Fontes Informativas do Evangelho de João


No caso dos evangelhos sinópticos, é tarefa relativamente fácil perceber as fontes informativas básicas dos mesmos, e têm sido largamente aceitas as teorias sobre o protomarcos, o qual ter-se-ia fundamentado na tradição da comunidade cristã de Rima, sobre a fonte informativa «Q», sobre as fontes de ensino usadas por Mateus e Lucas, designadas respectivamente de fontes «M» e «L», tudo alicerçado em tradições eclesiásticas separadas, como teorias de natureza regularmenie aceitáveis e que são passíveis de demonstração.
Afirmações semelhante«, no que tange às fontes informativas utilizadas pelo evangelho de João, não gozam, entretanto, de aceitação universal; e em vista disso vemo-nos frente a frente com um problema que continua a deixar-nos perplexos. Não obstante, o consenso universal, hoje em dia, para todos os efeitos práticos, é de não esperar conhecimento preciso sobre as fontes informativas. O que é inegável é que os evangelhos não são simplesmente narrativas independentes, preparadas por quatro autores diversos, acerca de acontecimentos e declarações que todos teriam visto e conheciam em comum. Em outras palavras, não são meramente diferentes narrativas dos mesmos acontecimentos. É verdade que muitas tradições são refletidas nos quatro evangelhos, algumas delas provenientes diretamente dos apóstolos, outras provenientes dos discípulos dos apóstolos, e algumas outras provenientes do lastro de tradições escritas e orais, que havia na igreja primitiva. Algumas das narrativas ou declarações ali encontradas dependem de uma única testemunha, enquanto que outras contam com amplo número de provas corroboradoras. Abaixo expomos as diversas idéias sobre as fontes informativas do evangelho de João:
1. Dependência de João em relação aos evangelhos sinópticos—Marcos. A defesa mais razoável de que João dependeu, pelo menos parcialmente, do evangelho de Marcos (isto é, do «protomarcos») como sua fonte informativa, foi apresentada por B.H. Streeter, em seu livro The Four Gospels. Ele alude a seis passagens em que as palavras gregas são por demais similares entre os evangelhos de João e de Marcos para serem explicadas como meros acidentes. Essas passagens são as seguintes: João 6:7 com Mar. 6:37; João 12:3 com Mar. 14:3,5; João 14:31 com Mar. 14:42; João 18:18 com Mar. 14:54; João 18:39 com Mar. 15:9; e João 5:8,9 com Mar. 2:11,12. Em todas essas referências existem paralelos nos evangelhos de Mateus e Lucas, mas a similaridade lingüística se verifica muito mais com a versão de Marcos; e daí se conclui que João dependeu especialmente de Marcos.
Por semelhante modo, tem-se observado que o evangelho de João raramente concorda com outros evangelhos sinópticos, quando em choque com o de Marcos; porém, é freqüente discordar com Mateus e Lucas e concordar com o de Marcos. Algumas dessas passagens são as seguintes: João 1:19-34 com Mar. 1:7-10 (João Batista); João 2:13-22 com Mar. 11:15-19 (a purificação do templo); João 6:1-5 com Mar. 6:31-44 (a multiplicação de pães para a multidão; ver também Mar. 8:1-10); João 6:15-21 com Mar. 6:45-52 (andando sobre o mar); João 12:1-8 com Mar. 14:3-9 (a unção de Jesus em Betânia); João 12:12*19 com Mar. 11:1-10 (a entrada triunfal em Jerusalém); João 13:21 com Mar. 14:18 (a traição é predita); João 13:38 com Mar. 14:30 (a negação de Pedro é predita); João 18:310 com Mar. 14:43-50 (o aprisionamento de Jesus); João 18:15-18; 25:27 com Mar. 14:54,66-72 (a negação de Pedro); João 18:33 com Mar. 15:2 (a pergunta de Pilatos); João 18:37 com Mar. 15:2 (a resposta de Jesus); João 18:39,40 com Mar. 16:6-15 (Barrabás); João 19:2,3 com Mar. 16:16-20 (a zombaria contra Jesus); João 19:17-24 com Mar. 15:22-27 (a crucificação); João 19:38-42 com Mar. 15:43-46 (o sepultamento); João 20:1,2 com Mar. 16:1-8 (o túmulo vazio).
2. Dependência de João em relação aos evangelhos sinópticos—Lacas. O problema, quanto ao evangelho de Lucas, é muito mais difícil do que no caso do evangelho de Marcos. O argumento mais forte em seu favor é que o trecho de João 11:1,2 não somente se refere a João 12:13, mas também subentende o conhecimento do trecho de Luc. 10:38,39. Também parece que a narrativa da unção, apresentada por João, é uma espécie de fusão das narrativas de Marcos e de Lucas, o que fica inteiramente diferente da narração do mesmo evento, segundo se lê em Luc. 7:36-50.
A refutação da dependência do evangelho de João em relação aos sinópticos tem sido apresentada por certos eruditos, como P. Gardner-Smith (Saint John and the Synoptic Gospels), os quais têm exposto as seguintes idéias:
1.    As seções que supostamente dependem dos evangelhos sinópticos, e que possuem determinadas similaridades, até mesmo na questão da formação de palavras, etc., também são igualmente diferentes, nas mesmas modalidades das particularidades.
2.    Basicamente, o evangelho de João é realmente diferente, porquanto reflete outras tradições. Por exemplo, João situa a purificação do templo no começo do ministério do Senhor Jesus, ao passo que os evangelhos sinópticos põe-na no fim. Em João, o ministério de Jesus se prolonga pelo espaço de três anos, mas nos sinópticos parece ter durado apenas um ano. A história do chamamento dos primeiros discípulos é tão inteiramente diferente que chega a sugerir que jamais se poderá fazer reconciliação adequada entre os dois. A história do ministério de João Batista, no evangelho de João, é radicalmente diferente, e isso nos sugere uma fonte informativa distinta. João escreveu numa época em que os ensinamentos acerca do nascimento de Jesus (a localização, o nascimento virginal, etc.), ainda não estavam estabelecidos; e, por isso mesmo, não encontramos ali qualquer alusão a esses aspectos; e isso serve para demonstrar, igualmente, que se o autor estivesse familiarizado com os sinópticos, mesmo assim não lançou mão deles como fontes informativas, porquanto, de outra maneira, sem dúvida alguma teria incluído mais do material dos mesmos. O fato é que menos de dez por cento do material que figura nos evangelhos sinópticos também aparece no evangelho de João. Outrossim, as narrativas acerca dos dias finais de Jesus contêm elementos similares; mas, no entanto, se distinguem mais em vista de seus elementos diferentes.
3.    De modo geral, diríamos que não há dependência real de João em relação aos evangelhos sinópticos, e as passagens aparentemente similares, não passam de meros reflexos de duas tradições distintas, posto que similares. Essas tradições diversas podem ter sido mesmo preservadas na forma de palavras ou de princípios gramaticais especiais, embora tivessem chegado ao conhecimento de João de forma totalmente diversa do que chegaram ao conhecimento de Marcos e Lucas. O fato de que João conta com menos de dez por cento de material similar ao dos evangelhos sinópticos comprova, virtualmente, essa idéia; pois é quase impossível crermos que ele tivesse tido acesso aos mesmos, para então usar deles tão pequena porção. Assim sendo, ele teve acesso a tradições paralelas às tradições similares empregadas por Marcos e Lucas, mas que não podem ser identificadas com essas últimas. É por puro acaso que cerca de dez por cento do evangelho de João se assemelha aos registros dos evangelhos sinópticos.
Essa refutação é extremamente vigorosa, e parece apresentar a verdade sobre a questão.
3. Outros evangelhos, outras tradições, que não foram usadas pelos evangelhos sinópticos:
Sabe-se que o evangelho de João tem alguns pontos de semelhança com o papiro Egerton 2, do Museu Britânico (informações acerca do qual foram publicadas na obra de H. Idris Bell e T.C. Skeat, «Fragments ofan Unknoun Gospel», Londres: Oxford University Press). Alguns têm pensado que esse evangelho desconhecido simplesmente tomou de empréstimo algum material do evangelho de João e dos evangelhos sinópticos. (Assim diz a maioria dos eruditos). Mas existem outros que estão convencidos, após exame completo do material, mediante comparação do mesmo com o evangelho de João, que este evangelho em foco não fez empréstimos do de João e, sim, que ambos fizeram empréstimos de alguma outra fonte informativa, atualmente desconhecida e desaparecida, que data de um período anterior a ambos. Essa é a ideia de G. Mayeda, autor da obra mais completa sobre essa obra apócrifa, intitulada Das Lebem-Jesu- Fragment Papyrus Egerton 2 und Seine Stellung in der urchristlichen Literaturgerschichte, (Vema, Paul Haupt, 1946, pág. 69-75). Qualquer que seja a verdade a respeito disso, parece perfeitamente certo porém, até mesmo à base do prefácio do evangelho de Lucas, que existiam então muitos evangelhos escritos e orais; e, em face disso, podemos meramente afirmar que o autor do evangelho de João teve acesso a certo material de que os evangelhos sinópticos não dispunham.
No caso do evangelho de Marcos, podemos supor com segurança que houve uma tradição central por detrás do mesmo—a tradição preservada pela comunidade cristã de Roma. Todavia, no caso do evangelho de João, na realidade não podemos afirmar de onde vieram tais tradições. Não passa de pura conjectura alguém afirmar que essas tradições se escudam primariamente na comunidade cristã de Éfeso, embora seja mais segura tal conjetura do que pensar que a base das mesmas tenha sido qualquer outra comunidade cristã primitiva. Todavia, é conjetura ainda mais sem base alguém dizer que as tradições que são refletidas pelo evangelho de João foram tomadas de empréstimo da coletânea de fatos pertencente aos essênios, ao zoroastrismo ou ao neoplatonismo. Concorda-se de maneira quase universal, entretanto, que, no caso da cena da paixão de Jesus, João contava com uma fonte antiqüissima e fidedigna, provavelmente de origem palestiniana, o que nos tem fornecido detalhes que não conhecíamos através dos autores dos evangelhos sinópticos. Não obstante, algumas idéias e expressões foram tomadas de empréstimo da filosofia neoplatônica e do misticismo. O capítulo vigésimo primeiro do evangelho de João parece ser um epílogo de natureza editorial.

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