Integridade da Epístola de Filipenses


Policarpo, em sua epístola aos Filipenses (3:2), indicou que Paulo lhes havia escrito diversas cartas. Não temos meios para determinar quantas foram essas missivas, embora seja universalmente aceito que nossa epístola aos Filipenses representa uma delas. Alguns eruditos creem que nesse livro há fragmentos de mais de uma carta. Assim, pois, se a integridade da epístola é posta em dúvida por alguns estudiosos, isto é, se essa epístola representa uma única missiva ou mais de uma, que teriam sido combinadas, formando a que atualmente conhecemos, por outro lado a «autenticidade» dessa epístola, como genuinamente paulina, raramente foi posta em dúvida.
Assim sendo, a epístola aos Filipenses é vista mais ou menos como I e II Coríntios, as quais são aceitas por muitos eruditos como cartas compostas pelo menos por quatro epístolas, embora tivessem sido combinadas de uma forma a dar a entender que elas fossem só duas. —Assim, podemos supor que houve uma «correspondência de Paulo com Corinto» que envolveu várias epístolas; e partes das mesmas, ou talvez a totalidade de uma ou duas, mais porções de outras, foram combinadas em duas epístolas compos­tas. — Os artigos sobre I e II Coríntios explicam detalhadamente as várias especulações que há sobre essa questão. Por semelhante modo, alguns têm pensado ser a «correspondência de Paulo com Filipos».
No que tange ao problema dessa epístola aos Filipenses, muitos eruditos acreditam que o terceiro capitulo da mesma, ou pelo menos parte da mesma, pertenceria a uma epístola que Paulo escrevera anteriormente, que versaria sobre a controvérsia com os mestres judaizantes. De fato, esse capitulo é de espírito diferente do restante do livro. No primeiro capítulo Paulo alude aos seus opositores com uma atitude de esplêndida magnanimidade; porém, no capítulo terceiro, ele os denuncia em termos severos e os mais violentos. Além disso, esse terceiro capitulo parece ser uma espécie de conclusão de uma epístola, e não um argumento que se possa colocar com naturalidade no meio de uma epístola, conforme aparece em Filipenses. (Ver. Fil. 3:1-4).
Outros intérpretes, entretanto, asseveram que realmente havia dois grupos distintos, para os quais Paulo se referiu. Suas exortações suaves teriam sido dirigidas para aqueles que ele considerava verdadeiros crentes, ao passo que as exortações severas teriam sido feitas contra aqueles que Paulo reputava como falsos pastores, que precisavam de ser amargamente contrariados. É possível que entre esses estivessem alguns judeus hostis, que vaiavam os crentes e os deixavam perplexos embora esses não fizessem parte real da igreja de Filipos. Isso explicaria adequada­mente a diferença de tonalidade, dentro dos limites de uma única epístola.
Igualmente, a palavra finalmente, que aparece em algumas versões (em nossa versão portuguesa, que usamos como base textual deste artigo, se lê «Quanto ao mais…»), no começo do capítulo terceiro desta epístola, não indica necessariamente que a epístola estava prestes a terminar. E mesmo que porventura tivesse sido assim, poderíamos crer que outros pensamentos invadiram a mente de Paulo, o que o teria impedido de encerrar sua epístola, na ocasião precisa em que essa ideia lhe ocorreu pela primeira vez. Qualquer pessoa que esteja acostumada a ouvir discursos ou sermões feitos por pessoas que não se atêm a notas escritas, sabe como suas mensagens podem estender-se, mesmo depois do orador ou pregador ter afirmado que estava prestes a terminar o seu discurso.
O trecho de Fil. 3:1 indica de forma definida que Paulo já havia escrito aos crentes de Filipos em outras ocasiões, e que já havia dito coisas que agora reiterava. Porém, a ideia de que a nossa epístola aos Filipenses contém fragmentos de tal correspondência, apesar de talvez expressar uma verdade, não é fácil de defender; e as defesas a essa teoria, contrariamente ao caso de I e II Coríntios, não são fortes. Assim é que, entre aqueles que consideram certas porções do terceiro capítulo desta epístola como interpolações, não há acordo sobre a extensão das mesmas. Alguns estudiosos põem-lhe ponto final em Fil. 4:3 (como K. Lake), outros em FU. 4:1 (conforme A.H. McNeile, C.S.C. Williams e F.W. Bear), e ainda outros sugerem Fil. 3:19 (como J.H. Michael). Bear considera a epístola como composta por três elementos distintos, a saber, uma epístola de agradecimento, que reconhecia a dádiva dos Filipenses  através de Epafrodito (Fil. 4:10-20), e um fragmento interpolado que denuncia o ensinamento falso dos missionários judaicos—e o antinomianismo de certos crentes gentios (Fil. 3:2-4:1). Essa seção, na opinião de certos eruditos, teria sido dirigida a alguma outra igreja, mas que veio a ser vinculada à nossa epístola aos Filipenses, mais ou menos da mesma maneira que o décimo sexto capitulo da epístola aos Romanos, segundo dizem certos estudio­sos, teria sido uma carta de introdução de Febe, dirigida não para Roma, mas para algum outro lugar, como Éfeso. Além disso, como terceiro elemento de nossa epístola aos Filipenses, haveria o arcabouço geral dessa epístola, constituída pelos trechos de Fil. 1:1—3:1; 4:2-9,21,23.
Vários eruditos acreditam que essa foi a missiva final do apóstolo Paulo à igreja na terra, uma espécie de mensagem de despedida. Ainda outros estudiosos acreditam que o trecho de Fil. 2:5-11 seja pré-paulino ou pós-paulino, composto por outrem, em nome do apóstolo. Há também aqueles que pensam que essa passagem seja uma espécie de hino cristologico, acrescentado pelo próprio Paulo à sua epistola, ou adicionado mais tarde por alguém à correspondência entre Paulo e os crentes de Filipos. Embora algumas dessas especulações possam parecer um tanto plausíveis, a maioria dos eruditos, incluindo muitos de tendências liberais, pensa que essas especulações criam mais dificuldades do que resolvem; e esses eruditos tendem a considerar que a nossa epístola aos Filipenses representa essencialmente uma única missiva de Paulo, a despeito de seus níveis e de sua complexidade de material.

Nenhum comentário: