Para Quem foi Escrita? Propósito


A epistola aos Efésios, menos do que qualquer das demais epístolas de Paulo, tem alguma vinculação com qualquer localidade conhecida. A essa epístola faltam as saudações locais. Por essa razão, muitos eruditos têm duvidado que essa epistola tivesse qualquer endereço certo, pensando que a mesma foi escrita como mera «epístola de apresentação», por parte de algum dos discípulos íntimos de Paulo, a fim de restaurar o interesse pela literatura paulina. (Ver a seção sobre a «Autoria», no tocante a detalhes sobre essa suposição). Mas outros estudiosos têm suposto que essa epístola foi uma circular, enviada às igrejas locais da Ásia Menor, que poderia ter incluído a de Efeso; e, posto que a cidade de Éfeso era a mais importante daquela região, finalmente essa epistola veio a ser chamada de «epístola aos Efésios».
Para muitos estudiosos, as palavras que aparecem no primeiro versículo dessa epístola, «…aos santos que vivem em Êfeso…», conforme aparecem em alguns dos manuscritos antigos, que são seguidos pela esmagadora maioria das traduções de .todos os tempos, solucionam o problema de «para quem» essa epistola foi escrita. Infelizmente, porém, a questão não pode ser solucionada com essa facilidade; pois é fato inequívoco que a maioria dos manuscritos antigos não contém essas palavras. Abaixo oferecemos as evidências textuais a respeito:
As palavras «…em Êfeso…» estão contidas nos mss ADG e na maioria das versões latinas, bem como em todos os manuscritos minúsculos posteriores. As traduções ASV, BR, NE, KJ, PH e WY seguem esses manuscritos. (Quanto à identificação dessas tradu­ções, ver a introdução ao NTI e a lista de abreviações das mesmas). Contudo, os manuscritos mais antigos, como P(46), o mais antigo manuscrito existente das epistolas de Paulo, um papiro pertencente ao séc. III D.C., não contém essas palavras. Esse testemunho é consubstanciado, igualmente, pela omissão dessas palavras nos dois mais antigos mss unciais, escritos em velino, que se conhecem, a saber, os mss Aleph e B , ainda que, em ambos, um escriba posterior, naturalmente, escreveu as palavras em Êfeso. Os mss 424(2) e 1739 também omitem essas palavras, e os pais da igreja Márcion, Tertuliano, Origenes e Basílio omitiram-nas também em suas referencias a essa epístola. Ê interessante que Basílio diz especifica­mente que a alusão a Efeso se fazia ausente na maioria dos manuscritos que ele conhecia. Por sua vez, Márcion diz que essa epístola foi escrita «aos Laodicenses», embora isso tivesse sido somente uma opinião, baseada na menção de Col. 4:16, onde Paulo fala de uma epístola «aos Laodicenses», que atualmente desconhecemos, mas que Márcion (além de muitos outros estudiosos de séculos posteriores) supunha ter podido identificar com aquela que atualmente chamamos de «aos Efésios». Entretanto, nenhum manuscrito antigo diz «aos Laodicenses» ou frase semelhante, que nos permita identificar tal epístola; e todos os problemas que são contrários ao tradicional endereço, «aos Efésios», se fazem presen­tes no caso de Laodicéia, além do problema adicional que não existe qualquer evidência textual era favor desse suposto endereço, ao passo que pelo menos manuscritos posteriores exibem o endereço «aos Efésios».
Essa ausência de qualquer endereço, no teor da própria epistola, tem provocado muita discussão e controvérsia. As provas textuais de mais peso evidentemente favorecem a omissão das palavras «em Êfeso», e isso deixa a questão insolúvel, do ponto de vista textual. Outrossim, os trechos de Efé. 1:15 e 3:2 parecem indicar que o autor sagrado ainda não havia visitado o lugar para onde escrevia, embora se saiba perfeitamente bem que Paulo passou longo período de tempo em Êfeso, segundo se compreende através do décimo nono capítulo do livro de Atos. A maioria dos intérpretes, na realidade com base em pouquíssimas provas textuais, supõe que essa tenha sido uma epístola circular, enviada para certo número, de igrejas da Ãsia, mui provavelmente as mesmas que são mencionadas no livro de Apocalipse, a saber, Êfeso, Esmirna, Sardes, Colossos, Filadélfia, Laodi­céia e Tiatira, incluindo até mesmo outras localidades não mencionadas no N.T. em parte alguma.
Em favor do ponto de vista ventilado no fim do parágrafo acima, pode-se dizer que a nossa epistola aos Efésios tem certa conexão com as epístolas aos Colossenses e a Filemom, pois Filemom evidentemen­te residia na cidade de Colossos. Tfquico estava então em sua companhia, e o apóstolo declara que ele estava pronto a informar aos leitores de sua epístola quais eram as condições de sua pessoa (Paulo estava então aprisionado). Na epístola aos Colossenses lemos que Onésimo também estava em companhia de Paulo; mas não ocorria outro tanto no tempo em que ele escreveu a epístola aos Efésios. Não obstante, Onésimo poderia já ter sido enviado de volta a seu senhor, Filemom; mas também é possível que a epístola aos Efésios tenha sido escrita antes, tendo assim precedido a visita feita por Onésimo. A comparação entre Col. 4:7,8 e Efé. 6:21,22 e File. 23,24, mostra-nos a relação bem definida entre essas três epístolas. Por conseguinte, se a epístola aos Efésios é verdadeiramente paulina, então adquire grande força a ideia de ter sido ela uma «epistola circular». Outrossim, o fato de que essas três missivas são apresentadas como epístolas escritas «na prisão», sem importar se Paulo era prisioneiro em Roma, em Cesaréia ou em Êfeso, mostra-nos haver íntima conexão entre elas, e que todas as três foram enviadas aproximadamente para a mesma localização, a saber, a Ãsia Menor, da qual a cidade de Êfeso era um dos principais centros populosos.
Não obstante, se não pudermos aceitar a autoria paulina da epistola aos Efésios, então as referências que poderiam identificar a localidade aproximada para onde essa epistola foi enviada são todas artificiais, tendo sido inseridas por quem quer que tenha escrito esse livro, a fim de dar-lhe um sabor paulino. Porém, se essa epístola é deveras paulina, então as palavras «em Êfeso», naturalmente, devem ter sido ajuntadas à epístola, primeiramente por causa de sua íntima conexão com as cartas paulinas enviadas para as proximidades daquela cidade, todas as quais foram enviadas por intermédio de Tíquico; e, em segundo lugar, porque não havia nenhum livro de origem apostólica dirigido a Éfeso, um dos lugares mais importantes dentre aqueles onde Paulo labutou no evangelho e isso preencheria a lacuna. Além disso, posto que Éfeso era a grande capital daquela região, sendo a cidade mais populosa, cópias da «epístola circular», enviada àquela área geral, com o tempo mui naturalmente, seriam consideradas como enviadas para os crentes «em Éfeso», e não para os de qualquer outra localidade, quando alguns dos primeiros copistas desejaram emprestar-lhe uma identificação local.
Isso significaria apenas que os primeiros copistas meramente escolheram Éfeso por causa de seu prestigio e importância, em detrimento de qualquer outra localidade próxima, como a localidade especi­fica para onde essa epistola foi enviada.
O motivo que mais recomenda a teoria da «epístola circular», como explicação para os destinatários da nossa epístola aos Efésios, é que ela representa a única alternativa plausível para a teoria da autoria não paulina; sendo essa a razão pela qual tantos eruditos conservadores, não tendo ideia melhor do que essa, e querendo reter sua identificação como epístola paulina, se têm apegado a essa citada teoria. Pois nenhum erudito nas questões textuais haveria de incluir as palavras «em Éfeso», que aparecem logo no primeiro versículo dessa epístola, ignorando o fato de que mui provavelmente essas palavras foram incluídas posteriormente, não refletindo realmente seus verda­deiros destinatários. Nenhum manuscrito anterior ao século IV D.C. inclui as palavras «em Éfeso»; pelo que também se pode concluir que essa epistola, apesar de não ter sido especificamente enviada para os crentes que habitavam naquela cidade, foram incluídos como habitantes de uma área geral maior, a Ásia Menor. Essa é a posição tomada pela grande maioria dos eruditos conservadores modernos, ao passo que a maioria dos eruditos liberais prefere pensar na autoria não-paulina, conforme foi descrito na seção deste artigo, intitulada «O Vexatório Problema da Auto­ria».
Portanto, essa epístola foi realmente endereçada “…aos santos e fiéis em Cristo Jesus…», conforme o texto grego pode ser traduzido, se omitirmos as palavras «em Éfeso». No entanto, o particípio presente do verbo grego, «ousin», conforme se verifica em certos papiros pertencentes ao século primeiro da era cristã, significa «local»; motivo pelo qual alguns estudiosos têm conjecturado que a saudação de Paulo, deve ser compreendida como «aos santos locais, que são fiéis em Cristo, Jesus». Essa tradução possível favorece a teoria da «epistola circular», pois, nesse caso, ver-se-ia que essa epístola realmente teve um destino, ainda que extremamente amplo, o que explica a ausência de quaisquer referências pessoais.
Mas existem eruditos que pensam que foi deixado um espaço em branco, no manuscrito original, de tal modo que as cópias que fossem enviadas às diversas congregações locais preenchessem ali o nome das diversas localidades, segundo o caso. Todavia, esse método de envio de missivas não tem paralelo histórico quanto aos métodos literários, bastando essa razão para que ele não seja muito provável. Outrossim, se tais nomes tivessem sido inseridos, é perfeitamente certo que ao menos alguns deles tivessem sido preservados para nós, do mesmo modo que o titulo «aos Efésios» foi preservado em tantos manuscritos. De outro modo, teríamos de supor que todas as demais cópias se perderam, e que foram preservadas tão somente aquelas endereçadas «aos Efésios», o que parece absurdo, devido à alta porcentagem de improbabilidade.
Além das razões que já abordamos, sobre por que razão a cidade de Éfeso veio a ser associada à nossa «epístola aos Efésios», podemos acrescentar aqui aquela outra que resulta de II Tim. 4:12, que diz: «Quanto a Tiquico, mandei-o até «Éfeso». Posto ter sido ele o portador das epístolas aos Colossenses e a Filemom, e visto que ele foi também o portador da epístola aos Efésios (ver Efé. 6:21), é apenas natural vincular essa epistola a Éfeso, supondo-se, mediante a comparação entre essas duas referências, que quando ele foi ali, levou a epistola de Paulo para eles.
Essa epístola foi enviada, segundo nos parece certo, à igreja cristã universal, uma sociedade de âmbito mundial, e não local, a saber, aos «santos e fiéis em Cristo Jesus», sem importar se foi o apóstolo Paulo ou outro qualquer que a escreveu.
Quais foram os propósitos dessa epístola aor Efésios, escrita para a Igreja Universal? O primeiro capítulo estabelece o tom, ao . anunciar o elevado destino dos remidos como «plenitude daquele que preenche a tudo em todos». Devemos observar que esse primeiro capitulo é muito semelhante, quanto à sua mensagem, embora seja uma abordagem mais abreviada, ao oitavo capitulo da epístola aos Romanos, não havendo literatura religiosa mais elevada, no mundo inteiro, do que aquela que nossos olhos encontram nesses dois trechos bíblicos. Um dos propósitos centrais dessa epistola, portanto, é a de salientar esse elevadíssimo destino dos remidos, apresentando as várias aplicações desse conceito, no que diz respeito ao andar cristão diário.
Goodspeed, e aqueles que seguem as suas ideias, supõem que um discípulo qualquer de Paulo é que teria escrito a epístola aos Efésios, como uma espécie de «epistola de apresentação» para as demais epístolas paulinas, a fim de despertar novamente o interesse pelos escritos paulinos. Não há meios para confirmar­mos ou negarmos essa teoria; mas, quando muito, isso deve ser reputado uma mera hipótese. Mas, ainda que assim realmente tivesse acontecido, e que esse tivesse sido um dos propósitos da escrita dessa epístola, contudo, acima dessa razão avulta aquela outra, que é a de revelar o elevadíssimo destino da igreja cristã, e o que isso deve significar em relação à conduta diária, tanto acerca da igreja cristã inteira como em relação ao indivíduo.
É evidente, na própria epístola, que se caracteriza por sua elevada Cristologia, que Paulo combatia alguma forma do gnosticismo, tal como se verifica também no caso da epístola aos Colossenses. Sabemos atualmente que formas anteriores e mais primitivas do gnosticismo já existiam, certamente, antes do começo do movimento cristão, não sendo, portanto, um desenvolvimento, doutrinário. de séculos posterio­res. Por conseguinte, a epistola aos Efésios deve ser classificada entre as «epístolas que combatem heresias», o que significa simplesmente que um de seus propósitos era apologético. Apesar de ter por intuito ensinar elevadas doutrinas cristas, não foi ela escrita exclusivamente com essa finalidade, mas também tinha outros objetivos. Se porventura ela foi escrita por algum dos discípulos de Paulo, então um de | seus propósitos, pelo menos parcialmente, foi exaltar a teologia paulina aos olhos da igreja cristã, sobretudo no que se relaciona a questões que envolvem a igreja e o seu destino específico, porque essas questões, apesar de serem abordadas em outros trechos, são descritas de maneira mais completa e vigorosa em nossa epístola aos Efésios.
«Seu principal propósito era o de confirmar os seus irmãos na fé, ampliando os seus horizontes, apertando ainda mais os laços de fraternidade que já os uniam; ensinando-lhes assim que as mais profundas experiências e os mais exaltados pensamentos podem ser encontrados dentro do corpo a que todos eles pertenciam; e que na unidade deles jazia a garantia da unidade de toda a humanidade, e, de fato, da criação inteira, na pessoa de Cristo». (Francis W. Beare).

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