Quarto século da Era cristã (306-375)


CONSTANTINO O GRANDE

A subida ao trono de Constantino, o Grande, marca uma nova era na
história da igreja e por isso é conveniente examinar rapidamente a sua
carreira pública. Nasceu na Grã-Bretanha, e dize-se que a sua mãe era
uma princesa britânica. Depois da morte de seu pai que foi muito estimado
pela sua justiça e moderação, as legiões romanas estacionadas em York
saudaram-no como César e vestiram-no com a púrpura imperial. Apesar de
Galeriano se ofender com esta aclamação, ele não estava preparado para se
arriscar numa guerra civil, opondo-se a ela; e portanto ratificou o título que
o exército dera a seu general, e concedeu-lhe o quarto lugar entre os
governadores do Império. Durante os seis anos que se seguiram
administrou Constantino a Prefeitura da Gália com uma perícia notável, e
ao fim desse tempo tomou posse de todo o império romano, visto que
Maximínio e Galério, no intervalo, tinham morrido. Apenas restava agora
um competidor ao trono, Maxêncio, um forte defensor do paganismo, e logo
que Constantino obteve conhecimento exato dos seus recursos, marchou
contra ele com um grande exército, e venceu-o completamente.
A questão de Constantino ser ou não realmente cristão, sempre tem
sido ponto de dúvida entre os escritores sagrados, e têm-se apresentado
muitas e diferentes razões como prova de que adotou a religião cristã. Mas
se efetivamente se converteu, podemos afirmar positivamente que não foi
antes de marchar contra Maxêncio, tendo, segundo se diz, presenciado
durante essa marcha, um fenômeno extraordinário no firmamento, e sido
favorecido com uma visão notável. Até esse tempo estava ainda indeciso
entre o paganismo e o cristianismo.

TEMPOS NOVOS PARA A IGREJA

Tinha agora chegado um tempo muito extraordinário para o povo de
Deus... A religião de Cristo, saindo como do deserto e das prisões, tomou
posse do mundo. Até nas estradas principais, nos íngremes cumes dos
montes, nos fundos barrancos e nos vales distantes, nos tetos das casas, e
nos mosaicos dos sobrados se via a cruz. A vitória era completa e decisiva.
Até nas moedas de Constantino se via o lábaro com o monograma de Cristo
levantando-se acima do Dragão vencido. Do mesmo modo o culto e o nome
de Jesus se exaltaram acima dos deuses vencidos do paganismo. De fato
começava uma ordem de coisas inteiramente nova, e o imperador romano
tornou-se o principal da igreja.
A administração do estado e dos negócios civis foi reunida com o
governo da igreja e podia-se presenciar o espetáculo extraordinário de um
imperador romano presidir os concílios da igreja e tomar parte nos debates.
Em geral os cristãos não se ressentiam desta intrusão, pelo contrário
consideravam-na como um auspicioso e feliz presságio, e em lugar de
censurar o imperador pelo seu intrometimento, receberam-no como bispo
dos bispos. O povo de Deus aceitou a proteção de um estado semi-pagão, e
o cristianismo sofreu a maior degradação possível com a proteção de um
potentado do mundo.

EFEITOS DA UNIÃO ENTRE A IGREJA E O ESTADO

O efeito desastrado desta primeira união da igreja com o estado fez-se
sentir imediatamente. Levantaram-se contendas, e o imperador foi
nomeado árbitro pelas partes contendoras. Mas logo que dava a sua
decisão sobre a questão, esta continuava rejeitada com desprezo pela parte
cujas razões eram desatendidas. Repetiu-se a mesma coisa uma vez e
outra, até que o imperador se indignou, e recorreu a meios violentos para
reforçar o seu poder. Isso provava até a evidência e inutilidade e a
inconveniência daquela proteção a que os cristãos de tão boa vontade, mas
tão cegamente se submeteram.
Até então tinham os concílios da igreja sido compostos de bispos e
presbíteros de uma província, mas durante o reinado de Constantino foram
consagradas as assembléias, que o imperador podia reunir e dissolver à
vontade! Chamavam-se concílios ecumênicos ou gerais, e tinham por fim a
discussão das questões mais importantes da igreja.

O PRIMEIRO CONCILIO ECUMÊNICO

A primeira destas Assembléias reuniu-se em Nicéia, na Bitínia, para o
julgamento de um tal Ário, que tinha estado a ensinar que nosso Senhor
fora criado por Deus como qualquer outro ser, sujeito ao pecado e ao erro,
e que, por conseqüência, não seria eterno como o Pai. Foi a isso que
Constantino chamou uma ninharia, quando o informaram da heresia; o
concilio porém, com poucas exceções, deu-lhe o nome de horrível
blasfêmia. Os bispos sentiram tanto a indignidade que Ário fizera pesar
sobre o bendito Senhor, que tapavam os ouvidos enquanto ele explicava as
suas doutrinas, e declararam que, quem expunha tais ensinamentos, era
digno de anátema. Como repressão às heresias crescentes foi escrito a
célebre confissão de fé, conhecida como o Credo de Nicéia, no qual está
clara e inteiramente anunciada a doutrina das Escrituras Sagradas com
referência à divindade do Senhor. Ário e seus adeptos receberam ao mesmo
tempo sentença de desterro, e possuir ou fazer circular os seus escritos era
considerado como grande ofensa.
A conduta posterior do soberano mostrou que o seu modo de
proceder naquela ocasião não obedecia a nenhuma convicção profunda
nem determinada. A pedido de sua irmã Constância, cujas simpatias pelo
partido ariano eram bastante fortes, ordenou que o heresiarca voltasse do
exílio, e revogou a interdição dos seus escritos. Ário foi, portanto,
plenamente restituído ao favor do imperador, e tratado na corte com todas
as distinções.

ATANÁSIO, BISPO DE ALEXANDRIA

Mas o triunfo de Ário não foi completo. Encontrou um adversário
poderoso e infatigável em Atanásio, bispo de Alexandria, o qual já tinha
derrotado durante as reuniões do concilio em Nicéia, e que apesar de ser
apenas diácono naquele tempo, tomara parte notável na discussão, e desde
então sempre continuara a ser acérrimo defensor da verdade e um ativo
antagonista das malévolas intenções dos arianos.
Um mandato imperial de Constantino para que os he-reges
excomungados fossem admitidos à igreja, foi recebido pelo bispo com um
desprezo deliberado e firme: não queria submeter-se a qualquer autoridade
que procurasse pôr de parte a divindade do seu Senhor e Salvador. Contudo,
os seus inimigos estavam resolvidos a levar por diante os seus
propósitos e aquilo que não puderam obter por bons meios tentaram
alcançar por meios infames. Fizeram uma acusação horrível contra o bispo,
no sentido de ter ele causado a morte de um bispo miletino chamado
Arsino, de cuja mão, diziam eles, se serviu para fins de feitiçaria. Foi, por
conseqüência, intimado a responder perante um concilio em Cesaréia, pela
dupla acusação de feitiçaria e assassínio: mas Atanásio recusou-se a
comparecer ali por ser o tribunal composto de inimigos. Foi pois convocado
outro concilio em Tiro, e a este assistiu o bispo. A mão que devia ter servido
para prova do crime apareceu no tribunal, mas infelizmente para os
acusadores o dono da mão, o bispo assassinado, também lá estava vivo e
ileso!

DESTERRO DE ATANASIO

Ainda assim, esta farça não impôs aos seus adversários o silêncio que
a vergonha devia produzir, e apressaram-se em preparar uma nova
acusação. Afirmaram que Atanásio ameaçava reprimir a exportação do
trigo de Alexandria para Constantinopla, o que traria a fome para esta
cidade, pensando eles, e com razão, que bastava só atribuir-lhe este mau
procedimento para levantar a inveja e desagrado do imperador, cujos
maiores interesses estavam ali concentrados. Os seus planos tiveram bom
êxito. Com esta simples acusação, pois a verdade dela nunca foi provada,
obtiveram uma sentença de desterro, e Atanásio foi mandado para Treves,
no Reno, onde se conservou dois anos e quatro meses.

MORTE DE ÁRIO

Mas o desterro do bispo fiel não assegurou os resultados pelos quais
o partido de Ario estava a combater. Os Cristãos de Alexandria também
tinham sido muito bem instruídos nas verdades das Escrituras Sagradas, e
conservavam-nas com tal amor, que não as abandonaram depois do seu
ensinador partir. Não queriam ligar-se a compromisso algum e até mesmo
quando Ario subscreveu uma fé ortodoxa, o novo bispo, um velho servo de
Deus chamado Alexandre, duvidou da sua sinceridade, e não quis aceitar a
sua retratação. Constantino teve de intervir novamente neste caso, e
mandando chamar o bispo, insistiu para que Ario fosse recebido em
comunhão no dia seguinte. Muitos viram nisto uma crise nos negócios da
igreja, e os cristãos de Alexandria esperavam pelo resultado com muita
ansiedade. Alexandre sentiu a sua fraqueza, e pensamentos in-quietadores
lhe assaltaram o espírito; entrou na igreja e apresentou o seu caso diante
do Senhor. A oração era o seu último recurso, mas não foi um recurso vão
nem estéril.
Os arianos já exultavam, e enquanto o bispo estava de joelhos diante
do altar levaram eles o seu chefe em triunfo pelas ruas. De repente
cessaram as ovações. Ario entrara em uma casa particular e ninguém
parecia saber para quê.
Todos esperavam, e se admiravam, mas esperavam em vão; o homem,
cujo regresso aguardavam, tinha-se retirado dos seus olhares para nunca
mais aparecer. Teve a mesma sorte de Judas, e o grande herético estava
morto. Atanásio disse mais tarde que a morte de Ário era uma refuta-ção
suficiente da sua heresia.

MORTE DE CONSTANTINO, O GRANDE

Constantino não sobreviveu muito tempo a este acontecimento.
Morreu em 337 d.C. com sessenta e quatro anos de idade, tendo reinado
quase trinta e um anos. E sua legislação geral, diz um escritor moderno,
manifesta a influência dos princípios cristãos; e o efeito destas leis humanitárias
havia de ser sentido muito além do círculo da comunidade cristã.
Decretou leis para que se guardasse melhor o domingo e contra a
venda de crianças como escravos; e também contra o roubo de crianças
com o fim de se venderem e muitas outras leis de caráter tanto social como
moral. Mas o fato mais importante e de maior influência do seu reinado,
cheio de acontecimentos, foi a destruição dos ídolos e a exaltação de Cristo.
Outro fato de importância, sob o ponto de vista cristão, foi a conversão dos
etíopes e ibérios, que, segundo se diz, receberam o Evangelho durante esse
mesmo tempo.

DIVISÃO DO IMPÉRIO

O império estava agora dividido entre os três filhos de Constantino, o
Grande, ficando Constantino com a Gália, Espanha e a Bretanha;
Constâncio com as províncias asiáticas, e Constante, com a Itália e a
África.
Constantino favoreceu o partido católico ou ortodoxo, e fez voltar
Atanásio do exílio, mas foi morto no ano 340, quando invadia a Itália.
Constante, que tomou posse dos seus domínios, também seguia a causa
dos católicos e foi amigo de Atanásio, porém Constâncio e toda a sua corte
tomaram o partido dos arianos.

UMA GUERRA RELIGIOSA

Começou então uma guerra religiosa entre os dois irmãos, e como
geralmente acontece nas guerras religiosas, foi esta também notável pela
crueldade e injustiça de ambos os lados.
Entretanto, Atanásio foi novamente degredado, pelos esforços de
Constâncio e dos bispos arianos; e Gregório de Capadócia, homem de
caráter violento, foi colocado à força no seu lugar. Este procedimento
iníquo deu ocasião a desordens e a cenas violentas, e tiveram de pedir
auxílio à tropa para manter o bispo intruso na colocação que lhe tinham
dado. Foram depois convocados muitos e vários concílios, e publicados
cinco credos diferentes, em outros tantos anos, mas parece que com pouco
resultado. Em todos estes concílios foi sempre confirmado a ortodoxia de
Atanásio, porém não fizeram justiça ao velho bispo enquanto Gregório
viveu. Mas depois da morte deste foi reintegrado no seu lugar com grande
alegria de todos aqueles que apreciavam a verdade e se agarravam à boa
doutrina.

MORTE DE CONSTANTE

Constante, que desde o princípio se tinha mostrado um verdadeiro
amigo de Atanásio, morreu no ano 359, e os arianos, com a proteção de
Constâncio renovaram as suas perseguições. Tendo sido expulso pela
terceira vez do seu lugar, Atanásio retirou-se voluntariamente para o exílio,
e entrou, durante algum tempo, num refúgio dos desertos do Egito, onde
pela meditação e oração se preparou para posterior conflito. E, aqueles que
professavam as suas doutrinas eram perseguidos com rigor devido à
ascendência dos arianos. Por isso se dizia por toda a parte que os tempos
de Nero e Diocleciano tinham voltado.

MORTE DE CONSTÂNCIO

Constâncio morreu no ano de 361, e teve por sucessor Juliano, que
tornou a chamar os bispos desterrados por Constâncio; mas não foi de
certo por simpatia pelas suas doutrinas, porque ele pouco depois caiu no
paganismo, e distingüiu-se tanto pelos seus esforços em restaurar a idolatria,
que mereceu o nome de Juliano, o Apóstata. Afirmou que o
julgamento de Deus sobre os judeus, como estavam preditos nos
evangelhos e em outras partes, eram uma fábula, e fez uma ímpia tentativa
de provar a sua afirmativa, mandando uma expedição à Palestina para
reconstruir o templo. Mas os seus planos frustraram-se de uma maneira
milagrosa. Diz a tradição que saíam da terra línguas de fogo, fazendo ura
barulho medonho, o que fez afastar os operários daquele lugar cheios de
terror. Abandonaram portanto o trabalho; e as intenções ímpias de Juliano
não vingaram.

O MÁRTIR BASÍLIO

Durante o reinado deste imperador, um cristão chamado Basílio
tornou-se notável pelas suas denúncias destemidas do arianismo e da
idolatria. O bispo ariano de Constantinopla ordenou-lhe que desistisse de
pregar, mas Basílio continuou apesar da ordem recebida/Afirmava ele que
recebia ordens do Senhor e não dos homens.
O bispo então denunciou-o como perturbador da ordem pública; mas
o imperador (a quem a denúncia era dirigida se estava preparando nessa
ocasião para uma expedição à Pérsia e não prestou a mínima atenção a
esta acusação. Contudo, mais tarde, o zelo de Basílio contra o paganismo,
fez cair sobre ele a indignação dos pagãos e foi levado à presença de
Saturnino, governador de Ancira, que o mandou para o cavalete. A sua
firmeza e paciência durante a tortura foi a admiração de todos quantos o
viram, e foram imediatamente contar isto ao imperador. O interesse deste
não se excitou menos do que a admiração dos seus súditos, e deu ordem
para que o prisioneiro fosse trazido à sua presença. Basílio, que se
interessava pelo bem do imperador, aproveitou essa ocasião para
proclamar o Evangelho na sua presença e o avisou do perigo em que
estava, devido ao seu desprezo pelo Filho de Deus. A censura, aplicada com
tanta fidelidade, não deu, infelizmente, bom resultado; Juliano recebeu-o
com desprezo, e mostrou o ódio que tinha à religião cristã pela maneira
com que tratou o ministro dela. Ordenou que Basílio fosse novamente
conduzido a sua prisão e que todos os dias lhe separassem a carne dos
ossos, até que o seu corpo estivesse completamente despedaçado. Esta
sentença desumana foi cumprida, e o bravo mártir expirou na tortura no
dia 28 de junho do ano 362 d.C.

MORTE DE JULIANO

Juliano não sobreviveu muito tempo a isso. No mesmo mês, quase no
mesmo dia (26 de junho) do ano seguinte foi mortalmente ferido numa
escaramuça com os asiáticos; e, quando jazia por terra, fraco e perdido, foi
visto estender a mão para o Céu e murmurar estas palavras: "0 galileu,
venceste!", e assim expirou.

UM IMPERADOR VERDADEIRAMENTE CRISTÃO

Joviano, que lhe sucedeu, foi talvez o primeiro governador do império
romano verdadeiramente cristão: mas o seu reinado foi curto. Quis que
Atanásio, que voltara de Alexandria depois da morte de Juliano, fosse o seu
mestre e conselheiro; e bem depressa ficou tão seguro da verdade que nem
padres pagãos, nem arianos hereges, tinham poder algum sobre ele. Mas
usou de tolerância para com todos e, apesar de se ligar à verdade, sempre
se viu rodeado de alguns que se opunham a ela. Na verdade, se podemos
acreditar em Sócrates, que para autoridade cita o filósofo Temíscio, os
adeptos do grande heresiarca Ário eram governados mais por conveniência
do que por consciência, e regulavam as suas opiniões pelas do poder
reinante. Depois de um feliz reinado de oito meses, Joviano morreu por
asfixia, em 17 de fevereiro do ano 364.
Os seus sucessores, Valenciano e Valente, prometiam seguir os
passos de seu pai mas Valente foi logo levado para o partido ariano por
instigação de sua mulher, e foi batizado por um bispo ariano.

MORTE DE ATANÁSIO

Renovou em seguida os ataques a Atanásio e seus adeptos e o velho
bispo depois de ter estado escondido por espaço de quatro meses no
sepulcro de seu pai teve de fugir outra vez de Alexandria. Contudo, a
opinião popular não podia consentir que ele estivesse muito tempo no
exílio, e foi quase imediatamente chamado de novo. Pouco depois, no ano
373. terminou pacificamente a sua longa e agitada carreira. A sua morte foi
considerada calamidade pública por todos os que velavam com solicitude
os interesses do seu divino Mestre.
Foi por pugnar pela grande verdade da Trindade que o venerável
bispo fora desterrado três vezes, e acusado de herege pelos falsos padres de
Ário.

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