Livro de Habacuque


I.   O Profeta
No hebraico, o nome dele significa «abraço amoroso» ou, então, «lutador». Habacuque foi um dos mais distinguidos profetas judeus. Sua obra aparece entre as dos chamados oito profetas menores. Essa palavra, «menores», nada tem a ver com a estatura do indivíduo ou com a importância de sua obra, mas apenas com o volume da mesma, em contraste com os «profetas maiores», como Isaías, Jeremias e Ezequiel, cujos escritos foram bem mais volumosos. Não dispomos de qualquer informação segura sobre o lugar de nascimento, sobre a parentela e sobre a vida de Habacuque. Obras apócrifas dizem algo a respeito, mas suas informações são conflitantes, pois, mui provavelmente, foram forjadas. O Pseudo-Epifânio (de Vitis Prophet, opp. tom. 2.18, par. 247) afirma que ele pertencia à tribo de Simeão, tendo nascido em um lugar de nome Baitzocar. Dali, supostamente, ele fugiu para Ostrarine, quando Nabucodonosor atacou Jerusalém. Mas, depois de dois anos, voltou à sua cidade natal. Porém, os escritores rabínicos fazem Habacuque ser da tribo de Levi, além de mencionarem um lugar diferente de seu nascimento (Huetius, Dem. Evang. Prop. 4, par. 508). Eusébio informa-nos que havia em Ceila, na Palestina, um proposto túmulo desse profeta. Nicefo (Hist. EccL 12:48) repete essa informação. Todavia, ainda há outras estórias contradizentes.
Alguns estudiosos pensam que ele era filho da mulher sunamita, mencionado em II Reis 4:16, ou, então, que seria o «atalaia» referido em Isaías 21:6. Outros pensam que ele também esteve na cova dos leões, em companhia de Daniel. Esta última informação aparece na obra apócrifa Bei e o Dragão (vs. 33 ) Mas tudo parece ser tão imaginário quanto tudo que aparece nas obras apócrifas.
O próprio livro de Habacuque presta-nos bem poucas informações. O trecho de Hab. 3:19 indica que ele estava oficialmente qualificado para partici­par do cântico litúrgico do templo de Jerusalém, e isso parece indicar a exatidão da informação que o aponta como um levita, visto que estava encarregado da música sacra. Ê curioso que não nos seja dado o nome de seu pai, e nem a sua genealogia, o que é contrário aos costumes judaicos. Elias também pode ser mencionado como uma das grandes personagens do Antigo Testamento cuja genealogia não é dada.
II. Caracterização Geral
Habacuque viveu em tempos dificílimos. À semelhança de Jó, ele enfrentou o problema do sofrimento dos justos. Ver o artigo sobre o Problema do Mal. Por que razão um Deus justo silencia e nada faz, quando os ímpios devoram aqueles que são mais justos do que eles (1:13)? A resposta certa é que devemos deixar a questão aos cuidados da vontade soberana de Deus, crendo que ele continua sendo soberano, e que a seu próprio modo, e no tempo certo, ele usará de estrita justiça com todos os seres humanos, incluindo os ímpios. Destarte, «…o justo viverá por sua fé» (Hab. 2:4), uma famosa declaração que, posteriormente, foi incluída no Novo Testamen­to. Alguns eruditos sugerem que uma melhor tradução, nesse versículo, seria «o justo viverá por sua fidelidade», e, nesse caso, os trechos de Rom. 1:17; Gál.3:11 e Heb. 10:38,39 não contêm aplicações exatas. O ensino parece ser que os caldeus produziriam muita destruição, mas, no fim, haveriam de ser julgados, por sua vez. Entrementes, os justos confirmariam sua maneira de viver piedosamente e sua espiritualidade, o que se reveste de grande valor diante de Deus, vivendo em fidelidade, de acordo com os princípios da justiça.
O livro de Habacuque, na verdade, é um poema em duas partes, que alude à queda final da Babilônia, com pequenas interpolações nos capítulos primeiro e segundo. O terceiro capitulo parece ser um salmo acrescentado. Alguns eruditos pensam para esse livro em uma data entre 612 e .586 A.C., mas, se Habacuque se encontrava no exílio, então seu poema, mais provavelmente, foi escrito entre 455 e 445 A.C., quando a Pérsia começou a mostrar que era suficientemente forte para derrotar a Babilônia, e assim impor a justiça divina sobre aquele império. Habacuque ansiava por ver isso suceder, a fim de que fosse feita a justiça contra um brutal opressor de Israel, sem importar os meios usados para tanto. O poema termina com o pronunciamento de uma lamentação sobre a Babilônia. Características distin­tivas de outros escritos proféticos, como uma ética específica, assuntos religiosos e um esboço da reforma do povo de Deus, não fazem parte desse livro. Esse livro parece muito mais uma explosão de indignação contra a Babilônia, que levara a nação de Judá para o cativeiro, espalhando miséria e matanças generaliza­das entre os judeus.
III. Data
Os eruditos não estão acordes quanto à questão da data. A única referência histórica clara é aos caldeus, em Hab. 1:6. E, com base nisso, a profecia tem sido datada no fim do século VII A.C., após a batalha de Carquêmis, que teve lugar em 605 A.C. Nessa batalha, os caldeus derrotaram os egípcios, dirigidos pelo Faraó Neco, nos vaus do rio Eufrates, e marcharam para o Ocidente, a fim de dominarem Joiaquim, de Judá. Entretanto, alguns estudiosos pensam que esse versículo refere-se aos gregos (com o nome de quitim, o que aludiria à ilha de Creta; ver sobre Quitim).Nesse caso, estaria em foco a invasão de Alexandre, que partira do Ocidente, no século IV A.C., e não às invasões de Nabucodonosor, dirigidas do norte e do leste. Todavia, não há qualquer evidência textual’em favor dessa conjectura. O trecho de Hab. 1:9 refere-se ao grande número de cativos que houve, o que parece refletir o cativeiro babilônico. Porém, se Habacuque escreveu esse poema como um exilado, então a data mais provável é algum tempo entre 455 e 445 A.C. Mas, a ideia mais comum é de que a data fica entre 610 e 600 A.C. Porém, outros estudiosos salientam que o trecho de Hab. 1:5 mostra-nos que o soerguimento da potência em pauta ocorreu como uma surpresa, pelo que uma data tão tardia quanto 612 A.C., quando os babilônios capturaram Nínive, ou 605 A.C., quando eles derrotaram o Egito, não seria provável. Para que tenha havido o elemento de surpresa, supõe-se que uma data mais recuada deve ser concebida, como os últimos anos do reinado de Manassés (689 — 641 D.C.), ou então, como os primeiros anos de reinado de Josias (639 — 609 A.C.), quando a ameaça babilônica ainda era remota. Outros pensam que a Assíria é que está em vista, e não a Babilônia. Não obstante, é possível que a ameaça babilônica fosse antiga (com base na posição do autor sagrado, dentro da história), mas que somente em cerca de 612 A.C., tenha-se tornado crítica para a nação de Judá.
IV. Estilo Literário e Unidade
A profecia de Habacuque apresenta três estilos literários distintos: 1. O trecho de l:2-2:5 é um tipo de diálogo entre o profeta e Deus, que parece refletir porções do segundo capítulo do livro de Jó. 2. A passagem de 2:6-20 é o pronunciamento de «cinco ais» contra uma nação iníqua, mais ao estilo de outros livros proféticos do Antigo Testamento. 3. O terceiro capítulo é um longo poema, até certo ponto similar aos salmos, na forma em que os encontramos, aparentemente tendo em vista um uso litúrgico. Por causa dessa grande variedade quanto ao estilo, muitos têm pensado que o livro, na verdade, seja uma compilação, que gira em torno do tema comum da teodicéia, isto é, a justificação dos caminhos de Deus, em face de tanta maldade como há no mundo. Assim, há uma unidade temática, mas com grande divergência de estilo, o que sugere que diferentes matérias, de diversos autores, foram compiladas por algum editor.
Quase todos os eruditos liberais rejeitam a unidade do livro. Mas a maior parte dos conservadores (alguns de forma hesitante) aceita a unidade desse livro profético. Alguns supõem que a divergência quanto ao estilo pode ser explicada conjecturando-se que um mesmo autor, em ocasiões diferentes, escreveu o material, e então, finalmente, ele mesmo reuniu todo o material, formando um único livro. A adaptação do terceiro capítulo, para fins litúrgicos, poderia ter sido obra de uma outra pessoa, que trabalhasse como músico levita, no templo de Jerusalém. É significativo que o Comentário de Habacuque, que foi encontrado entre outros materiais escritos da primeira caverna de Qumram (ver sobre Mar Morto, Manuscritos do e sobre Khirbet Qumram), omita o terceiro capítulo desse livro. Todavia, os comentários encontrados em Qunran são irregulares, e essa omissão pode ter sido proposital, nada refletindo no tocante à unidade do livro. Albright conjecturava que o Salmo de Habacuque, embora formasse uma unidade junta­mente com o resto, contém reminiscências acerca do mito do conflito entre Yahweh e o dragão primordial do Mar ou do Rio. Porém, tal ideia requer que se façam trinta e oito emendas sobre o texto massorético, pelo que ela perde inteiramente a sua força.
V.   Pano de Fundo e Propósitos
Grandes eventos históricos haviam sacudido o mundo, pouco antes desse livro ter sido escrito. Israel, a nação do norte, fora levada para o cativeiro, pelo poder da Assíria. Mas, o poderoso império assírio fora subitamente esmagado. Os egípcios haviam sido derrotados pelos caldeus. Portanto, surgira uma nova potência mundial, e Judá encontrava-se entre suas vítimas em potencial. Nabucodonosor estava expan­dindo, o seu poder, e, dentro de um período de aproximadamente vinte anos, os caldeus já haviam varrido Judá, em sucessivas ondas atacantes, provo­cando ali uma destruição geral. Além disso, os poucos judeus que haviam sido deixados em Judá acabaram sendo deportados para a Babilônia, em 597 e 598 A. C. Isso deixara toda a terra de Israel vazia de hebreus, mas reocupada por estrangeiros, em vários lugares estratégicos. Os profetas culpavam o declínio e a apostasia graduais de Israel por essas calamida­des. O trecho de Habacuque 1:2-4 descreve a depravação que se instalara ali. Contudo, a própria Babilônia era um exemplo máximo de corrupção. Como é que Deus poderia usar tal instrumento, a fim de punir àqueles que eram mais justos que esse instrumento, especialmente levando em conta que nem todo Israel e Judá haviam apostatado? O propósito principal do livro, pois, é a apresentação de uma teodicéia (vide). O profeta desejava justificar os atos de Deus, em face da iniquidade do opressor, que fora usado como instrumento de castigo contra Israel. Quanto a isso, o livro está filosoficamente relacionado ao livro de Jó. Ver sobre o Problema do Mal. E um outro propósito era a demonstração do fato de que o instrumento usado por Deus para punir Israel, visto que era um instrumento iníquo, seria castigado no seu tempo próprio. A justiça deve ser servida em todos os sentidos, embora, algumas vezes, os meios divina­mente usados para produzir a mesma sejam estranhos e difíceis de entender.
A arrogância humana contém em si mesma as sementes de sua própria destruição (Hab. 2:4). Porém, o indivíduo fiel pode confiar na bondade de Deus, mesmo em meio aos sofrimentos físicos e ao julgamento. Desse contexto foi que se originou aquele versículo que diz «…o justo viverá por sua fé (ou por sua fidelidade)…» Fazemos aqui uma citação. «Como é claro, o pleno sentido paulino da fé não pode ser encontrado nessa passagem bíblica frequentemente citada (ver Romanos 1:17; Gálatas 3:11 e Hebreus10:38)» (ND).
VI.  Canonicidade e Texto
A aceitação da autoridade do livro de Habacuque nunca foi posta seriamente em dúvida. Ele tem retido a sua posição de oitavo dos profetas menores, nas coletâneas e nas citações referentes à autoridade. Albright referiu-se à questão como segue: «O texto encontra-se em melhor estado de preservação do que geralmente se supõe, embora sua arcaica obscuridade tornasse-o um tanto enigmático para os primeiros tradutores». Ele propôs cerca de trinta alterações no texto massorético, na esperança de poder compor um texto mais correto. No entanto, o descobrimento do Comentário de Habacuque, em Qumran, não alterou o nosso conhecimento sobre o texto. De fato, apesar desse material servir de boa fonte informativa quanto às idéias dos essênios, não tem qualquer valor para a interpretação do próprio livro de Habacuque. No entanto, o texto possibilitou a restauração de textos originais, em alguns lugares onde antes havia dúvidas. Esse material dá testemunho sobre a unidade dos capítulos primeiro e segundo; mas, por omitir o terceiro capítulo, empresta maior crédito à opinião de que isso se deveu à adição feita por algum compilador, não sendo obra do autor original.
VII.  Conteúdo e Mensagem
A.     As Queixas do Profeta (1:1-2:20)
1.    Deus faz silêncio, apesar da iniquidade de Israel (1:2-4) Deus responde que uma nação inimiga julgará Israel (1:5-11)
2.    Deus julga, usando uma nação mais ímpia que a nação julgada (1:12-2:20)
a.    Deus silencia, aparentemente, e olvida-se da crueldade dos caldeus (1:12-2:1)
b.    Deus responde, revelando que Israel será salva, mas que a Babilônia será destruída (2:2-20).
B.    Os Salmos do Profeta, na Forma de uma Oração (3:1-19)
1.    A teofania do poder (3:2-15)
2.    A persistência da fé (3:16-19)
A ira de Deus espalha a destruição. Mas, é precisamente através disso que a nação de Israel é salva de suas próprias corrupções. O aspecto subjetivo da mensagem de Habacuque é que os justos viverão por sua fé. Ã parte de Isaías (7:9 e 28:16), nenhum outro profeta salientara a significação da fé e da oração confiante, da maneira como o fez Habacuque. Embora a terra seja desnudada pelos juízos divinos, contudo, o profeta regozijar-se-ia no seu Senhor (Hab. 3:17,18). O tema central da profecia de Habacuque é que o justo viverá por sua fé (Hab. 2:4), o que reaparece no Novo Testamento, sendo aplicado em significativos contextos (Rom. 1:17; Gál. 3:11 e Heb. 10:38,39).

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