Ester


O livro canônico de Ester (ver o artigo sobre Ester, Adições ao livro de) conta-nos a história de Ester, jovem judia que substituiu Vasti, como rainha do rei persa, Assuero. Esse livro propõe-se a fornecer-nos as circunstâncias históricas do estabelecimento da festa judaica de Purim. Trata-se da história de uma heroína judia, por conseguinte. Embora não contenha o nome de Deus, e nem seja citado uma vez sequer no Novo Testamento, tem desfrutado de grande popularidade entre os judeus. O hino de louvor aos heróis da fé, em Eclesiástico 44:49, não menciona Ester. Nos fins do século I D.C., os rabinos judeus continuavam disputando sobre a canonicidade do livro. Lutero emitiu o desejo de que o mesmo nunca tivesse sido escrito. Também não figurava entre os rolos dos Manuscritos do Mar Morto (que vede). Esses fatos dão ao livro uma posição curiosa, dentro do cânon sagrado. Mas, a corrente principal do judaísmo sempre lhe deu um grande valor.
I. A Heroina e Certas Dificuldades Históricas
O nome hebraico dessa mulher era Hadassah, que significa «murta», o nome de uma planta. Ester era o nome (provavelmente persa) que lhe foi dado, quando ela tornou-se parte do harém real. Ê possível que esse último nome esteja ligado a Istar, nome de uma das principais deusas babilónicas. Há um targum que revela que ela foi assim chamada em honra à estrela Vênus, no grego, Aster, vinculada à palavra portuguesa estrela. Alguns estudiosos supõem que essa troca de nomes seguiu uma imitação da palavra hebraica, não tendo havido uma troca genuína de um apelativo por outro. Ester pertencia à tribo de Benjamim. Seu nome tem sido imortalizado no livro que foi escrito para decantar seus atos heroicos. Ela tinha um primo, Mordecai, que a adotou quando da morte de seus pais (Est. 2:5-7), tendo-a criado na Pérsia. Ali ela também foi o instrumento na salvação dos judeus, quando as autoridades do império persa queriam destruí-los. Isso foi possível somente porque Ester tornou-se a rainha do rei persa, em lugar de Vasti. Desse modo, Ester ficou em uma posição em que pôde interceder em favor de seus compatriotas judeus.
Muitos eruditos liberais não creem na historicidade do livro de Ester. Preferem pensar que se trata de um romance histórico, porquanto contém vários erros históricos evidentes. O principal desses erros é que não é possivel identificar com certeza qualquer rei da Pérsia chamado Assuero. Assuero tem sido identificado por outros como Xerxes (485-465 A.C.). Mas Mordecai, o primo de Ester, teria sido levado para o exílio por Nabucodonosor, mais de um século antes da subida de Xerxes ao trono da Pérsia. Assuero também tem sido identificado com Artaxerxes II (404-358 A.C.), mas há várias dificuldades cronológicas que acompanham essa identificação. Ester, por sua vez, tem sido identificada com Amestris, de Xerxes, mas sabemos que o pai de Amestris era um general persa, o que significa que Amestris não era uma donzela judia.
O problema da avançadíssima idade de Mordecai só poderia ser explicado se pensássemos que, em Ester 2:5,6 há menção a Quis, o bisavô de Mordecai, e não a este último. Menos grave é a questão do nome de Ester, que não figura nos registros históricos. Isso deve-se à circunstância que os monarcas antigos tinham muitas esposas e concubinas, cujos nomes apenas em um caso ou outro são mencionados. Contudo, alguns estudiosos pensam que o livro é uma peça pseudo-histôria, usada para simbolizar 0 conflito entre os deuses babilónicos e elamitas. Nesse caso, Ester é Istar, e Mordecai é Marduque. A similaridade de sons, entre esses nomes, é impressionante, mas poucos estudiosos pensam que essa teoria possa ser defendida com êxito. Outras objeções giram em tomo de coisas subjetivas, como a indagação se Hamã teria a coragem de tentar um genocídio. Ele anunciaria a data do massacre com tanta antecedência? Uma jovem judia teria o poder de exercer qualquer influência sobre um poderoso monarca persa? Alguém construiria uma forca com vinte e cinco metros de altura? Isso equivaleria a um moderno prédio de oito andares. Porém, visto que a vida real por muitas vezes é mais estranha que a ficção, essas objeções não têm muito peso. Também nâo precisamos supor que todos os detalhes da história sejam exatos, mesmo que o livro de Ester seja essencialmente histórico.
Outras Dificuldades Históricas Dignas de Serem Mencionadas:
1.    O trecho de Ester 1: 1 menciona cento e vinte e sete províncias persas. Mas Heródoto (3:89) alude somente a vinte satrapias. As inscrições de Dario variam entre 21 e 29 satrapias. A resposta dada a essa objeção é que as satrapias maiores eram divididas em unidades menores, e que o livro de Ester refere-se a essas divisões todas. Todavia, não há como provar que o argumento está certo.
2.    Heródoto (3.84) diz-nos que os reis da Pérsia eram obrigados a escolher sua rainha dentre as sete principais famílias da nação. Essa objeção é respondida dizendo-se que essa regra não era necessariamente permanente e absoluta, e que em um sistema onde havia pluralidade de esposas, tal regra facilmente podia ser desobedecida. Provavelmente, seria aplicável somente às esposas principais, que servissem de rainhas. Mas, na verdade, Ester aparece como uma rainha. A rainha de Xerxes, conforme se sabe, foi Amestris, que era uma princesa persa. Portanto, deve-se supor que uma outra rainha entrou em cena. Esse problema, nem por isso, fica resolvido, porque Vasti também não era Amestris. Ou seria?
3.    Se a festa de Purim foi instituída por Mordecai, por que isso não é mencionado senão quando ocorre como o dia de Mordecai, em II Macabeus 15:36? A resposta a essa objeção é que a festa de Purim só se tomou proeminente na época em que o livro de II Macabeus foi escrito, pelo que não teria sido mencionada, juntamente com outras festas nacionais dos judeus. O próprio livro de Esdras não menciona todas as festividades judaicas, incluindo algumas mais antigas que a festa de Purim. A lista de heróis, em Eclesiástico, não menciona nem Ester e nem Mordecai. Pelo que, pergunta-se: teriam sido eles figuras históricas? Essa objeção é respondida supondo-se que aquela lista é incompleta. Pois o autor da lista também omitiu Esdras, — que, sem dúvida alguma, foi uma personagem histórica.
II. Conteúdo
1.    A história da rainha Vasti (1:1-22)
2.    Ester, Substituta de Vasti (2:1-23)
3.    Hamã Conspira para Aniquilar os Judeus (3:1-15)
4.    Intervenção Corajosa de Ester (4:1 — 7:10)
5.    Os Judeus Vingam-se (8:1 — 9:19)
6.    Instituição da Festa de Purim (9:20-32)
7.    Mordecai em Posição de Autoridade (10:1-3).
III.    Propósito Geral
Embora o nome de Deus não seja ali mencionado, o livro, evidentemente, tem o intuito de dar uma vivida demonstração de como a providência de Deus opera entre os homens, podendo reverter qualquer situação difícil. Outrossim, a narrativa tem a finalidade de explicar como veio a ser instituida a festa de Purim (que vede). Essa festa judaica é mencionada pela primeira vez em II Macabeus 15:36. Ao preservar o seu povo, muitos dos quais se mostravam lassos em sua conduta, Deus demonstra o poder do seu pacto com eles. Purim é palavra que vem do assírio, Puru, que indica um pedregulho apropriado para ser lançado como se fosse um dado, em sortilégios. Ver Est. 3:7; 9:24,26. Esse puru, pois, representa o destino. Hamã lançou sortes para ver qual seria o melhor dia para tentar destruir totalmente os judeus. Mas Deus reverteu esse destino. Se, porventura, o livro só foi escrito na época dos Macabeus, então o seu propósito foi o de encorajar a fidelidade a Deus, em consideração a fidelidade histórica do Senhor.
IV.    Autoria e Data
O livro é anônimo, mas a tradição judaica tem procurado fazer algumas identificações. Alguns supõem que Mordecai mesmo foi o seu autor, ou, pelo menos, foi uma das principais fontes informativas. Admite-se que a história contém um autêntico colorido da vida e dos costumes persas, o que significa que o autor tinha conhecimento dos mesmos em primeira mão, ou então, que teve acesso aos registros apropriados. Agostinho atribuía o livro de Ester a Esdras; mas os eventos ali registrados ocorreram depois de seu tempo. O Pseudo-Filo e o rabino Azarias afirmaram que o livro foi escrito por Joiaquim, filho do sumo sacerdote Josué, no décimo segundo ano do reinado de Artaxerxes, a pedido de Mordecai. Mas, tudo isso não passa de conjectura.
Data. A mais antiga referência pós-bíblica à festa de Purim fica em II Macabeus 15:36, com data de depois de 161 A.C. Refere-se ao dia de Mordecai, o que quer dizer que o livro deve ter sido escrito antes desse tempo. Ê comumente datado no século II A.C. Se for uma história genuína, e se foi escrito perto, quanto ao tempo, dos acontecimentos ali descritos, então foi escrito em cerca de 500 A.C. Muitos estudiosos supõem que o mesmo reflete os conflitos dos Macabeus e que foi escrito como uma espécie de novela romântica, a fim de encorajar nos leitores a fidelidade a Deus, mediante a confiança em sua providência. Isso o colocaria dentro do século II A.C. Se foi escrito durante o governo de Artaxerxes Longânimo, então deve ter sido escrito por volta de 450 A.C.
V. Posição no Cânon
A canonicidade do livro de Ester foi longamente disputada entre os judeus. Essa disputa prosseguiu mesmo no fim do século I D.C. Seja como for, aparece na terceira divisão das Escrituras hebraicas, entre os livros de Rute, Cantares, Eclesiastes e Lamentações, como um dos rolos. Os rabinos, em Jamnia (cerca de 100 D.C.) deram atenção especial à questão de sua canonicidade. Contra a sua canonicidade eles argumentavam que o mesmo instituía, como obrigatória, uma nova festa religiosa, que ultrapassava a lei de Moisés, que, presumivelmente, havia instituído todas as festas obrigatórias. Mas essa objeção foi afastada mediante a invenção de que o livro fora revelado a Moisés no monte Sinai, embora só tivesse sido escrito na época de Mordecai (Talmude de Jerusalém, Megillah, 70d). Isso serve de triste demonstração de como a mente religiosa pode chegar a qualquer conclusão, a priori, que uma pessoa ou um grupo de pessoas queiram fazê-lo. Sua suposta natureza não-religiosa (por não mencionar nem uma vez o nome de Deus), sem dúvida alguma, foi a grande razão que levou Lutero e outros a rejeitarem tão violentamente o livro.
O livro de Ester tem desfrutado de uma grande popularidade entre os judeus, o que é muito compreensível. Ele é lido anualmente, por ocasião da festa de Purim. O livro notabiliza-se por seu ardoroso nacionalismo, de mistura com a atitude de repúdio aos pagãos e ao paganismo. Não precisaria mais nada para garantir a sua preservação.

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