Autoria do Livro de Colossenses


(Quanto a comentários gerais sobre a autoria da coletânea paulina, ver as notas introdutórias anterio­res). A epístola aos Colossenses cabe dentro do «segundo grupo» de cinco epístolas, após os quatro «clássicos» (Romanos, Gálatas e I e II aos Coríntios). Essas cinco epístolas do «segundo grupo» são Filipenses, Colossenses, I e II aos Tessalonicenses e Filemom, as quais são normalmente aceitas como de autoria paulina, sem qualquer disputa séria. Entre­tanto, no caso desta epístola aos Colossenses, tem-se duvidado de sua autoria paulina, pelos seguintes motivos:
1.    O tipo de heresia atacada, Certa forma de gnosticismo, conforme pensam alguns, pertenceria a um período posterior; pelo que não seria algo que Paulo pudesse combater, em seus dias. O trecho de Col. 1:15 e ss e a maior parte do segundo capitulo, mostram que Paulo (ou o autor, que escreveu em nome de Paulo, conforme alguns pensam) atacava alguma forma de heresia gnóstica. As características doutrinárias distintivas da epistola aos Colossenses foram dadas especificamente como repreensões contra a crença errônea. Essa epístola foi escrita com o propósito de revelar a natureza da verdadeira Cristologia e da ética cristã, em contraste com as ideias gnósticas, que tinham impressionado alguns membros da comunidade cristã de Colossos.
2. A exaltada Cristologia desta epístola é considera­da, por alguns estudiosos, como por demais «avançada» para a teologia paulina normal, o que, uma vez mais, refletiria um período posterior, em que Cristo se tornou tão elevado, acima de todo outro nome, e até mesmo acima de todos os poderes angelicais. (Ver Col. 1:15 e ss, e 2:9 quanto aos principais exemplos dessa Cristologia).
3.   Considerações literárias e de estilo. Ainda uma outra dificuldade para a aceitação da autoria paulina desta epistola (de acordo com o que dizem alguns eruditos) reside em seu caráter literário. Os estudiosos procuram demonstrar que o estilo desta epístola aos Colossenses não é paulino, se tomarmos em consideração os quatro escritos «clássicos» de Paulo, Gálatas, Romanos e I e II aos Coríntios, como modelos da expressão e do vocabulário básico do apóstolo dos gentios. Esses eruditos argumentam que o vocabulário desta epístola é diferente, faltando-lhe as frases curtas e azedas de Paulo. Seu estilo é mais expansivo, mais semelhante ao da epístola aos Efésios. Algumas vezes o original grego é mau e ocasionalmente, é virtualmente ininteligível, confor­me se vê em Col. 2:18,19.
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Retomando às objeções levantadas pelos eruditos, procuramos respondê-las uma por uma, nos pontos seguintes:
1. O primeiro argumento contra a autoria paulina é o mais fácil de ser rebatido. A maior parte dos estudiosos modernos admite agora que o gnosticismo é anterior ao cristianismo. Em outras palavras, havia ideias gnósticas no mundo helénico, antes mesmo do advento de Cristo. Apesar de ser verdade, naturalmente que «combinações» de pensamentos religiosos e filosóficos tornaram-se diferentes, devido ao surgi­mento da teologia cristã — de tal modo que os gnósticos pré-cristãos eram diferentes em seus conceitos daqueles que apareceram dentro da era cristã — o fato é que tudo quanto podemos identificar como essencialmente gnóstico, já existia antes de Cristo. O gnosticismo combinava o misticismo oriental, a filosofia, a mitologia, a astrologia e o neoplatonismo gregos, elementos do judaísmo, além do que, inseria, nessa mistura já confusa, elementos da fé cristã. Cristo, para eles, era apenas um dos «aeons» (emanações angelicais de Deus); mas esses «aeons» já existiam como ideias gnósticas antes de «Cristo» ser considerado como um deles. Em alguns lugares, a ética cristã tornava-se ascética pelos gnósticos, embora o ascetismo já fizesse parte do gnosticismo, antes do advento de Cristo. Em outros lugares, a ética cristã se tomava licenciosa; mas a licenciosidade já fazia parte do gnosticismo, antes mesmo do aparecimento do cristianismo no mundo. Os gnósticos «cristãos» de tempos posteriores adora­vam anjos; mas outro tanto faziam os de tempos anteriores. Os gnósticos «cristãos» não tinham ideia de «expiação pelo sangue», mas a mesma coisa ocorria entre os da época anterior ao cristianismo. Os gnósticos «cristãos» falavam sobre a grande hierarquia de poderes angelicais, os «aeons» sombrios, que seriam mediadores entre Deus e os homens; mas os gnósticos pré-cristãos eram «deístas», dependendo desses «aeons» para obter um conhecimento secundá­rio de Deus. Os gnósticos «cristãos» elevavam o «conhecimento» , em contraste com a «fé», como meio de «salvação», mas outro tanto faziam os gnósticos mais antigos. O judaísmo helenista já ensinava a existência de muitas ordens de poderes angelicais e o próprio Paulo, evidentemente, aceitava esse ponto de vista sobre os anjos (ver Fil. 2:5-10). O neoplatonismo também defendia essa posição, o que fazia parte da atmosfera do pensamento religioso do primeiro século de nossa era, muito antes de Paulo começar a escrever suas epístolas. Paulo meramente insistiu que tais ordens angelicais, sem importar sua natureza, estavam todas sujeitas a Cristo, porque, na realidade, fazem parte de sua criação, estando isso longe da ideia de que o próprio Cristo era apenas um dentre muitos aeons, que recebera uma incumbência terrena. Deveria ser claro, portanto, que coisa alguma, nesta epístola aos Colossenses, precisa ser atribuída a tempos pós-paulinos; de fato, a maior parte de seus elementos poderia ter precedido à época de Paulo. Por essas razões, a maior parte dos eruditos de nossos dias admite que todas as condições religiosas e todos os «elementos teológicos», refletidos nessa epístola, facilmente poderiam ter existido na época de Paulo, pelo que também poderiam ter sido combatidos em uma epístola como esta de Paulo aos Colossenses.
2.  É verdade que a epistola aos Colossenses contém a mais exaltada Cristologia que aparece em qualquer livro do N.T. Todavia, seus conceitos sob hipótese alguma se limitam a esta epístola. Não nos devemos esquecer que, para Paulo, o Cristo sempre foi o Cristo exaltado à mão direita de Deus Pai, e jamais o mero Jesus histórico (embora, de forma alguma, ele o rejeitasse como homem, e nem tivesse jamais lançado qualquer dúvida sobre a sua missão terrena); o Cristo de Paulo é o Senhor da glória, que ele conheceu mediante experiências místicas. Apesar de que, em suas outras epístolas, sua ênfase sobre a exaltada posição de Cristo seja menor, de fato, isso é básico em sua teologia inteira. (Ver Rom. 1:4; observar o uso que ele faz do termo Senhor, apontando para Cristo, bem como citações suas em que o nome de Cristo substitui a Yahweh, nas passagens do A.T.). Notemos, por igual modo, quão frequentemente, por todos os escritos de Paulo (sobretudo nas introduções, doxologias e conclusões de suas epistolas), o Filho (Cristo) é posto em justaposição a Deus Pai. Certamente nenhuma mera criatura poderia ocupar tal posição. Graça e paz são sempre derivadas de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo; e quase todas as introduções e conclusões incluem esse elemento. Notemos como o Espírito de Deus é igualmente chamado «Espírito de Cristo» (ver Rom. 8:9; ver também os versículos chamados «trinitários», onde os três nomes divinos aparecem juntos, em funções variadas, I Cor. 12:3 e 15:24,27). De alguma maneira especial e elevada, Deus é o Pai de Cristo (ver II Cor. 1:3). Então, em Fil. 2:6, fica claro que o Filho possui igualdade inerente ao Pai, ainda que, devido à sua encarnação, ele tenha posto de lado essa igualdade. O nono versículo daquele mesmo capítulo declara que ele é exaltado acima de todo nome. E esse é o tema central da epístola aos Colossenses, que alguns estudiosos supõem que seja reflexo da teologia cristã posterior, e não conceitos genuinamente pertencentes a Paulo. Porém, a mera leitura da coletânea paulina mostra que transparece ali um único Cristo. A ênfase maior acerca da exaltada posição de Cristo, nesta epístola aos Colossenses, tornou-se necessária porque o apóstolo dos gentios se opunha a uma heresia que degradava tanto a pessoa como a missão do Filho de Deus. Mas essa ênfase está em perfeita consonância com a teologia paulina básica, conforme é refletido em todas as suas demais epístolas, em nada contrária ao que ali se aprende. «Assim sendo, é perfeitamente natural que vejamos Paulo a frisar tão elaboradamente, e até com extravagância, a completa supremacia e natureza adequada de Cristo. Não há qualquer necessidade de adoração aos anjos ou a quaisquer outros espíritos. Tal ato não somente seria absurdo, mas também seria ultrajante: pois Cristo é o Senhor de todos». (Morton Enslin, «The Literature of the Christian Movement», pág. 291).
3.    Admite-se que o estilo desta epístola aos Colossenses seja muito semelhante ao da epistola aos Efésios, isto é, mais expansivo, com sentenças mais longas que noutras epístolas, faltando-lhe aquelas frases mais curtas e cáusticas, e sem os parênteses abruptos e interrupções na sequência de pensamen­tos. Mas isso poderia ser explicado com base no «desenvolvimento» do estilo, e não supondo-se que isso seja contraditório às expressões tipicamente paulinas. Igualmente, a eloquência paulina aparece em Colossenses e Efésios, sendo base das expressões fluentes e poderosas, e não contraditória a essas coisas. O oitavo capítulo da epístola aos Romanos é similar, em estilo, ao primeiro capitulo das epístolas aos Efésios e aos Colossenses. Esse capítulo é um dos «clássicos» paulinos, o qual mostra que Paulo, quando impelido pela inspiração e por ondas de pensamento poderoso, produzia sentenças elevadas e expansivas, em vez das sentenças curtas, desligadas e azedas das suas passagens «polêmicas», que se veem nas epístolas aos Romanos e aos Gálatas. Poderíamos dizer que as epístolas aos Colossenses e aos Efésios mostram como Paulo escrevia quando se mostrava eloquente, quando atingia os mais elevados cumes de sua expressão verbal.
É verdade que, algumas vezes, a gramática da epístola aos Colossenses é deficiente; mas até mesmo um bom autor, quando escreve apressadamente, e se não revisa o seu material, mostrará má gramática, com construções estranhas, que ocasionalmente chegam a ser ininteligíveis,  segundo se vê em Col. 2:18,19. Outrossim, a qualidade da gramática e das expressões pode variar de uma época para outra, dependendo das circunstâncias, do cansaço físico e do espírito, do estado de ânimo, etc. Contudo, o grego desta epístola não é essencialmente inferior ao grego literário «koiné» que é normalmente bom nas epístolas paulinas.
Há uma certa ausência de expressões paulinas, havendo muitas palavras, na epístola aos Colossenses, que não figuram em outros escritos paulinos. Pode-se pensar em «dikaios» e seus derivados; «apokalupsis», «dokimadzein», «upakoe», «soteria», «koinonia», «no- mos», «pisteuo» e conexões adverbiais, como «ara», «dio», «diote» e «gar», que são frequentes nos escritos paulinos «clássicos», mas que são menos frequentes ou mesmo totalmente ausentes na epístola aos Colossen­ses. Tais considerações (a menos que sejam muito pronunciadas), porém, não são necessariamente convincentes em favor de um autor «diferente»« Deve-se notar que listas similares podem ser compiladas se fizermos o confronto até mesmo dos escritos paulinos «clássicos» entre si. O termo «dikaiosune» (um dos grandes vocábulos da epistola aos Romanos) aparece apenas por uma vez na primeira epístola aos Coríntios; e dikaios não figura ali nem uma vez sequer. O vocábulo «soteria» não é usado nessa referida epístola e nem em Gálatas. E «sodzo» figura apenas por uma vez na segunda epístola aos Coríntios. Já «pisteuo» ocorre apenas por uma vez nesta última (ver II Cor. 4:13). A palavra «ara» não ocorre em Filipenses; e «ara oun», tão frequente em Romanos, não faz parte de I e II aos Coríntios. Além disso, as sentenças muito longas, comuns nesta epistola aos Colossenses, têm paralelo literário em outras epístolas paulinas, como em Rom. 1:1-7; 2:5-10,14-16; 3:23-26; Gál. 2:3-5; 6:9 e Fil. 3:8-11. ê perfeitamente possível que Paulo, tendo resolvido defender a cristologia, tenha naturalmente produzido uma composição literária mais formal e polida, do que é evidente em algumas seções de suas epístolas anteriores, que possuem natureza mais espontânea. As diferenças quanto ao vocabulário (novos termos, nesta epístola, que não se acham em outras epístolas paulinas) podem ser explicadas pela simples observação de que a matéria abordada exige um vocabulário diferente daquele que Paulo empre­gara. Ao opor-se ao gnosticismo, mui naturalmente Paulo teve de usar certa variedade de vocabulário que não figura em outras epístolas. Devemo-nos lembrar que a totalidade dos escritos de Paulo que chegaram às nossas mãos utiliza-se apenas de uma pequena parte de seu vocabulário total. Se ele houvesse escrito outras epístolas, teriam palavras que não se achariam em epístolas anteriormente escritas; e sem dúvida um grande número de novos vocábulos surgiria se ele houvesse abordado novos assuntos.
Nenhuma dúvida acerca da autenticidade da natureza paulina desta epistola aos Colossenses apareceu, até à escola de Tubingen, no século XIX. E a objeção levantada por essa escola visava, essencial­mente, o conteúdo «gnóstico» deste livro. A maioria dos eruditos, porém, não mais leva a sério essa objeção. A objeção à elevada cristologia desta epístola também tem sido facilmente derrubada. Aquelas objeções com base no estilo e no vocabulário são mais sérias; mas podem ser respondidas daquela maneira sugerida acima. Filemom é livro que virtualmente não tem sido criticado quanto à sua autoria paulina, pelo que empresta sua genuinidade a esta epistola aos Colossenses, ajudando a estabelecer a autenticidade desta última (se tal for considerado necessário), já que essas epístolas são companheiras literárias e históricas. A presente epistola foi escrita à igreja de Colossos, e Filemom foi escrita a um de seus membros; e ambas foram escritas sob as mesmas circunstâncias, ao mesmo tempo, na mesma prisão, sem falar-se sobre a questão que Paulo era ajudado pelos mesmos companheiros de trabalho. Não é provável que um forjador tivesse tido tanto cuidado em fazer esta epístola concordar tão de perto com a epístola a Filemom, quanto aos próprios detalhes. Pois que necessidade teria um forjador de fazer uma falsa epístola paulina concordar sobre tantos detalhes intricados, e especialmente com uma epístola tão insignificante como é a de Filemom? (Ver a seção II, intitulada Data e Proveniência, quanto a provas sobre como essas duas epístolas, Colossenses e Filemom, são companheiras).
De boa fé, portanto, podemos considerar esta epístola aos Colossenses como genuinamente paulina; e muitos eruditos modernos concordam com isso.

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