Livro de Joel


I.    Caracterização Geral
Joel foi um profeta do reino de Judá, que alguns têm pensado ter agido em cerca de 800 A.C., enquanto que outros pensam que ele é dos tempos pós-exílicos. Mas, apesar de suas profecias terem sido escritas especificamente ao reino do sul, Judá, a sua mensagem é universal. Se aceitarmos a data mais antiga, então o seu ministério teve lugar durante o reinado de Joás (II Crô. 22—24). Assim sendo, ê possível que tenha conhecido Elias, quando ainda era menino e por certo era contemporâneo de Eliseu. Joel escreveu uma obra-prima poética, falando sobre a devastadora praga de gafanhotos, que havia assolado a Palestina. Todavia, seu poema profético envolve quatro mensagens centrais. Além da espantosa devastação produzida pelos gafanhotos (símbolo da ira divina, além de poder predizer outros juízos divinos), Joel também falou sobre a frutificação renovada da terra, sob a condição de arrependimento; o dom do Espírito, nos últimos dias; e o julgamento final das nações que tenham perseguido ou feito dano à nação de Israel. Os estudiosos conservadores veem sentidos escatológicos ainda mais profundos em seus escritos, afirmando que eles se aplicam ao final da nossa dispensação. De fato, o esquema profético de Joel é o mais completo do Antigo Testamento, embora apresente-nos esse esquema em largas pinceladas. Só o Novo Testamento vai mais longe, na abrangência de sua visão. Naturalmente, em um livro pequeno como o de Joel, não há detalhes. Os demais livros proféticos se encarregam de preencher esses detalhes. Não foi à toa que Pedro, no primeiro sermão da Igreja cristã, tenha citado diretamente somente a Joel e a Davi! Ver Atos 2:14-36.
Alguns eruditos supõem que o livro de Joel não foi escrito somente por um autor, e dizem que houve uma série de suplementos, da parte de outros autores, que seriam nacionalistas e escatologistas militantes. Esses pensam que tudo o que se lê de Joel 3:1 em diante é suplementar. Além disso, teria havido um editor jeovista (alguém que favorecia o uso do nome divino Yahweh), que fez alguns acréscimos nos caps. 1 e 2, procurando converter a descrição da praga de gafanhotos em uma profecia sobre o dia do juízo divino. Nesse caso, originalmente Joel teria narrado, com grande brilhantismo, a praga de gafanhotos, que havia devastado campos, pomares e vinhedos, além de haver convocado o povo de Judá ao jejum e à oração, para que a devastação dos insetos terminasse. Finalmente, Joel teria registrado o livramento que se teria seguido, mediante ações de graças. Usualmente, quando os eruditos veem a mão de vários autores em um livro, mormente se o mesmo é pequeno, como o de Joel, eles se estribam sobre meras razões subjetivas, escudando-se naquilo que este ou aquele supõe que o autor sagrado deve ter escrito. E os argumentos contrários são igualmente subjetivos, de tal modo que quase sempre esses debates são inócuos, e não levam a nada. Os eruditos conservadores, como é natural, não gostam de ver os livros da Bíblia perturbados e manipulados, quase como se isso fosse contrário a divina inspiração. Os estudiosos liberais, por sua vez, em seu afã por sondar, examinar e entender pequenos detalhes, quase sempre se acham capazes de encontrar mais de um autor em uma obra escrita qualquer. Mas, se houve mesmo um só ou mais de um autor, em qualquer livro da Bíblia, isso nada tem a ver com a sua espiritualidade, e só deveria tornar-se uma questão de debate se isso puder aprimorar o nosso conhecimento acerca das qualidades históricas e literárias da obra em discussão.
Na lista dos doze profetas menores, segundo o cânon hebreu, Joel aparece em segundo lugar; mas, na Septuaginta (vide), aparece em quarto lugar. O texto massorético exibe os quatro capítulos tradicio­nais; mas as versões da Septuaginta trazem três, combinando os capítulos 2 e 3 em 2:1-27,28-32. A Vulgata Latina também segue esse arranjo.
A profecia de Joel parte da praga de gafanhotos, agravada por seca e fome subsequentes. Essa praga se assemelhava a um exército devastador, que atravessou, marchando a região inteira da Palestina. Isso levou o profeta a meditar em termos mais amplos, sobre o juízo divino vindouro. Alguns estudiosos veem nisso uma predição sobre os cativeiros assírio e babilónico; e, além disso, um quadro escatológico sobre o futuro Dia do Senhor. Tal juízo requer arrependimento da parte dos homens, pelo que lemos: «Rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos…» (2:13), o que aponta para um autêntico arrependimento, e não para mero cerimonial religioso. A lamentação também é requerida (1:14; 2:15). Os sacerdotes deveriam tomar a liderança, conclamando o povo ao arrependimento e à retidão de vida; porém, somente uma conversão genuína será capaz de salvar, no dia da tribulação (2:12-17). Deus é misericordioso com os penitentes (2:14).
O estilo de Joel é dramático, e prende a atenção do leitor. Os processos da natureza, bem como aqueles provocados pelos homens, estão sob o controle de Deus, de tal modo que, em todas as vicissitudes da vida, a nossa responsabilidade primária é diante de Deus. O juízo divino não consiste em mera vingança. Antes, é um meio de produzir o bem, visando especificamente esse bem, embora precise preencher o seu ofício retributivo. A salvação é prometida aos humildes e aos arrependidos. É interessante observar­mos que Pedro, ao empregar as predições de Joel, convocou o povo judeu a arrepender-se.
Se procurarmos por duas contribuições distintivas desse livro, então poderemos apontar para sua ênfase sobre o Dia do Senhor e sobre o derramamento do Espírito Santo sobre todo o povo de Deus. O Novo Testamento ensina-nos que o cumprimento primário dessas predições teve lugar no dia de Pentecoste (vide), dez dias após a ascensão do Senhor Jesus, conforme se vê no segundo capítulo do livro de Atos. Mas, o cumprimento maior espera pelo próprio Dia do Senhor (vide), aquela série de acontecimentos que culminará com o segundo advento de Cristo e a instalação do reino milenar de nosso Senhor, Jesus Cristo.
II.  Joel e a Autoria do livro de Joel
1.   Joel. Praticamente nada conhecemos a respeito de Joel, e as próprias tradições não nos ajudam muito. Sabemos que ele atuou como profeta no reino do sul, Judá, e que seu livro era alistado como o segundo dos profetas menores. O nome de seu pai era Petuel (Joel 1:1; Atos 2:16). Ele vivia em Judá, talvez em Jerusalém. A data de seu ministério é disputada. Alguns situam-no tão cedo quanto 800 A.C., pelo que ele seria contemporâneo do rei Uzias e de profetas como Amós e Isaías. Talvez até tenha conhecido Elias e Eliseu. A obscuridade de Joel tem mesmo feito alguns eruditos opinarem que sua realidade histórica é duvidosa.
2.   Autoria. Temos aqui um problema de integrida­de. Em outras palavras, uma pessoa só escreveu o livro inteiro, ou, em sua forma presente, o livro é uma compilação? Isso é melhor tratado na primeira seção, Caracterização Geral.
III.   Data
As datas atribuídas ao livro de Joel variam muito.
Alguns situam-no pouco depois da divisão de Israel em dois reinos: Israel e Judá, ou seja, algum tempo depois de 932 A.C. Outros pensam que Joel escreveu nos tempos de Malaquias, em cerca de 400 A.C., ou mesmo mais tarde que isso. Se a praga de gafanhotos teve por intuito advertir, metaforicamente, sobre as invasões assíria e babilônica, com os subsequentes dois cativeiros, então o livro é de origem pré-exílica, talvez nos dias de Joás, rei de Judá, que reinou em cerca de 835—832 A.C.
Argumentos em Favor da Data mais Antiga:
1.     O estilo e a atitude geral do livro São diferentes dos livros de Ageu, Zacarias e Malaquias, profetas pós-exílicos. Sua linguagem e estilo pertencem mais ao período da literatura clássica dos hebreus.
2.      Joel parece paralelo ao livro de Amós, e este último parece ter feito uso de certas ideias de Joel, como Joel 3:16 (em Amós 1:2) e Joel 3:18 (em Amós 9:13).
3.     Os adversários de Israel, no livro de Joel, são os fenícios, os filisteus, os egípcios e os idumeus (3:4), e não os assírios e babilônios, que assediaram Israel e Judá bem mais tarde.
4.     A posição de Joel, como o segundo livro da lista dos profetas menores (embora quarto na Septuaginta),
indica uma data mais antiga do livro.
5.     Joel 1:1—2:7 é similar às profecias de Jeremias, sobretudo as de Isaías (4:2,3).
6.    Joel não faz qualquer alusão aos assírios e babilônios, o que parece inconcebível, se ele tivesse vivido quando essas potências se estavam levantando, ameaçadoras. Se o cativeiro assírio e o cativeiro babilónico já tivessem ocorrido, é difícil imaginar por que ele não teceu qualquer comentário sobre os mesmos. E, se certos trechos de Joel, de acordo com alguns, seriam referências a esses cativeiros, então deve-se responder que são trechos proféticos preditivos e não históricos, tal como Osé. 6:11 e Miq. 1:16.
Argumentos em Favor da Data mais Recente:
1.    Joel 3:1 é uma clara referência ao cativeiro babilónico, se partirmos da ideia de que temos aí um informe histórico, e não uma profecia preditiva.
2.   Os eruditos acham mais de vinte paralelos literários com os profetas posteriores, como Mala­quias e Obadias, contradizendo os pontos dois e cinco, acima. As fontes informativas que temos investigado não alistam esses alegados paralelos; porém, devemos supor que são satisfatórios, para alguns estudiosos, como evidências. Todavia, isso enfraquece bastante o argumento, podendo até mesmo invalidá-lo.
3.    A descrição de Joel sobre a adoração religiosa parece refletir um país unido, e não dividido, e isso situaria o livro, quanto ao tempo, após o retorno de Judá do cativeiro babilónico. Não há alusões à adoração idólatra nos lugares altos, etc., o que fez parte importante da história de Judá, antes do cativeiro. Nenhuma menção é feita ao reino do norte, provavelmente porque o mesmo não mais existia. Judá, agora, era Israel, as circunstâncias que prevaleciam após o exílio babilónico, e o retorno de Judá transparecem no fato de que «Judá» e «Israel» são nomes usados como sinónimos (2:27; 3:2,16,20).
4.    A expressão de Joel, «opróbrio, para que as nações façam escárnio dele» (2:17,19), é uma expressão típica dos tempos pós-exílicos.
5.   Os «muros» referidos em 2:9 talvez sejam as muralhas restauradas por Neemias, em Jerusalém, em 444 A.C.
6.   Os gregos são mencionados, mas não como o poder mundial dominante (3:6). Esse predomínio grego só ocorreu após Alexandre, o Grande (336—323 A.C.).
7.   Sidom ainda haveria de ser julgada (3:4); mas isso não aconteceu senão quando Artaxerxes III realizou o julgamento, vendendo os sidônios à escravidão, em cerca de 345 A.C.
8.   Várias palavras hebraicas são de uso tardio, como «ministros» (1:9,13; 2:17); «lanças» (2:8); «vanguarda» e «retaguarda» (2:20); e o pronome pessoal «eu», que Joel dá como ani, mas que o hebraico mais antigo dizia anoki. Ver 2:27; 3:10,17.
9.   A ênfase escatológica é similar àquela dos profetas posteriores, isto é, Ezequiel, Sofonias, Zacarias e Malaquias.
Datas Anteriores e Posteriores:
Alguns estudiosos supõem que a porção original do livro de Joel reflete o período pré-exílico (1:1—2:27), mas que o resto do livro é de origem pós-exílica. Essa teoria poderia explicar os vários argumentos que defendem as datas anteriores e posteriores para o livro.
Na verdade, não há como solucionar o problema da data do livro de Joel; e nem a ausência dessa informação prejudica, em qualquer sentido, a tremen­da mensagem divina que esse livro nos oferece.
IV.   Pano de Fundo Histórico e Propósitos
A grande praga de gafanhotos e o julgamento divino, ou dia do juízo, simbolizado por aquela praga, foram o que deu origem a esse livro. Grandes pragas de gafanhotos tinham lugar periodicamente, no Oriente Próximo, até onde a história é capaz de registrar, pelo que é impossível identificarmos qualquer praga particular como aquela mencionada por Joel. Se esse livro foi escrito em tempos pré-exílicos, em antecipação ao castigo das nações de Israel e de Judá, pelos assírios e babilônios, respectivamente, então esse foi um dos motivos da escrita do livro. O motivo imediato dos oráculos de Joel foi o incidente da severa praga de gafanhotos. Todavia, uma coisa não podemos esquecer é que Joel antevia um julgamento divino final, no dia do Senhor. E alguns eruditos têm vinculado as profecias de Joel ao Armagedom, através da invasão da Palestina por parte de potências gentílicas do norte (Joel 2:1-10). A destruição desses exércitos invasores aparece em Joel 2:11. O arrependimento da nação de Israel, no fim, é visto em Joel 2:12-17. Também há menção à infusão ou derramamento do Espírito, em bases mundiais, em Joel 2:12-17, nos últimos dias (o que para nós ainda parece futuro). Todavia, devemos entender que, para Pedro, o início do cristianismo já marcava os «últimos dias» (ver Atos 2:16,17). O retorno do Senhor Jesus ao mundo (a parousia’, vide) é visto em Joel 2:30-32, e o recolhimento do disperso povo de Israel, em sua própria terra, em Joel 3:1-16. Em seguida, aparecem as bênçãos do reino milenar (Joel 3:17-21). Quanto desses informes são realmente proféticos, e quanto os cristãos têm lido nessas predições, terá de continuar sendo motivo de debates, até que os acontecimentos preditos realmente aconteçam. Naturalmente, o livro faz do arrependi­mento a condição sine qua non para alguém estar espiritualmente preparado para aqueles momentosos acontecimentos finais.
V.   Alguns Pontos Teológicos Distintos do Livro
1.     Se admitirmos que o livro de Joel contém predições sobre os últimos dias desta dispensação, então a mensagem do mesmo é crucial para que possamos formar um completo esquema escatológico.
«É notável que Joel, tendo surgido no começo mesmo da profecia escrita (836 A.C.), seja o livro que nos confere a visão mais completa da consumação de toda a profecia escrita» (SCO, in loc.). As observações feitas por Joel, naturalmente, dependem, em grande parte, da data em que o livro foi composto e, em segundo lugar, da aplicação correta das predições em questão. Se Joel só falava sobre uma praga de gafanhotos e sobre a necessidade de Israel se arrepender, em face dessa praga, então o livro é ridiculamente destituído de importância!
2.    A posição exclusiva dada à nação de Israel, na economia divina, é muito enfatizada. Joel afunila ainda mais o esboço de sua atenção: somente um remanescente, dentro do povo de Israel, é que será salvo, e não a casa inteira de Israel (2:32). Naturalmente, essa visão é menos abrangente que a de uma restauração universal de todas as coisas, como a que se vê em Atos 3:20,21 e Efé. 1:9,10. Joel vai até onde Paulo também foi (ver Rom. 11:26), pois ambos acreditavam na conversão final de todos os escolhidos dentre o povo de Israel.
3.   O derramamento universal do Espírito Santo aparece em Joel 2:28,29. Os cristãos primitivos aplicavam isso ao Pentecoste e seus resultados, conforme se vê em Atos 2:16 ss. Mas, não exclusivamente a isso, porque o resto do Novo Testamento prevê um derramamento muito maior e cabal do Espirito Santo, durante o período da grande Tribulação, com uma colheita de almas inigualável em toda a história do mundo: «Depois destas cousas vi, e eis grande multidão, que ninguém podia enumerar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do trono e diante do Cordeiro, vestidos de vestiduras brancas, com palmas nas mãos; e clamavam em grande voz, dizendo: Ao nosso Deus que se assenta no trono, e ao Cordeiro, pertence a salvação» (Apo. 7:9,10).
4.   Uma figura messiânica toda importante não figura no livro de Joel.
5.   Joel via claramente como o propósito e as obras de Deus acompanham e influenciam os processos históricos no mundo, uma visão teísta, em contraste com a posição do deísmo. Ver sobre o Teísmo e sobre o Deísmo.
6.   O Dia do Senhor
«As duas grandes contribuições de Joel à religião bíblica encontram-se em suas ênfases sobre o dia do Senhor e o derramamento do Espírito de Deus sobre todos os povos» (AM). Quanto a referências sobre o Dia do Senhor, ver Joel 1:15; 2:1,11,31; 3:14. Ver o artigo separado sobre o Dia do Senhor.
VI.  Esboço do Conteúdo
I.     O Dia do Senhor Exemplificado (1:1-20)
1.    O profeta (1:1)
2.    A praga de gafanhotos (1:2-7)
3.    O arrependimento de um povo aflito (1:8-20)
II.    O Dia do Senhor nas Profecias Bíblicas (2:1-32)
1.    Os exércitos invasores (2:1-10)
2.   O exército do Senhor no Armagedom (2:11)
3.   O remanescente penitente (2:18-29)
4.    Sinais da vinda do Senhor (2:30-32)
III.   O Julgamento das Nações (3:1-19)
1.    A restauração de Israel (3:1)
2.    O julgamento das nações (3:2,3)
3.    Condenação da Fenícia e da Filístia (3:4-8)
4.    Edom e Egito desolados (3:17-19)
IV.  As Bênçãos do Milênio (4:20,21)
1.   Judá é restaurada e perpetuada (4:20)
2.   O Senhor sobre seu trono, em Sião (4:21)

Nenhum comentário: