Jesus como Mediador


I.    Terminologia e Definições Mediação é a tentativa de uma terceira pessoa, neutra, ajudar a duas outras pessoas interessadas, com o intuito de facilitar algum tipo de acordo entre essas duas, que traga benefícios a ambas. Mediar, pois, é solucionar uma disputa ou reconciliar, mediante a eliminação de divergências e conflitos. Com frequência, a mediação toma a forma de uma intervenção, com o propósito de dar solução a alguma disputa e criar condições produtivas. Em seu uso teológico, a idéia de mediação, sem importar se esse ofício envolve Cristo ou não, consiste em possibilitar que os benefícios divinos sejam estendidos aos homens, de acordo com as condições divinas. Porém, esses termos têm sido aplicados de tal modo que os homens tiram vantagens dos mesmos. Isso é assim por causa do grande hiato que se abre entre o Ser divino e os seres humanos, em termos de natureza metafísica, de conhecimento, de atitudes, de condições e de estados de santidade, que são radicalmente diferentes entre Deus e os homens.
Paulo faz-nos lembrar que nada possuímos que não tenhamos recebido da mão de Deus (ver I Cor. 4:7). O terceiro capitulo de Romanos deixa claro que o homem, por si mesmo, não dispõe de meios para aproximar-se de Deus. O Mediador, Jesus Cristo, pois, provê o meio dessa aproximação. Em Cristo temos acesso a Deus. Esse acesso é feito mediante a fé (Rom. 5:2); através da agência do Espirito Santo (Efé.2:18); devido ao oficio de nosso Sumo Sacerdote celeste (Heb. 10:18 ss). É através de Cristo, o Deus-homem (ver I Tim. 2:5) que temos esse acesso a Deus. Ele é Mediador de um melhor pacto que o antigo (Heb. 8:6 e 12:24). Anjos serviram de mediadores da lei mosaica (ver Gál. 3:19), mas Cristo é o Mediador da nova lei do Espirito, com todas as suas implicações.
As palavras «mediador» e «mediação» não figuram com frequência nas Escrituras, embora o conceito seja ali dominante. No Antigo Testamento, esses termos não aparecem uma vez sequer, mas Moisés, como é óbvio, foi o mediador da lei, entre Yahweh e o povo de Israel. Acima dei referências neotestamentárias a respeito da idéia de mediação, excetuando os trechos de Gál. 3:20 e Heb. 9:15, que reiteram idéias já contidas nas outras referências. O trecho de Jó9:32-34 fala sobre a necessidade de um mediador entre Jó e seus adversários. A palavra hebraica ali usada, yakach, significa «juiz» (nossa versão portu­guesa diz «árbitro», que é um sinônimo). O que Jô queria dizer é que ele precisava de alguém que ouvisse os argumentos de ambos os lados, decidindo quem estava dizendo a verdade, alguém que pudesse justificar ou convencer de erro. Porém, ele não dava a entender a necessidade de algum mediador divino.
Nas páginas do Novo Testamento, a palavra gregamesites, «mediador», «árbitro», indica alguém interes­sado em reunir duas pessoas antes em desacordo, visando ao benefício de ambas. Na Septuaginta, essa mesma palavra grega é usada em Jó 9:33. A mediação, de acordo com a Bíblia, inclui conceitos que ultrapassam o alcance da própria palavra, incorporando idéias como reconciliação, expiação, intercessão por meio de orações e o estabelecimento de acordos. A ênfase recai sobre o poder e a eficácia daquele que é o mediador, e, no Novo Testamento,avulta a idéia do Novo Pacto, firmado no sangue de Cristo. Mediação, ali, significa eliminar diferenças, o que também é a noção proeminente no fato de que Cristo é o canal único das bênçãos divinas.
II.     Doutrina Bíblica da Mediação
1.   Os Anjos. Embora os anjos nada tenham a ver com a questão da salvação, os seres angelicais são as primeiras pessoas que agem como elos entre Deus e os homens. A história de Jacó é um notável exemplo disso. Em tempos de crise, os anjos o dirigiam. O pacto abraâmico foi confirmado a Jacô, mediante uma visão de anjos. Ver Gên. 28:12 ss. Ademais, a bênção divina foi dada a Jacó de maneira especial, através do anjo com quem ele lutou, em Peniel (ver Gên. 32:24ss). Foi nessa ocasião que Jacó se tomou Israel, «Príncipe com Deus», circunstância essa que fala por si mesma. Os protestantes e os evangélicos, em seu desejo de preservar a mediação impar de Cristo (no tocante à salvação), têm subestimado a missão medianeira dos anjos, o que envolve muito mais do que mera proteção. Talvez nossos homens mais espirituais sejam aqueles que mais são orientados por seus guias angelicais.
Os anjos foram usados como mediadores da lei, conforme se vê em Gál. 3:19,24. Quando Jesus foi tentado, desfrutou do apoio dos anjos, assegurando que não falharia nessa hora de provação (Mat. 4:11). Os anjos executam a vontade do Senhor (Sal. 103:20), e chegam mesmo a orientar o que sucede nas nações (Dan. 10:12,13,21; 12:1). Muitos intérpretes acredi­tam que os anjos das sete igrejas do livro de Apocalipse eram apenas aqueles anjos celestiais que estavam encarregados das igrejas, e não ministros humanos. O trecho de I Cor. 11:10 diz-nos que os anjos preocupam-se com a boa ordem e a adoração nas igrejas. Essas são questões que influenciam a nossa espiritualidade. «Assim como aos maus espíritos é permitido que operem ativamente, quando o cristianismo começa a apelar para os homens, assim também os anjos bons são frequentemente reconheci­dos como executores dos propósitos divinos» (Strong, pág. 453 de sua Theology). E o mesmo autor prossegue a fim de se referir ao poder que as forças angelicais podem exercer sobre as mentes humanas, o que, naturalmente, visa ao bem espiritual dos homens e ao seu desenvolvimento espiritual, da mesma maneira que os espíritos malignos também influenciam as mentes humanas, para detrimento dos seres humanos.
2.   Moisés. Embora nunca apareça a palavramediador, no Antigo Testamento hebraico, no tocante à atuação de Moisés, o trecho de Gál. 3:19 ensina-nos que ele foi um «mediador». A teologia judaica comum concebia essa mediação como algo que envolvia a própria salvação, através do princípio das boas obras. Porém, a teologia hebréia do período patriarcal não tinha um conceito sobre a vida após-túmulo, não incluindo as idéias do céu para os bons e do inferno para os maus. Esses foram desenvolvimentos posteriores. Não há qualquer promessa de vida eterna para os bons, no Pentateuco, e nem há a ameaça de castigo, após esta vida terrena, no tocante aos maus. A lei prometia vida (ver Lev. 18:5), mas somente no que envolve uma vida terrena próspera e bem vivida, no caso dos obedientes, e ameaçava os desobedientes com uma vida maldita. A teologia hebraica posterior fez isso ser entendidocomo a vida para além da morte biológica. Seja como for, ao longo dos séculos, nessa teologia, Moisés tomou-se um mediador da vida eterna. Paulo, naturalmente, entrou em choque com esse conceito, e via na mediação de Moisés um ministério de condenação, e não um ministério de vida eterna. A lei foi dada a fim de condenar os homens, forçando-os assim a se voltarem para Jesus Cristo, como o Salvador, que dá vida. Ver Gál. 3:13 ss; ver especialmente o vs. 21. Paulo abandonou totalmente a idéia de que a lei possa servir de meio que leva à vida eterna. Moisés, contudo, é considerado na Bíblia como o porta-voz de Deus, até que viesse o Cristo. Ver Exo. 19:3-8; 32:30-32; Núm. 12:6-8.
3.  A Lei. Dentro do Antigo Testamento, a própria lei é o mediador. Em outras palavras, o sistema da lei tinha por intuito conduzir os homens a Cristo, servindo de aio ou mestre-escola com esse propósito. Ver Gál. 3:25. A lei mostrou o quanto precisamos da graça divina e da justificação pela fé, e quão nula esperança temos em nós mesmos. Os trechos de Rom. 3:21 ss e 4:1 ss ilustram abundantemente esse principio. O acesso a Deus nos é proporcionado pela graça divina (Rom. 5:2); mas, antes disso, era necessário que os homens percebessem que não têm capacidade, em si mesmos, de ir diretamente a Deus, por seus próprios méritos, e foi justamente a lei que os ensinou assim. Sem forças, estamos impotentes, espiritualmente falando (Rom. 5:6). Mediante as obras da lei, ninguém será jamais justificado (ver Rom. 3:20).
4.    O Sacerdócio. O judaísmo desenvolveu um elaborado sistema de sacerdócio, cujas funções envolviam claramente a mediação. O sistema de sacrifícios foi entregue às mãos delés, sistema esse que supostamente trazia reconciliação dos homens com Deus. O vigésimo oitavo capítulo do livro de Êxodo fala sobre a instituição do sacerdócio. O vigésimo quinto capitulo do mesmo livro alude aos planos para o tabernáculo, que seria o lugar dessa mediação. Substituindo todo esse elaborado arranjo, o Novo Testamento põe uma só pessoa, Cristo. Ver Heb.9:11 ss; 23 ss; 10:1 ss. A epístola aos Hebreus é uma elaborada descrição de como Cristo tomou o lugar do ritual, do sacerdócio e de todas as instituições do Antigo Testamento.
5.   Os Profetas. A teologia teísta ensina-nos que quando Deus deseja dar alguma mensagem, visto estar ele interessado pelos homens, prepara um profeta para esse serviço. A mensagem é dita, em seguida, é registrada pelo próprio profeta ou por um de seus discípulos, e, então, é preservada em Livros Sagrados. Desenvolve-se uma igreja a fim de proteger e propagar a mensagem contida nesses livros. Esse aspecto de mediação aparece claramente nos livros proféticos do Antigo Testamento. Por muitas e muitas vezes encontramos ali a declaração: «Assim diz o Senhor». A Concordância de Strong contém mais de uma página de três colunas, registrando tal declaração, que deve aparecer cerca de quatrocentas vezes no Antigo Testamento. Para exemplificar: II Sam. 7:5; 12:7; I Reis 20:13; 21:19; II Reis 1:4; 2:21; 3:10,17; I Crô. 17:4; Isa. 7:7; 10:24; 37:6; 44:2; Jer. 2:5; 4:3; 9:17,22; 22:1,3,6; Eze. 2:4; 5:5; 21:24; Amós 1:3,6,11,13; 2:1; 3:11; Miq. 2:3; 3:5; Naum. 1:12; Sof.1:3,4,14,16,17; 8:2-4,6,7.
6.  Os Reis. No Antigo Testamento, os reis de Israel e de Judá não foram meras figuras políticas. Antes, foram ungidos por profetas (I Sam. 1:10); esperava-sedeles que liderassem a nação à santidade. Um rei era o  escudo do povo (ver Sal. 84:9; 89:18). O rei, em certo sentido, tinha precedência sobre os profetas, como líder do povo, o que incluía a questão das realidades espirituais. Foi o rei Davi quem desejou edificar o templo, como grande lugar de mediação; e a Salomão, seu filho, outro rei, foi dado cumprir esse propósito. Contudo, em Cristo, que é o grande Rei, esse ofício teocrático chegou à plena fruição. Em Cristo, temos a promessa da fruição do reino de Deus.«Na realeza de Cristo, portanto, a mediação é clara.Deus toca em seu povo através do rei; o povo contava que o rei se apresentaria diante de Deus, em lugar deles; o rei oferecia-se como um servo de Deus, e o povo aceitava-o como seu servo. Não importa em que direção estejamos contemplando: de Deus para o homem, ou do homem para Deus. Cristo, o nosso Rei, é o nosso Mediador» (Z). Ele é o Mediador do reino de Deus, em nosso benefício (ver Col. 1:13).
7.  O Logos. Esse conceito é bastante antigo, tendo começado antes mesmo da época do Novo Testamen­to. João incorporou-o na teologia cristã, conferindo- lheum novo sentido, uma nova dimensão. Temos provido um artigo detalhado acerca do Lógos. O Lógos é o mediador cosmológico e universal de Deus, diante de todos os seres inteligentes, e não somente diante dos homens. No Novo Testamento, o seu ofício medianeiro é apresentado através da encarnação (vide). Filo, antes da época neotestamentária, já havia personalizado esse conceito, tendo-se referido, ocasio­nalmente, ao Lógos, como o Anjo do Senhor. Porém, a encarnação foia contribuição joanina a esse conceito No princípio, o Lógos já existia, e era o próprio Deus; mas, era distinto de Deus Pai. Então, encarnou-se no  homem. Ver João 1:1,2,14. Em seguida, o Logos é associado ao Filho, que é o Mediador da filiação a Deus (ver João 1:12; Rom. 8:15 ss‘, 8:29; II Cor. 3:18). Ê dessa maneira que ós remidos chegam a participar de toda a plenitude de Deus (ver Efé. 3:19) e da própria natureza divina (ver II Ped. 1:4). O ato final de mediação de Jesus Cristo será a condução de muitos filhos à glória, para que se tornem parte da família divina, compartilhando da natureza do Filho (ver Heb.2:10; Rom. 8:29). Quando dizemos que Cristo é o Mediador da salvação, dizemos que ele está mediando aos homens a sua própria natureza, porquanto esse é o grande alvo desse ofício. Como é óbvio, nesse sentido, somente Cristo é o Mediador, ainda que, em outros sentidos, existam outros mediadores secundários.
8.    Os ministros do evangelho, a começar pelos apóstolos, mas incluindo profetas, evangelistas, pastores e mestres, são mediadores, mais ou menos no mesmo sentido em que o foram Moisés e os sacerdotes levíticos, no Antigo Testamento. Os apóstolos e profetas formam o fundamento da Igreja (ver Efé. 2:20). O contexto dessa passagem mostra-nos o que está em jogo em nossa reconciliação com Deus, de tal modo que nos tornamos concidadãos da casa de Deus. A revelação cristã foi mediada através da obra de homens que se dedicaram a esse mister. O próprio Novo Testamento foi dado através da agência dos apóstolos e seus discípulos imediatos, tendo assim ultrapassado as revelações veterotestamentárias, con­ferindo-nos aquilo que Deus nos quis ensinar por meio de Cristo. Isso exigiu a atuação de mediadores humanos impulsionados pelo Espinto Santo com essa finalidade.
9.   O Espírito Santo. Ele é o alter ego de Cristo, que veio tomar o lugar de Cristo no meio de seu povo e dar prosseguimento à sua obra, conforme se aprende em João 16:7. Ver o artigo sobre o Paracleto, quanto ao desenvolvimento dessa idéia. O trecho de Rom. 8:26,27 mostra-nos que o Espírito ativa-se como Mediador de nossas orações, com o propósito de ajudar-nos em nossas orações e de cumprir a vontade de Deus em nossas vidas.
10.  O próprio Cristo incorpora em si mesmo os princípios da mediação. Ver a seção III, abaixo, intitulada Cristo, o Único Mediador.
III. Cristo, o Único Mediador
Já vimos que há muitos mediadores secundários. Porém, quando falamos acerca da salvação, e como ela é mediada aos homens, então, forçosamente, vemo-nos reduzidos — a um único mediador. Jesus Cristo.
I    Tim. 2:5: Porque há um só Deus e um só Mediador entre Deus e os homens. Cristo Jesus, homem.
A Polêmica de Paulo
1.  Os gnósticos contavam com uma doutrina «deista» a respeito de Deus. Imaginavam que a matéria é má por si mesma, e, assim sendo, Deus nunca poderia aproximar-se dela, pois, em tal caso, ficaria contaminado. Portanto, segundo pensavam, para que Deus pudesse exercer controle sobre esta crassa dimensão terrena, eles falavam sobre muitas «emanações» (os aeons, ou seres angelicais), que exerceriam influência sobre esferas a eles distantes, incluindo nosso planeta. Um desses supostos «aeons» (que alguns antigos, como Márcion identificavam com o Deus Yahweh do A.T.) teria sido o criador desta terra. Para os gnósticos, entretanto, esse não era o Grande Deus, mas apenas alguma emanação distante do verdadeiro Deus. Para todos os efeitos práticos, pois, Deus não teria o mínimo contato direto com a terra. Isso é a substância mesma do «deísmo». Para os gnósticos, os diversos «aeons» eram «pequenos deuses» em suas respectivas esferas de influência; eram mediadores do verdadeiro Deus, e serviam para abrir o caminho até ele. Em outras palavras, alguns poucos homens poderiam retomar a Deus, através da ajuda dos «aeons».
2.  A decidida declaração monoteísta de Paulo, que aqui se lê, tinha por escopo contradizer tais noções, além de asseverar a existência do Deus «teísta», ou seja, o Deus que está interessado pelo homem quecriara, que mantém o contacto com ele, e que tanto castiga quanto recompensa, conforme o caso. Existe apenas um único Deus; existe apenas um único Mediador (e não um imenso número deles, os supostos «aeons»). Deus entra em contacto direto com os homens (posição do teísmo), através do Senhor Jesus Cristo (o teísmo cristão). Não há a menor necessidade de muitos «pequenos deuses», para que os seres humanos recebam benefícios espirituais.
3.  A polêmica paulina, que expunha Cristo como oúnico mediador, contradizia a noção gnóstica da necessidade de muitos mediadores na criação—um dos quais seria o mediador de uma determinada criação, e outros de diferentes criações. Esse mesmo princípio paulino continua rebatendo certas noções ainda bem vivas na cristandade moderna, as quais supõem que não somente anjos, mas até mesmo seres humanos, são mediadores dos benefícios divinos estendidos aos homens, chegando eles ao extremo de perdoarem pecados. O gnosticismo sobrevive na cristandade moderna, e sob váriasformas! Acautele- mo-nos — são idéias perigosas!
Em contraposição a essa esdruxula doutrina gnóstica,temos aqui a declaração inequívoca que sô existe, realmente, um Deus, e não uma grande e quase interminável sucessão de «aeons» angelicais, que compartilhariam da divindade, os quais por essa mesma razão, seriam quais «pequenos deuses». Assim sendo, não há nenhuma necessidade de uma sucessão interminável de «emanações intermediárias» para que Deus possa aproximar-se do homem, ou para que o homem possa achegar-se a Deus, ficando assim relacionado o infinito com o finito. Basta um só «Mediador», o qual é o Deus homem. Jesus Cristo, o qual participa da natureza divina e da natureza humana, estando assim apto para desempenhar a sua missão remidora e restauradora do homem à presença de Deus, ainda que o homem esteja realmente muito, muito afastado de Deus (com o que podemos concordar com os gnósticos, que também falavam sobre tal afastamento). Não obstante, Cristo, o único Mediador, tem o poder de restaurar o homem, por si mesmo, já que não precisa de qualquer ajuda a fim de realizar a sua missão. Por conseguinte, ião negadas aqui quatro inverdades, a saber: 1. O conceito deísta de Deus, postulado pelos gnósticos; 2. a idéiagnóstica de uma sucessão interminável de intermediários entre Deus e os homens; 3. o conceito gnóstico das emanações e da mediação; 4. o ponto de vista tão inferior que tinham os gnósticos acerca de Cristo, o que lhe roubava sua posição divina e sua missão remidora.
Naturalmente, este versículo tem sidocorretamente usado contra outros sistemas, orientados para o politeísmo, como é o caso do mormonismo. Também se combate, através dele,idéias como as de muitos mediadores, como anjos, santos, sacerdotes humanos, etc., que são doutrinas que caracterizam o catolicismo  romano. Por outro lado, este versículo não nega a realidade do «ministério dos anjos». Porém, aqui aprendemos que, dentro do plano da redenção, Jesus Cristo ocupa lugar ímpar, como único e exclusivo representante do Pai. É justamente isso que o presente versículo procura nos ensinar. O conceito bíblico da Trindade, apesar de não ser na Bíblia usada essa palavra, é uma conceituação teológica que procura preservar a distinção entre as pessoas de Deus Pai, de Deus Filho e de Deus Espírito Santo, ainda que todos tenham uma só essência. (Ver o artigo sobre a doutrina da Trindade).
As «epístolas pastorais» muito dizem acerca dos atributos divinos, bem como acerca das relações entre Deus Pai e Deus Filho; mas sempre o faz com propósitos polêmicos, a fim de negar algum aspecto da doutrina gnóstica. A expressão frequentemente usada nessas epístolas, «Deus Salvador», faz parte desse esforço. (Ver no NTI as notas expositivas a esse respeito, em I Tim. 1:1 e 1:3). Isso nos mostra que Deus não está distanciado de nós. Bem pelo contrário, ele se faz presente entre os homens por meio de Cristo, com o intuito de redimi-los.Outrossim, ele está interessado em que ninguém pereça (ver I Tim. 2:4), mas antes, seu interesse profundo é que todos venham a receber a plena redenção. — E isso derruba por terra o deísmo inerente ao gnosticismo. Deus é um Deus «teísta», e não «deísta». (Acerca de outras passagens, nestas «epístolas pastorais», onde se afirma algo mais sobre a natureza e os atributos de Deus, ver I Tim. 3:15; 4:10; 6:13,15,16; II Tim. 2:12 e Tito 1:2).
Mediador. No grego temos a palavra «mesites», que significa «árbitro», «mediador» (ver Gál. 3:19,20). Na epistola aos Hebreus, esse termo é usado em vários trechos para referir-se a Cristo (ver Heb. 8:6; 9:15 e 12:24). Cristo, na qualidade de mediador, torna realidade os propósitos salvadores de Deus para os homens. Sua missão terrena inteira foi efetuadadentro do âmbito dessa mediação. Mas, além disso, nos céus, Cristo continua ocupando a posição de mediador, intercedendo incessantemente por seus remidos. O Espírito de Deus também intercede por nós, em nome de Cristo (ver Rom. 8:27), e isso envolve nosso progresso espiritual e nossas necessidades diárias. Já a passagem de Heb. 9:15 nos ensina que Cristo é o mediador do «novo pacto» ou «novo testamento», como algo incluso erfl seu labor expiatório, porquanto isso é que dá aos homens o direito à herança eterna, através das provisões de seu testamento, porquanto Cristo «morreu por nós». (Ver Rom, 8:17 e as notas expositivas ali existentes no NTI sobre a idéia de «herança»). Todo o bem-estar espiritual nos é proporcionado através de seu ofício intermediário. Como um último aspecto, o verdadeiro acesso a Deus Pai nos é dado através de Cristo, permitindo-nos que nos tornemos habitação de Deus (ou templo de Deus) no Espírito (ver Efé. 2:22). Acerca disso, levemos em conta os pontos abaixo:
1.  Houve a mediação preencamada de Cristo (ver João1:3,10; Col. 1:6 e Heb. 1:2). Isso teve lugar na criação, pois Cristo foi o criador, que fez o trabalho de Deus Pai. E nos próprios decretos divinos Cristo já agira como mediador da salvação dos homens, desde a eternidade passada (ver Efé. 1:3,4). A eleição é «em Cristo» (ver Rom. 8:29), e todas as bênçãos celestiais fluem da parte de Cristo, sendo mediadas por ele (ver Efé. 1:3).
2.  Houve a mediação na salvação e na redenção, quando do ministério terreno de Cristo (ver Heb. 9:15; João 3:17; Atos 15:11; 20:28; Rom. 3:24,25; 5:10,11; 7:4; II Cor. 5:18; Efé. 1:7; Col. 1:20 e I João 4:9). A vida, a morte, a cruz e o sangue de Cristo são os elementos dessa mediação. Além disso, Cristo é o Filho de Deus, enviado por Deus Pai, para redimir os filhos. O trecho de João 3:17 tem esse tema, o qual se repete por mais de quarenta vezes no quarto evangelho. O Pai enviou o Filho, para que este realizasse sua missãoremidora. Essa declaração envolve muitas implicações teológicas acerca da natureza do Filho, o que é comentado no NTI naquela referência. Acrescente-se a isso que a mediação de Cristo produz a paz com Deus, a reconciliação entre o homem e Deus, que eram partes antes alienadas entre si (ver Rom. 5:1 eEfé. 2:12-17). A propiciação pelo sangue de Cristo visaa ira justa e o julgamento reto de Deus, e Jesus, na qualidade de sacrifício expiatório, torna Deus favorável aos homens (ver I João 2:2).
3.    Há uma mediação contínua de Cristo: ele continua vivo e continua sendo o nosso mediador. (Ver João 14:6; Rom. 5:2 e 8:34). Por meio dele entramos na posse de todas as bênçãos espirituais (ver Efé. 1:3; Rom. 1:5; II Cor. 1:15,30, e Fil. 1:11).
Uma aplicação moderna: se Cristo é o único e suficiente mediador, de onde surge a necessidade de supostos mediadores angelicais e humanos? As doutrinas da mariolatria, das orações endereçadas aos «santos», da confissão auricular, etc., são outros tantos descendentes da idéia gnóstica de muitos mediadores. Mas há descendentes doutrinários mais sutis, como é o caso da posição atribuída a Jesus Cristo, por parte dos russelitas, auto-intituladosTestemunhas de Jeová. Segundo eles, Yahweh seria o único verdadeiro Deus. Jesus Cristo seria um «deus» secundário, apenas. (Isso equivaleria a um dos «aeons» dos antigos gnósticos. Tanto isso é verdade que Cristo é tido, entre os russelitas, como uma manifestação de um arcanjo dos mais elevados, mas nunca como o próprio Deus que se manifestou em carne). Em vista disso, aceitemos os avisos contidos, por exemplo, em I João 4:2,3: «…todo espírito que confessa que Jesus Cristo veio em carne é de Deus, e todo espírito que não confessa Jesus, não procede de Deus, pelo contrário, este é o espírito do anticristo, a respeito do qual tendes ouvido que vem, e que presentemente já está no mundo».
4.  Há uma mediação futura: a obra de Cristo é aplicável a todas as fases de nossa redenção. A sua glorificação será por nós compartilhada, e isso envolverá um processo eterno, e não um acontecimen­to isolado. (Ver as notas em II Cor. 3:18no NTI acerca desse conceito). Jamais chegará o tempo em que essa mediação de Cristo tornar-se-á desnecessária e obsoleta. E posto que a glorificação éo aspecto celestial da salvação, então a própria salvação precisa ser considerada como um processo eterno, mediante o qual iremos passando de um estágio de glória para outro, indefinidamente. Pois assim como o Cristo foi o criador de tudo (ele é o Alfa), também é o alvo da criação inteira (ele é o Ômega). E isso jamais deixará de ser verdade.
5.   O Alvo da Mediação de Cristo. Conforme já vimos, a salvação é mediada aos homens por meio de Cristo, o Filho de Deus. Salvação pode ser definida comofiliação, sendo esse o próprio alvo de sua mediação. Os homens chegam a compartilhar da natureza e da imagem de Cristo (ver Rom. 8:29); através do poder do Espírito Santo (ver II Cor. 3:18); e assim tornam-se filhos da família divina, participantes da glória de Deus (ver Heb. 2:10); participantes da plenitude de Deus, da natureza divina e de seus atributos (ver Efé. 3:19; II Ped. 1:4).
IV.   A Oração e a Mediação
1.  Do Espirito Santo. Ele é o supremo Mediador de nossas orações, visto ter a capacidade de proferir aquelas coisas que para nós são impossíveis de entender ou de exprimir. Acresça-se a isso que sua mediação é perfeita, nada tendo de mundano, de maus motivos ou de debilidades humanas. Ver Rom.8:27. A sua mediação nas nossas orações faz parte de seu ofício como o alter ego de Cristo, o divino Paracleto. Ver os artigos gerais intitulados Oração; Espírito e Paracleto.
2.  Do Filho. Ele é um mediador das orações feitas pelos filhos de Deus. O próprio Senhor Jesus instituiu esse ofício, e informou seus discípulos a respeito. Ver João 14:13,14. Se pedirmos alguma coisa em seu nome, Ele a fará, segundo enfatiza o vs. 14 dessa passagem. Se permanecermos dentro de sua vontade, poderemos pedir o que quisermos, e isso nos será feito (ver João 15:7), Destarte, a comunhão com o Filho torna-se o alicerce da oração bem-sucedida. O trecho de I João 2:1 diz que o Filho é o nosso Advogado junto ao Pai. A palavra grega ali usada éparâkletos, alguém que se põe ao lado, a fim de ajudar. Está em foco, acima de tudo, a questão de nossos pecados e a confissão dos mesmos, a fim de recebermos perdão, embora o ofício de Cristo seja geral e não possa ser limitado a isso somente. Fica assim assinalado o ofício de Cristo como representanteda humanidade na corte celestial, onde o caso do crente é defendido com base em sua identificação com Cristo, e porque aquilo que ele é agora não é o que será mais tarde, uma vez que a operação transformadora do Espírito insufle nele a verdadeira santificação. Naturalmente, está em pauta a expiação(ver I João 1:7,9), mas podemos ter a certeza de que está em foco o ofício inteiro de Cristo como nosso Salvador e Ajudador. De fato, algumas traduções traduzem parâkletos como «ajudador». Essa questão envolve a oração, visto ser esse o nosso meio de comunicação e a maneira pela qual pedimos socorro.
3.  A Mediação dos Anjos na Oração. Há alguma base bíblica para essa crença, embora seja um assunto não muito enfatizado no Novo Testamento. Entretan­to, esse aspecto recebeu bastante atenção nos escritos rabínicos.
Apo. 5:8: Logo que tomou o livro, os quatro seresviventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos.
Os grupos protestantes, em sua ansiedade de fazerem de Cristo o único Mediador (ver I Tim. 2:5), têm relutado em admitir tal possibilidade de mediação angelical, mas nada disso contradiz a posição de Cristo como nosso Mediador, já que os anjos são seus servos. Tudo quanto fazem fazem-no por delegação sua, e pode ser corretamente atribuído a Cristo. Parece que temos subestimado o ministério dos anjos, mas neste versículo, é claro que os anjos tornam-se meios da apresentação do incenso a Deus, e incenso simboliza a oração.
1.  A suposição de que a «mediação dos anjos» na oração, que se reflete neste versículo, dá apoio à idéiade que se deve «orar aos anjos» (e, portanto, aos santos), é exagerar o sentido tencionado, e não uma interpretação do texto sagrado. Pois é melhor conceber que os anjos mediam as orações dos crentes, sem que estes dirijam suas orações àqueles.
2.    O ofício de mediador das orações a Deus, segundo Orígenes (ver «De Prin.» i.8.1), é atribuído a Miguel. Mas no Apocalipse de Paulo 7—10, isso é atribuído aos «anjos guardiães». Em III Baruque 11, Miguel desce até o quinto céu a fim de recolher as orações de toda a humanidade, para então conduzi-las ao trono, a porção mais elevada dos céus. O Apocalipse de Paulo 7—10 retrata as portas dos céus a se abrirem em tempos determinados, a fim de receberem essas orações. No Testamento de Leviiii.5,6, Miguel também é retratado a fazer propicia­çãoao Senhor pelos pecados dos homens. Nesse mesmo documento, os «arcanjos», no quinto céu, recebem as orações da parte de anjos inferiores, levando-as à presença de Deus. O vidente João parece confirmar essa espécie de sistema, pois os vinte e quatro anciãos poderiam ser vistos aqui como arcanjos, a realizar a mesma função atribuída aos poderosos arcanjos dos escritos judaicos do período helenista. Assim é que no Testamento de Levi iii.5-7, os arcanjos aparecem, investidos de funções sacerdo­tais, tal como havia «ministros» no templo de Jerusalém, aos quais se dava o nome de «sacerdotes» e que também intercediam em favor dos homens. Portanto, os vinte e quatro anciãos são vistos aqui como sacerdotes do templo celestial, embora essa não fosse, necessariamente, a única função deles. Os sacerdotes terrenos faziam, às vezes, de mediadores, mas ninguém orava diretamente a eles. Assim, pois, nem os sacerdotes celestiais deveriam ser o alvo das nossas orações, mesmo que atuem como mediadores das orações dos santos.
3.   Não deveria servir de motivo de desinteresse e desgosto o fato de que os anjos atuam como mediadores. Nem se deveria pensar ser isso estranho. Não obstante, todos os mediadores receberam seu ofício simplesmente por causa do ofício medianeiro de Cristo, que em alguns aspectos pode ser e é delegado a outros seres. Nenhum desses seres poderia ser mediador à parte de Cristo.
4.  O presente versículo tem sido usado em apoio àidéia de que a igreja que já se acha nos céus ora pela igreja que ainda está na terra; e é possível que isso seja uma verdade, embora não apoiada por este versículo, porquanto os vinte e quatro anciãos não são seres humanos. Entretanto, o fato de que representam seres humanos e entoam o hino da redenção (ver os versículos nove e dez deste capítulo) pode favorecer indiretamente essa oração celestial, embora tambémhumana.
5.   Não é somente a igreja que se interessa pela revelação atinente aos últimos dias, acerca de como Deus será vitorioso em meio à agonia, propiciando-lhe a oportunidade de abençoar ricamente. O versículo à nossa frente mostra-nos que essa é igualmente a preocupação dos mais elevados poderes dos céus. A criação inteira geme, anelando pela revelação dos filhos de Deus (ver Rom. 8:19).
6.   As taças que contêm as orações dos santos são de «ouro». Portanto, essas orações se revestem de grande valor e poder. Certamente cumprirão o seu propósito.
7.   O mundo celestial se interessa pelo estado do homem, pela redenção humana. Isso expressa aposição do teísmo, em contraste com a posição do«deísmo». O primeiro ensina que Deus está profundamente interessado pelos homens, fazendo interven­ção na história humana, recompensando ou castigan­do aos homens. O deísmo, em contraste com isso, pinta Deus como um poder supremo, mas divorciado inteiramente da sua criação, tendo deixado que as leis naturais governem a criação; por conseguinte, não faria Deus qualquer intervenção na história humana, e nem castigaria ou galardoaria.
4.   A Mediação dos Santos no Céu. Os crentes que já se acham no céu, podem mediar por nós, e realmente o fazem, incluindo a apresentação de nossas orações diante de Deus? Muitos teólogos cristãos têm pensado assim, com base na doutrina da comunhão dos santos(vide). Para os católicos romanos, naturalmente, isso inclui a mediação dos santos, que se achariam em boa posição para desempenhar esse papel. Tal doutrina, entretanto, jamais transparece nas páginas do Novo Testamento. Alguns têm usado Apo. 5:8 como texto de prova; mas os vinte e quatro anciãos, mui provavelmente, são seres angelicais, e não seres humanos, o que significa que tal passagem não oferece apoio algum para tal idéia. Contudo, se aqueles vinte e quatro anciãos representam seres humanos que entoam o cântico da redenção, então, as almas humanas glorificadas têm bem mais poder do que temos pensado, o que seria ilustrado pelas condições em que se acham. Nada disso, naturalmen­te, tem qualquer coisa a ver com a questão da salvação, a despeito do que podemos ter ali um claro ensino neotestamentário.
5. A Mediação da Virgem Maria e dos Santos. Ver a seção V, abaixo.
V.   A Mediação da Virgem Maria e dos Santos
A doutrina da comunhão dos santos (vide) favorece aidéia que diz que certos cristãos especiais, que obtiveram uma elevada posição na escadaria do desenvolvimento espiritual, podem servir de mediado­res para seus irmãos menores, importando-se realmente com isso. Se isso exprime uma verdade, então podemos afirmar que isso faz parte do ofício de Cristo, dado por delegação dele, mas que nada tem a ver com a questão da salvação. Mesmo admitindo-se isso, — devemos ajuntar que nada existe, na Bíblia, que ensine tal mediação humana.
Da Virgem Maria. Maria é invocada pela Igreja Católica Romana sob o titulo de Mediadora (ConcílioVaticano II, Constituição Dogmática da Igreja, art. 62). Quanto a essa questão, queremos fazer a seguinte citação:
«Não é incompatível com a mediação exclusiva de Cristo considerar Maria como uma figura que representa a comunidade dos fiéis, conferindo-lhe consentimento receptivo na fé, não somente para o próprio benefício dela, mas também para benefício da comunidade dos remidos. Assim, em um verdadeiro sentido, ela tornou-se mediadora para outros seres humanos, mesmo que ela, na realidade, não esteja postada entre Deus e os homens. Fundamentalmente, tais decisões salvatícias, feitas pelos seres humanos, têm uma espécie de significação medianeira para a comunidade à qual estão unidos, mesmo que não seja possível determinar o efeito dessa mediação. E, em comparação com a mediação de Cristo, a mediação dela é derivada e análoga. Porém, sua realidade é produzida pela operação da graça redentora de Cristo, que, naturalmente, não é recebida apenas passivamente pelo homem, pois capacita-o a compar­tilhar ativamente da ação redentora de Cristo» (R).
Maria, naturalmente, é considerada pelo catolicis­mo romano como intensamente interessada pela aviltada situação humana, visto que os membros da Igreja são metaforicamente considerados como filhos dela. As pessoas apelam para ela como uma mãe que exerce influência junto ao augusto Filho de Deus, que é tão augusto que convém aos homens aproximarem-se dele por meio de sua mãe. É evidente, porém, que doutrinas dessa ordem não se estribam sobre o Novo Testamento, mas antes, surgiram dogmaticamente, nos pronunciamentos dosconcílios, que a Igreja Católica Romana e a Igreja Ortodoxa Oriental aceitam como autoritários. Por sua vez, os protestantes e evangélicos rejeitam essas adições como produtos da imaginação humana, como especulações daqueles que não se limitam aos ensinamentos bíblicos. Uma palavra de cautela é útil, neste ponto. Deveríamos ter grande respeito pela doutrina da comunhão dos santos, a qual envolve muita lógica, além de contar com o respaldo de alguns trechos bíblicos. Com base nisso, podemos até supor que somos representados e ajudados pelas almas glorificadas dos homens. Todavia, apesar disso não poder transformar-se em dogma, pode fazer parte de nossa esperança cristã. Há uma grande comunidade de santos que nos observam e nos animam em nossa corrida espiritual (ver Heb. 11). Talvez a ajuda que eles nos prestam seja maior do que temos compreendido.
VI.   O Teísmo e a Mediação
Os gnósticos acreditavam em um Deus absoluta­mente transcendental. Não criam que Deus pudesse ou quisesse envolver-se com a matéria. Assim sendo, a fim de Lhe darem o controle sobre os mundos materiais (embora muitos deles não acreditassem ter sido criados pelo Deus supremo, mas pensavam quetinham sido criados pelo demiurgo, uma divindade secundária), eles conceberam uma longa sucessão deaeons ou mediadores angelicais. Eles pensavam que a luz de Deus, à proporção que se afastava dele, ia se tornando mais e mais débil, até chegar ao caos e à agitação, porquanto, na matéria bruta, a luz de Deus praticamente já não resplandece. Com esse tipo de sistema, em lugar de um único Mediador, o Filho de Deus, o gnosticismo dispunha de incontáveis mediadores, cada qual um pouco mais distante de Deus, mais e mais perdido nas trevas. O resultado prático desse sistema é que eles concebiam um Deus deísta, e não teísta. Em outras palavras, Deus não estaria diretamente interessado pela criação (o que, nesse caso, nem ao menos era dele, diretamente). Oteísmo, por sua parte, pensa que Deus foi quem criou tudo, estando sempre pronto a intervir, a recompen­sar os bons e a punir os maus. O coração humano acredita na pluralidade, pelo que os sistemas religiosos sempre gostam de conceber um grande número de mediadores entre os homens e a divindade« O cristianismo, em sua doutrina dos anjos, retém essa pluralidade; e nos sistemas cristãos em que os santos são importantes, mais ainda é adicionado a essa pluralidade. Se o Filho de Deus é por demais augusto para nos aproximarmos dele diretamente, então, de acordo com alguns, sua mãe poderia ajudar, como mediadora. Seja como for, no cristianismo bíblico, a despeito de quantos mediadores alguns afirmem que existem, por quaisquer razões, a verdade é que temos ali o teísmo(vide), e não o deísmo (vide). Isso posto, nenhuma doutrina de mediação deveria obscurecer essa realidade.

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