Mistério Tremendo


Meus amigos, só há uma maneira de começarmos a falar sobre Deus. Coisa alguma tem sido dita de tão significativa, acerca de Deus, do que confessar que ele é o mysterium tremendum. O homem, em seu atual estado de inteligência, não tem podido dizer muito sobre Deus, senão em sentido antropomórfico.’ Não podemos saber quão aproximada é a nossa terminolo­gia da realidade de Deus; e no presente, não há como evitar o uso dessa linguagem. — Portanto, não deveríamos, por tolo orgulho, pensar que temos dito qualquer coisa grandiosa sobre Deus. Se, por enquanto, nem podemos descrever a matéria, porque o átomo continua sendo uma entidade misteriosa, apesar dos avanços da ciência, quanto mais é correto afirmarmos a mesma coisa sobre o espírito que é muito mais misterioso. Nosso conhecimento a respeito é muito mais fraco! Obtemos bem melhor sucesso quando falamos sobre as obras e a providência de Deus, especialmente quando elas são vistas à luz da missão de Cristo. Porém, quando se trata de tentativa de descrever a natureza e os atributos de Deus, falhamos para todos os efeitos práticos. Em separado, há um longo artigo, nesta enciclopédia, sobre os Atributos de Deus. A leitura desse artigo (compilado com base em compêndios de teologia) demonstrará ao leitor que temos de apelar pesadamente para as expressões antropomórficas. Essa é a única maneira que temos para descrever Deus. Partimos com algum atributo humano, engrandecemo-lo a dimensões infinitas, então atribuímo-lo a Deus. Porém, até que ponto isso se aproxima da realidade divina, não podemos afirmar com qualquer grau de certeza. Para exemplificar isso, tomemos o termo «infinito», que empregamos tão largamente. Esse vocábulo não tem qualquer sentido para nós, se for examinado de forma crítica, visto que não temos qualquer experiência com a infinidade. Todas as nossas experiências são finitas. Portanto, o termo infinito é usado por nós para indicar algo muito grande, muito extenso, que nos inspira profunda admiração. Tão-somente tateamos em busca de respostas, sem conseguir, entretanto, afirmá-las. Se tentarmos usar a palavra «infinito» em sentido verdadeiro, então ela passará a ser um termo negativo, porquanto não podemos atingir o sentido tencionado. Se usarmos a palavra «infinito» para indicar algo grande ou vasto (mas não infinito) então estaremos usando uma mensagem positiva, mas que não expressa, realmente, a ideia de infinidade. Em outras palavras, com o vocábulo infinito queremos dar a entender algo vasto, imenso, extremamente extenso. Entretanto, não temos verdadeira experiên­cia com o infinito, pelo que não podemos expressar mais do que «muito grande». Isso nos mostra o dilema do emprego da linguagem humana, quando procura­mos formular conceitos que envolvem o mistério tremendo que é Deus.
Os místicos sentem mui profundamente a futilidade da linguagem humana. Eles não creem que possamos jamais compreender Deus através de conceitos e raciocínios. Portanto, eles buscam a experiência imediata com Deus, a qual, uma vez obtida, é inefável, isto é, não pode ser expressa por meio de palavras. A alma humana vem a conhecer a Deus na comunhão com ele, mas tal compreensão não é verbalmente comunicável. O conhecimento intuitivo é como as águas-vivas de uma fonte que jorra incessantemente para cima. O conceito ê como as águas que retornaram ao solo, — ficando estagnadas. Os homens gostam de vincular conceitos às coisas, cristalizando suas ideia e tirando-lhes a vitalidade. Os homens gostam de sistematizar as coisas, então eles dizem: «Nisto consiste a revelação, e não há maior revelação do que isto». Os homens gostam de reduzir seus sistemas a livros, e então homenageiam esses livros. Os homens têm livros sagrados e levantam muralhas em torno deles, presumivelmente confinando a verdade dentro dessas muralhas e excluindo todas as demais ideia.
Quando abordamos o conhecimento teológico, o estudo sobre Deus, então esses métodos humanos são obviamente absurdos, menos para os edificadores de sistemas fechados. Os céticos desesperam-se da busca e contentam-se com sua ignorância auto imposta. O verdadeiro inquiridor da verdade nunca se sente satisfeito com o que já foi dito, com aquilo que aparece nos livros, com aquilo que as denominações cristãs afirmam. O verdadeiro inquiridor da verdade nunca se satisfaz com as suas próprias experiências, ainda que algumas delas sejam elevadamente místicas e emocionalmente cativantes. Ele sabe que a jornada até o Ser Infinito é de tal ordem que um ser finito jamais poderá chegar ao fim, embora não deva desistir da caminhada para a frente.
Abordando a Realidade. Quando um inquiridor da verdade aproxima-se da Realidade Última, chega a compartilhar da própria natureza dessa Realidade (ver II Pedro 1:4; II Coríntios 3:18). Mas isso envolve um processo eterno. Conhecer a Deus, no sentido mais prenhe da palavra, é ir adquirindo a sua natureza e os seus atributos; e é justamente isso que chamamos de salvação (que vide), o que jamais poderá ser equiparado ao simples perdão dos pecados e à mudança de endereço para o céu, no futuro. O conhecimento de Deus, portanto, é algo existencial, experimental, algo que ocorre mediante a transforma­ção do próprio ser e da maneira de existir, compartilhando de um Ser muito maior. Sem dúvida, os conceitos aprimoram-se quando adquirimos maior experiência com o Ser divino; mas, pelo menos por enquanto, os nossos conceitos são apenas maneiras débeis e infantis de falar sobre Deus. O conhecimento jamais pode ser reduzido a meros conceitos. £ mister que também seja existencial, experimental. Porém, a teologia sistemática pensa que sua redução concep­tual de Deus é digna de confiança. Poucas coisas são tão obviamente falsas quanto isso.
Até onde posso determinar, foi Rudolfo Otto quem primeiro utilizou a expressão mysterium tremendum, em alusão a Deus. Ele pensava que, quando nos avizinhamos de Deus, penetramos em um mistério insondável, que ultrapassa à nossa análise racional. O conhecimento de Deus precisa ser algo intuitivo, místico e existencial. Nossa análise racional fracassa, embora não seja totalmente inútil.

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