do papa, e tivesse
aprovado as reformas propostas, não deu um único passo para pô-las em
prática; e isto ainda mais fez irritar o papa. Ele queria obras e não
palavras: queria que o imperador fizesse executar os seus decretos e não
simplesmente que lhe fizesse cumprimentos evasivos, e por isso tornou-se
mais exigente nas suas ordens. Que se convocasse um concilio na
Germânia, e que se fizessem imediatamente investigações sobre as
repetidas acusações de simonia que pesavam sobre os bispos de Henrique;
mas o imperador não consentiu nisto, e os bispos, muitos dos quais eram
na verdade culpados, apoiaram, é claro, esta resolução. Mas Gregório não
era homem para ser contrariado nos seus propósitos, nem para desanimar
com a oposição. Impossibilitado de conseguir seu fim de uma maneira,
recorreu a outra, e, tendo reunido um concilio em Roma, ali se fizeram as
acusações. Como conseqüência, muitos dos favoritos de Henrique, alguns
dos mais elevados eclesiásticos da terra, foram depostos, e, como se
quisesse acrescentar o insulto à injúria, o próprio imperador recebeu
ordens peremptórias para comparecer a Roma, a fim de responder a iguais
acusações, sendo ao mesmo tempo ameaçado de excomunhão, se recusasse
aparecer. Ele recusou, e indignado por tão vil insulto contra a sua
pessoa, reuniu-se em concilio dos seus próprios bispos e depôs o papa.

EXCOMUNHÃO DE HENRIQUE

A luva fora lançada, e Gregório vingou-se logo, publicando a bula de
excomunhão com que o tinha ameaçado. Numa assembléia de bispos cujo
número era de 110, pronunciou a excomunhão do imperador, e declarou ao
mesmo tempo o país confiscado, e os súditos livres do juramento de
fidelidade. A linguagem de Gregório, naquela ocasião foi bastante blasfema:
"Portanto agora, irmãos", disse ele, "é preciso desembainharmos a espada
da vingança: agora devemos ferir o inimigo de Deus e da igreja, agora a
cabeça do imperador que se ergue na sua altivez contra as fundações da fé,
e de todas as igrejas, deve cair por terra, conforme a sentença pronunciada
contra a sua soberba, para ali se rojar pelo chão e comer o pó. 'Não temas,
ó pequeno rebanho [disse o Senhor] porque a vosso Pai agradou dar-vos o
reino'. Há muito tempo que vós o tendes suportado; ele já tem sido
admoestado bastantes vezes; façamos com que a sua consciência
endurecida possa sentir".

EFEITOS DA INTERDIÇÃO DE HENRIQUE

'Gregório sabia o estado de desordem em que estava o império
germânico, e viu que era boa a ocasião para realizar os seus intentos. Os
receios supersticiosos do povo foram despertados pela interdição do papa e
as cópias dessa interdição circulavam por toda a parte. A cobiça dos fidalgos
saxônios excitou-se pelo fato de se poderem livrar da obediência ao
imperador, e por isso as ameaças que a interdição continha tornaram-se
rapidamente efetivas. Uns por medo, outros por sentimentos pessoais
contra o imperador, e outros ainda pela esperança de recompensa, foram
levados a pegar em armas contra o seu soberano, até que por fim Henrique
viu-se completamente abandonado pelos seus próprios súditos. E à
proporção que ele ia perdendo terreno, ia aumentando a autoridade do
papa. Era uma luta desigual, porque o papa tinha todo o poder do seu lado,
e Henrique estava quase só. Ele era um príncipe de alto critério e o
maior monarca da Europa, mas a resistência em circunstâncias tão
desiguais era sem esperança. Esmagado por fim resolveu obedecer às
ordens do papa, confessar seus pecados, e alcançar que se levantasse a
excomunhão. Talvez o animasse a dar esse passo uma mensagem que um
dos nobres rebeldes recebeu do papa: "Trate Henrique com brandura",
mandou Gregório dizer, "e mostre-lhe aquela caridade que cobre uma
multidão de pecados". Henrique mais tarde teve ocasião de experimentar a
caridade do papa!

HENRIQUE BUSCANDO PERDÃO

Foi mesmo no meio do inverno que ele partiu. Foi acompanhado da
sua mulher e filho, e de uma pequena comitiva, e tiveram de atravessar
montanhas cobertas de neve. Depois de uma jornada penosa de algumas
semanas, chegaram defronte do castelo de Canosa em Apulia, onde
Gregório se achava com a condessa Matilde. 0 papa fora avisado da vinda
de Henrique, e logo que avistaram o penitente, abriram-se imediatamente
as portas exteriores da fortaleza. As segundas portas também se abriram,
mas quando tentou entrar no castelo viu que as portas interiores estavam
trancadas, não lhe permitindo que entrasse. Esperou; mas esperou em vão.
Era janeiro e tinha caído um nevão muito forte, e ele começou a sentir-se
enfraquecido pelo cansaço e pela fome, mas quando chegou a noite ainda
estava no pátio do castelo, sem obter licença para entrar. Henrique estava
experimentando a caridade do papa! Na manhã seguinte, quando se
apresentou para entrar, repetiu-se a mesma cena; o papa era inexorável e o
aviltado imperador não pôde alcançar a misericórdia pela qual anelava.
Durante três dias horríveis conservou-se assim esperando no frio, até que
todos, exceto o papa de coração de pedra, se enterneceram até as lágrimas.
Afinal os pedidos do Abade Clugny e da condessa Matilde, cujos corações
se comoveram profundamente pelos apelos angustiados do imperador,
tiveram bom resultado, e Gregório consentiu, ainda que de má vontade, em
receber o imperador.

VINGANÇA DE HENRIQUE

Mas o papa tinha ido longe demais. O príncipe que era inteligente,
fora tão insultado que não podia perdoar nem esquecer as injúrias sofridas,
e o fato de ter de se submeter a muita degradação e ainda mais insultos,
enquanto estivesse em poder do papa, fez com que o desejo de se vingar
fosse maior quando se viu livre. Em nada podia pensar senão em sua
vingança; e logo que terminou aquele ato de aparente reconciliação e a
excomunhão foi levantada, começou ele a formar planos de uma invasão a
Itália. Tinham-se reunido a ele bastantes partidários, de modo que ele não
achou dificuldade alguma em organizar um exército; e quando tudo estava
preparado pôs-se à frente dos soldados e marchou para Roma. O papa
havia profetizado que Henrique morreria ou seria destronado dentro de um
ano, e essa profecia mostrou que ele era igualmente um padre mentiroso,
por isso que ao cabo de três anos o imperador estava vivo e em perfeita
saúde, e o que mortificava mais o papa era que Henrique estava de posse
da cidade papal. Depois, Gregório, que se tinha encerrado no retiro de
Santo Ângelo, colocou o papa eleito, Guilberto, arcebispo de Havena, no
trono papal sob o nome de Clemente III.

TEMPO TRISTE PARA ROMA

Mas a aproximação do guerreiro Normando Roberto Guiscard, que
trazia um grande exército, obrigou o imperador a retirar-se, e Gregório
conseguiu obter a sua liberdade. Contudo, estava reservada uma triste
sorte para a antiga cidade. Os soldados que Gregório convidara eram, a
maior parte, sarracenos, e apenas Roberto recebeu a bênção pontificai
deixou logo a cidade entregue à vontade deste exército meio bárbaro.
Durante três dias foi a cidade de Roma testemunha da pilhagem e
confusão, até que os soldados ficaram inteiramente extenuados em
conseqüência de repetidas rixas, e embrutecidos pelo efeito da bebida.
Então os habitantes da cidade não puderam reprimir a sua indignação por
mais tempo, e precipitaram-se sobre os soldados com a energia do
desespero. Guiscard, vendo que a onda se estava virando contra ele, deu
ordem para lançar v fogo às casas, e este ato desumano fez mais uma vez
com que a balança pesasse mais para o seu lado. Os habitantes na ânsia
de salvarem as suas mulheres e filhos das chamas, esqueceram-se dos
inimigos, e enquanto se ocupavam nisso foram massacrados aos centos
pelos cruéis sarracenos.

MORTE DE GREGÓRIO VIII

No meio deste conflito e confusão, Gregório retirou-se da cidade, e
partiu às pressas para Salerno, onde, como se nada tivesse aprendido pelas
terríveis cenas que acabara de presenciar e de que era autor, continuou a
proclamar novas maldições contra Henrique. Mas pouco depois sentiu-se
agarrado por uma mão de cujo poder não pôde fugir: uma mão a que
nenhum papa pode jamais resistir, a mão da morte.
O decreto solene contra ele fora lavrado, e no dia 25 de maio do ano
1085 foi chamado à presença de Deus. Nessa ocasião se estava
desencadeando uma medonha tempestade, e ele morreu miseravelmente,
com estas palavras nos lábios: "Amei a justiça, e odiei a iniqüidade, mas
morro no exílio".
E é este o homem, leitor, que é elevado às nuvens pelos partidários de
Roma, e cujo nome tem sido escrito no seu catálogo de "santos"! De que
servem estas honras póstumas e inúteis, se o seu nome não está escrito no
Livro da -..Vida?

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