Livro de Miqueias


I. Caracterização Geral
O nome Miquéias vem de uma palavra hebraica que significa «Quem é como Yahweh?» O nome do autor do livro de Miquéias aparece na Septuaginta como Michaías. A Vulgata Latina diz Michaeas. Ele foi o autor do livro que figura em sexto lugar na arrumação dos profetas menores, segundo o nosso cânon do Antigo Testamento. No texto do cânon hebraico aparece no «livro dos doze profetas»; e na Septuaginta aparece em terceiro lugar entre esses profetas. O seu livro é mencionado por Ben Siraque (Eclesiástico 48:10), de maneira tal que fica confirmada a sua aceitação, desde tempos antigos, como parte das Sagradas Escrituras do Antigo Testamento.
O profeta Miquéias ministrou durante os reinados de Jotão (742—735 A.C.), Acaz (735—715 A.C.) e Ezequias (715—687 A.C.), ou seja, por cerca de cinquenta anos. O trecho de Jeremias 26:18 refere-se a isso, quando diz: «Miquéias, o morastita, profetizou nos dias de Ezequias, rei de Judá, e falou a todo o povo de Judá…»Visto que o sexto capítulo de seu livro foi dirigido a «Israel» (ver Miq. 6:2), e, visto que o primeiro capítulo de seu livro alude à queda de Samaria (Miq. 1:5 ss), é evidente que sua carreira começou antes de 722 A.C., quando Samaria caiu, pois Miquéias profetizou sobre essa queda bem antes dela ter ocorrido.
A grande potência mundial e a constante ameaça à segurança do povo hebreu, na época de Miquéias, era a Assíria, governada, sucessivamente, por Tiglate-Pileser III (745—727 A.C.), Salmaneser V (727—722 A.C.), Sargâo II (722—705 A.C.) e Senaqueribe (705—681 A.C.). Durante a primeira parte da vida de Miquéias teve lugar a guerra siro-efraimita, que teve, como contendores, por um lado, Judá, e, por outro lado, a coligação dê Israel (nação do norte) com a Síria. Parte da razão desse conflito foi a recusa de Acaz de juntar-se na aliança ocidental contra Tiglate-Pileser III. Miquéias, pois, acabou sendo testemunha da derrota do reino do norte e da queda de sua capital, Samaria, diante da Assíria, em 722/721 A.C. E o final de seu ministério, provavelmente, ocorreu antes da invasão encabeçada por Senaqueribe (ver II Reis 18:13 ss), que cercou Jerusalém, reino do sul, em 701 A.C., um cerco que deu motivos para a construção do túnel de Siloé, por parte do rei Ezequias. De fato, até mesmo isso, e o futuro exílio babilónico, foram preditos por Miquéias, quando ele dissera: «…as suas feridas são incuráveis; o mal chegou até Judá; estendeu-se até à porta do meu povo, até Jerusalém» (Miq. 1:9).
Miquéias vivia na fronteira entre Judá e uma «terra de ninguém», cobiçada pelos filisteus, pelos egípcios e até pelos assírios. Os levantes dos filisteus contra a Assíria, que sucederam no período entre 721 e 711 A.C., estavam em mira. As incursões de Sargão II, naquela área, entre 715 e 711 A.C., talvez estejam em pauta no trecho de Miq. 1:10-16. Acaz conseguia manter uma paz muito precária, pagando tributo aos assírios. Durante o longo reinado de cinquenta e dois anos de Uzias (terminou em 742 A.C.), e depois, houve um período de prosperidade econômica comparativa, ocasionada em parte pelo fato de que Judá passou a controlar o comércio entre o interior e o porto de Elate, ao sul (cf. II Reis 14:7). Essa prosperidade concentrou riquezas, e seu consequente poder, nas mãos de alguns poucos privilegiados, provocando injustiças sociais que o profeta atacou decididamente. Ver, por exemplo, Miq. 2:2: «Cobi­çam campos, e os arrebatam, e casas, e as tomam; assim fazem violência a um homem e à sua casa, a uma pessoa e à sua herança».
Muitos estudiosos opinam que as reformas religio­sas instituídas pelo rei Ezequias, de Judá, tiveram lugar perto do fim do ministério registrado de Miquéias. Ou, então, essas reformas afetaram somente o cerimonial e o culto, alcançando pouco impacto sobre a vida pessoal e social dos judaítas. Esse é o pano de fundo do livro de Miquéias.
II.  Unidade do livro
Por muitos séculos, o livro de Miquéias foi considerado uma unidade literária. Um dos primeiros eruditos a pôr em dúvida essa unidade foi Stade, que entre . 1881 e 1884, afirmou que tudo quanto aparece depois do terceiro capítulo do livro não foi escrito pelo profeta Miquéias. Atualmente, a maioria dos especialistas pensa que os capítulos quarto a sétimo do livro consistem em duas ou mais coleções de miscelâneas, adicionadas como suplementos ao livro original de Miquéias, talvez depois do exílio babilónico. Também há eruditos modernos que pensam que até mesmo porções desses últimos quatro capítulos do livro contêm elementos pertencentes legitimamente a Miquéias, embora discordem quanto às porções e às proporções exatas. Mas a falta de concordância entre os críticos faz com que a questão permaneça em aberto, no tocante às conclusões deles.
Por outra parte, há argumentos substanciais em prol da unidade do livro de Miquéias. Esses argumentos são em número de seis, a saber:
1.    Três oráculos separados são iniciados, nesse livro, pela palavra «ouvi» (ver 1:2; 3:1 e 6:1), indicando um único escritor.
2.    As mudanças de assunto (que os críticos tomam como indicações de uma autoria composta) podem ser explicadas com base no fato de que o livro é uma coletânea de oráculos fragmentares de um único profeta, e não registros de extensos discursos.
3.    O mesmo simbolismo do «pastor» acha-se espalhado pelo livro inteiro, segundo se vê em 2:12; 3:2,3; 4:6; 5:3 ss e 7:14.
4.    O artifício literário da «interrupção e resposta» encontra-se em cada uma das seções do livro (2:5,12; 3:1; 6:6-8 e 7:14,15).
5.    Por todo o livro há frequentes alusões ou referências históricas, demonstrando uma única mão escritora.
6.    Pelo menos vinte e quatro passagens extraídas de outros profetas do século VIII A.C. — Oséias, Amôs e Isaías, além de duas passagens em Joel, que, talvez, também tenha escrito no século VIII A. C. — encontram paralelos nos capítulos quarto a sétimo de Miquéias, o que argumenta que o livro inteiro foi escrito naquele século.
Outrossim, os argumentos contrários à unidade do livro de Miquéias, com base no fato de que a linguagem de Isaías 40—66 se assemelha à linguagem de Miquéias 4—7, são duvidosos, porquanto depen­dem da data em que foram escritos os capítulos quarenta a sessenta e seis de Isaías. Ver sobre a questão do Deutero-Isaias, um autor desconhecido, que teria escrito esses capítulos finais do livro de Isaías, e não o profeta desse nome.
III.   Autoria do Livro
O profeta Miquéias era nativo de Moresete (em nossa versão portuguesa, «morastita» 1:1, um local talvez idêntico a Moreste-Gate — uma dependência de Gate; — cf. a Septuaginta, Kleronomías Gèth, 1:14). Alguns estudiosos têm identificado esse lugar com o antigo nome locativo no grego, Marissa. O local fica na área em redor de Beit Jibrin, cerca de quarenta quilômetros a sudoeste de Jerusalém. Jerônimo a localizava imediatamente a leste de Jibrim; mas outros a têm localizado em Tell el-Judeideh, ou em Tell el-Menshiyeh, cerca de dez quilômetros e meio a oeste de Beit Jibrin. Moresete é mencionada por nome emJos. 15:44; II Crô. 11:8; 14:9,10 e 20:37. Sua localização geográfica fazia da cidade um posto avançado de fronteira, de onde era possível observar facilmente quaisquer movimentos militares na região. Os assírios passaram por ali nos anos de 734, 711 e 701 A.C., e se defrontaram com os egípcios em Rafia, em 719 A.C., nas proximidades. Portanto, o ponto de vista de Miquéias não era o de um homem isolado e distante, mas antes, de alguém vitalmente interessado pelos negócios estrangeiros de sua nação. Como nativo da Shephelah (vide), que ele era, Miquéias sentia profundamente as desgraças do povo pobre do interior de sua nação ameaçada.
Miquéias foi homem corajoso, dotado de fortes convicções e de uma rara fé pessoal. Alguém sumariou muito bem o caráter e as atitudes dele ao escrever que as características de Miquéias eram uma moralidade estrita, uma inflexível devoção à justiça, tanto na lei quanto nas ações práticas, e grande simpatia para com os pobres. O que mais perturbava o profeta Miquéias eram as injustiças sociais prevalentes em seus dias. Tais injustiças, segundo ele ensinou claramente, só poderiam ser apagadas mediante o reavivamento religioso. Para Miquéias, entretanto, isso só ocorrerá, para valer, por ocasião da restauração futura do povo de Israel, por obra e graça do Messias. Essa é a mensagem central dos capítulos quarto a sétimo do livro. Serve de exemplo disso o trecho de Miq. 4:6: «Naquele dia, diz o Senhor, congregarei os que coxeiam, e recolherei os que foram expulsos e os que eu afligira». Isso posto, se os israelitas não se voltassem de todo o coração para o Senhor, Deus haveria de visitar a nação com açoites (os exílios assírio ebabilónico). Porém, a esperança final é acenada ao povo de Deus, mediante a vinda do Messias a este mundo, em Belém: «E tu, Belém Efrata, pequena demais para figurar como grupo de milhares de Judá, de ti mesairá o que há de reinar em Israel, e cujas origens são desde os tempos antigos, desde os dias da eternidade» (Miq. 5:2).
IV.   Data do Livro
Os estudiosos discordam quanto às datas exatas do começo e do fim do ministério de Miquéias. Lê-se, em Miq. 1:1, que ele profetizou «nos dias de Jotão, Acaz e Ezequias, reis de Judá». Além dessa informação inicial, que alguns eruditos pensam que foi uma adição feita por algum editor pós-exílico, todas as evidências cronológicas são escassas e apenas inferenciais. O conteúdo do sexto capítulo do livro parece indicar uma data antes de 722 A.C. para aquele oráculo. A citação de Jeremias do terceiro capítulo de Miquéias (ver Jer. 26:18,19), parece datar essa seção durante o reinado de Ezequias, rei de Judá. A descrição, feita por Miquéias, sobre a corrupção prevalente e a imoralidade, ajusta-se às condições que havia durante o reinado de Acaz (735—715 A.C.). Parece provável que a maior parte de seus oráculos proféticos registrados foi proferida durante o período de 727—710 A.C.
A menos que as reformas encabeçadas por Ezequias tivessem deixado as condições sociais sem qualquer modificação, o ministério de Miquéias deve ser situado antes desse reavivamento. Miquéias pregou tanto contra o reino do norte como contra o reino do sul, embora enfeixasse a atenção principal­mente sobre o reino do sul, Judá.
V.   Razão e Propósito do Livro
Procedente das classes mais pobres, Miquéias tinha plena consciência das injustiças praticadas pelos ricos e da avareza dos mesmos. Apesar dele estar vivamente interessado nas condições políticas da nação, Mi­quéias só fez comentários a esse respeito naquilo, em que essas condições estavam vinculadas à situação moral e religiosa do povo. Sua mensagem pode ser sumariada com as suas próprias palavras: «Eu, porém, estou cheio do poder do Espírito do Senhor, cheio de juízo e de força, para declarar a Jacó a sua transgressão e a Israel o seu pecado» (Miq. 3:8). Foi em razão dos pecados de seu povo que Deus estava enviando os assírios como látego castigador. Todavia, o castigo divino haveria de ser seguido por um período futuro de bênçãos sem paralelo, ligadas à vinda do Messias. Para Miquéias, pois, a fé em Yahweh deve resultar em justiça social e em santidade pessoal, porquanto Yahweh é justo e soberano. Exemplos evidentes de falta de fé na proteção de Yahweh, por parte dos monarcas do povo de Deus—também evidenciada essa incredulidade por parte do povo comum — foram a recusa de Acaz de pedir um sinal (Isa. 7:12) e o pagamento de tributo que Ezequias teve de pagar aos assírios (II Reis 18:14-16). Miquéias, portanto, foi o porta-voz doqueixume de Deus contra o seu povo (ver o sexto capitulo), tendo anunciado um vindouro e certo castigo divino. No entanto, a misericórdia de Deus haverá de prevalecer finalmen­te, conforme anuncia Miquéias no sétimo capítulo do seu livro.
VI.   Condições do Texto do Livro
O texto hebraico do livro de Miquéias parece ter sido bastante bem preservado até nós, conforme se vê mediante a comparação com o texto da Septuaginta. As várias versões antigas (sobretudo a Septuaginta) são de grande ajuda na correção do texto massorético, quanto aos sinais vocálicos. Ver o artigo sobre o Texto Massorético.
VII.   Problemas Especiais
No estudo do livro de Miquéias, destacam-se três problemas especiais, que exigem cuidadosa aborda­gem:
O primeiro é que, em vista de uma abrupta transição, vários eruditos pensam que o trecho de Miq. 2:12,13 está fora de lugar, ou, pelo menos, trata-se de uma interpolação. Essas palavras dizem: «Certamente teajuntarei todo, ó Jacó; certamente congregarei o restante de Israel; pô-los-ei todos juntos, como ovelhas no aprisco, como rebanho no meio do seu pasto; farão grande ruído por causa da multidão dos homens. Subirá diante deles o que abre caminho; eles romperão, entrarão pela porta e sairão por ela; e o seu Rei irá adiante deles, e o Senhor à sua frente». Há cinco explicações possíveis, a saber:
a.     Essas seriam palavras dos falsos profetas, que tentavam insuflar esperança no povo (Ibn Ezra, Michaelis), ou, então, uma nota marginal feita por Miquéias ou por alguém que dizia qual o ensino dos falsos profetas (Ewald); ou mesmo as palavras de um falso profeta que interrompera Miquéias (Van Orelli). O ponto de fraqueza dessa interpretação é que seria, realmente, extraordinário, se um falso profeta admitisse a realidade do exílio futuro—pois os falsos, profetas sempre anunciavam falsas esperanças, dando a entender que nunca a nação de Israel ou a nação de Judá seriam arrancadas de sua Terra Santa!
b.    Essa passagem seria uma composição posterior, pós-exílica (Smith, no ICC). Portanto, ela não seria uma predição e, sim, uma narrativa, embora vazada em forma de predição.
c.    A passagem dá prosseguimento à ameaça de Miq. 2:10, ou seja, Jacó seria reunido para ser castigado (Kimchi, Efraim Siro, Theodoreto, Calvino, Van Hoonaker).
d.    A passagem é genuína e pertence ao contexto.
e.    A passagem é genuína mas está deslocada de seu verdadeiro lugar (Van Ryssel, Koenig, Driver).
Talvez a explicação mais segura seja aquela que diz que se trata de uma interrupção, feita pelo Espírito de Deus, que quebrou o fluxo das ameaças (que certamente se cumpririam), em um arroubo de misericórdia e graça (mostrando o que certamente ocorreria no futuro, após o castigo haver sido descarregado sobre o rebelde povo de Israel e Judá). Não aceitamos a explicação que diz que esse trecho representa a citação que Miquéias teria feito de um falso profeta, que teria falado sobre o remanescente deixado pelos assírios, depois de 722 A.C. Por que motivo se poria na boca de um falso profeta uma predição que certamente terá cumprimento, e que encontra reflexo em tantas outras passagens do Antigo Testamento. Ver, por exemplo, Isa. 1:26; 11:12; 60:10; Eze. 20:40; 36:8. Zac. 1:17; 10:6; 14:11; Mal. 3:4. Ver também o artigo intitulado Restauração de Israel.
O segundo problema do texto do livro de Miquéias envolve o relacionamento entre o oráculo de Miq. 4:1-3 e a passagem idêntica, em Isa. 2:2 4. Quase todos os intérpretes mais antigos opinavam que Miquéias tomou por empréstimo, de Isaías, esses três versículos de seu livro. A explicação é que há diferenças suficientes, dentro do contexto e na extensão dos oráculos de Isaias e de Miquéias, que nos capacitam a argumentar que ambos os profetas fizeram uso de algum oráculo «já existente», emitido por algum profeta anterior. Deve-se observar que, no livro de Miquéias, esse oráculo ajusta-se ainda melhor ao contexto do que ao livro de Isaias. Não há nenhuma dificuldade em harmonizar esse trecho de Miquéias com outros livros e passagens do Antigo Testamento. Assim Miq. 4:3 pode ser cotejado com Joel 3:10, onde o leitor verá perfeita consonância de ideias, como se elas formassem um tesouro comum dos profetas do século VIII A.C.
O terceiro problema do livro de Miquéias consiste na ocorrência da palavra «Babilônia», em Miq. 4:10. Essa passagem diz: «…agora sairás da cidade e habitarás no campo, e virás até Babilônia; ali, porém, serás libertada; ali te remirá o Senhor da mão dos teus inimigos». Essa passagem, entretanto, só constitui problema para aqueles que negam o elemento preditivo nas profecias bíblicas. Esses pensam que a menção à Babilônia indica que algum editor posterior é o autor dessas palavras (após 605 A.C., quando o poder de Nabucodonosor tomara-se evidente). Ainda outros pensam que «Babilônia» deveria ser entendida, aqui, como uma alusão à Assíria. Explicações dessa natureza alicerçam-se sobre a incredulidade, como se o Espírito de Deus não pudesse referir-se a acontecimentos futuros, dando até o nome de países e de indivíduos nessaspredições. Ver a menção a Ciro, em Isa. 44:28 e 45:1.
VIII.  Esboço do Conteúdo
A maioria dos estudiosos divide o livro de Miquéias em três seções principais, a saber:
1.     Julgamentos de Yahweh contra Israel e Judá (caps. 1—3).
2.    Visão de um futuro glorioso (caps. 4 e 5).
3.    Controvérsia de Yahweh com seu povo e pro­messa de bênçãos futuras (caps. 6 e 7).
Essa é uma divisão do livro da maneira mais simples, sem entrar em detalhes. Se preferirmos um esboço do conteúdo mais pormenorizado, poderíamos pensar em algo como damos abaixo:
1.    Juízo vindouro contra Israel e Judá (1:1-16)
2.    Israel será restaurado, depois de ser casti­gado (2:1-13)
3.    Denúncias contra os príncipes e os falsos pro­fetas (3:1-12)
4.    A paz e a glória vindouras de Jerusalém (4:1-13)
5.    Sofrimentos de Sião e sua restauração (5:1-15)
6.    Contraste entre a religião profética e a religião popular (6:1-16)
7.    Corrupção social; declaração final de fé em Deus (7:1-20).
Observações sobre o Conteúdo:
No seu livro, Miquéias destaca os nobres (no hebraico, roshim), os governantes civis (3:1—4) e os falsos profetas (3:5-7) como alvos de suas denúncias. Ele se preocupava tanto com Samaria (capital de Israel, nação do norte) quanto com Jerusalém (capital de Judá, nação do sul), onde os poderes estavam concentrados e de cujos centros fluía a injustiça para o resto dessas duas nações. Entre os pecados por ele denunciados, podemos salientar os seguintes: a idolatria, que haveria de ser destruída (1:1-7; cf. II Reis 16:10-19). A cobiça dos nobres, que se iam apossando dos campos dos pobres (2:2). A desconsideração para com os direitos de herança (2:4,5; cf. Lev. 25:8 ss,Núm. 27:11; Deu. 27:17). Até mesmo visitantes estrangeiros eram assaltados e roubados (2:8). As viúvas acabavam perdendo suas residências (2:9; ver Êxo. 22:22; Deu. 27:19; Isa. 1:17). Porém, o pior de todos os pecados denunciado por Miquéias era a prática dos sacrifícios humanos (6:7; cf. II Reis 16:3,4). Esse era um pecado que se chegou a praticar nos dias do rei Acaz, como também nos dias de Manassés, cuja subida ao trono provavelmente se verificou após o falecimento de Miquéias.
Uma das grandes características do conteúdo do livro de Miquéias é a longa passagem de 1:10-16, repleta de nomes próprios locativos. Esses nomes são muito sugestivos. Assim, Gate = cômoro; Ofra — casa de poeira; Safir = agradável; Zaanã = sair; M aro te = amargo; Laquis = parelha; Aczibe = enganadora; Maressa = conquistadora. O leitor observará, na leitura desse trecho, acompanhando o sentido desses nomes próprios, que o trecho mostra que tòdas as expectativas de seus habitantes não se cumpririam, mas, antes, receberiam o contrário de suas melhores esperanças. Assim, enquanto os falsos profetas enchiam a cabeça dos israelitas e judaístas de esperanças vãs, Miquéias mostrou-lhes que essas, esperanças não tinham razão de ser, porquanto Deus estava irado com o seu povo!
A pregação de Amóe, Oséias e Isaias nos é sumariada naquela famosa declaração de Miquéias 6:8: «Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a misericórdia, e andes humildemente com o teu Deus?» Se Amós era o profeta da justiça (Amôs 5:24), e Oséias falava sobre a infalível misericórdia de Deus (Osé. 6:6), ao passo que Isaías invocava o povo judeu a viver cultivando a comunhão com Yahweh (Isa. 6:5), Miquéias, por sua vez, conclamava todo o povo de Israel a todos esses três deveres.
Talvez, o mais extraordinário exemplo do chamado oráculo de demanda judicial, em toda a Bíblia, encontre-se em Miq. 6:1-8. Esse tipo de oráculo, conforme vários comentadores têm observado, alicer­çava-se sobre o padrão dos acordos humanos formais. Nesses acordos, os céus e a terra são invocados como testemunhas, segundo se verifica em Deu. 32:1,5; Sal. 50:4; Isa. 1:2; Eze. 6:2,3. Esse trecho de Miquéias, pois, começa como um desses pactos. O profeta invoca os montes e os outeiros, bem como os «duráveis fundamentos da terra», como testemunhas da controvérsia do Senhor «com o seu povo». Essa contenda surgira porque o povo, em sua ignorância da vontade e das exigências do Senhor, preferia multiplicar os holocaustos, concentrar toda a sua atenção no cerimonial, e chegava até a apelar para o culto pagão como modelo, quando praticava sacrifí­cios humanos. Tudo isso sem perceber que o que Deus requer é a autenticidade e a santidade no íntimo, com o tempero da justiça, da misericórdia e da humildade, conforme vimos no parágrafo anterior. Aliás, essa é a grande lição que a humanidade inteira só aprende com imensa dificuldade, e que muitos nunca chegam a aprender. Haja vista a cristandade, cujos segmentos mais numerosos estão perdidos no atoleiro do cerimonialismo, sem jamais buscarem por aquela justiça e demais qualidades interiores, conferi­das graciosamente por Deus aos arrependidos, que toma o homem aceitável diante dos olhos de Deus. Todo pregador do evangelho que se preza, pois, calcará sobre essa questão em sua pregação. Sim,
«…o que o Senhor pede de ti…», ô homem?
Entre as passagens preditivas de Miquéias destacam-se os trechos de 1:3-5 e 3:12, ambos preveem a destruição de Jerusalém; e também 4:10, que promete que Deus haveria de resgatar o seu povo, quando estivesse exilado na Babilônia. Quanto a essa última passagem, não nos devemos esquecer do profundo sentido do vocábulo «Sião», dentro dos contextos de restauração. Em passagens assim, Sião é mais que Jerusalém, é mais que a nação de Israel—é o povo remido escatológico, composto por judeus e gentios penitentes, igualmente. Está em pauta, nessa passagem, o nascimento da nova humanidade, moldada à imagem de Cristo. Isso fica claramente anunciado nas primeiras palavras desse versículo: «Sofre dores e esforça-te, ô filha de Sião, como a que está para dar à luz…» Com isso devemos comparar o que ensinou o apóstolo dos gentios, no Novo Testamento: «Porque é necessário que este corpo corruptível se revista da incorruptibilidade, e que o corpo mortal se revista da imortalidade… então se cumprirá a palavra que está escrita: Tragada foi a morte pela vitória» (I Cor. 15:53 e 55). Naturalmente, a aplicação primária da predição é ao exílio babilónico que Judá estava prestes a sofrer; mas o profeta olhou também para um cumprimento maior e mais distante, quando, na infinita misericórdia de Deus, dentro do contexto da restauração de Israel, o Senhor houver de dar-nos a vitória definitiva! «Porque, se o fato de terem sido eles (os judeus) rejeitados trouxe reconciliação ao mundo, que será o seu restabelecimento (restauração), senão vida dentre os mortos?» (Rom. 11:15).
Resta-nos uma palavra sobre Miq. 5:2. É que alguns estudiosos têm opinado que a menção a Belém deveria, talvez, ser interpretada como uma alusão à dinastia davídica, e não à cidade de Belém, como uma localidade. No entanto, o cumprimento dessa notável predição (ver Mat. 2:4 ss) não envolveu a dinastia de Davi, antes, o que estava em foco era o local do nascimento do Rei dos judeus! Portanto, deve-se interpretar literalmente a menção a Belém da Judéia, «Belém Efrata», conforme disse Miquéias.

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