Hermenêutica


"Hermenêutica" é o correlato do termo "interpretação", mais co­mum. Hermeneuo, em grego, é o equivalente de "interpretar". Em si, é a mesma realidade em dois vocábulos diferentes, grego o primei­ro, latino o segundo. Porém, como este tornou-se um termo comum e, com isso, perdeu em precisão, prefere-se o termo "hermenêutica" para indicar sobretudo três aspectos que devem ser explicitados.

An­tes de tudo, o lugar privilegiado da operação hermenêutica é a inter­pretação dos textos. Mais adiante veremos que outras coisas implica esta afirmação. Em segundo lugar, supõe-se que o intérprete condi­ciona sua leitura por uma espécie de pré-compreensão, que surge do seu próprio contexto vital. Em terceiro lugar, o ato hermenêutico faz crescer o sentido do texto que se interpreta. Isto nem sempre se acha bem definido, mas será central no desenvolvimento do nosso trabalho.
Cremos que toda interpretação, tanto de textos como de acon­tecimentos, inclui estes aspectos. Por conseguinte, nesta exposição não nos preocuparemos em distinguir os dois termos, nem os restrin­giremos aos textos. Sem com isso confundir as coisas, veremos que a interpretação dos textos supõe outro processo, a interpretação de de­terminadas práticas ou acontecimentos, e que a própria constituição dos textos se origina em uma experiência que é interpretada. Nisto vamos além da limitação que lhe dá, por exemplo, P. Ricoeur ao de­finir a hermenêutica como "a teoria das operações da compreensão em sua relação com a interpretação dos textos"[1]  Texto e aconteci­mento, ou práxis, já se condicionam mutuamente desde o ponto de vista hermenêutico. Isto se deve destacar justamente no caso da lei­tura da Bíblia que se faz a partir de uma prática da fé, e de uma Bíblia que remete para as grandes ações salvíficas de Deus. Com esta única frase assinalamos que a leitura dos textos bíblicos está circuns­crita por dois momentos existenciais, ou seja, por dois pólos históri­cos. O texto está no meio. Isto já é uma maneira de valorizar a "cen­tralidade" da Bíblia como texto, porém como texto alimentado em duas "vertentes" da vida.
Não existe uma hermenêutica bíblica diferente de outra filosófi­ca, sociológica, literária e outras. Há apenas uma hermenêutica geral, da qual existem muitas "expressões regionais."[2] O método e o fenôme­no coincidem em todos os casos. E verdade, contudo, que a herme­nêutica bíblica tem uma característica talvez inédita por assumir tex­tos de uma longa trajetória de criação e reelaboração, originados em um povo com um itinerário igualmente longo, unificado por uma concepção linear e teleológica da história que exige um grande trabalho interpretativo. Esta "fecundidade hermenêutica" será bem assinala­da no decorrer deste estudo.



[1] P. Ricoeur "La tarea de la hermenéutica", em: Vários, Exégesis. Problemas de método y ejercicios de lectura (La Aurora, Buenos Aires 1978) 219­ - 243 (cf. p. 219).
[2] P. Ricoeur o evidencia, Cf. art. cit., p. 220; Idem, "Hermenéutica filosófica y hermenéutica bíblica", ib., 263-Z77 (cf. p. 263s).

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