Livro de Números


Números é o quarto livro da Bíblia. Seu titulo provém da Vulgata Latina Numeri, que por sua vez é uma tradução do título da Septuaginta Arithmoi. O livro é assim designado porque nele há referência a dois recenseamentos do povo judeu — capítulos 1—3 e capítulo 26. Os judeus, como de costume, intitularam o livro com a palavra inicial do mesmo — Wayyedabber — («e ele (Jeová) disse»), ou mais frequentemente com a quinta palavra — Bemidbar — («no deserto»). Esse segundo título hebraico é mais apropriado do que o título em português, pois somente uma pequena porção do livro é de natureza estatística, enquanto que toda a ação se dá no deserto.
Esboço:
I.    Composição
1.   Autoria
2.   Estrutura
3.   Texto
II. Propósito e Conteúdo
III. Esboço de Conteúdo
IV.Teologia
V. Problemas Especiais
I.  Composição
1.  Autoria. Ponto de Vista Conservantista. Açóia a opinião tradicional de que o livro de Números é de caráter histórico e foi composto por Moisés. Eles observam que não há nas Escrituras uma declaração direta de que Moisés escreveu o Pentateuco, mas há numerosas passagens que indicam que ele escreveu pelo menos parte desse material (ver Núm. 33:2). Eles admitem também que em Números, assim como em Êxodo e Le vi tico, Moisés é referido na terceira pessoa, exceto em citações diretas. Logica­mente esse fato não sugere composição mosaica, dizem eles. Outras passagens, tais como Números 21:14 e ss e 32:34-42, também indicam a existência de um editor, contudo, declaram os conservantistas, a autoria mosaica, segundo a Bíblia, não requer que toda palavra seja de Moisés.
b. Ponto de Vista Crítico. Um dos primeiros estudiosos a questionar a opinião tradicional da autoria do Pentateuco foi Jerônimo, tradutor da Vulgata Latina no séc. V D.C. Jerônimo estava convicto do fato de que Esdras foi o responsável pela revisão final do Pentateuco, embora Moisés estivesse bastante associado às origens do material. Os críticos do séc. XIX concordam com Jerônimo até certo ponto. Eles duvidam seriamente que Moisés tenha contribuído com mais do que uma pequena parcela do material. Segundo os críticos, Números é o resultado da compilação dos documentos J.E.D. e P(S) os quais servem de base também para o resto do Pentateuco. Ver o artigo detalhado sobre J.E.D.P(S). O documento J é constituído de narrativas judias antigas e seu autor revela um interesse no reino judeu e seus heróis {850 A.C.). A palavra Yahweh (Jeová) é usada neste documento para referir-se a Deus. O documento E contém as antigas narrativas efraimitas originadas por volta de 750 A.C. O escritor de E demonstra um interesse no reino do norte de Israel e em seus heróis. Ele emprega o vocábulo Eloim, em vez de Yahweh (Jeová) para referir-se a Deus. O documento D, também chamado Código Deuteronômio, foi encontrado no templo no ano 621 A.C. Há alguma probabilidade de que o autor desse documen­to seja o sacerdote Hilkiah. D ressalta o fato de que o amor é a razão mesma do servir. A doutrina de um único altar é também acentuada neste documento. O Código Sacerdotal, ou documento P, originou-se por volta do ano 500 A.C., contudo, sua redação prorrogou-se até o IV séc. A.C. Esse documento evidencia uma preferência por números e genealogias.
Essas fontes estão muito misturadas no livro de Números. Acredita-se que por volta do séc. V. A.C. um editor, talvez Esdras, combinou esse material com histórias da tradição oral, e deu origem ao livro.
2.  Estrutura. Em se tratando de estrutura, este livro é de natureza mais diversa do que qualquer outro do Pentateuco. Embora o princípio fundamental de or­ganização seja cronológico (o livro inicia-se no Sinai e termina nas proximidades da Terra Prometida, 38 anos mais tarde), muito do material parece estar em ordem de assunto. Por exemplo, Êxodo termina com o Shekinah habitando no tabernáculo que fora cons­truído. Esse evento é recapitulado em Números 9:15-21, sugerindo o início de uma nova seção de narrativa. Em face desse fato levanta-se uma dúvida: os eventos dos capítulos de 1-8 ocorreram antes ou depois da construção do tabernáculo?
Esse exemplo e vários outros conduziram os críticos a acreditarem que Números não constitui uma unidade literária, i.e., a matéria do livro não foi rigidamente organizada de acordo com um princípio. Examinando a forma de Números, os críticos têm concluído que o livro é uma coleção de relatos referentes à vida no deserto combinados com materiais diversos tais como legislação, genealogia e narrativas de viagem. Uma observação das transições entre os episódios, ora bruscas ora suaves, reforça a conclusão dos críticos. A teoria documentária discutida anteriormente neste artigo também está em favor dessa conclusão. Segundo essa teoria, Números pode ser dividido da seguinte maneira: J e E, 10:29-12:15; 20:14-21; 21:2-32; 22:2-25:5. P inclui o resto do conteúdo do livro exceto 21:33-35, que pertence a D. (Em Números os nomes divinos Jeová e Eloim são usados alternadamente, fato que dificulta a distinção entre os documentos J e E). (Z págs. 462, 463 voi. IV).
Outro aspecto importante que se deve observar quando examinando a estrutura de Números é a poesia contida nesse livro. Os críticos sugerem que a maioria, senão todos os poemas e fragmentos dos mesmos contidos em Números, existiram também independentemente desse contexto. Por exemplo, o cântico do Poço em 21:17 ss tem sido comparado a cânticos similares noutras literaturas. Outras ocor­rências de poemas ou fragmentos de poemas são encontrados nas seguintes passagens de Números: 6:24-26; 10:35; 12:6-8; 18:24; 21:14-17 e ss; 21:27 e ss; 23:7-10; 24:3-9,15-19.
Os fragmentos que ocorrem em 12:6-8 (glorifica­ções a Moisés como profeta) e em 6:24-26 (bênção sacerdotal), são considerados mais recentes do que os outros e pertencem possivelmente ao documento E (séc. VIII A.C.), ou a um período posterior. Esses dois documentos revelam influências das classes proféticas e sacerdotais. Do ponto de vista literário os outros poemas são mais rústicos, datando provavel­mente do período de estabelecimento na Palestina. A preservação de tais poemas através dos séculos se deu por meio da tradição oral, um processo de transmissão bastante eficaz em se tratando de poesia — o ritmo auxilia a memória. (AM, pág. 537, vol. XX).
3.  Texto. O texto de Números parece ser bastante estável. O criticismo textual fundamenta-se nos textos da Revisão Samaritana, (RS) da Septuaginta, (LXX) e do Texto Massorético (MT). Os textos da RS e daLXXdistinguem-se do MT — esse último é mais sintético, os outros dois são mais desenvolvidos. O texto massorético foi preservado num clima mais sacerdotal na Babilônia, sendo reintroduzido na Palestina somente no séc. II e I A.C.
Entre os achados de Qumran (1947-1953), foram encontradas porções de um rolo de pergaminho de Números (40 Num(b)), que exibem um caráter textual bastante interessante: o texto apresenta uma posição intermediária entre o da RS e o da LXX, e, frequentemente, concorda com as variantes da RS em oposição ao TM. Contudo, em casos onde TM e RS concordam com a LXX, esse texto segue a LXX. F. Cross sugere que este tipo de texto era o usado na Palestina nos séculos V-II A.C. Ver o artigo sobre Manuscritos do Antigo Testamento.
II.  Propósito e Conteúdo
O propósito aparente do livro foi registrar o início do efeito exterior que o pacto exerceu na vida dos israelitas. Números registra as modificações e os ajustamentos na estrutura das estipulações pactuais, bem como a reação do povo israelita a tais estipulações. Os temas de fé e obediência são centrais neste livro, que é considerado «o livro do servir e do camiphar do povo redimido de Deus» (UBD, 799).
Números continua a narração da jornada iniciada no livro de Êxodo, começando com os eventos do segundo mês do segundo ano (Núm. 10:11) e terminando com o décimo primeiro mês do quadragé­simo ano(Deut. 1:3). Os 38 anos de peregrinação no deserto procedem do fracasso do povo de Israel em face da provisão divina para seu sucesso.
Esboço de Conteúdo
A.    PARTIDA DO MONTE SINAI (1:1—10:10) Preparação no Sinai (1:1—9:14)
a.    Enumeração das tribos (1:1—1:54)
b.    Organização do acampamento (2:1—4:49)
c.    Regulamentações especiais (5:1—7:27)
d.    Enumeração das ofertas dos príncipes (7:1-89)
e.    As lâmpadas do tabernáculo (8:1-4)
f.     A consagração dos levitas (8:5-26)
g.    A Páscoa (9:1-14)
h.    A nuvem guia a marcha dos israelitas (9:15-23)
i.     As duas trombetas de prata (10:1-9)
B.    VIAGEM DO SINAI A MOABE (10:11-21:35)
1.     Do Sinai a Cades-Baméia (10:11—14:45)
a.     A partida (10:11-36)
b.     As murmurações dos israelitas (11:1-35)
c.     A sedição de Miriã e Arão (12:1-16)
d.     Os espias (13:1-36)
e.     Os israelitas querem voltar para o Egito (14:1-45)
2.     A Permanência no Deserto (15:1—21:35)
a.     A repetição das diversas leis (15:1-41)
b.     A rebelião de Coré, Datã, e Abirão (16:1-50)
c.     A vara de Arão floresce (17:1-13)
d.     Deveres e direitos dos sacerdotes (18:1-32)
e.     Rito da purificação (19:1-22)
f.     Incidentes no deserto (20:1—21:35)
C.     NAS PLANÍCIES DE MOABE (22:1—36:13)
1.     Eventos Importantes (22:1—36:13)
a.     Balaão (22:1—24:25)
b.     Apostasia no Peor (25:1-18)
c.     Recenseamento (26:1-51)
d.    A lei acerca da divisão da terra (26:52-65)
e.     A lei acerca das heranças (27:1-11)
f.     Nomeação de Josué (27:12-23)
g.    Regulamentações sobre festivais, votos e oferendas (28:1—30:17)
h.    A vitória sobre os midianitas (31:1-54)
i.     As tribos de Rúben e Gade pedem a terra de GUeade (32:1-42)
2.    Apêndice (33:1—36:13)
a.    Itinerário (33:1-56)
b.    Instruções antes de entrar na terra (34:1—36:13)
III.   Teologia
Fundamentando-se nos resultados do pacto entre Deus e Israel, o livro de Números exprime um ponto de vista a respeito da natureza do Criador e de sua criação. Segundo o acordo estipulado detalhadamente em Êxodo e Levítico o povo deveria servir a Deus somente, sem idolatria. Em retorno Deus lhes protegeria e abençoaria dando-lhes uma nova terra. Disso consistia o pacto, entretanto o alvo era nobre demais para a natureza humana e houve uma grande lacuna entre a profissão e a realização desse acordo. O livro expressa a natureza extremamente pecamino­sa do homem, o qual não se inclina para Deus a despeito de todas as evidências (no tabernáculo) e de seu poder (nas diversas intervenções). Em face de tudo que Deus tinha provado ser, o povo não confiou nele mas permaneceu apreensivo, orgulhoso e egoísta.
Em relação à natureza de Deus, o livro revela três aspectos principais: seu caráter fiel, punitivo e santo.
a.Fiel. A fidelidade divina é claramente demons­trada em Números, pois o pacto foi repetidamente quebrado, e apesar de Deus ter todo direito de abandonar os israelitas ou de destruí-los, ele cumpriu até o fim seu propósito de fazer o bem à nação de Israel e ao mundo através dela.
b.    Punitivo. Entretanto, isso não implica que Deus possua uma natureza impassível. Ao contrário, o capítulo 14 retrata a ira de Deus e revela seu caráter pessoal dinâmico e impetuoso.
c.Santo. A santidade de Deus é especialmente acentuada nesse livro. Para aproximar-se de Deus o homem precisa livrar-se de toda impureza, pois o impuro não pode existir na presença do puro. Em se tratando de santidade há um abismo entre Deus e os homens, entretanto, em sua graça, Deus providenciou um caminho de acesso à sua santa presença: a purificação.
IV.    Problemas Especiais
1.  Narrativas sobre Balaão. Uma das passagens mais poéticas de Números encontra-se nos capítulos 23 e 24. Esta passagem narra a história de como Balaão foi chamado pelo rei de Moabe para assolar os perigosos guerreiros que ameaçavam seu território. A narrativa é estranhamente contraditória, pois Deus ordena a Balaão que vá, e em seguida censura-o por ter ido. Em 31:16, Balaão é acusado de ter conduzido Israel ao pecado. Isto está em desacordo com a história narrada anteriormente, e parece indicar que várias fontes foram alinhadas juntas de uma maneira um tanto frouxa. Exegetas tradicionais têm tentado harmonizar essas referências. Críticos mais recentes consideram 31:16 uma inserção posterior.
2.    Autenticidade do Recenseamento. Números 1:46 e 26:51 declaram que os hebreus possuíam um exército de 600.000 homens, número que indicaria uma comunidade total de 2 a 3 milhões de pessoas. Embora não totalmente fora de consideração, esse número não é muito provável, pois nem mesmo os grandes exércitos daquele período (Egito e Assíria) ultrapassavam o número de 100.000 homens. Além disso, investigações arqueológicas indicam que a população total de Canaã naquele período era menor do que três milhões de pessoas, fato que dificulta a explicação de como os cananeus foram capazes de restringir a conquista dos hebreus às terras altas centrais. A dificuldade em alimentar três milhões de pessoas no deserto deve também ser considerada. Os que acreditam na plena inspiração da Bíblia têm refutado estes argumentos e feito tentativas para provar a autenticidade de tais estatísticas baseando-se em estudos de palavras. Não obstante as soluções sugeridas apresentam numerosos problemas impos­sibilitando uma conclusão final.
3.  Avaliação Bíblica, do Período. Há certa discrepância entre a avaliação profética e a avaliação pentatêutica desse período da história de Israel. Amós 5:25; Oséias 2:15; 9:10; 11:1-4 e Jeremias 2:2,3; 31:2, são passagens que mostram que os profetas consideraram esse período um tempo idílico em que Israel manteve um saudável e constante relaciona­mento com Deus. Por outro lado, acredita-se que o ponto de vistapentatêutico fora forçado pelos escritores do documento P, que impressionados com o castigo do exílio imposto por Deus, acreditaram que Israel jamais serveria a Deus fielmente. Tentando solucionar esse problema alguns têm sugerido que a discrepância é apenas aparente, pois o ponto de vista otimista dos profetas deve ser considerado à luz do período apóstata em que viveram.
4.  O Itinerário da Viagem no Deserto. As dificuldades em harmonizar os dados bíblicos e em identificar os locais mencionados nas narrativas têm sido obstáculos na reconstrução da viagem através do deserto.
Números 33 sugere que a viagem foi realizada em quatro estágios: do Egito ão Sinai (Núm. 33:3-15); do Sinai a Eziom-Geber (33:16-35); do Eziom-Geber a Cades (33:36); de Cades a Moabe (33:36-37). A despeito dessa reconstrução corresponder com Deut. 1:46 e 2:1, há nela algumas dificuldades que devem per consideradas. 1. Segundo a reconstrução acima, o povo hebreu passou 38 anos perambulando no deserto na área de Cades (cf. 13:26 e 20:1). Números 33 não menciona nenhum acampamento durante os anos na área de Cades, fato que tem conduzido os críticos a pensar que não houve tal perambulação. Eles afirmam que Números 20:1 retoma a narrativa dentro, de alguns dias de onde fora deixada em 14:45. Derrotados na tentativa de penetrar na terra pelo sul, os hebreus simplesmente mudaram de rumo e entraram pelo leste. 2. Outra dificuldade é o grande número de acampamentos entre o Sinai e o Eziom-Geber, enquanto 11:34 e 12:16 inferem apenas duas paradas numa rota mais direta a Cades. 3. Outra dificuldade é a ordem para mudar de rumo e «…caminhar para o deserto “pelo caminho do Mar Vermelho» (Núm. 14:25). O capítulo 33 do livro não reflete esse movimento. (Z págs. 465-466).
J.N. Oswalt, tentando uma reconstrução do trajeto coerente com os dados bíblicos sugere o seguinte: «Talvez Ritmá (33:18,19) refira-se ao Wadi Abu Retemat, que está ao sul de Cades. Assim Ritmá seria o local do acampamento no tempo em que os espias foram enviados (KD,III, 243). Se isso for correto, então os 17 lugares mencionados nos versículos de 19 à 36 se refeririam aos 38 anos de perambulação. Isto significa que os hebreus iniciaram sua permanência no Cades (13:26; 33:36,37), vaguearam na área sul e leste e de lá para o Eziom-Geber (33:20-35), terminando em Cades novamente (20:1; 33:36). Frustrados na tentativa de se dirigirem ao nordeste através de Edom para o Mar Vermelho, eles retornaram ao sul novamente (21:4), entraram em Arabá, ao norte de Eziom-Geber, e de lá prossegui­ram para Moabe». (Z p. 466)

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