Data e Proveniência de Filipenses


A data dessa epístola aos Filipenses depende do lugar onde Paulo a redigiu, isto é, do aprisionamento particular durante o qual ele a escreveu. Que o apóstolo era um prisioneiro, quando a escreveu, é óbvio, segundo se vê em Fil. 1:7,12. Sabe-se que Paulo sofreu aprisionamento em Jerusalém, em Cesaréia, em Roma, e, na opinião de alguns, também em Éfeso. As cidades de Roma, Cesaréia e Éfeso, têm sido — sugeridas — como lugares de onde Paulo poderia ter escrito essa epístola. Sobre isso, convém que consideremos os seguintes pontos:
1. Até relativamente há pouco tempo, o aprisiona¬mento de Paulo em Roma, como lugar de onde ele escreveu a epístola aos Filipenses, era a idéia tradicional. As alusões à «casa de César» (Fil. 1:13 e 4:22) e ao «pretório» eram consideradas como conclusivas em favor da proveniência da capital do império. Entretanto, têm sido encontradas pela arqueologia várias inscrições que mostram que os funcionários do governo e os representantes de Roma eram assim chamados, e que onde quer que eles residissem se tornava a casa de César. Esse termo era vinculado a muitas categorias de pessoas, como servidores, policiais, guardiães, bem como altos oficiais do governo. E o pessoal administrativo romano, em toda a cidade importante do império, era conhecido pelo termo de «pretório», que incluía todos os funcionários, — que, em Roma ou fora dela, eram designados pela alcunha de «servos de César». Portanto, essa expressão, que tradicionalmente se pensava dar apoio à ideia de que Paulo escreveu esta epístola aos Filipenses quando estava aprisionado em Roma, na realidade perdeu grande parte de sua força, pois o uso do termo é por demais amplo.
2. Outros argumentos têm sido apresentados em favor da cidade de Roma, como o lugar de onde Paulo redigiu a epístola aos Filipenses. Essa epístola parece antecipar sua possível morte (2:20-23), o que nos mostra que as acusações feitas contra Paulo eram sérias, e que o seu martírio poderia estar próximo. Ora, isso se harmoniza melhor com a situação de Paulo em Roma do que com qualquer outro período de aprisionamento. E isso se verifica especialmente porque, na qualidade de cidadão romano, não é provável que, sob tão adversas circunstâncias, o apóstolo Paulo não tivesse apelado para César, o que de fato fizera em Cesaréia, quando também se encontrava em grande dificuldade. Esse é o mais forte argumento em favor da cidade de Roma, embora se harmonize melhor com o segundo período de aprisionamento nessa cidade (conforme alguns erudi¬tos têm postulado), e não com o primeiro período, porquanto o livro de Atos, em suas observações finais, não nos transmite a impressão de que havia qualquer ameaça tão séria como esta epístola aos Filipenses nos permite entender. Outrossim, Paulo pode ter enfren¬tado determinados perigos na cidade de Éfeso ou em outra localidade qualquer, sobre o que não temos conhecimento, e sob circunstâncias que talvez não permitissem um apelo fácil a César.
3. Em favor do aprisionamento em Roma também tem sido aduzido o argumento de que a igreja cristã de Roma corresponderia, quanto ao tamanho e à influência, às alusões constantes em Fil. 1:2 e s, que parecem indicar uma comunidade cristã considerável. Ora, outro tanto não se poderia atribuir facilmente a Éfeso, e, menos ainda, a Cesaréia.
4. A introdução de Márcion, à epístola aos Filipenses, identifica claramente a sua proveniência como a cidade de Roma. Mas é possível que isso não tenha passado da reiteração de uma opinião antiga, a qual pode estar equivocada visto que os escritos de Márcion datam de cerca de cem anos que tais acontecimentos transpiraram.
5. Outros estudiosos têm postulado a hipótese cesariana. Desde 1731 que Oeder, de Leipzig, sugeriu que Cesaréia teria sido o lugar onde a epístola aos Filipenses teria sido escrita. Essa idéia, entretanto, não é mais fácil de defender que a hipótese romana. Sobre isso, há algumas considerações que precisamos averiguar:
a. A custódia referida em Atos 13:35, que descreve o aprisionamento do apóstolo Paulo em Cesaréia, não sugere qualquer perigo iminente de martírio, conforme a epístola aos Filipenses dá a entender por toda a parte.
b. Outros estudiosos supõem que o tamanho e o prestígio da igreja cristã de Cesaréia não corresponde¬ram àquilo que é descrito em Fil. 1:12 e ss.
c. Quando Paulo se encontrava em Cesaréia, esperava fazer ainda uma visita à cidade de Roma, e não outra visita a Filipos, que era o seu desejo, quando ele escreveu esta epistola, conforme se verifica em Fil. 2:24 e ss.
6. Há, finalmente, a Hipótese efésia. Embora não haja qualquer certeza no que diz respeito a algum período de aprisionamento de Paulo em Éfeso (a sua luta contra as «feras», que teria ocorrido ali, mencionada em I Cor. 15:32, pode ser uma alusão alegórica, e não literal), essa ideia tem ganho algum apoio em anos recentes, não somente como o lugar onde Paulo teria redigido esta epístola aos Filipenses, mas também como o lugar onde ele escreveu as epistolas aos Efésios, aos Colossenses e a Filemom. Os seguintes argumentos são apresentados em favor dessa opinião:
a. Sua referência à sua tencionada visita imediata se torna muito mais inteligível, pois Éfeso ficava muito mais perto de Filipos do que de Roma. Além disso, com base na epístola aos Romanos sabemos que Paulo planejava fazer uma viagem missionária à Espanha, depois de ter passado por Roma, e não uma viagem ao território já explorado da Macedônia. Podemos considerar o trecho de Fil. 2:24, onde o apóstolo Paulo estava preparado para reiniciar seu trabalho pastoral entre eles; também se pode considerar o trecho de Rom. 15:23-25, onde se lê sobre intuitos inteiramente diferentes. Essa referência da epistola aos Romanos mostra-nos que Paulo reputava «completada» a sua tarefa no oriente, e que agora queria visitar o ocidente.
b. Existem evidências, nesta mesma epístola aos Filipenses de que foram feitas várias visitas entre esses dois pontos (onde ele se encontrava aprisionado) e Filipos. Os crentes de Filipos ouviram falar do aprisionamento do apóstolo e lhe enviaram Epafrodito com uma dádiva em dinheiro. Então foram enviadas notícias a eles de que seu mensageiro adoece¬ra; e ele, por sua vez, recebeu uma mensagem que mostrava a preocupação daqueles irmãos. Mais tarde Epafrodito foi enviado a eles, levando-lhes esta epístola aos Filipenses.
Timóteo também foi envolvido nesses movimentos, de tal modo que, ao todo, precisamos pensar em quatro viagens pelo menos. Ora, Roma distava quase mil e trezentos quilômetros de Filipos, ao passo que Éfeso ficava a menos da metade dessa distância; portanto, as idas e vindas muito mais provavelmente teriam ocorrido entre Filipos e Éfeso do que entre Filipos e Roma, que ficava muito mais distante. (Ver Fil. 2:19-20).
c. A menção da dádiva de que os crentes de Filipos haviam enviado a Paulo parece indicar a passagem de pouco tempo desde que Paulo estivera com eles, e não um intervalo de talvez dez anos, o que teria sucedido, se tal dádiva tivesse sido enviada para ele em Roma.
d. É possível que a visita tencionada por Timóteo (ver Fil. 2:19) deva ser identificada com a visita mencionada em I Cor. 4:17 e Atos 19:22. Nesse caso, a própria revisita de Paulo àquele lugar poderia ser identificada com o que se lê em Atos 20:1-6, onde se veria então o cumprimento do seu desejo de visitá-los, conforme se lê em Fil. 2:24.
Contra a Ideia do aprisionamento de Paulo em Éfeso, podem ser apresentados os seguintes argumentos:
1. Essa ideia é de natureza especulativa, porquanto nada pode ser provado nesse sentido, excetuando talvez a referência isolada que há em I Cor. 15:32.
2. A ausência de qualquer menção sobre a coleta para os santos pobres de Jerusalém parece ser um argumento forte quanto a isso, pois parece que Paulo estava obcecado acerca dessa questão durante esse tempo.
3. A mais séria objeção contra essa ideia é que a epístola aos Filipenses reflete um possível iminente martírio. Nesse caso, por que razão Paulo não apelou para César, o que realmente fez mais tarde, em Cesaréia, quando viu as coisas se complicarem contra ele? Para essa objeção realmente não há resposta.
Essa questão, pois, permanece na dúvida, porquan¬to nenhuma dessas ideias pode ser defendida de maneira inteiramente bem-sucedida. Porém, afinal de contas, a questão não se reveste de importância capital.
Se porventura a epistola aos Filipenses foi escrita em Éfeso, então teríamos de datá-la entre 53 e 54 D.C., o que significaria que foi escrita antes da primeira epístola aos Coríntios. Por outro lado, se Paulo a escreveu em Cesaréia, então sua data teria sido entre 56 e 58 D.C. E, se porventura, ele a escreveu em Roma, então deve ser datada depois de 58 D.C., que foi quando Paulo chegou pela primeira vez em Roma. No entanto, a epístola aos Filipenses poderia ter sido redigida tão tarde como 60 D.C., ou mesmo mais tarde, se supormos que o apóstolo a escreveu quando de seu segundo período de aprisionamento, talvez tão tarde como 64 D.C. Alguns eruditos datam a chegada de Paulo em Roma tão tarde como o ano de 62 D.C., e, se porventura essa opinião é correta, essa epístola aos Filipenses teria sido escrita de dois a quatro anos depois dessa data.

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