Autoria de Filipenses


Os quatro grandes livros clássicos de Paulo são as epístolas aos Romanos, aos Gálatas, I e II Coríntios. Praticamente nenhum erudito tem duvidado da autenticidade desses quatro livros do N.T. como obras genuinamente paulinas. Elas são tão semelhantes entre si, no que diz respeito ao estilo, ao vocabulário, à estrutura das sentenças e a todas as demais considerações literárias que é necessário aceitar ou rejeitar juntamente todas elas. Por esse motivo é que pouquíssimos estudiosos têm provocado qualquer debate em torno da autoria dessas quatro epístolas. Além dessas quatro, outras cinco epístolas têm sido aceitas como paulinas, com pouca disputa, a saber, Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses e Filemom, Ver comentos gerais sobre o corpus paulino no artigo sobre Romanos, primeiros parágrafos, e seção II.
A epístola aos Filipenses é aceita como paulina por quase todos os eruditos, embora alguns deles pensem
que ela representa mais de uma epistola, sendo realmente uma composição de peças da correspon­dência paulina, mais ou menos como as epistolas de I e II Coríntios são tidas como representantes de pelo menos quatro missivas, mas que chegaram até nós agrupadas em apenas duas epistolas. (No tocante a esse problema, no que se relaciona a epistola aos Filipenses, ver o ponto IV deste artigo, — intitulado «Integridade da Epistola»).
Dentre as dez a treze epístolas neotestamentárias aceitas como paulinas, sete delas foram escritas na prisão, a saber, Filipenses, Efésios, Colossenses, Filemom, I e II Timóteo e Tito, embora seja quase certo de que nem todas as sete foram escritas da mes­ma cidade, e por ocasião do mesmo período de aprisionamento. (Quanto a notas expositivas sobre essa questão, ver a seção II do artigo sobre esta epístola, intitulada «Data e Proveniência», bem como os artigos sobre cada uma dessas epistolas, sob o titulo Proveniência).
A própria epistola ao Flipenses (1:1) reivindica a autoria paulina. Timóteo é ali apresentado como um de seus associados, o que sabemos estar de conformidade com a vida de Paulo (ver Fil. 1:1 e 2:19). Além disso, as referências ao seu aprisionamen­to concordam com aquilo que sabemos ser verdade acerca dos sofrimentos de Paulo (Fil. 1:7). O autor também se refere, de forma muito natural à sua anterior pregação na Macedônia (ver Fil. 4:15), bem como ao fato de que os crentes de Filipos lhe tinham enviado dádivas (ver Fil. 4:10 e 2:25-28), o que não é um elemento que um forjador tivesse querido incluir, porquanto ordinariamente era costume de Paulo viver independentemente das igrejas, quanto ao aspecto financeiro. O conteúdo geral, o estilo e o vocabulário dessa epistola, tudo aponta para a autoria paulina.
Os próprios assédios contra a integridade dessa epístola, ainda que consigam mostrar que nessa epístola está representada mais de uma missiva, não seriam capazes de provar que essa «coleção» não seria paulina. Contudo, os argumentos contrários à autoria paulina são os seguintes:
1.   Uma suposta tentativa de mostrar afinidade para com as ideias do gnosticismo. (Ver Fil. 2:5 e ss). Entretanto, a tríplice divisão celeste, terrestre e do submundo, não tem sido bem recebida pela maioria dos eruditos como uma prova de influências gnósticas, porquanto tais ideias podem ser encontradas tanto na teologia judaica como na teologia cristã, correntes na época de Paulo.
2.   A passagem, um tanto indelicada, que aparece no terceiro capítulo dessa epístola, e que chama os opositores de Paulo de «cães» e de «falsa circuncisão», na opinião de alguns estudiosos, seria indigna do grande apóstolo Paulo. Porém, se lermos a primeira epístola aos Coríntios e a epístola aos Gálatas, verificaremos que isso se transforma em uma prova favorável à autoria paulina, e não contrária a ela, pois Paulo não hesitava em falar de forma ousada e mordaz.
3.   O trecho de Fil. 4:15, na opinião de alguns eruditos, contradiria os trechos de I Cor. 9:15 e II Cor. 11:9, sob a alegação de que se refere à coleta encabeçada por Paulo para os santos pobres de Jerusalém, que não chegou às mãos desse apóstolo, ou que não foi levantada no começo de seus labores na Macedônia (conforme a epístola aos Filipenses parece indicar), mas antes, no final de seus labores ali. Porém, essa dificuldade é facilmente solucionada quando observamos que essa referência não é ao papel deles na coleta geral para os pobres de Jerusalém, pois Paulo se referia antes às dádivas pessoais que eles lhe tinham enviado; pois a epístola aos Filipenses, pelo menos em parte, visou agradecer o auxilio monetário que os crentes de Filípos haviam enviado ao apóstolo. O décimo sexto versículo desse mesmo capítulo deixa isso claro, onde se lê que o dinheiro, no dizer de Paulo, fora «…o bastante para as minhas necessida­des», e não para os santos pobres de Jerusalém.
Todas essas três objecções, entretanto, não têm sido favoravelmente acolhidas pela grande maioria dos intérpretes, razão pela qual essa epistola tem continuado a ser considerada como genuinamente paulina.
A autoridade e a canonicidade da epistola aos Filipenses têm sido questões fixadas desde os tempos antigos. Ela usufrui da mesma autoridade, quanto a esses pontos de vista, que os demais livros clássicos paulinos, e podem ser aplicadas aqui as introduções às epístolas aos Romanos, aos Gaiatas e a 1 e II Coríntios, onde se ventilam as questões do cânon e da autoridade antiga. Não houve nenhuma ocasião, na igreja cristã primitiva, em que qualquer pronuncia­mento sobre o «cânon» tivesse sido efetuado, que não incluísse também a epístola aos Filipenses. Márcion, um dos pais da igreja (150 D.C.), em seu cânon neotestamentário de onze livros, que se constituía de dez das epístolas paulinas e de uma forma mutilada do evangelho de Lucas, incluía a epístola aos Filipenses. Todos os demais pais da igreja, após Márcion, que falaram a respeito da questão, jamais deixaram de incluir essa epístola. E antes mesmo da época de Márcion, Policarpo, em sua epístola aos Filipenses, mencionou a correspondência que Paulo tivera com eles, citando o trecho de Fil. 3:11. Nessa coleção de epístolas paulinas, a epístola aos Filipenses evidentemente foi escrita antes de Colossenses e depois de Efésios. (Ver o artigo sobre à epístola aos Efésios, sob Data). Essa é igualmente a ordem como essa epístola aparece no cânon muratoriano. Os pais da igreja Inácio, Irineu, Clemente de Alexandria, Orígenes, Tertuliano e Eusébio, todos citaram trechos da epístola aos Filipenses.

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