Unidade no Evangelho de João


Por essa unidade se entende: o evangelho de João, em sua inteireza, teria sido escrito por UM ÚNICO autor? Teria ele reunido diversas fontes informativas, em diferentes ocasiões, tendo assim agido, pelo menos parcialmente, como um editor? Teria havido mais de um autor?
1. Teoria de um único autor
Nesse caso, haveria uma perfeita unidade literária.
Alguns têm asseverado que o evangelho de João reflete uma unidade perfeita, uma «túnica inconsútil». Mas outros estão convictos de que se trata de uma obra feita de retalhos, construída por seções, tendo sido escrita por diversos autores diferentes. Quatro teorias principais podem ser aqui mencionadas e sumariadas:
I. Unidade (ou unidade quase perfeita); II. Paredes divisórias; III. Redação; e IV. Deslocamento. Essas teorias são discutidas minuciosamente nos apêndices C e D do “TheFourth Gospelin Recent Criticism and Interpretation”, Londres, Epworth Press, 1945.
Considerações lingüísticas parecem pesar em favor da unidade essencial do evangelho de João. Não encontramos quaisquer transições chocantes de estilo, de vocabulário ou de expressão, como se verifica, por exemplo, entre Mar. 16:8 e Mar. 16:9 em diante.  Pelo contrário, o estilo é simples,
quase infantil, embora majestoso e profundo. Não obstante, a maioria dos eruditos de hoje em dia, até mesmo aqueles que concordam com a unidade essencial do livro de João, —considera o capítulo vigésimo primeiro como um epílogo editorial. O trecho de João 20:30,31 quase certamente é a conclusão do evangelho original de João. Alguns acreditam que o capítulo vigésimo primeiro seja uma adição, feita pelo próprio autor; e essa teoria não é impossível se considerarmos apenas as evidências lingüísticas. Pelo menos os versículos vigésimo quarto e vigésimo quinto são uma inserção feita por alguma mão posterior, ou pelo menos feita por editores mais recentes, como comprovação da veracidade do evangelho de João, comprovação essa que poderia ter sido feita após o falecimento do autor, especificamente para estabelecer o evangelho mais claramente em alicerces apostólicos, posto que o apóstolo João é ali identificado como o autor, embora o seu nome jamais apareça diretamente mencionado no evangelho de João. (Ver a discussão sobre o problema de autoria em um item anterior deste artigo). Alguns têm conjecturado que o capitulo vigésimo primeiro, bem como algum outro material, poderiam ter sido acrescentados por membros do circulo joanino, ou por membros do círculo de discípulos ou mesmo por algum discípulo proeminente do apóstolo João. Esse epílogo evidentemente também tem por propósito assegurar, à comunidade cristã, que Pedro apóstolo, atualmente uma coluna autorizada da igreja cristã, fora perdoado depois de ter
negado a Jesus. Ora, esse fato não foi claramente exposto pelos evangelhos sinópticos, sendo um detalhe que requeria maiores esclarecimentos.
2.    Teoria das paredes divisórias
Essa teoria assevera essencialmente que este evangelho de João na realidade é obra de mais de um autor, podendo ser «dividido» entre diversos autores; e também afirma que vários níveis de material literário podem ser descobertos. Essa teoria tem estado associada a nomes tais como Wellhausen, Schwartz e B. W. Bacon; porém, o seu expositor mais habilidoso tem sido, provavelmente, J.C.B. Mohr, de Tubingen, na Alemanha, que publicou dois livros de Emanuel Hirsch, Das vierte Evangelium in seiner ursprungli- chen Gelstalt, e Studien zum vierten Evangelium. Para Hirsch, o evangelho original de João consistiria em sete seções, cada uma com cinco subdivisões; e Hirsch então conjecturou que a parte escrita por João teria sido preparada por um comerciante, que viajava em visita a Jerusalém, e que, ali estando, ajuntou algum colorido local, que as gerações sucessivas equivocadamente teriam imaginado ser provas de que o evangelho era proveniente de Jerusalém. Posteriormente, esse simples esboço de um evangelho teria caído nas mãos de um eclesiástico qualquer, o qual teria acrescentado o capítulo vigésimo primeiro, tendo também adicionado, em outros trechos, algumas alusões ao apóstolo João, a fim de emprestar ao livro aparências de alicerce apostólico. Por semelhante modo, o livro teria sido enriquecido por citações tiradas do V.T., além de passagens contra o gnosticismo. Alegorias de natureza teológica também teriam sido acrescentadas, tais como a do Bom Pastor, para fazer o contraste entre o superintendente cristão e o herege gnóstico. Um exemplo de supostas adições, feitas pelo segundo suposto autor, seria o seguinte: João 1:15,24; 2:13,17,25; 3:5,7,11,14,15,24, 31, 32; 4:2,22,23,36-38,44,45; 5:2224,29,30,34,39,    43;    6:8,22,2830,35,36,39,40,44,45,51,53-56,64, 67- 71; 7:38,39; 8:23,24,36,46; 10:9,11-13,16,25,26,28, 29,34,35; 11:13,22,42,52; 12:14,15,26,42,43,50; 13:2,3,10,11,1720,23,27-29,34-38; 14:3,8,11,13,14, 18-25; 15:1-3,6,1012,14,16,20-27; 16:1,23,25,26,29- 32,33; 17:3,11,12,16,20,21,23; 18:1,5,6,9,14,20,24, 32,39,40; 19:4-6,14,26-28, 35-37; 20:2,11; 21:1-25.
Contra essa teoria, podemos observar que parte desse complexo exame e minuciosa divisão do evangelho de João não passa de ficção da imaginação, e a taxa de probabilidade de que isso realmente represente a verdade, quanto à composição desse evangelho, é extremamente baixa. Outrossim, a unidade lingüística do evangelho de João simplesmente não permite a existência de tantos níveis diferentes de composição. Também podemos observar que aqueles que apresentam essa e outras teorias similares estão em grande conflito, entre si, sobre como esse evangelho deve ser dividido. Não é mesmo impossível que algum trabalho editorial tenha sido efetuado, e que o capítulo vigésimo primeiro seja um desses acréscimos editoriais; todavia, a unidade essencial do livro tem mais sentido do que essa teoria, e pode ser demonstrada com muito maior facilidade.
3.    Teoria da redação
Essa teoria diz essencialmente que um editor reunia, em um todo completo» diversas fontes informativas extremamente divergentes entre si, muitas das quais nem ao menos eram evangelhos primitivos, orais ou escritos. Assim é que haveria, como uma dessas fontes, os discursos reveladores e, como outra fonte, a «fonte informativa de sinais». A fonte reveladora proveria o prólogo e as declarações de Cristo sobre o «eu sou». E a fonte informativa de sinais (por exemplo, João 20:30,31) provavelmente seria um tradição separada. Além disso, o autor, por motivos de interesse teológico, adicionou determinado material para emprego eclesiástico, como, por exemplo, o sexto capítulo, que provê um caráter eucarístico ao discurso feito na sinagoga de Cafarnaum. Parte desse material, outrossim, poderia ter sido inteiramente editorial ou mesmo produto da imaginação, como criação literária, como’, para exemplificar, a reabilitação de Pedro, segundo lemos no capítulo vigésimo primeiro. Esse mesmo redator ou editor, ao ajuntar os diversos tipos de material, teria criado certo caos na ordem dos acontecimentos.
Segundo essa mesma teoria, também é possível que tivesse havido mais de um redator. Algumas das adições teológicas seriam as seguintes: João 1:22-24, 26,33; 3:5; 3:24; 4:2,22; 5:28,29; 6:27; 7:20,21,38,39; 10:34-36; 11:2; 12:17,18; 18:32; 19:34,35; 20:9. Rudolph Bultmann foi o grande campeão dessa teoria (Das Evangelium des Johannes, Gottingen: Vanden- hoeck and Ruprecht, 1941; Meyer’s Commentary), Bultmann também procurou reconstituir esse evangelho segundo sua ordem original, isto é, cronológica e literária, antes dos redatores supostos terem efetuado o seu manuseio.
Uma vez mais, entretanto, as evidências lingüísticas são contrárias a tais «empréstimos», tirados de fontes informativas tão diversas, a menos, naturalmente que um único redator tivesse trabalhado, reagrupando e reescrevendo todas as fontes informativas que empregou. Porém, não é muito grande a possibilidade dessa obra editorial, especialmente nos tempos antigos, quando os autores tomavam de empréstimo em larga escala, sem pejo, de outros escritores, sem lhes darem qualquer crédito. Outrossim, poucos eruditos têm favorecido essa teoria. Além disso, tal como no caso da teoria das paredes divisórias, existem talvez alguns elementos verdadeiros nesta; mas, a unidade essencial ainda assim fica preservada, demonstrando ter havido essencialmente um autor.
4. Teoria dos deslocamentos
Essa teoria assegura essencialmente que a ordem original do evangelho foi perturbada, talvez por mero acidente, e que a subseqüente junção das seções diversas de papiros criou um evangelho extremamente diferente, quanto à ordem dos acontecimentos, do que aparecia no original. Essa teoria repousa em especulações acerca das dimensões dos pedaços de papiro e, mediante um novo arranjo, uma suposta melhor simetria teria sido conseguida e restaurada. O arranjo feito por F.H. Hoare (The Original Order and Chapters of John’s Gospel), embora seja um dos representantes mais destacados dessa teoriaA entra em grande discórdia com outras restaurações semelhantes, feitas por autores como Friedrich Spitta, F.W. Lewis, James Moffatt, J.H. Bernard e G.H.C. Macgregor, as quais têm alguma coisa de conium entre si. Escritores recentes, tais como E.C. Hoskyns, C. H. Dodd, C.K. Barrett, além de outros, não têm descoberto qualquer necessidade para tais teorias.
Apesar de talvez surgirem alguns elementos de verdade, aqui e ali nessas várias teorias, nenhuma teoria parece ser tão facilmente demonstrável como aquela que dá apoio à unidade essencial do livro, que diz que somente um autor escreveu este evangelho, com a possível exceção do capitulo vigésimo primeiro do mesmo.

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