Introdução a Carta aos Romanos


Nenhuma pessoa tem exercido tanta influência como intérprete do Senhor Jesus e da fé cristã como o apóstolo Paulo, quer nos tempos antigos ou modernos. Certos elementos se têm mostrado infelizes ante essa influência de Paulo, porquanto supõem que ele perverteu o evangelho de Cristo, — em vez de interpretá-lo corretamente, sobretudo no que diz respeito à sua doutrina da graça, porquanto, com base nos evangelhos sinópticos, poderíamos supor que o Senhor Jesus sempre foi um típico judeu, em sua doutrina soteriológica. Porém, até mesmo aqueles que assim encaram o apóstolo Paulo precisam admitir que ninguém jamais exerceu influência semelhante à sua, por todo o mundo cristão, em qualquer época. Por causa da grande importância de Paulo, um artigo foi devotado a ele, sob o título Importância de Paulo. Esse artigo oferece as informações conhecidas e pertinentes sobre o passado de Paulo, suas viagens missionárias, suas doutrinas e suas relações com Jesus, tudo o que aborda os mais difíceis de todos os problemas do N.T., isto é, as supostas e aparentes diferenças entre a soteriologia de Paulo e a soteriologia do Senhor Jesus.
Alguns estudiosos têm acusado Paulo de rabinizar o evangelho, devido ao seu passado e treinamento do farisaísmo, ao passo que outros afirmam que ele corrompeu o evangelho mediante a injeção de filosofias e ideias helenistas, com base nas antigas religiões misteriosas. Não obstante, no N.T., não encontramos evidências que consubstanciem essas afirmativas, porquanto Paulo sempre foi apoiado pelos demais apóstolos, conforme o livro de Atos demonstra de forma geral, sobretudo o seu décimo quinto capítulo, ou como o demonstram o primeiro e o segundo capítulos de sua epístola aos Gálatas. S apomos que nenhum dos apóstolos jamais abando­naria a doutrina ensinada pelo Senhor Jesus, e os apóstolos é que estavam na melhor posição de saber o que ele realmente ensinava. Ê extremamente impro­vável que Paulo tivesse obtido o apoio dos outros apóstolos para um «evangelho» que não fosse o de Jesus Cristo. Dependemos, portanto, desses escritos sagrados, que nos garantem que a interpretação paulina, até onde seguia paralelamente àquilo que Cristo ensinou, são representações fieis do pensamento do Senhor Jesus, o que significa que Paulo é um de seus intérpretes válidos.
Naturalmente, isso não significa que a doutrina paulina não vá além de qualquer coisa que o Senhor Jesus ensinou, porque toda a sua doutrina da igreja, o chamamento e destino da mesma, bem como a sua doutrina da transformação dos remidos segundo a imagem de Cristo (ver Rom. 8:29; Efé. 1:23 e II Cor. 3:18), são doutrinas baseadas em revelações que foram dadas essencialmente a ele. Em um sentido verdadeiro, portanto, Paulo foi o instrumento por meio do qual foram dadas novas revelações ao mundo, embora através da dispensação do Cristo ressurreto.
O apóstolo Paulo foi o vaso escolhido de Cristo glorificado para levantar a igreja cristã no mundo gentílico, revelando a todos os homens qual é a vontade de Deus por meio de sua igreja, e, ao mesmo tempo, para revelar quais são os mais altos cimos do destino humano, tudo de conformidade com o plano divino. A fim de cumprir apropriadamente essa missão, Paulo teve de ser o incansável missionário evangélico do mundo gentio, bem como o profeta inspirado, através de seus escritos inspirados. Mediante a combinação desses dois fatores, naqueles primeiros tempos do cristianismo, Paulo ergueu, quase sozinho, a igreja cristã no mundo pagão.
Se tivermos de falar sobre a influência literária de Paulo, será extremamente difícil exagerar acerca do impacto que a sua epístola aos Romanos tem exercido durante todos os séculos. Eleva-se acima de todas as demais porções do N.T. em sua declaração sobre a independência da igreja de Cristo. Dentro de sua mensagem jazem, em forma de semente, todas as características distintivas do cristianismo. Lutero costumava dizer que se pudéssemos preservar somente o evangelho de João e a epístola aos Romanos, o cristianismo seria salvo.
Embora outras das epistolas de Paulo, como aquela que dirigiu aos Efésios, por exemplo, desenvolvam alguns temas de forma mais completa que sua epístola aos Romanos, já que Efésios acentua mais a doutrina da igreja, contudo, como uma expressão total da fé cristã, nada que existe em todo o N.T., pode equiparar-se à epístola aos Romanos. Acima de todos os outros livros neotestamentários, a epístola aos Romanos expressa a teologia paulina, a qual tem determinado o rumo do pensamento teológico da igreja cristã. Nos tempos modernos, em face da desintegração parcial do cristianismo, os princípios básicos exarados na epistola aos Romanos são ou ignorados ou pervertidos. Seria aconselhável, pois, darmos, atenção à seguinte citação:
«A única esperança do cristianismo reside na reabilitação da teologia paulina. Ela volta até os princípios fundamentais do Cristo encarnado e do sangue expiatório; sua alternativa é a continuação até o ateísmo e o desespero». (Francis L. Patton, ex-presidente da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos da América do Norte).
«Ouvir a leitura, conforme faço continuamente, das epístolas do bem-aventurado Paulo… deleito-me no aprazimento de sua trombeta espiritual, e o meu coração salta de alegria, e os meus anseios começam a vibrar, ao reconhecer aquela voz que me é tão clara, que me parece estar diante de mim a imagem do orador, vendo-o a discursar. Lamento, porém, e me aflijo, porque nem todos conhecem esse homem como deveriam conhecê-lo… E é disso qus se originam nossas miríades de males—de nossa ignorância sobre as Escrituras. Isso explica a epidemia de nossas heresias; isso explica nossas vidas negligenciadas, e isso explica nossos labores infrutíferos». (Crisóstomo, no preâmbulo de suas homilias sobre a epístola aos Romanos).
«Posto que essa epístola (aos Romanos)… é uma luz e uma vereda para a totalidade das Escrituras, penso que convém não somente que cada crente a conheça, de memória, ainda que não disponha do livro escrito, mas também que se exercite na mesma, sempre e continuamente, como se fora o pão diário de sua alma. Verdadeiramente, ninguém pode lê-la com demasiada frequência, ou estudá-la demasiadamente bem; pois quanto mais a estudamos, mais fácil ela se toma; quanto mais a mastigamos, mais agradável ela fica, e quanto mais meditativamente ela é pesquisada, maior é o número de preciosidades que ali descobrimos, tão grande é o número de tesouros espirituais que ali se oculta». (W. Tyndale, conforme foi citado por Lutero).
«Já perto do final de uma de minhas noites de padecimentos, eram quatro e meia da madrugada pedi ao meu bondoso guardião… que me lesse um capítulo da Palavra de Deus. Ele propôs ler-me o oitavo capítulo da epístola aos Romanos. Concordei, com a condição de que, a fim de garantir a conexão de ideias, ele voltaria ao sexto e mesmo ao quinto capítulos. E assim lemos, em sucessão, quatro capítulos, o quinto, o sexto, o sétimo e o oitavo, e não mais pensei em dormir… Então lemos o nono capítulo, e as passagens restantes até o fim, com um interesse sempre igual e constante, e em seguida lemos ainda os quatro primeiros capítulos, para que nada se perdesse. Cerca de duas horas se tinham passado… Não posso dizer-vos o quanto fiquei impressionado, ao assim ler a epístola aos Romanos como um todo, com um selo de divindade, de verdade, de santidade, de amor e de poder, que se encontra impresso em cada uma de suas páginas, em cada uma de suas palavras. E sentíamos, meu jovem amigo e eu… que estávamos ouvindo uma voz vinda do céu». (A. Monod, «Adieux», §V., Quelques Mots sur la Lecture de la Bible).
Porém, talvez seja melhor deixarmos de lado os louvores sobre a excelência da epístola aos Romanos, observando o que disse Calvino: «No que diz respeito à excelência desta epístola, não sei se me convém demorar por longo tempo no assunto, pois temó que, através de minhas recomendações, muito aquém do que deveriam ser, eu venha a fazer algo que obscureça os seus méritos, e além disso, a própria epístola, já desde o seu começo, explica-se a si mesma dè maneira muito melhor do que tudo quanto posso fazer com quaisquer palavras. Portanto, parece-me melhor avançar para o argumento, ou para o conteúdo dessa epistola. E ali transparecerá, para além de toda e qualquer controvérsia, que além de outras excelências, as quais são extraordinárias, o seguinte pode ser dito com veracidade a respeito: Quando alguém obtém conhecimento sobre essa epístola, é lhe conferida uma entrada para quase todos os tesouros ocultos das escrituras, embora jamais tudo possa ser suficientemente apreciado».
Estamos, sem dúvida, conscientes da história da vida de Agostinho. Ele lutava com denodo contra os males morais, ainda inconverso, e, sentindo-se perturbado de mente e de consciência, ouviu como que a voz de uma criança que lhe dizia, em latim, «Tolle, lege», que significa: «Toma, lê». Levantou-se e buscou imediatamente um manuscrito da epístola aos Romanos. Abriu-a no que atualmente é o seu décimo terceiro capítulo, onde lemos: «Andemos dignamente, como em pleno dia, não em orgias e bebedices, não  Impuro e dissoluções, não em contendas e ciúmes; mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências» (Romanos 13:13,14). Foi naquele exato instante que o afoito Agostinho se converteu a Jesus Cristo. (Ver Agostinho, «Confissões», livro VI, seção xii.28,29). A epístola aos Romanos tem o poder de ser o «Tolle, lege» de cada um de seus leitores.

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