Ministério de Jesus


Diz o evangelho de João: «Há, porém, ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam escritos» (João 21:25). Naturalmente que isso é uma amostra de hipérbole oriental, mas, não obstante, indica algo do problema de tentar esboçar o ministério de Jesus. Deve ter havido muitas coisas que ele fez, muitos milagres que realizou, muitas palavras que proferiu, e que jamais foram registrados por qualquer autor, enquanto que muitas outras ocorrências que encontraram lugar em documentos escritos primitivos, subseqüentemente devem ter-se perdido para nunca mais serem restauradas. Gostaríamos de ter conheci­mento de tudo isso, mas nossos únicos documentos fidedignos, como material informativo sobre a vida de Jesus são os quatro evangelhos. Existem — alusões esparsas — sobre ele nos escritos de Flávio Josefo, de Tácito, de Suetônio e nas tradições talmúdicas posteriores (embora nem todas essas referências sejam favoráveis), mas todas se revestem de pouquíssimo valor histórico. Também há diversas tradições a seu respeito, algumas nos evangelhos apócrifos e outras independentes dessas fontes, tradições essas que buscam descrever sua infância e os anos anteriores ao seu ministério público. Algumas dessas tradições di­zem que ele passou algum tempo de estudo na Índia e no Egito, e que estudou com os essênios, no monte Carmelo, que não ficava muito distante de Nazaré. Quanta verdade existe nessas tradições, não temos meios de saber, pelo que ninguém pode apresentar declarações definidas acerca de seus anos formativos.
Sabemos, todavia, que o homem Jesus deve ter recebido uma educação essencialmente Judaica,porquanto os seus ensinamentos deixam transparecer isso. Sua recomendação acerca do celibato (ver Mat.19:10-12), todavia, era um conceito contrário às idéiasjudaicas, e realmente reflete um importante ensino dos essênios, pelo que é possível que Jesus tenha mantido conexões com esse grupo, como também João Batista. Os primeiros discípulos de Jesus, mui provavelmente também haviam estado sob a influên­cia dos ensinos dos essênios, através de João Batista, . As narrativas dos evangelhos apócrifos  fornecem muita evidência de que foram histórias ordinariamente produzidas pela imaginação desen­freada (sempre que diferem dos quatro evangelhos), e que as freqüentes narrativas autênticas que ali aparecem não passam de cópias ou adaptações das narrativas dos evangelhos do N.T. Há uma pequena quantidade de material que, sendo autêntica e não produto da imaginação, pode ser posta lado a lado aos evangelhos como informação. Ninguém jamais pre­parou um estudo preciso que determinasse exatamente quanta informação adicional poderia ser obtida desses evangelhos apócrifos; mas certamente não poderia ser uma informação abundante. Portanto, considerando as atuais fontes de informação de que dispomos, posto que a arqueologia não nos tem proporcionado nada de novo, somos forçados a depender quase totalmente dos quatro evangelhos quando queremos obter conhecimentos acerca do ministério de Jesus. Apresentamos abaixo, em forma de esboço, as principais épocas desse ministério:
1.    Antes do Ministério Galileu
a.  Preexistência, João 1
b.  Nascimento, Mat. 1; Luc. 1 e 2
c.  Infância
Jesus nasceu talvez em 6 A.C., em Belém da Judéia. Foi criado em Nazaré. Tinha certo número de irmãos e irmãs (Tiago, José, Judas e Simão — ver Mar. 6:3). Trabalhou como aprendiz de carpinteiro, em Nazaré. Quando seu pai adotivo, José, faleceu, provàvelmente tomou-se o único carpinteiro de Nazaré, por ser essa uma localidade tão pequena que nem ao menos foi mencionada por Josefo, embora tivesse feito a lista de muitas cidades da Galiléia. O Talmude também jamais menciona a localidade. Lucas apresentã-nos uma única instância de Jesus (Luc.2:52), onde descreve como Jesus confundiu os mestres do templo, devido ao seu conhecimento. Durante esse tempo Jesus pode ter conhecido João Batista (pois era parente seu, e provavelmente primo) e evidentemente teve algum contato com os essênios. Jesus passou cerca de trinta anos nessa pequena aldeia da Galiléia, que foram anos de preparação; mas os detalhes sobre esse período estão totalmente perdidos para a história.
d.  Relações de Jesus com João Batista e os Essênios
Poderíamos dizer, como tentativa, que Jesus teve algum contato com João Batista e com os essênios. O ministério de João Batista foi poderoso, e alguns chegaram a pensar ser ele o Messias. O ministério de Jesus, entretanto, ainda foi mais poderoso que o de João, e foi uma espécie de continuação do de João. (Ver Luc. 3:7).
e.  Batismo de Jesus
Quanto ao sentido desse acontecimento, ver notas em Mat. 3:6,13-17 no NTI. Jesus identificou-se com o movimento do arrependimento e com o anúncio do reino dos céus que breve viria. Jesus continuou o ministério de João Batista, e, após o falecimento deste, provavelmente ficou com a maioria dos seus discípulos.
f.  Recebimento do Espírito Santo
O início do ministério de Jesus foi causa natural das tentações lançadas por Satanás, porquanto nenhum pioneiro pode continuar no caminho sem ser testado, porque de outro modo não seria considerado um guia digno de confiança. (Ver Luc. 4 e Mat. 4).
g.  Primeiros Discípulos
Pouco depois Jesus entrou em contacto com seus primeiros discípulos, Pedro, André, Tiago e João. Alguns têm sugerido que esse contacto se efetuou primeiro na área de Jerusalém, durante uma das festividades religiosas dos judeus (de acordo com o registro no evangelho de João), mas que posterior­mente tomou a entrar em contacto com eles, na Galiléia, e seu discipulado tomou-se oficial, (ver Mat. 4:18,19, em comparação com João 1:28,35-51).
h.  Ministério na Judéia
Isso ocorreu antes do ministério na Galiléia. Evidentemente Jesus teve um ministério preliminar na Judéia. Somente João descreve esse ministério, mas é possível que Luc. 4:44, onde os melhores e mais antigos mss gregos dizem Judéia, em vez ás Galiléia, mencione, em termos gerais, aquilo que João apresentou em forma detalhada. De João 1:29 ao fim do capítulo (primeiros contatos com os primeiros discípulos); João 2 (primeiro milagre — mudança da água em vinho); João 3 (entrevista com Nicodemos); João 4 (ministério em Samaria e provável primeira purificação do templo, João 2:13-22, embora muitos eruditos pensem que isso é uma referência fora da ordem cronológica, ou então que essa é a purificação mencionada nos evangelhos sinópticos, como parte da última semana do ministério de Jesus, mas que está deslocada da ordem real dos acontecimentos).
2.    Ministério na Galileia
Jesus nasceu em Belém e no princípio de sua vida habitou em Nazaré; mas, por ter sido rejeitado em Nazaré, mudou-se para Cafarnaum (ver Mat. 4:13),
a.  Acontecimentos Preliminares
João Batista foi aprisionado e muitos de seus seguidores tomaram-se discípulos de Jesus. João Batista pregava a arrependimento e o reino de Deus, que ele afirmava que breve seria estabelecido na terra. Jesus Cristo viajou pela Galiléia e pregou em muitas sinagogas, mas principalmente, nos primeiros dias, na famosa sinagoga de Cafarnaum, (ver Mat. 4). Sua fama se propagou até a Síria, Decápolis, Jerusalém e outros lugares (ver Mat. 4:24,25).
b.  Identificação com o Filho do Homem
Jesus se identificou como Filho do homem, dando indicações de sua missão messiânica, embora isso não tivesse sido abertamente declarado a essa altura dos acontecimentos.
c.  Sinagogas
Jesus fez das sinagogas, congregações judaicas, o seu principal ponto de contato, embora também pregasse ao ar livre. Jesus declarava ensinos éticos, reexaminava os princípios da lei, demonstrava a sua autoridade, elevou imensamente o tom e a qualidade do ministério nas sinagogas. Não tinha treinamento formal e nem credenciais ordinariamente requeridas de um mestre na sinagoga; a despeito disso, era largamente aceito como mestre (ver Mat. 4—8).
d.  Escolha de Discípulos
Jesus selecionou doze discípulos especiais, que o acompanharam em seu segundo circuito pela Galiléia, (ver Mat. cap. 10).
e.  Cinco Grandes Blocos de Ensinos
Jesus pregou grandes sermões, cujos esboços e conteúdos gerais, no evangelho de Mateus, se encontram em cinco grandes blocos de ensinos, pois esse é o evangelho que com maior cuidado preserva os ensinamentos de Jesus (ver Mat. capítulos 5,7,10,13, 18; 24:1 — 26:2). Os principais temas desses sermoes são os princípios éticos do reino de Deus, a nova lei, a lei do amor, instruções aos discípulos especiais, discursos sobre a natureza do reino, os problemas comunitários da igreja, e o fim desta dispensação (profecias de Jesus).
f.  Fecham-se as Sinagogas para Jesus
As sinagogas, finalmente, cerraram as portas para Jesus e seu ministério. Ele provocara muita oposição e inveja. Sua mensagem era por demais poderosa, crítica e revolucionária para os judeus, (ver Mar. 6:3; eLue. 4:22). Jerusalém enviou espiões que procura­vam desacreditar a Jesus. Mas Jesus os confundiu, o que apenas intensificou a ira e a oposição de seus adversários. Após a declaração de Mar. 6:5,6, não lemos mais que Jesus falou em alguma sinagoga. A sinagoga deixara de servir-lhe de instrumento para a propagação de sua mensagem, excetuando-se alguns poucos indivíduos convertidos. Evidentemente, daí por diante, Jesus começou a ensinar ao ar livre.
g.  Envio dos Doze
Jesus enviou doze discípulos como ministros especiais, (ver Mat. 10). Jesus ensinou-os como deveriam ser discípulos, como deveriam depender dele, como deveriam pregar, curar e andar em suas pisadas. Jesus enviou-os a colher uma ceifa porque proclamava o fim breve da ordem de coisas, e o .estabelecimento imediato do reino de Deus à face da terra. Os discípulos de Jesus enfrentaram a mesma oposição que ele mesmo encontrara. Não conseguiram converter a Galiléia, como um todo, para Deus. Foram obtidos alguns poucos convertidos individuais, mas nenhum território para o estabelecimento do reino foi conseguido, (ver Luc. 7:31-35). Um ministério similar foi efetuado por setenta discípulos selecionados, (ver Luc. 10). Talvez esse tenha sido o terceiro circuito pela Galiléia.
h.  Morte de João Batista
João foi assassinado a mando de Herodes, e o estabelecimento de um reino literal foi inteiramente rejeitado, (ver Mat. 14).
i.  Os Três Circuitos pela Galiléia
Foram os seguintes: a. Mat. 3—8; Mar. 1; Luc. 3 e 4 — Jesus foi com quatro pescadores; b. Mat. 10:13; Mar. 1; Luc. 3:5 — Jesus foi com os doze. c. Luc. 10:1-17; Mat. 9:14-18; Mar. 6—9; Luc. 9—11 — Jesus enviou os doze (e depois os setenta).
3.   Jesus Parte da Galiléia
A multiplicação dos pães para — os quatro mil — (Mar. 8:1-9) assinala o fim do ministério galileu. A sinagoga se fechara para Jesus, ele ganhara apenas alguns verdadeiros discípulos, embora muitos, dentre o povo comum, continuassem simpatizando com sua causa; mas as autoridades religiosas tinham feito progressos notáveis, fazendo a opinião popular voltar-se contra Jesus, e muitos temiam segui-lo abertamente. Entre o ministério galileu e o da semana final em Jerusalém, encontramos uma série indefinida de eventos. Os escritores dos evangelhos obviamente não estavam interessados em prover uma narrativa detalhada ou sistemática dessas ocorrências. Assim sendo, temos de juntá-las à base das escassas evidências com que contamos.
a.  Retirada para Tiro
Evidentemente Jesus a princípio retirou-se para a região de Tiro, (ver as passagens de Mar. 8:24 e 7:31). Entre essas referências temos a história da mulher siro-fenícia (Mar. 7:24-30). Imediatamente depois disso temos a cura do surdo-mudo. Muitos creem que a multiplicação dos pães para os quatro mil teve lugar’ em território gentílico, fazendo parte do ministérionão-judaico, um acontecimento que sucedeu antes da semana final na área de Jerusalém. O trecho de Mat.8:14-19 pode indicar que Jesus primeiro partiu de Genezaré, após ter-se recusado a apresentar um «sinal» aos fariseus; então, tendo atravessado para  Betsaida, dali foi para a região de Tiro. Mas, à base da narrativa, isso não pode ser afirmado com certeza. Após a visita a Tiro, Jesus evidentemente retornou a Betsaida (tendo realizado ali alguns poucos milagres), e então foi para as aldeias de Cesaréia de Filipe, onde Pedro apresentou sua grande confissão, (Mar. 8:27-33 com Mat. 16:13-20). Marcos também menciona um ministério «na região de Decápolis», (Mar. 7:31). Este teve lugar mais ou menos nesse tempo, o que teria sido de interesse particular para os leitores romanos de Marcos. Ê óbvio que Marcos pretendia indicaralgo sobre a tencionada universalidade da mensagem e do ministério de Jesus, embora tais questões ainda não tivessem sido claramente definidas. A significa­ção desse ministério, incluindo o de Tiro, é que Jesus, nessa época, começou a declarar abertamente a necessidade de sua morte, indicando o sentido que os apóstolos deveriam ver nesse acontecimento. Nesse tempo, Jesus preferia não ser seguido pelas multidões (ver Mar. 7:24), posto que precisava de tempo para refletir, para planejar e para ganhar coragem para os acontecimentos que breve ocorreriam, e que nessa altura dos acontecimentos via com tanta clareza. Parece que ele andava sozinho durante a maior parte do tempo, dispensando até mesmo a companhia dos discípulos. Jesus refletia sobre sua missão entre os judeus, (ver Mat. 15:24), Sabia que sua missão, a considerar pelos padrões terrenos e numéricos, havia falhado inteiramente. Jesus contemplava os seus sofrimentos, e nisso se via claramente o «Servo Sofredor», o «Filho do homem», o Homem de dores, (Mar.9:12).
b.  Jesus se Revela
Jesus revelou a sua pessoa como Servo Sofredor e como Filho do Homem, e Pedro reconheceu a filiação especial de Jesus, (ver Mat. 16:13-20). As pedras fundamentais estavam lançadas para a doutrina cristã, e o cristianismo seria distintivamente firmado como revelação separada do judaísmo. Pela primeira vez Jesus fez alusão à edificação de sua igreja, (ver notas no NTI em Mat. 16:13-20, que discutem os variegados problemas que cercam esse texto, a posição de Pedro, o sentido da palavra «pedra», o significado de «igreja», etc.). A fim de confirmar a posição de Jesus e a fim de que se reconhecesse a aprovação divina, o Pai fê-lo passar pela experiência da transfiguração. O reconhecimento é um desses senti­dos. Outro desses sentidos é que isso forneceu aos discípulos uma experiência que os fortaleceria por muitas vezes, em tempos posteriores, quando tivessem de enfrentar a perseguição. Lembravam-sede Jesus glorificado e se firmavam. Durante esse período, Jesus tirou proveito da tranquilidade e do vagar comparati­vo a fim de instruir aos discípulos. Haveria de deixá-los dentro em breve. Deveriam preparar-se para esse grande acontecimento, — que agora estava muito próximo. —- E assim os apóstolos apren­deram a conhecê-lo como nunca antes, — a despeito de sua contínua associação íntima com ele. Alguns situam o ministério na Peréia, nessa altura dos acontecimentos, fazendo-o preceder imediatamente o ministério final de Jesus, em Jerusalém. Outros, porém, fazem desse ministério na Peréia uma espécie de retirada de Jerusalém, depois de Jesus já ter chegado nessa cidade, mas antes da semana final.
c.   Viagem a Jerusalém
Da Galiléia, Jesus partiu para Samaria (Luc.9:51-56). Ali Jesus foi rejeitado. Marcos nada nos diz acerca disso, mas meramente afirma que ele entrou nas regiões da Judéia, do outro lado do Jordão, (ver  Mar. 10:1). Isso é interpretado de diversas maneiras: alguns pensam que esse foi um ministério na Peréia; outros imaginam que o próprio Jesus atravessou a Samaria, enquanto seus discípulos, nesse ínterim, cruzavam a Peréia. Até que ponto Jesus penetrou nessa região, não sabemos dizê-lo. Provavelmente Jesus atravessou o Jordão para tornar a atravessá-lo de volta, em um dos vaus que conduzia à estrada de Jericó. Progredindo o grupo em direção a Jerusalém, Marcos dá-nos uma indicação sobre a atitude emocional dos discípulos: «Estes se admiravam e o seguiam tomados de apreensões», (Mar. 10:32). Alguns acreditam que a primeira frase se aplica a Jesus — «Ele estava admirado» — mas essa conjectura não tem alicerce algum no texto grego. Provavelmente temos aqui dois grupos distintos de discípulos, os doze e os outros que os seguiam, conforme deve ter ocorrido com frequência nas viagens de Jesus, especialmente quando a jornada tinha por seu objetivo a visita a Jerusalém, para frequentar alguma festividade religiosa. Sabemos que pelo menos os discípulos de Jesus devem ter apreendido algo de suas advertências melancólicas acerca de sua morte próxima, e que estavam admirados e temerosos.
Em Marcos 10:42-45, temos o pronunciamento de Jesus sobre o resgate que a sua vida daria em favor de «muitos». Não podemos atribuir essas palavras a reflexos paulinos sobre a igreja primitiva, como se fossem interpolações posteriores à narrativa do evangelho. Pois essa idéia de «resgate» também é judaica, pois na literatura judaica lê-se que outros deram suas vidas como resgate e, além disso, a doutrina de Paulo estava profundamente arraigada no cristianismo primitivo. Teorias distorcidas sobre aexpiação não devem furtar-nos da clara percepção de Jesus de que ele sofreria em favor dos homens. Em Jericó, cerca de vinte e quatro quilômetros de Jerusalém, ele encontrou o filho de Timeu, o cego, que o chamou de «Filho de Davi». E nisso vemos que sua missão messiânica era conhecida na área de Jerusalém, e que a sua fama se espalhara por todas as regiões de Israel, (ver Mar. 10:46-52).
4.   Jesus na Judeia
Neste ponto não podemos seguir apenas um dos evangelhos para traçar os acontecimentos, mas precisamos lançar mão de todos. O evangelho de Marcos sugere que as ocorrências finais se seguiram rapidamente umas às outras, isto é, concentraram-se em uma única semana da vida terrena de Jesus — a última. Essa história final foi dividida em dias, e se encaminhou, rapidamente, para o clímax. Entretanto, apesar de geralmente ser aceito e ensinado que houve apenas uma semana final, certo número de estudiosos tem procurado demonstrar que o período foi mais longo, estendendo-se talvez por um mês ou mais. A principal evidência por detrás dessa conjectura é a informação derivada de várias referências no evange­lho de João; e ultimamente esse evangelho de João se tem recomendado como historicamente fidedigno (até mesmo quando aparentemente contradiz os evange­lhos sinópticos), o que é aceito até mesmo por eruditos liberais. Pelas referências em Mar. 11:2-6 e 14:13,14, onde Jesus é visto a ensinar «dia apôs dia», talvez tenhamos uma indicação sobre um período mais prolongado. Em Luc.19:47 e 21:37,38, transparece a mesma ideia. João 7-12, com os acontecimentos ali registrados, parece confirmar de modo definitivo essa impressão de um período de tempo mais lato. As referências de João7:10,14,32; 8:20; 10:22,40-42; 11:54 e 12:1 mostram que João tinha fontes distintas e valiosas de informação acerca desse período de tempo, o que não aparece nos evangelhos sinópticos.
Maurice Goguel (The Life of Jesus, traduzida por OliveWyan, New York, The MacmÚlan Co., 1933), acredita que Jesus partiu da Galiléia com os seus discípulos pouco antes da festa dos Tabernáculos, (ver João 7:2), em setembro ou outubro, e que continuou a ensinar em Jerusalém até à festa da Dedicação (ver João 10:22), em dezembro, e que pouco depois disso se retirou para a Peréia, do outro lado do Jordão, (ver João 10:40 e 11:54). Dali voltou à capital, «seis dias» antes da Páscoa. Esse pano de fundo nos ajuda a compreender melhor as diversas controvérsias com os fariseus, que parecem ter ocorrido todas no espaço de alguns poucos dias, nos evangelhos sinópticos. O argumento em favor de um período mais longo, em Jerusalém, assevera que essas muitas controvérsias não ocorreram no espaço de alguns poucos dias e, sim, dentro de um período de tempo bem maior. Nesse caso, os evangelhos sinópticos teriam feito uma condensação dos acontecimentos em foco. Marcos registrou cinco controvérsias principais, provavelmen­te representativas de muitas outras controvérsias similares, que não são especificamente mencionadas.
a.  Ensinos em Jerusalém
Durante as controvérsias, Jesus ensina sua «missão messiânica», porquanto é o Filho de Davi, mas, ao mesmo tempo, seu Senhor. Também ensina que, na qualidade de Messias, tinha o direito de ensinar e de realizar milagres e exigir discipulado, a despeito do fato de não possuir as credenciais ordinárias das escolas rabínicas. Jesus ensinava uma ressurreição literal e a realidade do mundo espiritual. O reino de Deus esteve em sua mente até o fim, embora soubesse que um reino literal não seria então estabelecido. Mas ensinava os aspectos mais latos desse reino, a saber, seus sentidos espirituais, indicando, em suas predi­ções, que o reino literal ainda seria firmado. Jesus expôs uma série de parábolas que indicam que os homens devem aguardar ansiosamente a chegada do reino e o seu segundo advento, isto é, a parousia. Também mostrou as consequências sérias para aqueles que não se mantêm nessa expectativa e não se preparam. Mostrou o triunfo final do Cristo, o qual finalmente governará. Advertências dessa sorte têm sido corretamente vinculadas à passagem que se encontra em Mar. 13 e que tem paralelo em Mat. 24 (o Pequeno Apocalipse). Jesus se identificou, em conexão com esses acontecimentos, com o vindouro «Filho do homem», e ligou isso à profecia de Dan. 7:13.
b.  Ministério na Peréia
Assim como Jesus foi impelido para o deserto, após o seu batismo, para um período de preparação para o seu ministério, assim também, neste ponto de seu ministério final na Judéia, retirou-se para a Peréia.Lembramo-nos de que quando do encerramento de seu ministério na Galiléia, ele também se retirou, por algum tempo, para Tiro. «Novamente se retirou para além do Jordão, para o lugar onde João batizava no princípio; e ali permaneceu», João 10:40. Quantas memórias deve ter isso provocado! Agora, porém, João estava morto e Jesus sabia que em breve se reuniria ao seu espirito. Jesus terminou indo para uma pequena aldeia chamada Efraim, (ver João 11:54). E provável que tenha ficado ali por um mês ou mais; porém, não podemos afirmá-lo com certeza. Alguns sugerem que esse período foi de três meses. Jesus tivera muitas controvérsias com as autoridades religiosas e a mais acirrada de todas certamente foi em torno de sua reivindicação de que era capaz de destruir o templo e construí-lo novamente em três dias. Muitos devem ter-se escandalizado ante essa declaração, e é evidente que. Jesus agora já romper com o judaísmo, conforme o encontrara. Talvez esperasse que muitos se separassem do judaísmo, tal e qual estava corrompido. Talvez tivesse esperado que, ao voltar, encontrasse apoio proprio, e que o estabelecimento literal do reino, à face da terra, viesse a ser uma realidade. Porém, foi desapontado novamente, porquanto na Galiléia o povo sô queria um Messias político, pois não estava espiritualmente preparado para acolher Jesus e a sua mensagem. Alguns acreditam que a sua retirada para a Peréia foi uma medida essencialmente política, e que ao partir gozava do  apoio das massas, mas, ao voltar, o ardor popular diminuíra. Alguns creem que, desse modo, o próprio Jesus afastara dele o povo. Mas essa interpretação exagera as possíveis intenções políticas de Jesus, ao passo que, no relato dos evangelhos, transparece que em realidade Jesus evitava apresentar-se como personagem político. Provavelmente a sua retirada para a Peréia teve o mesmo propósito de suas outras retiradas, a saber, preparar-se espiritualmente para a luta que breve viria. Planejou o que finalmente faria em Jerusalém, pois não podia desistir da batalha. A desconhecida aldeia de Efraim foi o cadinho onde se misturaram os seus pensamentos. Jesus talvez tenha passado ali dias sem ser reconhecido completamente. E dessa maneira moldou os seus pensamentos, longe de amigos e adversários, entre as rochas do deserto.
5.    Dias Finais
Quanto a esta parte da vida de Jesus, dependemos principalmente do esboço fornecido por Marcos, com algum escasso material adicional em Lucas. Mateus segue Marcos bem de perto. Os primitivos cristãos compreendiam a história da paixão à luz da profecia do A.T., pelo que, aqui e ali se vê alguma referência às profecias cumpridas em incidentes particulares. Isso é especialmente verdadeiro no evangelho de Mateus. Uma nota de admiração e urgência permeia a seção inteira que aborda a última semana da vida de Jesus. Vê-se as controvérsias, a indignação das autoridades religiosas, a frivolidade das multidões, a ignorância e o desânimo dos apóstolos, a coragem de Jesus, o golpe esmagador da cruz, e a magnificente e emocionalmente dominante vitória da ressurreição. É digno de nota que cerca de um terço do conteúdo dos evangelhos se concentra em torno dos acontecimentos dessa última semana. Essas narrativas foram escritas sem qualquer comentário acerca do que essas cenas significaram para o mundo, e com toda a razão. Mas os posteriores evangelhos apócrifos fazem Jesus proferir muitas palavras interpretativas.
a.  A Entrada Triunfal
Poucos dias antes da páscoa, Jesus entrou de modo significativo em Jerusalém. A cidade inteira se agitou, parecendo mesmo que Jesus estava prestes a ser aceito como o Messias, porquanto foi chamado de Filho de Davi. No templo, realizou diversos prodígios de vulto. É evidente que Jesus entrou na cidade da maneira que fez (montado em um jumentinho) a fim de dramatizar o seu conceito de Messias. Embora sabendo que fora rejeitado como Messias, contudo quis ensinar ao povo o verdadeiro conceito espiritual desse personagem. Seja como for, a sua atração como Messias foi-se gradualmente dissipando. Seus amigos estavam perplexos, sem saber o que aconteceria em seguida; mas sabiam que Jesus era odiado pelas autoridades, e que a situação era perigosa.
b.  A Traição
Judas, sendo mais arguto que os outros discípulos,compreendeu que toda a aparente intenção do ministério de Jesus fracassara. Não haveria reino, e nem Jesus seria rei. Sabia que os inimigos de Jesus eram poderosos. Sabia que facilmente poderia participar da triste sorte de Jesus, e não podia esquecer-se do trágico fim de João Batista e, em um momento de cobiça, o que não lhe era incomum, porquanto o amor ao dinheiro parece ter sido a sua fraqueza proeminente, resolveu tirar proveito material da situação. Supriu a informação necessária para o aprisionamento de Jesus, em troca de pequena quantia em dinheiro. A traição, por parte de um dos doze elementos de confiança, deve ter assustado a pequena comunidade cristã, «…um dos doze…» é reiterado por Marcos (Mar. 14:10,20,43). Judas, cego pela luz da presença de Jesus, não conseguiu ver a sua glória, e traiu o maior personagem da história humana. Ao assim fazer, gravou para sempre o seu nome nas páginas da história, e até hoje chamamos os traidores de «Judas». Alguns escritores, como Schweitzer («Quest of the Historical Jesus», pág. 394), acreditam que o que Judas Iscariotes traiu foi o «segredo messiânico», isto é, que Jesus cria ser o Messias, e estava preparado a declarar-se como tal, O que teria sido uma ameaça às autoridades, tanto religiosas quanto civis. Porém, parece-nos claro que esse «segredo» há muito fora revelado, não por Judas e,  sim, pelo próprio Jesus. O que Judas desvendou foi o local onde Jesus costumava recolher-se, pois Jesus se retirara novamente da atenção pública. As autorida­des não podiam ter certeza se ele reapareceria. Judas, entretanto, removeu esse receio das mentes das autoridades, revelando onde poderiam aprisionar a Jesus.
c.  A Ultima Ceia
Essa ceia tem todos os sinais de ter sido uma observância com fins deliberados, e não apenas para cumprir a páscoa, embora este propósito também estivesse em mira. Jesus, sabendo que o fim se acercava, referiu-se a si mesmo como o Cordeiro de Deus’— ele é a expiação pelo pecado, o salvador, o resgate, (ver Mar. 14:24 e 11:25). Esse ato se tornou a base do rito supremo da adoração cristã, mas também tem sofrido muitas perversões e exageros. Aqui se comemora a revelação de uma das verdades supremas do cristianismo, ou seja, que Jesus é o pão espiritual, o sustento da vida espiritual.
d.  Jardim do Getsêmani
Jesus «começou a sentir-se tomado de pavor e de angústia», (Mar. 14:33). Foi um ser humano que entrou no jardim, a fim de orar. Foi um ser humano que sofreu muitas agonias e que, momentaneamente, retrocedeu, mas que logo em seguida avançou para a vitória. Foi um ser humano que naquele momento precisou de consolo e do fortalecimento da oração. Anjos vieram ministrar-lhe, o auxilio estava a caminho, mas foi um ser humano que pediu tal socorro. É isso que torna Jesus compreensível para nós, porque, a menos que tivesse sido realmente humano, dificilmente poderíamos encontrar qualquer consolo na história do Getsêmani. Com demasiada frequência  na igreja, ouve-se falar de um Jesus docético, que é divino, mas que não é verdadeiramen­te humano, mas só tinha aparência humana. Ver o artigo sobre a Humanidade de Cristo. A agonia do jardim foi tanto mais real porque Jesus sofreu tudo sozinho. Ele provou, em sua vida, que em sentido bem real, «cada homem é uma ilha». Sentimos saudades em nossa própria casa e somos estrangeiros debaixo do sol. Jesus sofreu plenamente muitas limitações humanas, mas venceu a tudo. Isso dá sentido à sua vida e à nossa também, porquanto ele não é apenas o caminho, mas é também o pioneiro do caminho. Ele mostrou o caminho e ele é o caminho. Jesus triunfou na provação mais tenebrosa, e perto dele também haveremos de triunfar.
e.  Aprisionamento
O aprisionamento de Jesus foi efetuado por um grupo armado com espadas e cacetes, enviado pelos principais sacerdotes e liderado por Judas Iscariotes, (ver Mar. 14:37,38). João supre a informação adicional que também houve o acompanhamento de um grupo de soldados romanos, o que subentende que Pilatos estava mancomunado com as autoridades religiosas, (ver João 18:12). O temível fim levou todos os discípulos a temerem pela própria vida, pelo que todos eles fugiram, pois tinham bem vivos na memória outros casos de indivíduos que haviam tentado alguma revolução, e sabiam a sorte terrível que os romanos reservavam para os tais, (ver Mar. 14:50).
f.  Julgamentos de Jesus
Pelas Narrativas Bíblicas, parece claro que Jesus não foi julgado no sentido verdadeiro do termo, porquanto sua sorte já fora determinada de antemão pelos principais sacerdotes. Esses julgamentos servi­ram apenas de «publicidade». No evangelho de Marcos lê-se sobre um julgamento noturno, seguido por outro, cedo pela manhã. Lucas, porém, parece situar todos os acontecimentos pela manhã. À noite, provavelmente Jesus foi manuseado violentamente pela polícia do templo, (Luc. 22:54-65). Pedro, que horas antes fugira, quando do aprisionamento de Jesus, agora seguia tudo à distância, até que chegou o momento em que negou finalmente a Jesus, segundo o Senhor mesmo predissera que sucederia. Jesus foi conduzido e guardado na casa de Anás, o qual, após um interrogatório preliminar, enviou-o amarrado à presença de Caifás, o sumo sacerdote, genro de Anás, (ver João 18:13,19,24). Caifás mostrou-se astuto, pois conseguiu levar Jesus a admitir «blasfêmia», ao proclamar abertamente a sua missão messiânica e a sua filiação especial a Deus. Jesus deve ter feito o coração de Caifás saltar de satisfação ao dizer que o Filho do homem viria entre nuvens a fim de governar, porque nessa declaração Jesus deixou transparecer seus interesses políticos. A palavra «todo-poderoso», que se encontra nesse texto (Mar. 14:62), se deriva de Sal. 110:1 e Dan. 7:13, e evidentemente alude ao próprio Deus, que é o grande poder. Jesus se referia à sua «parousia», mas provavelmente as autoridades religiosas pensaram que ele se estivesse referindo a alguma insurreição futura, feita em nome de Deus. Porém, tendo declarado essas coisas, Jesus removeu a necessidade de qualquer testemunho adicional. Aos olhos de todos ele era, claramente, um blasfemo.
Continua questão disputada se o sinédrio tinha poder ou não de decretar a punição capital. Os evangelhos deixam entendido que somente o procura­dor romano estava investido de tal autoridade, e o historiador Mammsen afirma que isso é correto. As acusações foram expostas de tal maneira a Pilatos a não deixar margem de ignorância sobre elas. Disseram que Jesus proibiu os judeus a pagarem tributo a César, tendo-se proclamado rei, (ver Luc. 23:2). A primeira acusação era obviamente falsa, mas a segunda tinha base na verdade, e que o próprio Jesus não queria negar. Alguns têm exagerado o elemento político, fazendo de Jesus pouco mais do que um revolucionário religioso e político. Pilatos não queria adicionar às suas tribulações permitindo que Jesus continuasse agitando o povo, quer essas acusações específicas fossem verdadeiras, quer não; pelo que também Pilatos repeliu o testemunho de sua própria consciência, e assim o seu nome ficou para sempre registrado na história, como aquele que negou o direito e a consciência, moralmente fraco, quando era vantajoso para seus interesses pessoais. As multidões vêem a sorte de Jesus, perdem toda esperança dele ser o Messias, resignam-se a continuar oprimidas pelos romanos e, em espírito de ódio, descarregam sobre Jesus suas indignações e frustrações. Agora todos querem ver Jesus crucificado, a fim de vê-lo padecer sob a ira dos romanos, da qual eles mesmos tinham esperado escapar.
g.  A Crucificação
Cícero descrevia a crucificação como «o mais cruel e odioso dos castigos» (The Verrine Orations, V.64). O flagelamento, que antecedia à crucificação, era só por si uma introdução terrível à cruz, mas Marcos menciona o fato apenas de passagem (Mar. 15:15), o que é típico da grande moderação que assinala toda essa narrativa. Jesus sofreu todas as agonias, e elas foram tão horríveis que ninguém ousa descrevê-las, pois o fato é suficientemente doloroso, e ninguém poderia suportar a descrição das minúcias. «Então o crucificaram…» é tudo quanto é dito, sem qualquer adição. Isso ocorreu no Gólgota, lugar que se assemelhava a uma «caveira», local esse que até hoje pode ser visto. Jesus foi crucificado às 9:00 horas da manhã, e às 15:00 horas já estava morto. Jesus estava morto; os discípulos estavam dispersos; as multidões, que antes se mostravam sedentas de sangue, agora estavam chocadas, e provavelmente sentiam o amargor do remorso. Um corpo foi arriado da cruz, arroxeado e sangrento, e foi depositado em um túmulo novo, pertencente a um homem rico. Esse túmulo pode ser visitado até hoje. A execução teve lugar em uma sexta-feira. Ver os artigos sobre Crucificação, Cruz, e Sexta-feira, Dia da Crucifica­ção.
h.  A Descida ao Hades
Jesus teve um ministério pós-morte, pré-ressurrei­ção em Hades como é afirmado em diversas passagens do N.T., principalmente em I Ped. 3:18-20, 4:6. Esta doutrina, não popular em algumas denominações evangélicas modernas, ou ignorada completamente, era reconhecida universalmente pelos pais antigos da igreja. O ministério de Jesus em Hades era deredenção. A igreja não tem concordado sobre a extensão e o significado desta redenção (ou restaura­ção), mas a maioria dos pais antigos da igreja pensava que isto estendia o «dia da possibilidade da salvação» para a Segunda Vinda. A morte pessoal nossa então, não seria o fim do dia de graça. O ministério da Descida aumenta enormemente o poder da missão messiânica, e exalta o Cristo, que é o Salvador de todos os mundos, em todos os mundos. Ver o artigo sobre a Descida de Cristo ao Hades.
i.  A Ressurreição
O corpo de Jesus dormiu até o primeiro dia da semana, pela manhã. Alguns afirmam que Jesus ressuscitou no sábado à noite, mas os relatos bíblicos não fornecem base para essa opinião. Ver o artigo sobre Domingo. Pedro diz-nos que Jesus teve um ministério anterior à sua ressurreição, no mundo dos espíritos, ver I Ped. 3:18-4:6. — Assim veio à luz um novo e espantoso fato — a ressurreição. O impacto foi tão grande que podemos ver os seus efeitos nas narrativas do fato. Essas narrativas são fragmentárias, e certamente diferem umas das outras quanto aos detalhes e às seqüências. Ê muito difícil preparar uma harmonia entre as quatro narrativas que possuímos nos evangelhos, porque é óbvio que os autores dessas narrativas tinham pouco interesse em descrever, minuciosamente, tudo quanto aconteceu e na ordem das ocorrências. Escreveram apressada­mente, aproveitando os relatos de que dispunham, transmitindo-nos o fato espantoso da ressurreição, sem se importarem muito com os pormenores. Jesus estivera morto. Os discípulos tinham sido assaltados pelo medo e se tinham ocultado, por não quererem compartilhar da mesma horrível sorte. Mas agora as notícias se espalhavam rapidamente que Jesus estava vivo novamente e que já aparecera a algumas mulheres. A notícia foi crescendo intensamente, ao passar de boca em boca. Um rumor ajuntava que Pedro também já vira a Jesus. Esta última notícia foi melhor recebida, porque de uma mulher se poderia esperar que propagasse notícias exageradas, mas Pedro era mais digno de confiança. Então a história adquiriu furos de maior evidência ainda, porque alguns dos onze já o tinham visto, e também outros que não pertenciam a esse grupo mais seleto de discípulos. Finalmente, todos os onze, com exceção de Tomé,chegaram a vê-lo. Tomé disse que não creria enquanto não visse a Jesus e o apalpasse, mas certamente seu coração bateu descompassado, por­quanto esperava, contra a esperança, que essas narrativas estivessem baseadas em fatos. Então, finalmente, o próprio Senhor Jesus apareceu no meio deles, um tanto diferente, mas perfeitamente reco­nhecível. Ao ver as cicatrizes dos cravos em suas mãos e pés, e ao ver a cicatriz deixada pela lança, Tomé exclamou: «Senhor meu e Deus meu!», (João 20:28).
As narrativas dos evangelhos são eternas e imperecíveis, mas não representam os relatos mais antigos sobre o novo e espantoso acontecimento — a ressurreição de Jesus. Os relatos de Atos (2:24,32; 3:15; 4:10; 10:40, etc.) e os de Paulo (I Cor. 15:8; Rom. 1:4, etc.) são mais antigos. Paulo diz-nos que mais de quinhentos irmãos viram a Jesus de uma só vez e, quando esse apóstolo escreveu, a maioria deles ainda vivia, — pelo que seria fácil falar em testemunhas oculares. O cristianismo fez depender o seu destino e a sua natureza sem-par da exatidão histórica desse acontecimento. Ela demonstra o poder eterno do Cristo, bem como nossa fulgurante esperança futura, porque se a morte não pode reter uma alma ou um corpo, então nos está assegurada a vitória final. Paulo reverberou a grande afirmativa cristã quando declarou:«Por que se julga incrível entre vós que Deus ressuscite os mortos?», (Atos 26:8). Certamente que esse evento não é incrível como clímax da vida de Jesus Cristo, que desafia toda descrição no que diz respeito ao seu poder, à sua beleza, à sua graça, ao seu significado e à sua esperança. A morte não pode reter um homem como ele.

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