Dependência Literária


1.  O Antigo Testamento. O autor do livro de Apocalipse nunca cita diretamente o A.T., mas, em um total de quatrocentos e quatro versículos, duzentos e setenta e oito encerram alguma forma de referência ao A.T. Muito mais que todos os demais livros do N.T., pois, o Apocalipse depende do A.T. Foi observando isso que Márcion o rejeitou como autoritário, já que cria ele que o judaísmo é opositor do cristianismo e não seu genitor. — O autor não parece ter usado a Septuaginta, mas parece ter feito suas próprias traduções e paráfrases. Parte disso, porém, provavelmente foi influenciado pela leitura comum e popular da Septuaginta. Alguns eruditos supõem que ele tenha usado um manuscrito grego ou manuscritos hebraicos do A.T. diferentes do texto padrão da Septuaginta, conforme o mesmo chegou até nós; mas isso é menos provável do que o que diz a outra posição. Uma lista quase completa de alusões e citações parciais, extraídas do A.T., existentes no livro de Apocalipse, aparece no International Criticai Commentary, na sua introdução ao livro de Apocalipse, seções Ixviii a lxxxvi. (Ver também as notas marginais do texto grego). O fato que o autor sagrado estava tão estribado no A.T. é uma das razões por que o livro de Apocalipse é tão fortemente «judaico» em seu caráter; mas isso não nos deve impedir de perceber a igreja nos capítulos quinto a décimo nono, conforme afirmam, erroneamente, alguns intérpretes. Pelo contrário, o «servo» do Senhor é ali um crente, e não um judeu de raça apenas, conforme normalmente se pensa, o qual haverá de passar pela grande tribulação.
2.  As pseudepígrafes. Uma vez mais, o autor sagrado não cita diretamente as obras pseudepígrafes. Mas é evidente que ele incorpora certas ideias e frases das mesmas, especialmente aquelas extraídas dos livros de Testamento de Levi, I Enoque e Assunção de Moisés. Em qualquer estudo completo do Novo Testamento, fica demonstrado que algumas vezes é impossível compreender o que o autor quer dizer, a menos que haja alguma alusão a ideias encontradas nas obras pseudepígrafes. Como exemplo disso temos os «querubins» (ver Apo. 4:6), uma «grande espada» (ver Apo. 6:3), os «mártires como um sacrifício a Deus» (ver Apo. 6:9), o «altar no céu» (ver Apo. 6:9), o «mundo vindouro», o qual surgirá quando completar- se o número dos mártires (ver Apo. 6:11), as «vestes brancas», que simbolizam os corpos espirituais (ver Apo. 6:11, etc.), tudo o que são ideias tomadas por empréstimo daqueles livros antigos. (Ver alguns empréstimos tirados diretamente dos livros pseudepí­grafes judaicos, em Apo. 2:7 (Testamento de Levi 18:11), 2:17 (Testamento de Levi 18:14), 4:1 (I Enoque 14:15), 4:6 (II Enoque 3:3 e Testamento de
Levi 2:7), 6:11 (I Enoque 47:3,4),’6:12 (Assunção de Moisés 10:5), 7:1 (um conceito geral do primeiro livro de Enoque), 8:8(1 Enoque 18:13), 9:1 (I Enoque 86:1), 9:20 (I Enoque 99:7), 14:10 (I Enoque 48:9), 14:14 (I Enoque 46:1), 17:14 (I Enoque 9:4), 19:15 (Salmos de Salomão 17:26,27), 20:8 (I Enoque56:5-8; IV Esdras 13:5,8,9,18-35; Ber. 7b, Targum de Jer. sobre Núm. 11:26), 20:13, (I Enoque 51:1), 22:2 (I Enoque 62:3,5).
3.   Outros livros do N.T. O livro de Apocalipse foi escrito em uma época histórica em que vários livros neotestamentários já deveriam ter sido escritos. Abaixo apresentamos uma lista de sugestões: Apo. 1:1 (Mat. 24:6 eLuc. 21:9); 1:3 (Luc. 11:28); 1:4(Col. 1:2); 1:5 (Col. 1:18); 1:5 (Gál. 2:20); 1:6(1 Ped. 2:9); 1:7 (Mat. 24:30); 1:16 (Mat. 17:2); 1:18(11 Cor. 6:9); 2:7 (Mat. 11:15; 13:9,43; Luc. 8:8; 14:35); 2:10 (Tia. 1:12); 2:20 (Atos 15:28); 2:24 (Atos 15:28); 2:24 (I Cor. 2:10); 3:3 (Mat. 24:42); 16:15 (Mat. 24:43); 3:8 (I Cor. 16:9); 3:14 (Col. 1:18); 3:17 (Col. 1:27); 3:21 (Col. 3:1); 5:5 (Luc. 7:13 e 8:52); 6:4 (Mat. 10:34); 6:2-17; 7:1 (Mat. 24:6,7); 6:10 (Mat. 24:29); 6:15,16 (Luc. 23:30); 6:17 (Luc. 21:36); 7:3 (Efé. 4:30); 7:17 (I Ped. 2:25); 9:20 (Luc. 18:11); 11:3 (Luc. 4:25); 11:15 (Mat. 4:8); 12:9 (Luc. 10:18); 13:8 (I Ped. 1:19,20); 13:11 (Mat. 7:15); 14:4 (Luc. 9:57); 14:7 (Atos 4:24 e 14:15); 14:13 (I Tes. 4:16); 17:14(1 Tim. 6:15); 16:14 (Mat. 20:16 e 22:14); 18:4(11 Cor. 6:17 e Efé. 5:11); 18:24 (Luc. 11:50); 19:7 (Mat. 5:12); 19:9 (Luc. 14:16); 21:4,5 (II Cor. 5:17); 21:10 (Mat. 4:8); 22:21 (encerramento das epístolas paulinas e do livro aos Hebreus, ver também Efé. 6:24 e Col. 4:18).
4.   Outras fontes: astrológicas, numerológicas e cabalísticas. O judaísmo helenista continha muitos elementos da astrologia, da numerologia e de várias formas de misticismo, em parte tomados por empréstimo de vizinhos pagãos, mas adicionados e modificados pelos místicos judeus. O intricado simbolismo dos números, no livro de Apocalipse, não pode deixar de refletir algo dessa atividade; e como explicações do que significam esses números, podemos apelar para as tradições místicas judaicas que contêm escritos dos rabinos cabalistas. A angelologia do livro de Apocalipse também envolve certas adaptações de ideias astrológicas da época. Os anjos que aparecem como governantes de nações, em esferas celestiais e terrenas, ou que governam os ventos, as estrelas e as manifestações celestes, eram conceitos comuns, que foram tirados da astrologia e adaptados. Não se tem certeza sobre o que o autor do livro de Apocalipse quer dizer com o uso que faz de anjos, etc., como se o uso fosse o mesmo que havia nos sistemas astrológicos; mas ao menos parte desse uso tem paralelos verbais com aqueles sistemas. Seja como for, o autor sagrado se valeu de certas expressões e usos que eram usuais na linguagem da astrologia da época.
Como um pregador moderno pode ilustrar um sermão com uma referência «astronômica», assim João o vidente usava, às vezes, a astronomia do tempo dele, que pelas definições modernas é a astrologia. Não é importante saber, se João aceitava certas dessas idéias como verdadeiras ou não. Elas serviam como um bom veículo de comunicação.

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