Livro de Amós


Introdução. Amós foi um dos doze profetas menores, sendo nativo de Tecoa, cidade a dez quilômetros ao sul de Belém. Era pastor, mas foi chamado por Deus a fim de profetizar nos dias dos reis Uzias, de Judá, e Jeroboão, de Israel, em cerca de 786-746 A.C. Os profetas menores não são aqueles que se revestem de menor importância, como alguns poderiam entender a expressão, e, sim, aqueles que escreveram menos. Sua vida tranqüila foi perturbada por uma séria de visões que o levaram à conclusão hesitante de que Israel estava prestes a ser aniquilada como nação, a despeito de afirmar-se sob a perpétua proteção de Deus. Yahweh, que lhe deu a mensagem, é visto como o criador e soberano de toda a natureza, bem como o justo juiz da história, o qual intervém na vida humana. Isso expõe um ponto de vista teísta, e não deísta de Deus. Ver os artigos sobre esses termos. O teísmo ensina que Deus não somente criou, mas também está interessado e faz intervenções em Sua criação, recompensando ou punindo. Por sua vez, o deísmo ensina que o criador, ou alguma força cósmica que deu origem às coisas, abandonou a sua criação, deixando-a sob o controle das leis naturais.
1. Pano de fundo
Uzias, de Judá, e Jeroboão II, de Israel (ambos reinaram no mesmo período), desfrutaram de paz e prosperidade. Os inimigos militares estavam quietos ou haviam sido esmagados. A Assíria havia derrotado a Síria, permitindo que Jeroboão II ampliasse as suas fronteiras (ver II Reis 14:25). O comércio trouxe novo surto de riquezas. Tanto Judá (ao sul) quanto Israel (ao norte) cresceram, e o reino de Israel combinado com o de Judá chegou a ter quase as mesmas dimensões que tivera na época de Davi e Salomão, a era áurea de Israel. Embora a Assíria estivesse se tornando uma ameaça militar, sob o governo de Tiglate-Pileser III (745-727 A.C.), qualquer ameaça vinda daquela direção parecia remota àqueles que descansavam na prosperidade de Israel.
Sucedeu que a prosperidade material, como é usual, provocou suas corrupções sociais e religiosas. A vida fácil estava debilitando moralmente o povo (ver Amós 2:6-8; 5:11,12). Amós sentiu ser necessário denunciar a vida de luxo, a idolatria e a depravaçãomoral do povo, advertindo sobre julgamento e cativeiro final. A adoração do Baal dos cananeus foi incorporada no culto de Israel, e a arqueologia tem demonstrado que a religião Cananéia contemporânea do profeta era a religião mais corrupta que havia no Oriente Próximo. A prostituição ritual fazia parte desse culto. Alcoolismo, violência, grosseira sensuali­dade e idolatria eram fatores constantes. Israel participava dessa corrupção (ver Amós 4:4,5 e 5:5), corrompendo totalmente o ideal do monoteísmo (ver o artigo a respeito). A degradação geral degenerou para a injustiça judicial, onde os ricos exploravam os pobres, produzindo um virtual estado escravocrata.
A arqueologia tem trazido a lume evidências da extensão da prosperidade do comércio nessa época, em Samaria, riquezas que se espalhavam para outras partes de Israel. As ostraca samaritanas, atribuídas ao reinado de Jeroboão II, alguns sessenta e três casos inscritos à tinta, recuperados em 1910, encontrados pela expedição Harvard à Samaria, em ruínas a oeste do local do palácio real, contêm detalhes sobre o comércio, sobre os impostos e sobre itens luxuosos, sobre o vinho e o azeite. O selo de jaspe de Sema, servo de Jeroboão, descoberto em Megido, em 1904, ilustra as realizações artísticas do povo daquela época. Seus leitos eram decorados com engastes de mármores, com representações de lírios, veados, leões, esfinges e figuras humanas aladas. Foi um período de vida ociosa, riqueza, arte e lassidão moral. Em outras palavras, Israel tornara-se uma nação doente, como sucede à maioria das sociedades abastadas. A opressão contra os pobres era intensa (ver Amós 2:6 ss ), os famintos eram deixados famintos (ver Amós 6:3-6), a justiça se vendia a quem subornasse mais (ver Amós 2:6 e 8:6), os agiotas exploravam suas vítimas (ver Amós 5:11 ss ; 8:4-6). A religião não era negligenciada, mas havia sido pervertida (ver Amós 3:4; 4:4 e 7:9). O julgamento divino era iminente.
2.  Data
Corria o segundo quartel do século VIII A.C., durante os reinados de Uzias, rei de Judá (779-740 A.C.) e Jeroboão, rei de Israel (Samaria) (783-743 A.C.). Esses dois reis reinaram ao mesmo tempo pelo espaço de trinta anos, de 779 a 743 A.C. Durante parte desse tempo, Amós profetizou e escreveu o seu livro. Foi-lhe ordenado que retornasse à sua terra nativa de Judá, após ter pregado em Israel durante algum tempo (ver Amós 7:10-13), e isso pôs fim à sua carreira como profeta de Yahweh. Não há como determinar a data exata da escrita de seu livro, embora o período geral seja óbvio.
3.   Autoria e unidade
a.    O homem Amós. Nasceu em Tecoa, aldeia a dez quilômetros ao sul de Belém. Era pastor, sem treinamento teológico, acerca de quem nada sabemos até o momento de sua chamada. Também trabalhava como cultivador de sicômoros (ver Amós 7:14). Migrava em certo período do ano para o território mais fértil de Efraim, onde trabalhava com os sicômoros. Portanto, era um leigo humilde e seminômade, e não um membro da classe profética (ver 1 Reis 22:6 ss ), tendo-se recusado a ser chamado de profeta, embora admitindo ter sido forçado a entrar no ministério profético, por comissão divina. Em uma série de visões, provavelmente no fim da primavera ou no verão de 751 ou 750 A.C., (ver Amós 7:1-9 e 8:1-3) ele recebeu sua espantosa mensagem concernente à iminente destruição e deportação do povo de Israel. Foi acusado de conspiração contra Jeroboão e foi ameaçado por Amazias, sumo sacerdote de Betei. Após ter cumprido sua missão, Amós retornou a Judá. Permanecem desconhecidos o tempo e a maneira de sua morte, bem como quaisquer detalhes subsequentes de sua vida.
b.    A escrita. Como é óbvio, a mensagem de Amós foi genuinamente preservada no livro intitulado por seu nome. Mas o texto hebraico não indica que o próprio Amós tenha escrito o seu livro. Alguns supõem que as profecias de Amós existiam a princípio como tradição oral, posteriormente reduzida à forma escrita por uma pessoa ou mais. Contra isso, argumenta-se que a notável higidez do texto hebraico do livro, além de sua evidente unidade, sugere, se não mesmo prova que Amós ou um amanuense de sua escolha escreveu o livro. Naturalmente, não há como provar coisa alguma no tocante a isso. O evangelho de Marcos poderia ser intitulado evangelho de Pedro, visto que preserva, essencialmente, suas memórias (embora, como é óbvio, tenha havido outras fontes informativas). Isso é verdade, apesar do fato de que o próprio Pedro não escreveu o evangelho de Marcos. Por igual modo, o livro de Amós pode com razão ser chamado «livro de Amós», porquanto preserva a mensagem desse profeta, mesmo que o livro não tenha sido produção literária de sua pena.
c.  Unidade. O vocábulo unidade é usado para destacar que a matéria do livro em pauta vem de um mesmo período, por um único autor, ou se representa uma compilação e obra de um editor (ou editores, em diferentes períodos). Alguns problemas sugeridos: 1. Alguns estudiosos sugerem que as visões (ver Amós 7:1-9; 8:1-3 e 9:1-4) pertencem a um período anterior à missão de Amós a Israel, e que já existiam como um documento separado antes do terremoto (ver Amós 1:1), o que serviu para salientar a mensagem condenatória dessas visões. A isso, presumivelmente foi adicionado o trecho de Amós 8:4-14 algum tempo mais tarde. 2. Em seguida, os capítulos primeiro a sexto são encarados como uma unidade separada, coligida no final do ministério de Amós a Israel. Então, presumivelmente esses dois documentos foram unidos nos dias do exílio ou após o exílio. 3. A essa combinação, foram acrescentados alguns comentários editoriais. Dois documentos separados seriam sugeri­dos na terminologia de Amós 1:1, «Palavras que, em visão, vieram a Amós…» e em Amós 7:1: «Isto me fez ver o Senhor…», onde a palavra «visão» não é diretamente usada. 4. Outros estudiosos aceitam o livro como essencialmente uno, embora supondo que houve pequenas adições, sugerindo como tais os trechos de Amós 1:9,10,11,12 e 2:4,5, além das três doxologias, em 4:13; 5:8 e 9:5,6, e a passagem messiânico-milenial de 9:11-15. Outros retrucam que essas supostas adições são fragmentos de imaginações dos eruditos, que entendem mal a história do desenvolvimento da religião de Israel. Conceitos posteriores, segundo alguns, poderiam ter existido em uma época anterior à que geralmente se supõe. Contra a dupla divisão do livro, alguns argumentam que um exame cuidadoso do livro revela que não há diferença real entre essas duas porções, quanto ao conteúdo ou à natureza teológica, e que dividir o livro em «palavras» (primeira seção) e «visões» (segunda seção) é um artificialismo que não resiste à investigação séria. A conclusão disso tudo é que o livro é essencialmente uma unidade homogênea, com algumas possíveis adições editoriais, feitas ou pelo escriba original, ou por algum editor posterior. E contrariando o argumento de que houve adições teológicas pertencentes a uma data posterior (o que teria ocorrido em Amós 4:13; 5:8 e 9:5,6), alguns salientam que as supostas ideias posteriores, ali contidas, já se encontram firmemente arraigadas na lei mosaica. (Ideias envolvidas: Deus como criador, misterioso, desconhecido, majestático; o controlador de toda a natureza, misterioso em Sua atuação, imanente na natureza, causa de tudo quanto acontece. Esses conceitos são expressos em forma poética exaltada, mas todos os conceitos ali encontrados podem ser vistos nas mais antigas Escrituras Sagradas, pelo que não refletem necessaria­mente uma época posterior à de Amós).
4.   Lugar de origem e destino
Conforme já dissemos, Amós era de Tecoa, a dezesseis quilometros ao sul de Jerusalém, atualmente representada pelas ruínas de um local de cinco acres de área, em Khirbet Taqu’a. Foi para Samaria e profetizou em Betei, de onde foi expulso. Então voltou para sua casa. É impossível dizermos onde escreveu seu livro, ou se escreveu porções do mesmo em diversos lugares (ver Amós 1:1 e 7:12,14,15). Embora, tivesse profetizado no reino do norte (Israel), suas profecias foram endereçadas a todo o povo israelita, do norte e do sul, de Israel e Judá (ver Amós 1:1 e 2:4), incluindo uma denúncia contra todas as nações que se recusam a adorar a Deus de maneira certa, mas que têm corrompido o seu caminho (ver Amós 1:3,6,9,11 e 2:1,4,6).
5.    Canonicidade e texto
Amós aparece como o terceiro entre os doze’ profetas menores. Mas, cronologicamente, ele foi um dos primeiros profetas escritores. O livro é ampla­mente confirmado por autoridades judaicas e cristãs, como Filo, Josefo, o Talmude, e naturalmente, catálogos do cristianismo antigo, desde os primórdios cristãos. Nos dias de Jesus, os fariseus aceitavam os Salmos e os Profetas como livros canônicos, juntamente com o Pentateuco; mas os saduceus aceitavam somente o Pentateuco como canônico. Os judeus da dispersão aceitavam os escritos apócrifos, representados na Septuaginta, tradução da Bíblia hebraica para o grego. (Ver o artigo sobre os livros apócrifos). O Novo Testamento cita e faz alusão a esses livros, e podemos supor que os cristãos primitivos (pelo menos muitos deles) defendiam o cânon representado pela Septuaginta. Seja como for, Amós era livro canônico na situação cristão-judaica, com a única exceção dos saduceus. Ver o artigo sobre o cânon.
O texto hebraico do livro de Amós acha-se em boas condições, embora alguns eruditos vejam problemas nos trechos de 2:7; 3:13; 5:6,26; 7:2 e 8:1, onde sugerem textos variantes e emendas. A versão da Septuaginta, além de outras versões antigas, parece ter sido traduzida de um texto relacionado ao texto massorético (ver o artigo a respeito). Os fragmentos do livro de Amós, encontrado nas cavernas de Qumran não apresentam quaisquer diferenças impor­tantes do texto tradicional, embora a Septuaginta algumas vezes exponha o texto correto, e não esse texto.
6.   Mensagem e conteúdo
a.      O conceito de Deus. Amós tinha um elevado conceito de Deus. Deus é o criador (4:13), além de ser o sustentador da criação (4:8; 9:6). Deus julga e castiga o pecado sob a forma de fome (ver 4:6-11), ou confere a abundância (9:13). Deus controla os destinos dos povos (1:5). Ele é o Juiz e o determinador das leis morais, considerando os homens responsáveis por seus atos (l:3-2:3).
b.      A lei moral. Amós deixou claro que nenhuma formalidade, rito, cerimônia, festividade ou qualquer outro fator, pode substituir a moralidade e a piedade básicas. Se os homens não seguirem as implicações dessa verdade, terão de enfrentar o julgamento (ver 5:27). Deus ameaça os ímpios (9:1). Ele denuncia a injustiça social (ver 2:6-8; 4:1 ss. e 6:1 ss ).
c.      Arrependimento. Esse é o objetivo colimado das profecias condenatórias (ver 5:4,11,15,24).
d.     O julgamento não ê a palavra final. O profeta encerra com uma promessa de dias mais brilhantes (ver 9:11-15), dizendo que essa será a obra divina no futuro. Ver Rom. 11:26. Contudo, a profecia de Amós foi rejeitada. E suas ameaças tiveram cumprimento, cerca de cinquenta anos depois.
Esboço do conteúdo:
I.    Juízos proferidos contra várias nações, Damas­co, Filístia, Fenícia, Edom, Amom, Moabe(l:l - 2:3), Israel (2:6-16) e Judá (2:4,5).
II.   Acusação de Deus contra a família inteira de Jacó (3:1 – 9:10).
1.   Três sermões de denúncia (3:1 – 6:15)
2.    Cinco visões simbólicas (7:1 – 9:10)
III.   A futura bênção do reino dada a Israel (9:11-15).
1.    O reinado do Messias (9;11,12)
2.    A prosperidade do milênio (9:13)
3.    A nação judaica restaurada (9:14,15)
7.    Amós no Novo Testamento
Estêvão, em seu discurso diante do Sinédrio (ver Atos 7:42,43), citou o trecho de Amós 5:25-27. Tiago, falando diante do concílio de Jerusalém (ver Atos 15:16), citou o trecho de Amós 9:11. Essa circunstância demonstra, naturalmente, que Amós, um livro do V.T., era considerado autoritário, por judeus e cristãos do século I D.C.

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