Livro de Jó


I. Caracterização Geral
Esse livro reflete episódios da época patriarcal, quando a lei mosaica ainda não havia sido promulgada. Os intérpretes antigos e alguns modernos continuam favorecendo a data mais antiga do livro. Ver sobre Data, na quarta seção deste artigo. Todavia, quase todos os intérpretes modernos, embora acreditem que houve, realmente, um homem de nome Jó, que é a figura central do livro desse nome, e que ele deve ter vivido na época dos patriarcas hebreus, acreditam que a narrativa primeiramente circulou sob a forma de tradições orais, até que foi reduzida à forma escrita, aí pelo século V ou IV A.C. Quanto a especulações sobre a historicidade de Jó, ver o artigo sobre Jó, 2. Jó, do Livro de Jó. Uma das razões para a defesa de uma data posterior do livro é que o mesmo pertence à chamada literatura de sabedoria, dentro da tradição judaica, literatura essa pertencente a um período posterior. Além disso, talvez reflita uma grande crise de fé criada na mente nacional judaica, pelos cativeiros assírio e babilônico. Nesse caso, o livro não seria mera peça pessoal, refletindo os conflitos de um indivíduo isolado acerca do problema do mal, e, sim, um tipo de busca dos judeus por uma resposta acerca das aflições que Israel sofreu como nação. A antiga doutrina judaica, tão forte no Antigo Testamento, acerca da regularidade e previsibilidade da retribuição divina, foi perturbada pelos imensos sofrimentos da nação às mãos de povos pagãos que, sem dúvida, eram mais corruptos do que os judeus. O décimo nono capítulo de Jó mostra-nos que o homem que é sábio conserva a sua crença na retidão e na vindicação dada por Deus aos retos. A esperança da vindicação após a morte (uma resposta comum para o problema do mal) acha-se em Jó 19:25-27.
Os consoladores de Jó, que eram apenas atormenta­dores, não podiam perceber outra coisa além de uma retribuição divina regular, precisa e previsível. Para eles, Jó estava sofrendo porque merecia tal coisa, o que, segundo pensavam, fatalmente mostraria ser a verdade, apesar da capa de justiça com que Jó se vestia.
Alguns eruditos pensam haver problemas com o arranjo do material, supondo que algum editor, ou editores, de uma época posterior, tivessem feito adições que só teriam servido para lançar o livro na confusão. O capítulo vinte e um, diferentemente dos capítulos primeiro a décimo nono, retrata um Jó cético, que condenou a si mesmo e, então, foi levado à sabedoria divina no cap. vinte e oito. Após uma espécie de discurso de despedida, que contém um juramento de liberação (caps. 30 e 31), que seria, basicamente, um paralelo aos discursos dos capítulos terceiro a décimo nono, quanto à atitude, aparece uma reprovaçãodesnecessária por parte de certo Eliú (caps. 32—37). Então o próprio Deus força Jó a retratar-se (caps. 38 e 39). Isso posto, parece haver consideráveis mudanças de atitude entre os capítulos terceiro a décimo nono, por um lado, e as porções subsequentes do livro. E alguns estudiosos supõem que isso reflete adições feitas posteriormente. Todavia, isso poderia ser reflexo apenas de um confuso arranjo e tratamento, por parte do próprio autor sagrado, que, ao abordar uma questão espinhosa, não se mostrou muito metódico quanto, talvez, gostaríamos que ele tivesse sido. As presumí­veis adições seriam os capítulos 28, 32-37 e 38 e 39.
Alguns estudiosos também supõem que o prólogo (Jó 1 e 2) e o epílogo (Jó 42:7-17) foram adições feitas ao corpo original do livro. Outros eruditos têm criticado a filosofia que transparece na obra, supondo que as tragédias gregas são superiores, pois, nessas tragédias, quando um homem sofre, nunca mais se recupera. E dizem que isso é mais realista diante da vida. No entanto, Jó recuperou-se e prosperou mais do que antes. Todavia, a vida também nos mostra casos de recuperação diante do sofrimento, mesmo nessa vida, não havendo nisso nada que possa ser considerado contrário à realidade. Mediante essa recuperação de Jó, o autor sagrado estava dizendo que a providência divina é capaz de nos surpreender. Em primeiro lugar, devido a razões desconhecidas, o homem sofre; e a única razão para isso é a inescrutável vontade de Deus. Em segundo lugar, para consternação daqueles que acreditavam que Jó era um homem iníquo, subitamente ele voltou a prosperar materialmente. E isso prova que a resposta simplista para o problema do sofrimento que este resulta de erros cometidos, nem sempre explica o que está acontecendo entre os homens. Por outro lado, isso também prova que não podemos afirmar que Deus nunca abençoa aos pecadores. Assim, os eruditos que não apreciam a bela e surpreendente recuperação de Jó—como se isso sempre fosse contrário à experiência humana, o que já vimos que não é assim—apegam-se à ideia de que o epílogo do livro foi uma adição posterior, com o intuito de vindicar, artificialmente, a causa de Jó, de tal modo que «tudo está bem com aquilo que termina bem», o que, conforme sabemos, não corresponde à mensa­gem que o autor sagrado queria transmitir.
Outro Propósito. O livro de Jó provê uma resposta ou respostas várias para o problema do mal, sobre o que tratamos especificamente na quinta seção, abaixo. Não há que duvidar que esse é o principal problema a ser ventilado no livro. Porém, em adição a isso, também é seguro que o autor sagrado estava sondando as profundezas da fé de um ser humano, mesmo diante do sofrimento moral e físico. Todavia, isso constitui apenas uma das respostas possíveis para o problema do sofrimento. Um indivíduo pode lançar-se nos braços da graça, do amor e do poder de Deus, sofrendo no escuro, escudado exclusivamente em sua fé. De alguma maneira, em algum lugar, Deus está no seu trono, e tudo corre bem no mundo, a despeito de teimosas evidências humanas em contrá­rio.
Qualidade Estética. Alfred Tennyson, que foi um poeta de grande envergadura, considerava o livro de Jó como «o maior poema dos tempos antigos e modernos». «Esteticamente falando, Jó é a produção literária suprema do gênio dos hebreus».
Admiráveis Qualidades Intrínsecas. É de estranhar que um livro que nada exiba de caracteristicamente israelita, onde a lei mosaica nunca é promovida, tenha encontrado lugar seguro no cânon hebraico da Bíblia. Essa posição do livro de Jó nunca foi seriamente desafiada. Podemos apenas supor que a sua qualidade estética é tão grande que ninguém jamais ousou desafiar seu direito ao rol dos livros divinamente inspirados. Outrossim, o livro reflete uma experiência humana crítica, sendo uma busca por respostas para certas duras experiências huma­nas, diante das quais todos os povos se interessam.
II. O Homem 16; Problema de Historicidade
Sob o título Jó, segundo ponto, temos falado sobre a origem e o significado do nome Jó, além de apresentarmos uma discussão sobre o problema da historicidade do livro. Este artigo também procura fazer uma descrição abreviada da caracterização do homem Jó, no livro que traz o seu nome.
III. Proveniência
Se o livro de Jó não é uma obra histórica e, sim, uma novela filosófico-religiosa, uma parte da literatura de sabedoria judaica, então não importa muito a investigação acerca de onde o livro foi escrito. Mas, se se trata de uma obra histórica, então temos o informe, em Jó 1:3, de que o relato ocorreu no «Oriente», com «o maior de todos os do Oriente». Mesmo nesse caso, porém, o autor sagrado, outro que não o próprio Jó, poderia ter escrito acerca de Jó, um homem do Oriente, sem que ele, o autor, residisse ali. Apesar de não podermos determinar onde o livro foi escrito, pode ser que o forte caráter aramaico do livrot indique que foi produzido em um centro aramaico de erudição. Se o livro realmente deriva-se da época dos patriarcas (ver sobre Data, seção IV), então esse lugar poderia ter sido em algum ponto perto de Araam Naharaim (a Aram dos Dois Rios), ao norte da Mesopotâmia. Nos fins do segundo milênio A.C., tribos arameias deslocaram-se para o sul e se estabeleceram nas fronteiras entre a Babilônia e a Palestina, continuando a controlar a rota de caravanas que atravessava a área do Cabur. E foi então que Alepo e Damasco tornaram-se centros dos arameus. O trecho de Jó 1:17 poderia indicar um tempo quando os caldeus ainda estavam vivendo como seminômades, isto é, antes de 1000 A.C. Mas, se o livro de Jó pertence a uma data comparativamen­te posterior, então todas as especulações dessa natureza têm pouco ou nenhum valor, no que diz respeito àproveniência desse livro.
«Parece que Jó foi uma personagem histórica que passou por experiências incomuns. Ele, talvez, fosse um xeque que vivia próximo ao deserto da Arábia, em uma época similar à dos patriarcas hebreus. O autor do livro usou de licença poética, e assim transformou a narrativa sobre os sofrimentos de Jó em um memorável drama».
Jó é apresentado como homem que vivia na terra de Uz (Jó 1:1), que alguns estudiosos supõem que ficava situada em algum ponto entre Damasco da Síria, ao norte, e Edom, ao sul, ou seja, nas estepes a leste da Síria-Palestina. Porém, mesmo que essa informação seja correta, isso não significa que o autor do livro residia ali. Á conclusão é que não dispomos de informação certa quanto a esse particular.
IV.  Data, Autoria e Integridade do Livro
1. Data. O livro é encaixado, bem claramente, dentro do período dos patriarcas hebreus. Não há qualquer menção à lei mosaica, como também coisa alguma distintamente judaica no livro. Alguns eruditos supõem que havia uma tradição oral, que preservava a narrativa, fora de Israel, antes de ter sido posta em forma escrita, por algum israelita desconhecido. A isso podem ter sido feitas adições, da parte de um editor ou editores posteriores, como um prólogo, alguns dos capítulos finais e o epílogo. Se Jó foi uma personagem histórica, então poderíamos datá-lo dentro dos limites amplos entre 2000 e 1000 A.C. Várias descrições, como a longa vida de Jó, o fato de que suas riquezas eram aquilatadas sob a forma de gado, e que o relato parece refletir uma vida nômade (própria «ias tribos dos sabeus e dos caldeus), ajustam-se ao segundo milênio A.C., melhor que qualquer outra época posterior. Isso faz de Jó um homem que viveu há muito tempo no passado, talvez até algum tempo antes de Abraão. Por outro lado, visto que o livro faz parte da literatura de sabedoria dos judeus, muitos têm pensado que sua compilação pertence a um tempo muito posterior a isso. As opiniões a respeito divergem muito umas das outras, indo desde o segundo milênio até o século IV A.C. Encontraram-se fragmentos do livro de Jó entre os manuscritos do mar Morto, o que elimina a data ultraposterior de 200 A.C., como alguns eruditos têm arriscado. Todavia, esse livro poderia refletir especu­lações filosóficas, sobre o problema do mal, especificamente o porquê1 dos sofrimentos de certos homens bons, o que já pertence ao período pós-exílico dos judeus. Os judeus estavam então meditando sobre como grandes tragédias podem sobrevir aos homens, conforme os próprios judeus tinham sofrido às mãos dos assírios e dos babilônios. Ideias comuns sobre como operam a divina providência e a retribuição, estavam sendo testadas pelos acontecimentos históricos, e o livro de Jó pode ter sido uma tentativa para prover respostas para esse problema.
2.  Autoria. Em vista do ambiente patriarcal que transparece no livro, a tradição judaica piedosa tem pensado que Moisés foi o autor do livro de Jó (Baba Bathra 14v ss), embora isso, segundo outros, esteja fora da realidade. O próprio livro não nos fornece qualquer indicação de que Jó tenha escrito qualquer porção da obra. Isso posto, temos um autor desconhecido, que viveu em um período desconheci­do. «A menção aos bandos de caldeus (Jó 1:17), e o uso da arcaica palavra qesitah (42:11; em nossa versão portuguesa, «dinheiro») apontam, meramente, para a antiguidade da história, e não para a sua presente forma escrita. Os eruditos modernos têm variado na data do livro desde os dias de Salomão até cerca de 250 A.C., embora as datas mais populares variem entre 600 e 400 A.C., apesar do que há uma tendência crescente em favor de datas posteriores… Os argumentos com base no assunto, na linguagem e na teologia, provavelmente, favorecem uma data até posterior à de Salomão; mas, visto que o livro é sui generis dentro da literatura dos hebreus, e que a linguagem empregada é tão distintiva (alguns eruditos chegam a pensar que se trata de uma tradução de um original aramaico, enquanto que outros consideram que seu autor teria vivido fora da Palestina), qualquer dogmatismo deriva-se de fatores subjetivos e precon­cebidos».
3.  Integridade. Na primeira seção, caracterização Geral, temos dado as razões pelas quais alguns eruditos duvidam que o livro inteiro foi escrito por um único autor. As porções atribuídas a algum outro autor-editor são o prólogo (caps. 1 e 2), a descrição sobre o hipopótamo (40:10—41:25), os discursos de Eliú (32:1—37:24), o capítulo vigésimo primeiro, e o epílogo (42:7-17). Alguns estudiosos dizem que os capítulos 28; 32-37 e 38-39 também são adições. Porém, até onde podemos ver as coisas, as razões contra e a favor da autoria original dessas seções são puramente subjetivas, e nada de positivo pode ser provado. Ê verdade que uma grandeza essencial de expressão poética percorre a obra inteira; mas, tanto podem ter havido dois ou três poetas envolvidos, como também somente um. Além disso, qualquer autor pode inserir material tomado por empréstimo; e, nesses pontos, certa incongruidade ou diferença de estilo pode ser observada, interrompendo a suavidade do fluxo da apresentação, sem que isso indique a contribuição feita por algum outro autor.
Segundo aqueles críticos, os discursos de Eliú são rejeitados como originais (Jó 32:1—37:34), porque ele não é mencionado no epílogo, onde os amigos de Jó foram repreendidos. Porém, se o epílogo foi acrescentado por algum autor posterior, por que ele omitiu esse nome? Deveríamos supor que os discursos de Eliú foram incluídos no livro após a adição do epílogo? Novamente, entramos em um raciocínio meramente subjetivo, não havendo como fazer qualquer afirmação absoluta acerca do problema assim levantado. E nem isso é necessário para a crença na divina inspiração do livro. Todos os livros da Bíblia contêm seus elementos humanos, e nenhum deles foi escrito em um vácuo, para então ser hermeticamente fechado. Os eruditos que fazem a fé depender dessas coisas enfatizam aquilo que se reveste de pouca ou nenhuma importância, exceto que essas coisas, mui naturalmente, desempenham um papel legítimo na análise e na avaliação literárias.
V.O Problema do Mal
Temos provido para o leitor um detalhado artigo sobre o Problema do Mal. O livro de Jó é o único livro da Bíblia que aborda especificamente esse problema, ao mesmo tempo que é um dos mais extensos escritos que têm sido preservados desde tempos antigos. Alguns estudiosos negam que o tema principal do livro seja esse problema, preferindo sugerir que o livro realmente perscruta as profundezas da fé que um homem é capaz de ter, diante de inexplicáveis sofrimentos. Porém, isso, por si mesmo, faz parte do problema do mal. No que consiste o problema do mal? Esse é o problema que consiste em explicar como é que pode haver tanta maldade no mundo. Existe o mal natural: os acidentes, as inundações, os terremotos, os incêndios, as enfermidades e, acima de tudo, a morte, a qual parece ser o ponto culminante dos males naturais. Existem males que não se derivam diretamente da vontade e dos atos maus dos homens. Essas são coisas naturais que afligem a todas as pessoas. Esses são «atos de Deus», conforme alguns dizem. Existe também o mal moral, males que se derivam diretamente da vontade e dos atos pervertidos e maldosos dos homens, como as guerras, as matanças, a desumanidade do homem contra o homem. Essa questão toda envolve Deus: Se existe um Deus todo sábio (que conhece até o futuro), todo poderoso e todo amoroso, então por que há tanta maldade e sofrimento neste mundo? Não podemos lançar a culpa de tudo sobre a perversidade humana. Jó ficou muito doente, e sua carne, por assim dizer, desprendeu-se de seus ossos. Isso foi uma enfermidade de, parte dos males naturais. Por que Deus permite o sofrimento? Por que o homem bom sofre? Por que os homens maus não são julgados? Por que razão os ímpios prosperam? Qual é o resultado final do sofrimento? Haverá algum dia sem sofrimentos? Essas são perguntas que os homens costumam indagar, perplexos. Apesar de não haver respostas absolutas e perfeitas, nosso artigo sobre o problema do mal procura dar aos leitores as respostas que existem. Mas, todas essas respostas funcionam melhor quando são outras pessoas que sofrem. Quando temos de enfrentar alguma grande tragédia, então as respostas que existem não nos parecem muito boas.
Razões do Sofrimento, Segundo o livro de Jó:
Seja como for, o livro de Jó procura nos fornecer algumas respostas para o problema do mal. Abaixo, oferecemos um sumário:
1.   Os discursos dos amigos molestos de Jó fornecem a resposta-padrão, que está sendo posta em dúvida, por esse livro: Deus castiga os ímpios com o sofrimento. Segundo os amigos de Jó, a retribuição divina é a grande resposta. Mas, apesar de haver nisso alguma razão, Jó nos é apresentado como um homem inocente das acusações de que o acusavam, pelo que os seus sofrimentos não podiam ser atribuídos àquelas acusações. Mesmo quando ele se confessou pecador, e declarou que se arrependia, isso não foi feito a fim de explicar por que ele estava sofrendo, mas serviu apenas para mostrar que todos os homens, diante de Deus, devem assumir uma posição de humildade, como pecadores que são. Ver Jó 42:6.
2.    Os discursos de Eliú salientaram o princípio de que o sofrimento é uma disciplina para os justos, o que corresponde a um princípio verdadeiro, embora, por certo, não seja a resposta, no caso específico de Jó. Ver Jó 33:16-18; 27:30; 36:10-12.
3.Jó 19:25,26. Os remidos participam de uma gloriosa vida após túmulo, pelo que todos os sofrimentos terrenos e temporários são ali obliterados. Essa é uma boa resposta-padrão, sem dúvida, mas não é ainda o principal argumento do livro. Seja como for, essa resposta tenta pôr na correta perspectiva o problema do sofrimento humano. Nós, como seres mortais, exageramos a importância das coisas temporais e transitórias desta vida. Pode haver desígnio ou não nessas coisas; mas elas duram por algum tempo, e logo se acabam.
4.    Há profundezas da fé que os justos podem obter, e que lhes conferem coragem para enfrentar seus sofrimentos, sem duvidarem da providência e dos desígnios de Deus. Apesar disso também não ser uma resposta definitiva para o problema, é uma espécie de solução para aqueles que estão sofrendo no presente. Um homem, mediante a sua fé, impõe-se à sua situação adversa, obtendo nisso razão para prosse­guir, significado, desígnio e esperança.
5.    O texto sagrado declara que Deus atua em todo o universo, trazendo chuvas à terra onde nenhum homem existe (Jó 38:26); que Deus está cônscio do mal e dos sofrimentos (personificados nos monstros hipopótamo e crocodilo—Jó 40:15—41:34). É óbvio que Deus cuida dos homens e observa os seus sofrimentos. Apesar de, talvez, não sabermos qual a razão de nossos sofrimentos, pela menos tomamos consciência da bondade e da providência permanentes de Deus, o qual permite todas essas coisas; e assim podemos descansar no Senhor.
6.    A Presença de Deus. Essa é a resposta final e mais excelente do livro de Jó. Poderíamos dizer: «Estive com o Senhor, e sei que não pode sobrevir ao homem, finalmente, um dano permanente». Essa é a resposta mística, a resposta que envolve a presença majestática e consoladora de Deus. Na presença de Deus, talvez os nossos argumentos intelectuais não melhorem; mas a nossa fé em sua providência toma-seinvencível. Os místicos que têm experimentado a presença divina têm chegado ao extremo de negar a existência do mal, exceto como um fator que envolve a ausência do bem, ou seja, aquilo que contrasta com o bem positivo. Todos os atos de Deus estão encobertos dos olhares humanos, embora vejamos muitas luzes. Há cores brilhantes e cores escuras, formando um grande desenho, como em um tapete. As cores escuras fazem destacar a beleza das cores brilhantes; e, juntas, essas cores, brilhantes e escuras, produzem uma beleza singular. Alguns místicos afirmam que o mal e o sofrimento perfazem as cores escuras daquele simbólico tapete, e que, finalmente, tudo é bom, tudo é necessário; tudo faz parte da beleza de todas as coisas. Na presença de Deus, pois, sentimos isso, embora, talvez, nos faltem argumentos intelectuais para afirmar tal coisa de modo inteligente. Na presença de Deus, pois, encontramos sua vontade inescrutável, e nos inclinamos, reverentes, sabendo que até o mal redundará em bem para nós, embora não saibamos dizer de que maneira. Quando a alma comunga com Deus, ela sabe que Deus está em seu trono, e que tudo está bem no mundo. Talvez não disponhamos de respostas intelectuais, mas podemos experimentar a presença Daquele que nos dá as respostas, e é em momentos como esses que sabemos que o Consumado Artista nunca cai em erros e equívocos. O criador de todas as coisas indagou de Jó: «Acaso, anularás tu, de fato, o meu juízo? Ou me condenarás, para te justificares?» (Jó 40:8). Jó não ficou satisfeito com as respostas que lhe foram dadas, e, sim, com a comunhão imediata com o Ser divino. Foi isso que levou Jó, à semelhança dos grandes profetas, a dizer: «Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus olhos te veem» (Jó 42:5). E todas as soluções possíveis para o mal que há neste mundo são encontradas em face dessa visãobeatífica.
7. O prólogo tem por finalidade dar-nos a resposta (ou, pelo menos, uma resposta), desde o começo. Satanás, percebendo a prosperidade de Jó, e como Deus elogiou ao seu fiel servo, pôs então em dúvida a lisura de Jó, propondo submeter a teste a au­tenticidade de sua bondade. Jó seria bom por ser verdadeiramente justo, ou seria bom somente porque Deus o havia abençoado? Em outras palavras, a sua bondade era autêntica justiça de alma, ou seria uma bondade egoísta, alicerçada sobre a prosperidade material? Seguiu-se o terrível teste de Jó. Se levarmos em conta isso, de forma literal, e não como um esquema literário para introduzir a narrativa, então temos aí um mui perturbador ensino de que os justos podem sofrer meramente porque os poderes malignos querem submetê-los a teste; e, mais perturbador ainda é o pensamento que Deus coopera para que os justos sejam submetidos a essas provas! Portanto, é melhor compreendermos esse prólogo (provavelmente escrito por um autor diferente daquele que compôs o grande poema) como um artifício literário, e não como algo cuja intenção era mostrar que as Escrituras ensinam que os poderes malignos podem fazer uma espécie de barganha com Deus, com o resultado de qüe os justos acabam sofrendo injustamente.
VI.  Esboço do Conteúdo
1.    Prólogo. O teste é proposto e aceito (caps. 1 e 2).
2.    Primeira Série de Discursos. O discurso de Jó e de seus três amigos molestos (caps. 3—14).
a.    Jó seria culpado, pelo que estava sendo punido. Essa é a razão do sofrimento humano.
b. Jó nega tal acusação.
3.   Segunda Série de Discursos. Os três amigos
molestos de Jô discursam e recebem sua resposta (caps. 15—21).
4.Quarta Série de Argumentos. Elifaz e Bildade apresentam novos argumentos, e Jó lhes dá resposta (caps. 22—33).
5.  Discursos de Eliú (caps. 32—37)
a. O propósito da aflição (caps. 32—33)
b.  Vindicação da pessoa de Deus (cap. 34)
c.  As vantagens da piedade (cap. 35)
d.  Deus é grande, e Jó é ignorante (caps. 36 e 37)
e.  Eliú fez a valiosa observação de que o sofri­mento pode servir-nos de disciplina.
6.  Os Discursos de Deus (caps. 38—42:6) Na Presença de Deus, a solução deve ser sentida, mesmo quando não seja intelectualizada.
a.    Deus é todo poderoso e majestático! Jô percebe sua pequenez e sente a vaidade de suas palavras (38:1—40:5).
b.    O poder de Deus contrasta com a fraqueza humana. Jó se arrepende e demonstra a humildade que cabe bem ao homem. A presença de Deus experimentada garante a solução final para o problema do mal (40:6—42:6).
7.Epílogo. Os molestos consoladores de Jó são repreendidos. Deus reverte a fortuna de Jó, e a paz e a abundância material substituem a enfermidade e a carência (42:7-17).

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