Propósitos do Evangelho de João


Até mesmo sem as claras afirmações dos trechos de João 20:30,31 e de João 21:24, com facilidade poderíamos compreender por que razão este evangelho foi escrito. Jesus operou inúmeros milagres e teve uma vida terrena incomparável e essas coisas foram realizadas e ficaram registradas «…para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome». Jesus é, tanto historicamente como em sentido humano, um verdadeiro homem, como também, em sentido cósmico, é preexistente, divino. Ele é o Filho de Deus sem igual (conforme também o primeiro capítulo do evangelho de João tanto se esforça por demonstrar). Ora, nessa qualidade de Filho único, ele foi a força criadora. Esse Cristo, ao mesmo tempo histórico e cósmico, deve ser identificado com o Messias do V.T., pelo que também ele é a culminação da esperança messiânica, bem como o grande elo de ligação entre a antiga e a nova dispensações. Isso serve de ataque tanto contra a rejeição com que os judeus — desprezaram — a Jesus, o Cristo, como contra as idéias aviltantes que os gnósticos formavam a respeito dele. Jesus não foi um mero fantasma, segundo eles ensinavam e nem foi meramente Jesus de Nazaré por algum tempo possuído pelo espirito de Cristo, que teria entrado nele por ocasião de seu batismo, e que ter-se-ia afastado dele quando de sua morte na cruz, ocasião esta em que a sua missão ter-se-ia completado. Pelo contrário, a entidade chamada pelo nome de Jesus, era a mesma entidade e tão preexistente e divina como o Cristo profetizado. Por ocasião de sua encarnação. Cristo se fez verdadeiro homem, tendo vivido e sofrido como outros homens, cumpriu a sua missão. Ele morreu, mas ressuscitou, e assim pôde trazer-nos a dádiva da salvação. Por conseguinte, faz-se necessária a fé para que recebamos essa salvação.
Dessa maneira vemos que o grande propósito deste evangelho de João era parcialmente polêmico, tendo servido como uma espécie de defesa de certa cristologia, — em combate contra os judeus e os pagãos; mas também foi parcialmente evangelístico, porquanto esse Cristo oferece a salvação aos homens.
O epílogo do evangelho de João, que mui provavelmente foi uma adição feita por algum autor ou autores posteriores — posto que o capitulo vigésimo realmente forma uma conclusão deste evangelho, e que o capítulo vigésimo primeiro forma outra conclusão, também polêmica — serve de afirmação da grande verdade do evangelho e dá prosseguimento ao sentimento polêmico, ao dizer: «Este é o discípulo que dá testemunho a respeito destas cousas, e que as escreveu; e sabemos que o seu testemunho é verdadeiro». Ê feita a tentativa para fazer este evangelho repousar em alicerces apostólicos, e também para afirmar a veracidade do testemunho daquele apóstolo, a saber, o apóstolo João. Dessa forma vemos que este evangelho é ao mesmo tempo polêmico e evangelístico.
Além desses alvo primários, podemos observar alguns outros propósitos:
1.    Combater o judaísmo ortodoxo da época, que havia rejeitado ao Messias, demonstrando que as autoridades religiosas dos judeus foram as responsáveis diretas pelo assassínio do Messias.
2.    Refutar a heresia que dizia que João Batista fora realmente o Messias, e procurar definir as relações entre João Batista e Jesus. Lembremo-nos de que os seguidores de João Batista deram início a uma seita que prosseguiu até bem dentro da era cristã (ver Atos 19), e que nem todos os seguidores de João se tomaram discípulos de Jesus. (Ver João 3:28-30).
3.    Estabelecer o fato de que o cristianismo é mais do que alguma filosofia religiosa e especulativa (segundo os gnósticos, em geral, explicavam), e que Cristo é mais do que um «princípio divino» abstrato. Jesus foi um ser humano verdadeiro, que passou por tristezas e sofrimentos e, nessa qualidade, ele se tomou o Salvador dos homens.
4.    O evangelho de João não foi escrito como mera biografia, como também não o foram os evangelhos sinópticos. Como biografia, a julgar pelos padrões modernos, seria uma biografia extremamente abreviada. Trata-se, antes, de tratado teológico, que incorpora em seu bojo alguns acontecimentos históricos da vida de Jesus, mas que, ao mesmo tempo, narra esses eventos como acontecimentos verdadeiramente históricos. O seu propósito, por conseguinte, é teológico, e não biográfico.
Nos evangelhos sinópticos, a percepção de sua missão divina parece ter raiado gradualmente para Jesus; mas, no evangelho de João, essa consciência já se fazia presente antes mesmo de chegarmos ao final do primeiro capitulo. No evangelho de João, a frase «…aquele que me enviou… » ocorre por vinte e seis vezes; e outras expressões sinônimas também são freqüentes. Dessa maneira, aquela glória divina que não resplandece claramente, na pessoa de Jesus, senão quando de sua transfiguração, conforme a narrativa dos evangelhos sinópticos, já pode ser vista claramente desde a primeira linha do evangelho de João, onde Deus emana a sua revelação e presença através do «Verbo» ou «Logos» encarnado. «E o Verbo se fez carne, e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos a sua glória, glória cçmo do unigénito do Pai» (João 1:14).

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