Os Atributos Comunicáveis


Deus como Espírito Pessoal

Se os atributos discutidos no capítulo anterior salientam o absoluto Ser de Deus, os que
restam considerar acentuam a Sua natureza pessoal. É nos atributos comunicáveis que Deus se
posiciona como Ser moral, consciente, inteligente livre, como Ser pessoal no mais elevado sentido
da palavra. A questão se uma existência pessoal combina com as idéias do absoluto se há muito
prendeu a atenção dos filósofos, e ainda é objeto de debate. A resposta depende em grande
medida do sentido que se atribua à palavra “absoluto”. Na filosofia a palavra tem sido empregada
em três sentidos diversos, que podem ser denominados sentidos agnóstico, lógico e causal.
Quanto ao sentido agnóstico, o Absoluto é o irrelacionado do qual nada se pode conhecer, uma
vez que só se conhecem as coisas em suas relações. E se não se pode conhecer nada dele, não
se lhe pode atribuir personalidade. Além disso, desde que não se pode pensar em personalidade
desvinculada de relações, não pode ser identificada com um Absoluto que em sua própria
essência é o irrelacionado. No Absoluto lógico o individual está subordinado ao universal, e o
universal mais elevado é a realidade última. Deste modo é a substância absoluta de Spinoza,
como também o espírito absoluto de Hegel. Pode expressar-se no finito e por ele, mas nada que
seja finito pode expressar a sua natureza essencial. Atribuir-lhe personalidade seria limitá-lo a um
modo de ser, e destruiria o seu caráter absoluto. De fato, tal absoluto ou realidade última é apenas
um conceito abstrato e vazio, sem conteúdo nenhum. O conceito causal do Absoluto apresenta-o
como o fundamento último de todas as coisas. Não depende de nada que lhe seja alheio, mas faz
todas as coisas dependerem dele. Ademais, ele não é necessária e completamente irrelacionado,
mas pode entrar em várias relações com as criaturas finitas. Tal concepção do Absoluto não é
incoerente com a idéia de personalidade. Além disso, devemos ter em mente que, em sua
argumentação, os filósofos sempre estiveram operando com a idéia de personalidade como
concretizada no homem, e não viam que, em Deus, a personalidade pode ser infinitamente mais
perfeito. Na verdade, personalidade perfeita só se acha em Deus, e o que vemos no homem é
apenas uma cópia finita do original. Ainda mais, há uma tripersonalidade em Deus, da qual não se
acha analogia alguma nos seres humanos.

Para provar a personalidade de Deus têm sido apresentadas provas naturais muito parecidas
com as citadas em prol da existência de Deus. (1) A personalidade humana requer um Deus
pessoal para sua explicação. O homem não é um ser auto-existente e eterno, mas u ser finito,
com princípio e fim. A causa pressuposta deve ser suficiente para explicar totalmente o efeito.
Visto que o homem é um produto pessoal, o poder que originou também deve ser pessoal. Doutro
modo, existe no efeito alguma coisa superior ao que quer que se ache na causa; e isto seria
completamente impossível. (2) O mundo em geral dá testemunho da personalidade de Deus. Em
toda a sua estrutura e constituição ele revela os mais claros sinais de uma inteligência infinita, das
emoções mais profundas, mais elevadas e mais ternas, e de uma vontade todo-poderosa.
Conseqüentemente, somos constrangidos a subir do mundo para o Criador do mundo como um
Ser com inteligência, sensibilidade e vontade, isto é, como uma pessoa. (3) A natureza moral e
religiosa do homem também aponta para a personalidade de Deus. A Sua natureza Lhe impõe um
senso de obrigação de fazer o que é reto, isto implica necessariamente a existência de um
Legislador supremo. Além disso, a sua natureza religiosa constantemente o incita a procurar
comunhão pessoal com algum Ser superior; e todos os elementos e atividades da religião
requerem um Deus pessoal como seu objeto e fim último. Mesmo as religiões panteístas, assim
chamadas, muitas vezes testificam inconscientemente de crença num Deus pessoal. O fato é que
coisas como penitência, fé e obediência, comunhão e amor, lealdade no servir e sacrifício,
confiança na vida e na morte, não tem sentido, a menos que encontrem seu objeto apropriado
num Deus Pessoal.

Mas, conquanto todas estas considerações sejam verdadeiras e tenham valor como
testimonia, não são as provas de que a teologia depende em sua doutrina da personalidade de
Deus. Ela busca prova na revelação que Deus faz de Si na Escritura. O termo “pessoa” não é
aplicado a Deus na Bíblia, se bem que há vocábulos, como o hebraico panim e o grego prosopon,
que chegam bem perto de expressar a idéia. Ao mesmo tempo, a Escritura atesta a personalidade
de Deus de diversas maneiras. A presença de Deus, como descrita pelos escritores do Velho e do
Novo Testamentos, é uma, é uma presença claramente pessoal. E as representações
antropomórficas e antropopáticas de Deus na Escritura, embora devem ser interpretadas de modo
que não militem contra a pura espiritualidade e santidade de Deus, só podem justificar-se com o
pressuposto de que o Ser a quem se aplicam é uma pessoa real, com atributos pessoais, muito
embora sem limitações humanas. De capa a capa Deus é apresentado como um Deus pessoal,
com quem os homens têm capacidade e permissão de conversar, em quem podem confiar, que os
sustenta nas suas provações, e enche os seus corações da alegria da libertação e vitória. E
finalmente, a mais alta revelação de Deus de que a Bíblia dá testemunho é uma revelação
pessoal. Jesus Cristo revela o Pai de maneira tão perfeita que pôde dizer a Filipe: “Quem me vê a
mim, vê o Pai”, Jo 14.9. provas mais pormenorizadas aparecerão na discussão dos atributos
comunicáveis.