Data e Proveniência de Gálatas


Datar com exatidão quando foi escrita a epistola aos Gálatas é uma tarefa impossível. Porém, a tentativa para datá-la depende muito da consideração de quem eram os Gálatas para quem Paulo escreveu; e esse ponto é amplamente debatido na seção seguinte da introdução, no ponto III, intitulado «Quem eram os Gálatas, para quem Paulo escreveu?» Se aceitarmos a chamada teoria da «Galácia do Norte», isto é, que as pessoas para quem Paulo escreveu eram descendentes de uma tribo gaulesa que invadira o norte da Ásia Menor e ali se estabelecera, no século III A.C., até que foram finalmente contidos por Átalo, de Pérgamo, que os limitou a um território nortista, onde havia um platô, região essa que posteriormente se tornou conhecida por «Galácia», por causa dessa tribo de gauleses, então a data de escrita da epístola aos Gálatas seria extremamente difícil, pois não há praticamente nenhum indicio, no livro de Atos, que nos permita acompanhar nesse livro histórico as atividades do apóstolo Paulo nessa citada região. Tão-somente, em Atos 18:23, ficamos sabendo que essa epístola não poderia ter sido escrita por Paulo antes da jornada mencionada nesse versículo; e isso fica suposto porque o trecho de Gál. 4:13 subentende duas visitas de Paulo à Galácia, antes dele ter escrito essa epístola. Ora, se Paulo não a escreveu senão depois de sua segunda visita ali, então sua escrita não se verificou imediatamente depois de seu retorno para Antioquia da Síria, ao término de sua primeira viagem missionária. Nesse caso, não poderíamos datar a epístola aos Gálatas antes de 53 D.C., e ela passaria a ocupar o terceiro lugar na ordem cronológica das epístolas paulinas.
O trecho de Gál. 4:13, entretanto, pode ser compreendido como referência a duas visitas de Paulo, realizadas em sequência rápida, ambas as quais teriam tido lugar antes da visita descrita em Atos 18:23. Assim, pois, duas visitas à área do sul poderiam ter sido feitas durante a primeira viagem missionária de Paulo, e então a epístola aos Gálatas teria sido escrita pouco depois dessa viagem. De fato, Gál. 1:6 subentende que Paulo escreveu essa epístola pouco depois de sua visita ali, e que não se passou muito tempo entre a sua primeira visita à Galácia e a escrita da epístola aos Gálatas. Isso teria tido lugar em cerca de 49 D.C., fazendo dela a primeira das epístolas paulinas canônicas, e, por sua vez, o mais antigo documento neotestamentário escrito, que veio a fazer parte da coletânea que conhecemos por N.T. Por conseguinte, a data em que a epístola aos Gálatas foi escrita, em relação ao livro de Atos, deve ser fixada ao término da primeira viagem missionária de Paulo, pouco depois de seu retomo a Antioquia da Síria. (Ver Atos 14:26).
Essa data anterior deve ser favorecida, nem que seja devido a uma importante consideração. É que se o concílio de Jerusalém, conforme o registro do décimo quinto capitulo do livro de Atos, tivesse precedido à escrita da epístola aos Gálatas, seria impossível que Paulo não tivesse feito qualquer referência específica aos decretos baixados naquele concílio, decretos esses que foram escritos e enviados às igrejas cristãs gentílicas. Como poderíamos imaginar que Paulo pudesse ter escrito tal epístola, que defende denotadamente a liberdade cristã, especialmente a dos crentes gentios, sem nem ao menos aludir aos decretos do concílio historiado no décimo quinto capítulo do livro de Atos? É impossível conceber tal lacuna, pelo que também somos forçados a concluir que a sua visita a Jerusalém, mencionada em Gál. 2:1-10, não pode ter sido a mesma visita referida no décimo quinto capítulo do livro de Atos, mas antes, deve ser identificada com a chamada «visita da fome», em Atos 11:30.
Foi nessa visita da fome que ocorreram os vários encontros e debates entre Paulo e os outros apóstolos, conforme o registro de Gál. 2:1-10, ocasião em que a missão de Paulo entre os gentios foi aprovada pelos demais apóstolos, apesar de que a questão inteira do legalismo não fora apresentada ainda ao concílio, para que se procurasse chegar a uma decisão. Tudo isso, entretanto, antecedeu à visita de Paulo a Jerusalém, quando do concilio, segundo o registro do décimo quinto capítulo do livro de Atos, quando as questões da invasão do legalismo nas fileiras do cristianismo foi ventilada e examinada pela igreja inteira. Desse concílio é que se seguiram as legítimas declarações escritas sobre a liberdade gentílica em face da legislação mosaica. £ impossível acreditarmos que isso já tivera lugar quando Paulo escreveu sua epístola aos Gálatas, porquanto ele não faz qualquer alusão ao fato, que poderia ter usado como argumento definitivo para mostrar a posição errônea dos legalistas. O fato de que ele não menciona esses decretos do concílio de Jerusalém mostra-nos que ele escreveu a epístola aos Gálatas antes dos acontecimentos registrados no décimo quinto capítulo do livro de Atos. Portanto, a epístola aos Gálatas foi o primeiro dos livros paulinos, e, por conseguinte, o primeiro de todos os livros do nosso N.T.
Tudo isso poderia explicar a grande surpresa expressa pelo apóstolo Paulo, em Gál. 1:6; «Admira- me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo, para outro evangelho». Não se havia passado muito tempo, desde que Paulo estivera entre os crentes para quem agora escrevia. Nem bem havia o apóstolo retornado de sua primeira viagem missionária, quando ouviu falar sobre a divisão causada pelos legalistas no seio da igreja cristã; e imediatamente ele escreveu e enviou essa epístola aos Gálatas, em grande agitação de espírito, antes do concílio de Jerusalém, referido no décimo quinto capítulo do livro de Atos. De conformidade com esse ponto de vista, a segunda visita feita à Galácia, referida em Gál. 4:13 como algo que antecedeu à escrita dessa epistola, foi a mesma visita referida em Atos 14:21-23, quando Paulo retomou a Listra, Icônio, Antioquia da Pisídia e regiões circunvizinhas.
Se essas especulações estão corretas, então o ano de 49 D.C. seria uma data razoável para a escrita da epístola aos Gálatas; todavia, diversos eruditos têm descoberto alguns problemas em tomo de toda essa ideia. Por exemplo, salientando que o décimo primeiro capítulo do livro de Atos sem dúvida teria mencionado algo sobre essas atividades de Paulo, se isso realmente houvesse ocorrido e se aquela visita não tivesse sido meramente para enviar alivio material. Além disso, alguns estudiosos supõem que I e II Tessalonicenses, que foram escritas não muito depois da epístola aos Gálatas, certamente teriam alguma alusão ao conflito contra os legalistas. Porém, tais argumentos têm seus contra-argumentos; e assim vemos que estudiosos de valor se têm posto de um ou de outro lado desse problema.
Se a teoria denominada Galácia do Norte está com a razão, então o lugar mais provável de onde Paulo escreveu esta epistola aos Gálatas foi a cidade de Éfeso, porque Paulo, após ter trabalhado na Galácia por uma segunda vez (ver Atos 18:23), prosseguiu para Éfeso, onde permaneceu por três anos. De conformidade com essa teoria, é bem provável que durante esse período é que foi composta a epistola aos Gálatas. Mas outros estudiosos supõem que o lugar da escrita teria sido a cidade de Corinto (ver Atos 20:3); e, nesse caso, a epístola aos Gálatas não pode ter sido escrita senão em 57 ou 58 D.C. Existem ainda alguns eruditos que supõem que Corinto foi o lugar onde essa epístola foi composta, mas antes da visita do apóstolo Paulo a Éfeso, ou seja, no tempo descrito no décimo oitavo capítulo do livro de Atos, ou seja, uma data tão anterior como 51 D.C.
Por outro lado, se a teoria denominada Galácia do Sul é que está com a razão, então essa epístola poderia ter sido escrita de Antioquia da Siria, lugar para o qual Paulo retornou, depois de sua primeira viagem missionária. Na verdade em torno dessa questão há uma grande variedade de opinião, e os eruditos permanecem divididos em torno da questão. A posição assumida por este artigo é a de que a epístola aos Gálatas foi escrita em cerca de 49 D.C., tendo sido, por conseguinte, a primeira das epístolas canônicas do apóstolo Paulo; e mui provavelmente ela foi escrita em Antioquia da Síria, antes da realização do concílio de Jerusalém narrado no décimo quinto capítulo do livro de Atos.

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