Substancialismo (Dualismo; Natureza Tríplice)


No contexto do problema corpo-mente, o termo substancialismo indica que o espirito (ou alma) do homem é uma substância transcendental que não pertence a este mundo material. Teria tido a alma uma existência anterior, em alguma esfera celestial (conforme se vê na teologia da Igreja Ortodoxa Oriental, que acompanha as ideias dos pais gregos da Igreja), ou, então, sem essa condição, pelo menos tem um destino transcendental. Em consequência, de acordo com esse ponto de vista, o homem, na verdade, é um estrangeiro e peregrino neste mundo, um cidadão da pátria celestial, que cumpre um propósito em um mundo estranho. Nas páginas do Novo Testamento, trechos como Colossenses 1:13 e Hebreus 11:13-16 empregam esse tipo de linguagem. Ademais, a ideia inteira da redenção humana é que a alma, cativa em um mundo de iniquidade, de trevas, de materialidade e de temporalidade, é libertada, recebendo, então, a cidadania nos mundos eternos da luz.
Substancialismo Dualista (dicotomia). O homem é composto de duas substânciás diferentes: a material (o corpo físico) e a imaterial (espirito-alma). Essa substância imaterial também pode ser expressa como mente-alma ou mente-espirito. A alma pode também ser usada em contraste com o espirito. Nesse caso, a alma refere-se aos atributos intelectuais e emocionais do espirito imaterial. Porém, alma e espirito não devem ser considerados substâncias distintas. O substancialismo dualista pode ser identificado ao interacionismo se este último disser que a alma teve e/ou terá um destino transcendental. No entanto, o interacionismo contrasta com o interacionismo naturalista. No substancialismo dualista, o espírito pode ser concebido como um produto da evolução, se o mesmo disser que o espirito veio à existência mediante um processo evolutivo, mas devido à vontade de Deus, que teria usado a evolução com esse propósito, e que, subsequentemente, a alma assim produzida tem um destino transcendental. Porém, não é comum o substancialismo manifestar-se desse modo. No entanto, essa posição é teoricamente possível, sem que o conceito sofra violência.
Substancialismo Platônico; Uma Explicação Triplice.
Platão dividiu a personalidade humana em três segmentos: a vegetal (o corpo); a animada (aparente­mente, um atributo da alma, mediante o qual ela exibe coragem e elevadas qualidades morais); a racional (o princípio espiritual que participa da nous, a Mente Divina). Ele aludia à alma como uma instância da nous (palavra grega que significa «mente»), mas que teria em si mesma o princípio eterno da vida, um princípio não-derivado, da mesma maneira que a Mente divina não é derivada. Isso significaria que a alma é eterna, ainda que se veja individualizada nas pessoas humanas. Em seus diálogos, intitulados República e Fedo, Platão salientou a alma como o princípio do automovimento, o que nos asseguraria a imortalidade da alma. Em contraste com a alma, a matéria teria movimentos derivados, e, assim, seria temporal. A ênfase sobre o automovimento da alma prossegue em sua obra Leis (26). Nesse contexto, o movimento é o princípio da vida, e não apenas algum movimento local, enten­damos bem. Todas as coisas, pois, estariam envolvidas em movimento. O crescimento físico, por exemplo, seria uma forma de movimento. O processo evolutivo dependeria do movimento. Uma das principais características do átomo seria o movimen­to. Essa força seria criativa e sustentadora, o próprio princípio da vida.
Em seus ensinos éticos, Platão falava sobre a dupla natureza da alma. Os apetites vinculam-na ao que é terreno e vil; mas a razão vincula-a a Deus. Os apetites tornam a alma rebelde; a razão, porém, empresta-lhe boa ordem e um avanço ético. A fim de ilustrar o ponto, ele falava na alegoria do cocheiro cujo veículo era puxado por dois cavalos. Um deles era rebelde, sempre escoiceando, não se deixando domar; o outro era um cavalo de raça« bem disciplinado e vigoroso. Ambos os cavalos eram alados, pelo que a carruagem avançava voando. O cavalo rebelde ameaçava constantemente o equilíbrio do voo, com sua insistência em satisfazer os seus apetites. Mas o outro mantinha o equilíbrio, puxando a carruagem cada vez mais para perto do mundo superior .
«A alma humana faz parte da razão pura (nous). Mas também é parcialmente espiritual (devido aos seus impulsos mais nobres) e parcialmente material (devido aos seus apetites e paixões inferiores)». Todavia, Platão não deixou claro se essa distinção, dentro da alma, envolve apenas um aspecto ético, ou também um aspecto metafísico. Platão usou tais termos a fim de expressar como a alma está dividida quanto à sua conduta ética e quanto às suas potencialidades, ou ele queria dizer, realmente, que a alma em parte é espiritual e em parte é material, em sua natureza básica ou essencial? Opino em favor desta última possibilidade. Seja como for, nos escritos de Platão encontramos um homem que forma uma tríada, nos sentidos prático e ético, ainda que, em sua essência, ele seja dualista.
O Drama Sagrado da Alma, Segundo Platão. A substância «alma» sempre teria existido. A alma teria participação na vida eterna das Ideias (formas, universais). Nesse contexto, as Ideias não são pensamentos, e, sim, algum tipo de entidades celestes, imateriais, eternas e imutáveis (as coisas que os cristãos atribuem a Deus). Em sua obra, Leis, Platão chamou ao conjunto de ideias de Deus\ e é com base nisso que sabemos que as Ideias, na linguagem de Platão, são princípios divinos. A alma humana, não-individualizada, na verdade, seria uma espécie de ideia, ou pelo menos, similar às Ideias. Então veio a individualização. A alma seria preexistente.: Mas, então, a alma sentiu curiosidade quanto à matéria, e resolveu experimentá-la. E dessa experiência resultou a queda da alma na materialidade. Então, a alma tornou-se prisioneira de um corpo físico, ao qual Platão considerava um sepulcro. Agora, porém, a alma reconhece que essa experiência foi prejudicial, e procura retornar ao mundo da luz. Para isso, a alma precisa ser purificada. Mas a purificação é um processo difícil que requer milhares de anos de reencarnações sucessivas. Platão tomou emprestada essa noção do misticismo órfico, isto é, das religiões orientais. A alma, uma vez adequadamente purifica­da, retomaria ao seu devido mundo das Ideias divinas. Então, ela é reabsorvida pela vida das Idéias, quando então teria atingido a glória eterna. «Para Platão, o destino da alma consiste em recuperar seu direito de primogenitura, que é reunir-se à eternidade à qual ela pertence, e da qual, de alguma maneira, separou-se. Ela pode chegar a atingir esse destino renunciando repetidamente ao mundo dos sentidos e refugiando-se no que é inteligível e não dependente do tempo, até que, finalmente, tenha-se purificado suficientemente da escória da teiTa. E então, chegado o momento da libertação, a alma consegue escapar do círculo vicioso da reencarnação, sai totalmente do tempo, deixa de ser perene e une-se com o eterno. Sua discussão sobre o amor, na obra Simpósio, nos familiariza com essa imortalidade mística, superpes- soal, independente do tempo».
Conforme se pode ver, a alma, para Platão, definidamente é um ser transcendental, pelo que a sua explicação foraece-nos uma forma de substan* cialismo. No tocante ao problema corpo-mente, Platão falava em interacionismo, o que significa que ele acreditava em um dualismo radical, mas o seu interacionismo não é natural, e, sim, transcendental.
Substancialismo Cristão. Essa posição, em sua forma sofisticada, encontra-se na combinação da teologia cristã com a filosofia aristoteliana, feita por Tomás de Aquino. O homem seria um ser triúno, possuidor de corpo, mente e espírito. A alma é transcendental, uma substância espiritual, que sobrevive à morte e penetra nas dimensões celestes, por ocasião da morte biológica. A alma é um intelecto, tal como Deus é o grande Intelecto (terminologia usada por Aristóteles). Como tal, a alma é espírito puro, sendo imperecível e eterna, não sujeita à dissolução, conforme se dá no caso do corpo físico. Aristóteles falava em uma razão passiva, existente na matéria, estando vinculada ao corpo físico. Ela seria a responsável por coisas como a percepção, a imaginação e a memória, mas seria perecível. Porém, ele também falava sobre uma razão ativa, que seria criativa, actualidade pura, por meio da qual os conceitos são concebidos. Essa razão ativa existia antes da alma e do corpo, sendo algo imaterial, imperecível e imortal. — A alma do homem participa dessa razão ativa como um intelecto, mas Aristóteles referia-se a ela como separada do corpo, embora não tivesse certeza de que ela pudesse sobreviver como uma entidade separada, por ocasião da morte do corpo físico. As adaptações cristãs, com base nas ideias de Aristóteles, também eliminam esta dúvida, afirmando a eterna continuação do intelecto que é o homem. O tomismo, naturalmente, tornou-se a filosofia oficial da Igreja Católica Romana.
Substancialismo Evangélico. Um tanto menos sofisticada, filosoficamente falando, é a tricotomia defendida por grupos evangélicos. Uma forma popular da tricotomia, diz como segue:
«…o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Essa imagem encontra-se principalmente na triunidade do homem e em sua natureza moral. O homem é espirito, alma e corpo (I Tes. 5:23). O Espírito é aquela porção do homem que conhece (I Cor. 2:11), tomando-o parte da criação espiritual e dando-lhe a consciência de Deus. A alma dá a entender a vida autoconsciente, em distinção das plantas, que têm uma vida inconsciente. Nesse sentido, os animais, também têm alma (Gên. 1:24). Contudo, a alma humana tem um conteúdo muito mais vasto do que a alma dos animais irracionais. No homem, ela é a sede das emoções, dos desejos e dós afetos (ver Sal. 42:1-6). O coração, segundo o uso bíblico, é quase sinônimo de alma. Visto que o homem natural, muito caracteristicamente, é o homem animal ou psíquico, a alma é, cojp frequência, usada para indicar o próprio indivíduo (por exemplo, Gên. 12:5). O corpo físico, separado do espírito e da alma, susceptível à morte, não obstante, faz parte integral do homem, conforme fica demonstrado pela ressurreição (ver João 5:28,20; I Cor. 15:47-50; Apo. 20:11-13). O corpo físico £ a sede dos sentidos (os meios através dos quais o espírito t, a alma têm consciência do mundo), como também dá natureza adâmica caída (Rom. 7:23,24)».
Os evangélicos caracterizam-se por sua abordagem bíblica a problemas dessa ordem, sem qualquer mistura com opiniões filosóficas, as quais eles desprezam.
O substancialismo cristão supõe, conforme pode ser notado em todas as suas versões, não meramente a intercomunicação entre o corpo e a mente, no ser humano, mas também uma linha direta de comunica­ção com Deus, visto que o espírito, naturalmente, tem consciência de Deus. Os místicos cristãos têm enfatizado esse aspecto fortemente, especialmente em sua busca por iluminação.
Explicação da Parapsicologia. No caso das pessoas envolvidas nos estudos parapsicológicos também encontramos a defesa da tricotomia. Ali o corpo é a porção material do homem; o espírito é a parte imaterial, parte essa também chamada alma. A mente, pois, também poderia ser tida como a vitalidade do homem, — sendo que é tida como semimaterial, uma espécie de substância intermediá­ria, que age como uma medianeira. Ela age vinculando o corpo e a mente. Essa vitalidade é que explicaria as aparições, que realizam atos mecânicos mas aparentemente destituídos de razão, que não se parecem com os atos de um intelecto (a alma). A vitalidade humana estaria envolvida nas interações de mente e corpo, ou de alma e corpo, mas separando-se dos dois, por ocasião da morte biológica. Muitos pensam que a vitalidade é capaz de sobreviver independente por algum tempo, para finalmente dissipar-se. Essa forma de tricotomia, entretanto, não está necessariamente vinculada ao substancialismo, embora possa ter vinculações com o mesmo, se é que a alma (a parte imaterial do homem), envolvida na explicação, for concebida como uma substância transcendental.
Avaliação e Críticas:
  1. O que foi dito no tocante ao dualismo e ao interacionismo aplica-se também essencialmente aqui, exceto que, no caso do substancialismo, há uma pesada teologia que apela às religiões sobrenaturais, e não meramente ao raciocínio filosófico e às experiên­cias humanas comuns. A verdade existente no substancialismo depende em grande parte da verdade dos religiões dependentes da revelação divina como siia principal fonte de conhecimentos. Isso posto, o misticismo reveste-se de importância capital, quando se trata de consubstanciar as reivindicações do substancialismo. Parte desse misticismo consiste em revelação divina, e parte consiste em experiências místicas humanas.
  2. As experiências perto da morte, entretanto, incluem elementos transcendentais, de natureza negativa e de natureza positiva, que se aliam de modo bem definido ao substancialismo. Michael Sabom, conforme já vimos, acredita que essas experiências têm levantado, de modo eloqüente, a questão de qual seja a verdadeira natureza do homem; e parece que a transcendência é uma consideração necessária. Até pode ser verdade, que, a longo prazo, à medida que nosso conhecimento for-se expandindo, a ciência acabe investigando a própria transcendência. E isso haverá de mostrar que a ciência autolimitou-se exageradamente em sua abordagem positivista lógica à realidade, onde somente à percepção dos sentidos tem lugar como fonte válida de conhecimentos. Mas talvez, nas experiências perto da morte esteja sendo construída uma ponte entre a ciência e a religião.
  3. A Morte é a Maior de Todas as Farsas. Isso é o que o substancialismo procura ensinar-nos. O quanto os homens temem a morte! A vida inteira vivem em servidão, por causa desse temor. Eles têm uma ciência que se consagra a adiar ao máximo a morte. Alguns têm até congelado cadáveres humanos, na esperança de que a vida lhes possa ser renovada, algum dia, mediante o reavivamento da vida biológica. Tem sido levantada uma grande indústria que junta dinheiro com base na morte, com seus esquifes, cultos religiosos e cemitérios que custam muito dinheiro. No momento da morte, a fé religiosa estremece. Temos a certeza da sobrevivência da alma; mas, no momento da morte, parece que essa fé religiosa hesita. No entanto, ao que tudo indica, conforme se vê nas evidências colhidas nas experiências perto da morte, a morte é uma amiga, por ser o portão para uma vida superior. De fato, a morte é um nascimento. Se examinarmos seus elementos (conforme os mesmos são revelados através das experiências perto da morte), veremos que esses são bem parecidos com os elementos do nascimento físico. A morte, olhada por esse prisma, é a maior de todas as farsas.
Conclusão:
Este verbete sobre o problema corpo-mente não tem o intuito de ser um estudo completo e em profundidade. Todavia, é suficientemente completo para dar-nos uma noção aceitável sobre o que está envolvido. Feito isso, pode-se ver como as experiên­cias perto da morte projetam luz sobre a questão. Isso pode ser uma valiosa contribuição, visto que o problema corpo-mente tem sido um dos mais vexatórios problemas da filosofia.
«O problema corpo-mente permanece sendo uma fonte de agudo desconforto para os filósofos. Tem havido muitas tentativas para provar que se trata de um pseudoproblema; mas nenhuma  dessas tentativas tem ficado de pé, diante do exame detido. Tem havido muitas tentativas para encontrar solução, mas, pelo menos por enquanto, nenhuma solução destaca-se como notoriamente superior às outras. E nem parece que novas informações empíricas sejam capazes de fornecer uma solução decisiva, em favor de qualquer teoria. £ bem possível que a relação entre a mente e o corpo seja uma relação final, ímpar, que não pode ser devidamente investigada e descrita pelo homem. Nesse caso, a sabedoria filosófica consistiria em desistir da tentativa de compreender a relação entre a mente e o corpo, preferindo outras relações como mais familiares ao homem, e aceitando aquela como uma anomalia» – Acredito, porém, que é cedo demais para os investigadores desistirem de suas investigações. As experiências perto da morte parecem ter algo com o que contribuir. Usualmente, os limites que os homens divisam são os limites de suas próprias mentes, e não limites autênticos. Sempre será cedo demais para desistir.

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