Data e Providência


As epistolas aos Efésios, aos Colossenses e a Filemom devem ser todas vinculadas juntamente, escritas na mesma época em geral, na mesma prisão. Talvez tivessem sido escritas em um período de encar­ceramento anterior ao de Roma, quiçá em Éfeso. A comparação entre Col. 4:7,8 e Efé. 6:21,22 com File. 23; 24 mostra que todas elas foram escritas sob circunstâncias comuns. Paulo era ajudado pelos mesmos companheiros; Tíquico (acompanhado pelo escravo fugido de Pilemom, Onésimo) foi o portador dessas epistolas (ver Col. 4:9 e File. 10-12). Todas essas três foram escritas na prisão | ver Efé. 4:1; Col. 4:18 e File. 22,23). Mas nem rodos os eruditos concordam que Roma tenha sido o lugar de aprisionamento. De fato, o trecho de File. 22, ao mencionar que Paulo esperava logo ser solto, e por tencionar fazer uma viagem a Colossos, o lugar onde morava Filemom (conforme sabemos em Col. 4:9), indica, em primeiro lugar, que esse encarceramento não foi efetuado em Roma, durante o qual ele não sabia se seria morto ou solto‘(ver Fil. 1:20 e ss). Em segundo lugar, o lugar onde Paulo foi aprisionado provavelmente não ficava muito longe. Roma ficava a mais de mil e trezentos quilômetros de distância, ao passo que Éfeso ficava, quando muito, a cento e cinquenta quilômetros. Sabemos que a intenção de Paulo, quando ele foi a Jerusalém, e dali para Roma, era prosseguir para o ocidente (para a Espanha), não retomando ao oriente; e não é provável que ele tivesse feito uma viagem redonda de quase três mil e duzentos quilômetros antes de cumprir sua intenção. (Ver Rom. 15:24,25). Parece mais natural, pois, supormos que a «visita» de Paulo para breve—tão breve que Paulo pediu que lhe fosse reservado um lugar de hospedagem, da parte de Filemom (ver Füe. 22)—significa que ele não estivesse distante, como também que ele tinha quase certeza de que seria solto em breve, nenhuma dessas condições se adapta a seu aprisionamento posterior em Roma. Por isso é que vários eruditos têm conjecturado o local próximo de Éfeso como o lugar onde ele estava encarcerado. Apesar de não contarmos com qualquer menção direta de tal aprisionamento, nas páginas do N.T., é possível que a passagem de I Cor. 15:32, que menciona o fato de que ele «combateu contra as feras em Éfeso», favoreça a conjectura de que Paulo ali fora aprisionado. Se escritas em Éfeso, as cartas, Colossenses e Filemom, devem ser datadas em cerca do verão de 54 D.C. Quando Paulo deixou a área ao redor de Éfeso, foi para a Macedônia e Corinto, e talvez tenha querido visitar novamente alguns lugares da proximidade, ou então quisesse visitar, pela primeira vez, algumas das cidades menores e menos importantes da área (como Colossos), antes de dar início a uma nova missão. Essa conjectura, pelo menos, adapta-se bem às notas que encontramos nas três epístolas sobre as quais discutimos. (Segue-se um sumário dos argumentos sobre o aprisionamento em Éfeso).
Alguns estudiosos identificam o lugar de encarcera­mento como Cesaréia (ver Atos 24:27). Porém, contrário a essa posição pode-se frisar que o trecho de File. 22 indica que Paulo planejava visitar Colossos em breve; mas o livro de Atos mostra-nos que quando Paulo estava em Cesaréia, encaminhava-se para Roma (portanto, para o ocidente, e não para o oriente), não havendo nenhuma indicação que, naquele tempo, Paulo pudesse esperar ser solto em breve. Conforme já se mencionou, naquele estágio da carreira de Paulo, planejava ele uma missão ao ocidente (Espanha, ver Rom. 15:23,24), não sendo provável que ele tivesse adiado seu desígnio ao fazer, antes disso, tão longa e cansativa viagem pelo oriente.
Além disso, não é fácil explicar por que razão Onésimo, o escravo fugido, fora para Cesaréia. Muito mais provável é que se tivesse refugiado em uma cidade grande e não muito distante, a fim de encontrar esconderijo seguro. Ou então, se porven­tura tivesse querido arriscar-se a uma viagem longa, mais provavelmente teria ido para a cidade de Roma, que era uma autêntica «meca» de escravos fugidos. Éfeso, a capital da província, deve ter-lhe parecido um lugar convidativo, onde poderia ocultar-se com facilidade, sem arriscar-se a ser apanhado, se tentasse executar alguma longa viagem.
Não fora posto em dúvida o aprisionamento de Paulo em Roma senão já em data recente, porque isso era aceito com unanimidade nos primeiros séculos. Tal aceitação, porém, estava alicerçada principal­mente sobre a ideia de que todas as epístolas da prisão foram escritas no mesmo lugar, ao passo que, examinando-as, vemos que diversos lugares facilmen­te podem ter estado envolvidos, tão diferentes são as condições que houve, ligadas à sua escrita. Ainda que os trechos de Fil. 1:13 («guarda pretoriana») e Fil. 4:22 (casa de César) indiquem Roma (o que não é necessidade imperiosa), isso significaria apenas que a epístola aos Filipenses, e nenhuma outra, foi escrita ali. O argumento mais vigoroso em favor de Roma é a natureza avançada da Cristologia da presente epístola, bem como a avançada natureza da doutrina da igreja, na epístola aos Efésios, o que talvez reflita um.’ «período posterior» da vida de Paulo; e isso se coadunaria bem à ideia do encarceramento em Roma, e não antes, em algum outro lugar. Esse argumento, todavia, é inteiramente alicerçado sobre a conjectura de que tais ideias não tiveram pleno desenvolvimento senão quando Paulo atingiu idade avançada, apesar de não haver provas quanto a isso. Todos os elementos distintivos das epístolas aos Efésios e aos Colossenses, como a hierarquia de anjos, os “aeons” e as ideias éticas, existiam no mundo antigo, muito antes da época de Paulo; e teria sido apenas natural que Cristo fosse colocado como cabeça de todas essas gradações de poder e autoridade, uma vez que ele fosse aceito como Senhor e Messias. Não teria havido necessidade da passagem de muitos anos, já no fim de sua vida, para que ele chegasse a tal conclusão. Ê mais seguro dizer-se que Paulo, pouco depois de sua conversão, por causa de suas muitas visões e de sua iluminação espiritual, tivesse visto Cristo como o Senhor da glória; e tal ponto de vista não teria exigido qualquer grande-extensão de tempo, até que se desenvolvesse. Em todos os escritos de Paulo, e não somente nas epístolas aos Efésios e aos Colossenses, Cristo figura como o Senhor de tudo; e isso nos faz saber que sua elevada Cristologia não foi um desenvolvimento posterior de sua teologia. Seja como for, é tão fácil supor que a epístola aos Colossenses representa o desenvolvimento de suas ideias, ao ponto em que elas tinham chegado em cerca de 54 D.C., como é fácil dizer que isso representa um desenvolvimento de data pouco posterior, isto é, depois de 58 D.C. E ainda que datemos o aprisionamento em Roma tão tarde quanto o ano de 62 D.C. conforme fazem alguns estudiosos, contudo, haveria uma diferença de apenas oito anos entre um proposto encarceramento em Éfeso e o aprisionamento na cidade de Roma, o que não é, na realidade, tempo por demais dilatado para con­substanciar um caso em favor do «desenvolvimento posterior» da teologia paulina, o que teria dado supostamente, a Paulo, o tempo de chegar às ideias cristológicas que transparecem evidentemente na presente epístola.
O caso em favor de Éfeso pode ser expresso através dos seguintes pontos:
1.   Teria sido apenas natural que Onésimo, o escravo fugido, tivesse buscado imediato refúgio em uma cidade grande e próxima, em vez de arriscar-se a uma longa viagem até à cidade de Roma.
2.   Epafras, o principal pastor da igreja cristã de Colossos, por estar enfrentando uma heresia e a confusão na comunidade cristã de Colossos, poderia ir rapidamente à cidade próxima de Éfeso, a fim de buscar o conselho de Paulo, ao passo que a longa viagem até Roma não faria tal viagem ser viável. (Ver Col. 4:12,13, que indica que esse foi o propósito da visita de Epafras a Paulo).
3.  No período do aprisionamento em Roma, parece que a Paulo faltaram amigos e apoiadores autênticos, excetuando Timóteo e Epafrodito (ver Fil. 2:20 e o seu contexto). Isso dificilmente poderia ser reconciliado com a longa lista de fiéis companheiros, conforme se vê em Col. 4:7-15, na qual estão incluídos tanto Marcos como Lucas.
4.   O pedido de hospedagem, por parte de Paulo, preparada por Filemom, bem como a certeza que tinha o apóstolo de que logo seria solto, indicam um aprisionamento anterior e menos perigoso que aquele que mais tarde, teve lugar em Roma, além de apontar para um local não muito distante. (Ver File. 22).
5.  Finalmente, sabemos que Paulo, quando estava em Roma, queria ir à Espanha (o ocidente) e não voltar ao oriente (ver Rom. 15:23,24). Não é provável que, uma vez solto da prisão, tivesse o apóstolo feito uma viagem redonda de três mil e duzentos quilômetros, saindo da rota certa, o que era viagem que consumia extremamente muito tempo naqueles dias, antes de cumprir seu longamente cultivado desejo de anunciar o evangelho no ocidente. Somente algum motivo extremamente compelidor poderia tê-lo inspirado a tanto.
Contra a teoria do aprisionamento de Paulo em Éfeso:
1. Tudo não passa de uma conjectura, porque não há qualquer informação neotestamentária certa sobre isso, excetuando, talvez, o trecho de I Cor. 15:52.
2.  Não há quaisquer citações, dos primefros pais da igreja ou da tradição cristã, em apoio a essa teoria.
3.   Muitos bons eruditos modernos, considerando todos os ângulos do problema, continuam afirmando que o aprisionamento em Roma é o mais provável.
4.   Uma viagem confirmatória pelas igrejas do oriente poderia ter sido efetuada antes de Paulo dirigir-se ao ocidente, pois parece ter sido costumeiro, entre os grandes pregadores do evangelho, efetuarem viagens confirmatórias a áreas mais antigas, antes de se lhes abrirem novas frentes de trabalho.
A questão inteira do local de encarceramento de Paulo é de importância relativamente pequena, exceto no que tange ao nosso desejo de obter mais exato conhecimento da vida dele e de questões da cronologia do N.T., em relação â produção de seus documentos formadores. Seria interessante se pudéssemos deter­minar, com acurácia, sob quais circunstâncias, no tocante à história do livro de Atos, é que foi escrita cada uma das epístolas paulinas. Infelizmente, não contamos com informações suficientes, dentro ou fora do N.T., acerca da vida e da correspondência do apóstolo dos gentios, para fazermos isso; portanto, toda a «reconstituição» dessas questões não passa de uma conjectura, pelo menos em parte. Se tais reconstituições pudessem ser compostas com exati­dão, certamente obteríamos maior discernimento quanto àquilo que Paulo escreveu, porque então poderíamos interpretar seus escritos à luz das circunstâncias históricas. A propensão por aceitar o que os antigos pais da igreja disseram sobre essas coisas, sem que se faça qualquer investigação, não tem caracterizado a muitos dos eruditos de nossa época, pois se tem raciocinado, com razão, que grande parte do que disseram os pais da igreja, com relação a essas coisas, compunha-se de meras conjecturas, pois suas fontes de informação, em muitos casos, eram inferiores às de nossos dias. A arqueologia tem iluminado grande parte do N.T., tendo podido acrescentar diversos esclarecimentos de natureza histórica, que cercam os documentos neotestamentários.

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