Relação entre o Evangelho de João e as Epístolas Joaninas e o Apocalipse


Essa questão é muita antiga, sendo um problema que tem atraído bastante atenção de escritores tanto antigos como modernos. Pelos meados do século III D. C., Dionísio de Alexandria preparou alguma boa evidência para mostrar que este evangelho de João e a epístola de I João foram escritos pelo mesmo autor, embora tivesse negado que o livro de Apocalipse pudesse ter sido escrito pelo mesmo autor. O historiador eclesiástico Eusébio confirmou esse parecer e, diferentemente de muitos pareceres antigos, esse pensamento vem sendo preservado, até os nossos próprios dias, sem sofrer grandes assédios. Essas dúvidas têm sido levantadas essencialmente à base de questões como o conteúdo, o estilo e o vocabulário (isto é, considerações de ordem linguística). Assim é que A.E. Brooke comparou muitas passagens do evangelho de João com as epístolas joaninas. (Ver a sua obra Criticai and Exegetical Commentary on the Johannine Epistles, Nova Iorque, Charles Scribner’s sons, 1912, Inter. Critic. Commentary, págs. 129-135). E as suas conclusões são favoráveis a essa posição. Por sua vez, C.H. Dodd («.The First Epistle of John and the Fourth Gospel>, no Bulletin of the John Rylands Library, vol. XXI, 1937, págs. 129-156), encontrou evidências suficientes para dar apoio à ideia de uma comum autoria para esses dois livros.
Todavia, existem muitos estudiosos que acham ser preferível crermos que está mais próximo da verdade aceitarmos que as epístolas joaninas foram escritas por algum outro autor, que não o autor do evangelho de João, como, por exemplo, algum discípulo íntimo do autor do quarto evangelho. Essas conclusões se fundamentam em diferenças lingüísticas e de conteúdo. Algumas diferenças doutrinárias têm sido alistadas, conforme se vê abaixo:
1.       A epístola de I João está mais próxima da doutrina cristã em geral do que o evangelho de João.
2.       A influência do gnosticismo se mostra mais aguda nas epístolas do que no evangelho.
3.   No evangelho, o julgamento é exposto como um processo presente. Já, nas epístolas, trata-se mais de uma manifestação escatológica, futura.
4.      Nas epístolas, a morte de Cristo é apresentada como expiação e remoção da barreira que impede a nossa comunhão com Deus. Mas, no evangelho de João, essa morte se limita à questão da remoção do pecado do mundo. (Não obstante, uma comparação entre João 1:29 e 3:16, por um lado, ei João 2:2; 3:5 e 4:9,10, por outro lado, demonstra que o conceito subjacente é o mesmo).
5.      No evangelho de João, o Espírito Santo é uma pessoa; nas epístolas joaninas é mais uma inspiração profética.
Quanto a esses argumentos, além de outros semelhantes, pode-se observar que, na realidade, são bastante superficiais, e que qualquer leitor que conheça bem tanto o evangelho de João como as epístolas de João, não encontra grande dificuldade em derrubar por terra essas teorias, uma vez que seja ajudado pela observação de que diferentes oportunidades e circunstâncias, bem como audiências diversas, facilmente podem explicar tais diferenças.
Apesar da segunda e da terceira epístolas de João serem muito breves, o que não nos permite qualquer análise literária mais extensa, por outro lado, estão vinculadas à primeira epístola de João por diversas similaridades, tanto em pensamento como na linguagem. Por exemplo, a passagem de II João 7 parece fazer alusão aos falsos mestres da primeira epístola de João, os quais negavam a verdade cardeal da encarnação, o que, naturalmente, é também um dos temas mais salientes do evangelho de João.
Entretanto, é perfeitamente evidente para qualquer pessoa que está afeita a ler o N.T. grego, que o autor do evangelho de João não pode ter sido, igualmente, o autor do livro de Apocalipse. O grego do evangelho de João é um grego koiné simples, embora literário. Já o grego do livro de Apocalipse, em contraste, fica muito a desejar gramaticalmente, diferenciando-se de qualquer outro grego usado no N.T. Por essas razões alguns estudiosos asseveram que certo discípulo, conhecido pelo nome de João, o ancião, tenha sido o autor do livro de Apocalipse. E outros intérpretes asseveram que o autor era inteiramente desconhecido, também chamado «João», embora não possa ser exatamente identificado. Essa foi essencialmente a conclusão a que chegou Dionísio de Alexandria, sendo geralmente apoiada pelos eruditos modernos. (Quanto a uma discussão mais ampla sobre esse assunto, ver o artigo sobre o livro de Apocalipse, no item intituladoAutor).

Nenhum comentário: