Método de Determinação dos Atributos de Deus


Em sua tentativa de elaborara um sistema de teologia natural, os escolásticos firmaram três
modos pelos quais determinar os atributos de Deus, modos que eles denominam via causalitatis,
via negationis e eminentiae. Pela via da causalidade subimos dos efeitos que vemos no mundo
que nos cerca para a idéia de uma Causa primeira, da contemplação da criação para a idéia de
um onipotente Criador, e da observação do governo moral mundo para a idéia de um Governante
poderoso e sábio. Pela via da negação retiramos de nossa idéia de Deus todas as imperfeições
vistas em Suas criaturas, como incoerentes com a idéia de um Ser Perfeito, e Lhe atribuímos as
respectivas perfeições opostas. Apoiados neste princípio, dizemos que Deus é independente,
infinito, incorpóreo, imenso, imortal e incompreensível. E finalmente, pela via da eminência
atribuímos a Deus, de modo o mais eminente, as perfeições relativas que descobrimos no
homem, segundo o princípio de que o que existe num efeito, preexiste em sua causa, e ainda, no
sentido mais absoluto, em Deus como ser perfeitíssimo. Este método pode atrair alguns, porque
parte do conhecido para o desconhecido, mas não é o método apropriado para a teologia
dogmática. Tem como ponto de partida o homem e tira suas conclusões partindo daquilo que ele
encontra no homem para o que se acha em Deus. E, na medida em que age deste modo, faz o
homem a medida de Deus. Certamente não é um modo de proceder teológico. Além de tudo mais,
baseia o seu conhecimento de Deus em conclusões humanas, em vez de baseá-lo na auto-
revelação de Deus em Sua palavra divina. Ora, é esta a única fonte adequada de conhecimento
de Deus. Conquanto se possa seguir aquele método na teologia natural, assim chamada, não se
enquadra numa teologia da revelação.

Pode-se dizer a mesma coisa dos métodos sugeridos pelos representantes modernos da
teologia experimental. Um exemplo típico disto pode-se ver na Theology as na Empirical Science,
de Macintosh.1 Ele também fala de três procedimentos metodológicos. Podemos começar com
nossas intuições da realidade de Deus, aquelas certezas que independem do raciocínio e que se
acham firmemente arraigadas na experiência imediata. Uma delas é a de que o Objeto da nossa
confiança religiosa é absolutamente suficiente para as das nossas necessidades imperativas. Em
especial, pode-se tirar deduções da vida de Jesus e das “Semelhanças de Cristo” em toda parte.
Também podemos ter nosso ponto de partida, não nas certezas do homem, mas em suas
necessidades. O postulado praticamente necessário é que Deus é absolutamente suficiente e
absolutamente confiável com referência às necessidades religiosas do homem. Sobre esta base o
homem pode construir a sua doutrina dos atributos de Deus. E, finalmente, também é possível
seguir um método mais pragmático, que repousa no princípio de que, até certo ponto, podemos
aprender o que são as coisas e as pessoas, além do que percebemos imediatamente o que são,
observando o que elas fazem. Macintosh acha necessário usar os três métodos.

Ritschl pretende que partamos da idéias de que Deus é amor, e gostaria que indagássemos o
que é que está envolvido nessa idéia sumamente característica de Deus. Desde que o amor é
pessoal, implica a personalidade de Deus e, assim, dá-nos um princípio para a interpretação do
mundo e da vida do homem. O pensamento de que Deus é amor leva consigo a convicção de Ele
pode realizar o Seu propósito de amor, isto é, de que a Sua vontade é supremamente efetiva no
mundo. Isto dá a idéia de um Criador todo-poderoso. E, em virtude deste pensamento básico,
afirmamos também a eternidade de Deus, desde que, dominando todas as coisas para a
concretização do Seu reino, Ele vê o fim desde o princípio. Com engenho um tanto similar, diz o
Dr. W. A. Brown: “Obtemos o nosso conhecimento dos atributos analisando a idéia de Deus, que
já recebemos da revelação em Cristo; e os dispomos de molde a levar os traços distintivos dessa
idéia à sua mais clara expressão”.

Todos esses métodos têm seu ponto de partida na experiência humana, e não na Palavra de
Deus. Deliberadamente ignoram a clara revelação que Deus nos dá de Si na Escritura e exaltam a
idéia do descobrimento humano de Deus. Os que se apóiam em tais métodos têm uma idéia
exagerada da sua capacidade de revelar Deus e de determinar a natureza de Deus
indutivamente, mediante “métodos científicos” reconhecidos. Ao mesmo tempo, fecham os olhos
para a única avenida pela qual poderiam obter real conhecimento de Deu, a saber, a Sua
revelação especial, evidentemente esquecidos do fato de que somente o Espírito de Deus pode
sondar e revelar as profundezas de Deus, e no-las revelar. O próprio método de que se utilizam os
compele a arrastar Deus para baixo, ao nível do homem, a salientar a Sua imanência em
detrimento da Sua transcendência, e a fazer dele um Ser em continuidade com o mundo. E como
resultado final da sua filosofia, temos um Deus feito à imagem do homem. William James condena
todo intelectualismo em religião e sustenta que a filosofia, na forma de teologia escolástica, falha
tão completamente na tentativa de definir os atributos de Deus cientificamente, como na de
estabelecer a Sua existência. Após apelar para o livro de Jó, diz ele: “O raciocínio é um caminho
relativamente superficial e irreal para a Divindade”. James conclui a sua discussão com estas
significativas palavras: “com toda sinceridade, penso que devemos concluir que a tentativa de
demonstrar, por meio de processos puramente intelectuais, a veracidade das comunicações e
experiências religiosas diretas, é absolutamente frustrante”.1 Ele tem mais confiança no método
pragmático que procura um Deus que satisfaça as necessidades práticas do homem. Em sua
opinião, é suficiente crer que “além de cada homem e de maneira contínua com ele, existe um
poder maior que lhe é amistoso, a ele e aos seus ideais. Tudo que os fatos exigem é que o poder
seja diverso maior que o nosso ser pessoal consciente. Qualquer coisa maior servirá, se tão
somente for bastante grande para inspirar confiança para o próximo passo. Não precisa ser
infinito, não precisa ser solitário. Poderia até, concebivelmente, ser apenas um ser um pouco
maior e mais divino, um ser do qual o atual seria então uma expressão mutilada, e,
concebivelmente, o universo poderia ser uma reunião de tais seres, de diferente grau e
inclusivamente, sem nenhuma unidade absoluta nela presente de fato”.2 Assim, o que nos deixa é
a idéia de um Deus finito.

A única maneira apropriada pela qual obter conhecimento dos atributos divinos perfeitamente
confiável é o estudo da auto-revelação de Deus na Escritura. É na verdade que podemos adquirir
algum conhecimento da grandeza e poder de Deus, de Sua sabedoria e bondade, pelo estudo da
natureza, mas para uma adequada concepção, mesmo destes atributos, será necessário voltar-
nos para a palavra de Deus. Na teologia da revelação procuramos aprender da palavra de Deus
quais são os atributos do Ser Divino. O homem não pode extrair conhecimento de Si ao homem,
conhecimento que o homem pode somente aceitar e assimilar. Naturalmente, para a apropriação
e entendimento deste conhecimento revelado, é da maior importância que o homem tenha sido
criado à imagem de Deus e, portanto, encontre úteis analogias em sua própria vida. Em distinção
do método a priori dos escolásticos, que deduziam os atributos da idéia de um Ser perfeito, este
método pode ser denominado a posteriori, desde que toma o seu ponto de partida, não num Ser
perfeito e abstrato, mas na plenitude da auto-revelação divina, e, à luz desta, procura conhecer o
Ser Divino.