Cristologia (Doutrina de Cristo)


Esboço:
1.  Várias Definições
2.  A Base Bíblica
3.  A Cristologia nos Concílios e nas Controvérsias
4.  Declarações Cristológicas dos Pais da Igreja
5.  Outros Desenvolvimentos e Opiniões
6.  O Mistério
1.    Várias Definições
Schleiermacher definiu o cristianismo como um «monoteísmo — em que tudo está vinculado a Cristo, o Redentor». É impossível alguém conceber uma versão da religião cristã à parte da posição central ocupada por Cristo. De fato, não podemos entender o cristianismo sem o Cristocentrismo. A cristologia, pois, é o nome da interpretação teológica do sentido da pessoa e da obra de Cristo, e, como tal, é uma definição da natureza essencial do próprio cristianismo. Ver o artigo sobre o Cristianismo. A preocupação central da cristologia é a doutrina da pessoa e da obra de Jesus Cristo. Diz respeito à sua natureza divino-humana, à sua encarnação, à sua revelação de Deus, aos seus milagres, aos seus ensinamentos, à sua morte expiatória, à sua ressurreição e ascensão, à sua intercessão em nosso favor, à sua parousia, ao seu ofício de Juiz, à sua posição de Cabeça de todas as coisas, à sua centralidade dentro do mistério da vontade de Deus, dentro da restauração (que vide). Ver o artigo separado sobre Cristo. Na introdução àquele artigo, vários outros artigos são mencionados, relativos ao assunto, suplementando o que é dito aqui.
2.    A Base Bíblica
a.  No Antigo Testamento. A cristologia começa no Antigo Testamento, onde encontramos muitos textos de prova, usados pelos cristãos, para mostrar que Jesus Cristo era uma figura predita, tendo cumprido a expectação messiânica do povo judeu. O trecho de  Gênesis 3:15 dá início à lista desses textos de prova. Nas notas expositivas no NTI, em Atos 3:22, ofereço uma lista das profecias messiânicas que se cumpriram em Jesus; e essa lista consiste de cerca de quarenta referências extraídas do Antigo Testamento, com suas contrapartes neotestamentárias. O leitor pode encon­trar essa mesma lista, nesta enciclopédia, no artigo Profecias do Antigo Testamento Cumpridas em Jesus.
b.  No Novo Testamento:
i.    Humanidade. A humanidade de Cristo é subentendida em todas as páginas do Novo Testamen­to. Ele nasceu como um bebê, de uma mãe humana, cresceu, aprendeu, experimentou fome, ansiedade, dúvida, desapontamento, surpresa e foi aperfeiçoado, pelo que sofreu, foi humilhado, padeceu e morreu. Ver as seguintes referências: Luc. 2:40; 7:9; Mar. 2:15; 14:33; 15:34; Gál. 4:4; João 1:14; Heb. 2:9,10; 5:7,8; Mat. 27:1 ss. Quanto ao desenvolvi­mento desse assunto, ver o artigo sobre a Humanida­de de Cristo.
ii.  Impecabilidade. Embora fosse um ser humano, é declarado que ele não cometeu pecado. (Ver Heb. 4:15; II Cor. 5:21; I Ped. 2:22). Porém, poderia ele ter caído em pecado? Quanto a essa pergunta, ver o artigo sobreCristo, Tentação de, sob o quinto item, A Teologia da Tentação de Cristo; e ver também sobre a Impecabilidadede Jesus.
iii.   Filho do Homem. Em Mateus 8:20, onde a humanidade de Cristo está em pauta, ele aparece como um homem típico ou representativo, ou seja, a humanidade é ilustrada em Cristo. Porém, o trecho de Marcos 14:62 tem o título «Filho do homem» com o trecho de Daniel 7:13 em mente, aquela figura celestial e elevada autoridade espiritual, um ideal que representa o povo de Deus. Esse título também pode salientar a sua humildade e aparente insignificância (Mar. 2:10; 2:28; Luc. 12:19). O evangelho de João usa o título em contextos que enfatizam sua preexistência (João 2:13 ss; 6:62 ss e 8:6 ss). Nos escritos de Paulo, ele é o homem descido do céu, o segundo Adão (Rom. 5 e I Cor. 15).
iv.  Servo. Jesus é Aquele que cumpre supremamen­te a vontade de Deus, e, dessa maneira, serve melhor aos homens. Ele é o Servo Sofredor retratado no livro de Isaías. Ver Mat. 12:18; Mar. 10:45; Luc. 24:26. Foi na qualidade de Servo que Cristo ofereceu a si mesmo pelos pecados do seu povo (João 1:29; Isa. 53).
v.   Humilhação. Por ocasião da encarnação (que vide), ele deixou de lado a sua glória celestial, a fim de poder obter glória para os homens (Fil. 2:5 ss, João 1:14).
vi.  Encarnação. O Logos encarnou-se na forma de Jesus (João 1:14). Da mesma maneira que ele assumiu a natureza humana, assim também o homem, por intermédio dele, haverá de assumir a sua natureza divina (Rom. 8:29; II Cor. 3:18; Col. 2:10; II Ped. 1:4). Ver o artigo sobre a Encarnação.
vii.    Cristo, o Messias. Em sua encarnação, Cristo tomou sobre si mesmo a incumbência de cumprir a missão do Messias, que é chamado Cristo, em grego. (Ver Atos 10:38; João 1:41; Rom. 9:5). Ver o artigo sobre o Messias, e o artigo sobre o Cristo.
viii.  Divindade. A encarnação consistiu no fato de que o Logos de Deus tornou-se o homem Jesus. Ora, o Logos é Deus (João 1:1). O Filho do homem é, por igual modo, o Filho de Deus (Mat. 11:27; Mar. 13:32; João 20:17). O Filho e o Pai são um só (João 5:19,30; 16:32). Ele vive cheio de toda a plenitude de Deus (Gál. 2:9). Quanto a completos detalhes sobre essa questão, ver o artigo sobre a Divindade de Cristo.
ix.   O Logos. Ver João 1:1. Neste particular, a filosofia é empregada, porque a doutrina do Logos tem uma longa história na filosofia e foi tomada por empréstimo pela cristologia. Foi um apto subsidio para ajudar a expressar a divindade de Cristo, e isso mediante a ideia da encarnação. Ver o artigo sobre oVerbo, quanto a detalhes completos sobre a questão.
x.   O Redentor. A realização expiatória de Cristo,’ vinculada a outros aspectos de sua missão, produz a redenção. Ver Rom. 3:24; 8:23; I Cor. 1:30; Col. 1:14;Heb. 9:12,15. Ver o artigo sobre a Redenção, e também sobre a Expiação.
xi.  O Restaurador de Tudo. Ver o trecho de Efésios1:10 quanto ao mistério da vontade de Deus, que é a restauração universal em torno de Cristo. Ver o artigo sobre a Restauração.
xii.   O Senhor de Tudo. Cristo não é apenas o Salvador. Ele também é o Senhor. E, no devido tempo, haverá de impor o seu senhorio sobre todas as coisas, de modo palpável e evidente. Doutra sorte, seu caráter de Salvador seria anulado. Ver Rom. 10:9,10; Fil.2:11. Ver o artigo sobre o Senhorio de Cristo.
xiii.   Mediador. Ver o trecho de Heb. 7:24 ss. quanto ao ofício de Cristo de Mediador e Sumo Sacerdote (que vide).
3.    A Cristologia nos Concílios e nasControvérsias
a.   Antes do Concílio de Nicéia (que vide), as seguintes doutrinas eram correntes, várias das quais influenciadas pelo neoplatonismo (que vide): oebionismo (que vide). Era de origem judaica. Negava a encarnação. Jesus seria apenas humano. O docetismo(que vide). Era de origem gnóstica. Cristo seria um elevado poder espiritual, pois seria um anjo, sendo divino apenas em sentido secundário; e a sua natureza humana seria apenas uma representação teatral. O basilidianismo (que vide), ensinava que Cristo tornou-se divino por ocasião de seu batismo em água. Os alogoi (que vide) e os artemonitas (que vide), ensinavam que Jesus era humano, embora impulsiona­do por uma energia divina. Opatripassianismo (que vide), ensinava que só há um Deus, chamado, alternativamente, Pai ou Filho, pelo que o próprio Pai foi crucificado. O sabelianismo (que vide), dizia que o Filho é apenas um dos três modos pelos quais a Substância Divina costuma manifestar-se.
b.  O Arianismo (que vide). Esse sistema opunha-se diretamente à cristologia defendida pelo credo Niceno. Esse credo afirmava que Cristo foi eterna­mente gerado, não fazendo parte da criação de Deus. Além disso, esse credo declarava Cristo da mesma substância que o Pai. Ãrio (que vide), em contraste, afirmava que Cristo possuía tanto a natureza divina quanto a natureza humana, embora tivesse sido criado em um tempo definido, por um ato da vontade de Deus. Seria subordinado a Deus e teria uma substância diferente. Portanto, só o Pai seria o verdadeiro Deus.
c.    Cristologias que Provocaram Declarações deConcílios. O apolinarianismo (que vide)i foi um dos assuntos tratados pelo concílio de Calcedônia, de 451D.C. Esse sistema ensina que Cristo era possuidor de corpo humano, mas que o Logos (ver sobre o Verbo) veio a ser a alma humana de Jesus. Portanto, foi criado um ser divino que não tinha alma humana. Nesse concílio também foi denunciado o Nestorianismo(que vide), sistema que asseverava que Cristo tinha tanto a natureza divina quanto a natureza humana, mas sem haver comunicação entre as duas. Oeutiquianismo (que vide) ensinava que Cristo possuía as duas naturezas, embora a natureza humana tivesse sido inteiramente absorvida pela natureza divina, pelo que tudo quanto Cristo fazia era divino. Todas essas doutrinas foram condenadas pelo concilio de Calcedônia, e as doutrinas do credo niceno foram confirmadas.
d.    Cristologias que Levaram ao Concilio deConstantinopla III, em 689 D.C. O monofisitismo (que vide), ensinava que Cristo tinha apenas uma natureza, a humana, que era uma espécie de qualidade contingente da natureza divina. O monote- litismo (que vide), ensinava que, visto ser Cristo apenas uma pessoa, ele também só tem uma vontade. O concilio de Constantinopla III opôs-se a essas ideias e reafirmou a posição assumida no concílio de Calcedônia.
e.  O protestantismo (que vide), exibe muitas formas em sua cristologia. Os protestantes conservadores têm cristologias bastante similares, se não mesmo idênticas às do catolicismo ortodoxo, mas vários ramos do protestantismo têm adotado ideias dosismos acima mencionados. O protestantismo, de modo geral, usa de cuidados para resguardar sua cristologia de uma indevida invasão da exagerada exaltação a Maria, mãe de Jesus, a fim de que Cristo receba toda a glória. Isso resulta também no fato de seu ofício como mediador é preservado de infrações.
4.      Declarações Cristológicas de Vários Pais da Igreja
a.    Os Pais Apostólicos, 90-140 D.C., como Clemente de Roma, referiram-se a Cristo em termos exaltados, refletindo os ensinamentos do Novo Testamento. Em II Clemente encontramos: «Irmãos, devemos pensar sobre Jesus Cristo como Deus, como o Juiz dos vivos e dos mortos». Esses pais combateram os ebionitas e os docéticos.
b.   Os Apologistas. Justino (cerca de 100-165 D.C.) eTeófilo de Antioquia defenderam o evangelho ante os ataques dos pagãos. A doutrina do Logos era o principal instrumento dessa defesa cristã, com a incorporação de fortes argumentos e tendências filosóficas. De acordo com o pensamento platônico, o Logos teria assumido posição inferior à do Pai, mas essa também é uma idéia paulina do Filho, quando este é visto na humilhação de sua encarnação (I Cor. 15:58). Melito de Sardes aludia a Cristo como Deus e como homem. Suas datas foram 140-200 D.C. Ele atacou o gnosticismo e expôs um ponto de vista bíblico de Cristo. Tertulitmo (cerca de 160-220 D.C.) combateu o gnosticismo e o monarquianismo ou sabelianismo. Ele foi o primeiro dos pais da Igreja a afirmar que o Pai e o Filho são de uma mesma substância, e falou sobre as três pessoas da deidade.Irineu (140-200 D.C.) combateu o gnosticismo usando a cristologia do Novo Testamento. Não somente ensinava a divindade de Cristo, mas também declarou enfaticamente que: «Ele tornou-se naquilo que somos, a fim de tomar-nos aquilo que ele é». Isso equivale à ideia da participação na natureza divina, em um sentido perfeitamente real, da mesma forma que Cristo, de maneira perfeitamente real, participou da natureza humana (II Ped. 1:4 e Col. 2:9,10).
c.   Orígenes. Suas datas foram 185-254 D.C. Ele teve grande influência sobre o desenvolvimento da. cristologia no Oriente. Usou a expressão geração eterna ao referir-se à filiação de Cristo, a fim de evitar qualquer ideia de um começo em sua pessoa, ou de que ele tivesse sido criado pelo Pai. Empregou o termo homoousios, ao afirmar que o Filho é dotado da mesma substância que o Pai. Não obstante, sua cristologia envolvia a ideia errônea de subordinação do Filho ao Pai (ver I Cor. 15:28), expressa segundo termos platônicos. Em sua missão, Cristo teria sido um ser intermediário, preenchendo o espaço entre o ser totalmente transcendental de Deus e este mundo criado. Como poderia ser de outro modo? Deus precisa do seu Mediador (que vide). Orígenes ensinava a doutrinai da alma humana preexistente de Jesus, visto que ele acreditava na alma preexistente, e não excetuava à regra nem mesmo a natureza humana de Cristo. Todavia, o Logos não seria apenas preexistente, mas também eterno. Por ocasião da encarnação, pois, houve a fusão dessas duas naturezas. Ver os artigos sobre Orígenes e sobre o Origenismo. Foi Orígenes, mais do que qualquer outra figura cristã, quem finalmente, destruiu a influência do gnosticismo na Igreja. No entanto, na posterior controvérsia ariana, sua teologia complexa era usada por ambos os lados dessa controvérsia.
d.   Ario. Suas datas foram cerca de 265-336 D.C. Ele negava a possibilidade de qualquer emanação divina, ou de qualquer distinção dentro da deidade. Ele ensinava que o Logos foi criado do nada, por Deus, antes do início do tempo, conforme o conhecemos agora. Embora o Logos tenha apenas uma forma de divindade, ele poderia ser chamado divino, posto não ser o verdadeiro Deus, e nem ter a mesma substância do Pai. O concílio de Nicéia opôs-se a esses pontos de vista, em cerca de 325 D.C. Atanásio (ver abaixo), foi o grande opositor de Ário, nessas suas ideias distorcidas.
e.  Atanásio (298-373 D.C.). Defendia a doutrina de uma só substância, possuída pelo Pai e pelo Filho. Alicerçava seus argumentos não em seus raciocínios acerca do Logos, mas na natureza da redenção. Na redenção (que vide), faz parte do plano de Deus levar os remidos a compartilharem de sua natureza. Para realizar isso, Deus precisou assumir a natureza’ humana. Portanto, Deus encarnou-se. E foi em seu estado encarnado que ele resolveu o problema do pecado, tendo igualmente aberto o caminho para o homem progredir até Deus. E isso deve incluir uma transformação tão radical da alma humana que, finalmente, através da transformação metafísica, aquilo que antes era apenas humano, tornar-se-á divino, compartilhando da real natureza de Deus. Concordo plenamente com essa ideia, e provi, nesta enciclopédia, um artigo sobre esse assunto. VerDivindade, Participação do Homem na. A salvação consiste na filiação a Deus. Os filhos realmente participarão da natureza do Pai, embora em sentido infinito. Não obstante, sempre haverá um maior desenvolvimento nessa participação, pois, visto que há uma infinitude com que seremos cheios, também deverá haver um preenchimento infinito (ver Col. 2:10; II Cor. 3:18). A glorificação (que vide) será um processo eterno, e não um acontecimento dentro do tempo.
f.  Apolinário (310-390 D.C.). Afirmava que não podia entender o mistério do Deus homem (e quem pode?), pelo que raciocinava que o Logos era apenas um homem. Ao explicar o homem, ele apelava para a ideia platônica da tríada, referindo-se ao homem como composto por: 1. corpo: 2. alma irracional ou animal; 3. alma racional ou intelecto (no grego, nous), que é a porção mais elevada do homem, aquela que sobrevive à morte física. Essa nous (a alma), de acordo com essa doutrina, foi substituída pelo Logos, na pessoa de Jesus Cristo. Portanto, em Cristo não devemos pensar em uma humanidade verdadeira, mas em uma espécie de nova criação. Essa doutrina, pois, nega a verdade da encarnação.
g.  Gregário Nazianzeno (329-390 D.C.). Ele condenou o ponto de vista acima definido e defendeu tanto a divindade verdadeira quanto a humanidade
verdadeira de Cristo. As ideias de Apolinário foram condenadas pelo concílio de Constantinopla (381 D.C.).
h.   Nestor, falecido em 451 D.C. Foi bispo deConstantinopla. Recusava-se a usar a expressão «mãe de Deus», a qual, a princípio, fora criada para enfatizar a divindade de Cristo. Cristo era divino, e Maria fora sua mãe. Originalmente, a expressão não tinha por intuito dizer que Deus tem mãe, em qualquer sentido. Nestor, entretanto, negava a verdadeira divindade de Cristo, asseverando que ele apenas foi um homem que serviu de instrumento da deidade. As declarações de Nestor são confusas, pois, ao mesmo tempo em que falava sobre o Deus homem, também parecia pensar que havia duas naturezas, atuando lado a lado, em uma única manifestação, embora não chegasse a pensar na fusão dessas duas naturezas. Nestor argumentava que Deus não pode sofrer, pelo que foi o lado humano de Cristo que morreu. £ verdade que foi o lado humano de Cristo que morreu, visto que Deus não pode morrer; porém, a maneira de Nestor tentar resolver o mistério da pessoa de Cristo não satisfez aos teólogos da Igreja. Essa separação de pessoas, em Jesus Cristo, foi condenada pelo concilio de Calcedônia de 451 D.C., e também pelo concílio de Éfeso, de 431 D.C.
i.   Cirilo (que vide), o inteligente mas violento patriarca de Alexandria, em cerca de 412 D.C., opôs-se aos nestorianos, tendo servido de instrumento da condenação dos mesmos. Ele também combateu a doutrina de Apolinário (que vide), asseverando que a humanidade de Cristo era completa e inteira, mas sem subsistência independente (no grego, anupósta- sis).
j. Êutico, um discípulo de Cirilo, continuou pensando sobre o problema e terminou ensinando que as duas naturezas de Cristo estavam fundidas em uma só, ficando assim eliminadas as claras distinções entre a natureza divina e a natureza humana em Jesus Cristo. Isso se assemelhava ao docetismo (que vide), pelo que sua posição foi condenada pelo concílio de Calcedônia de 451 D.C. Esse concílio pronunciou-se em favor das duas naturezas de Cristo, coexistindo uma com a outra, sem nenhuma fusão ou conversão, mas também sem divisão e separação alguma.
1.  Leôncio de Bizâncio, antes de 553 D.C., continuou meditando sobre esse problema, desejando apresentar uma declaração que fosse aceita por todos. Escreveu tratados contra os nestorianos, os monofisistas e os apolinarianos, o que mostra que ele era habilidoso polemista. Apresentou uma fórmula que a maioria dos teólogos aceitou. Ele ensinava que a natureza de Cristo não era uma hipóstase indepen­dente. No lugar disto, era en-hipostática , isto é subsistia no Logos e através do Logos. Essa teoria foi aprovada pelo segundo concílio de Constantinopla, em 553 D.C.
m. Sérgio de Constantinopla continuou meditando sobre o problema, e decidiu que o mesmo ainda não havia sido resolvido. Por essa razão, criou a doutrina chamada monotelitismo, o que indica «uma só operação divino’humana», ou uma só vontade atuante na pessoa de Cristo. Aqueles que defendiam essa posição supunham que, embora houvesse duas naturezas em Cristo, haveria apenas uma energia divino humana, o que significaria que em Cristo não haveria duas vontades, as quais poderiam entrar em choque uma com a outra, mas apenas uma vontade.
n. Honóriol, bispo(papa) de Roma, 625-741 D.C, também defendia a teoria da vontade única em Cristo. Mas a Igreja Ocidental, em 649 D.C., declarou-se favorável à ideia das duas vontades de Cristo, e o sexto concílio ecumênico de Constantinopla, em 680 D.C., declarou que a posição do papa Honório era uma heresia! O termo usado pela formulação desse concíliofoi dioteletismo, que significa que Cristo tinha duas naturezas em operação, mas que a natureza humana sempre se mostrou sujeita à natureza divina.
5.    Outros Desenvolvimentos e Opiniões
a.  A Igreja da Idade Média. A Igreja Católica Romana aderiu de perto às declarações dos concílios em favor de uma cristologia ortodoxa. Seus pontos de vista foram enriquecidos pela teologia de Agostinho (354-430 D.C.) (que vide), o qual frisava a real humanidade de Cristo, a sua obra expiatória e as experiências místicas. A humanidade de Cristo tornou-se um importante elemento na devoção mística de Bernardo de Clairvaux (1091-1153). Ele enfatizava a possível união da alma com Cristo, sob a figura da noiva e do Noivo. Punha-se ênfase sobre a divindade de Cristo, por alguns teólogos de seu tempo, conforme atualmente se faz nas igrejas evangélicas, as quais, para todos os propósitos práticos, embora não quanto à teoria, eliminaram a humanidade de Cristo de suas teologias.
b.   Os Reformadores Protestantes. Lutero ensinava a verdadeira humanidade e a verdadeira divindade de Cristo, referindo-se à maravilhosa troca de influências entre uma e outra dessas naturezas, como também à comunicação dos atributos envolvidos. Desse modo, temos uma doutrina da interpenetração mútua das naturezas divina e humana de Cristo, algo similar à mescla de naturezas (conforme pensava Êutico), o que a cristologia do concílio de Calcedônia procurava evitar. No luteranismo posterior, a posição de Lutero provocou uma controvérsia a respeito do ponto em que a humanidade do Filho de Deus compartilha com os atributos divinos e atua, juntamente com os mesmos. Se levarmos isso longe demais, perderemos de vista a real humanidade de Cristo. Além disso, nesse exagero, poremos em perigo a ideia inteira da kenosis(que vide), isto é, o esvaziamento do Logos quanto às suas prerrogativas divinas, por ocasião da encarna­ção.
Calvino aprovava os pronunciamentos ortodoxos dosconcílios, mas rejeitava a tendência de Lutero para o erro de Êutico, preferindo defender a ideia de duas naturezas distintas, embora nunca separadas. Para ele, a salvação depende das propriedades de ambas as naturezas. A natureza divina opera através da natureza humana; mas, ao mesmo tempo, a salvação também envolveria a obra de Jesus, em sua perfeita obediência e santificação, em lugar de todos os homens, em sua própria pessoa, pois a humanidade de Jesus não foi apenas o instrumento, mas também a causa material da salvação. A salvação só pode tornar-se realidade mediante o cumprimento dos três ofícios de Cristo como Profeta, Sacerdote e Rei. Essa é uma boa teologia, concordando com a mensagem da epístola aos Hebreus, em trechos como 2:10 e 5:8. Jesus tanto foi aperfeiçoado quanto aprendeu a obediência pelas coisas que sofreu e experimentou. Infelizmente, em muitas igrejas calvinistas de nossos dias, a teologia popular ressalta tanto a divindade de Cristo que se perdem de vista aqueles importantes pontos teológicos que estão envolvidos na humanida­de Cristo. Ver sobre a Humanidade de Cristo.
c.   Fragmentação dos Protestantes. Visto que os grupos protestantes não se sentem obrigados diante dos pronunciamentos dos concílios, eles têm represen­tado entre si todos os desvios cristológicos que temos visto neste artigo. A partir do século XIX, a tendência dos grupos protestantes tem sido desviar-se da doutrina calcedônica das duas naturezas de Cristo. Schleiermacher constituiu uma cristologia que vê em Cristo uma consciência única e arquétipa de total dependência filial ao Pai; e assim ele enfatizava o lado humano, às expensas do lado divino de Cristo. Alguns teólogos luteranos têm salientado fortemente a ideia de kenosis (que vide), supondo que a encarnação requeria um verdadeiro esvaziamento de atributos como onipotência, onipresença e onisciência, embora retendo os atributos morais essenciais da divindade. Assim, se Cristo continuou sendo divino em sua natureza, ele não reteve a forma de Deus, durante o período da encarnação (que vide). Naturalmente, há indícios neotestamentái-ios em favor dessa posição, conforme aqueles trechos da epístola aos Hebreus e as declarações do próprio Senhor Jesus de que ele não sabia tudo, como se vê em Mar. 13:32. É óbvio que a humanidade de Cristo limitava os seus atributos divinos, pois, do contrário, não poderia haver doutrina da encarnação. Essa doutrina, entretanto, tem provocado muita discussão.
d.   Abordagem de Estudiosos Liberais. Muitos liberais veem pouco sentido em todas as controvérsias e suas minúsculas distinções. Eles dispõem-se a chamar Jesus de divino, mas somente no sentido de que Deus irrompeu por meio de Jesus, manifestando assim a sua vontade e os seus atributos. Eles não partem da ideia de que, em Jesus, havia a mesma substância do Pai, ou da ideia de que ele era divino, por ser a encarnação literal do Logos de Deus. Nesse caso, o termo divindade envolve muito mais o que ele foi e realizou, dotado de poder da parte de Deus, embora isso não refletisse uma natureza divina essencial. Em outras palavras, eles negam a doutrina que expõe Jesus como o próprio Deus.
6.    Mistério
Debates surgem na cristologia porque estamos tratando de um mistério. Um mistério é um segredo divino, atualmente já revelado, que ainda retém elementos difíceis que dificultam a compreensão e a explicação. Para nós é impossível criar qualquer formulação que explique como tanto a natureza divina quanto a natureza humana podem, realmente, habitar em uma única pessoa, ao mesmo tempo. Nossas explicações tendem por diminuir o fator humano para acomodar-se ao fator divino, ou então vice-versa. Ou então, podemos desistir da questão inteira e chamá-la de um paradoxo; ou mesmo podemos rejeitar o assunto inteiro, intitulando-o de um mito.
Porém, a última resposta que nos interessa aqui é a mitológica. Quem era Jesus e o que ele fez, permanece um dos grandes mistérios da vida. Na verdade, alguns teólogos têm dito que o mistério de Cristo ainda é maior que o mistério do Pai. Jesus mesmo declarou: «…ninguém conhece o Filho senão o Pai…» (Mat. 11:27). Não obstante, há coisas que podemos dizer, pelo que o debate sobre as naturezas divina e humana, existentes em Cristo, é um debate legítimo. Porém, uma de nossas grandes dificuldades consiste em não sabermos no que consiste adivindade. Nossa ciência e nossa filosofia ainda não conseguiram mostrar-nos no que consiste a divindade, embora contemos com muitas descrições parciais. Na verdade, a nossa teoria atômica não passa disso, umateoria, que está sendo submetida a uma constante modificação, à medida que nossos fatores atinen­tesvão sendo descobertos. Assim, como podemos falar de maneira muito inteligente sobre o que significa serdivino? Isso ainda está completamente fora de nosso ^alcance. Podemos falar sobre os atributos e as obras divinas com algum sucesso; mas, quando podemos descrever a natureza de Deus, nosso sucesso é praticamente nulo. Esse é o mysterium tremendum.Esse mysterium tremendum entrou na existência humana, na pessoa de Jesus Cristo. Enquanto estivermos deste lado da existência, não seremos capazes de explicar Cristo. Não obstante, quando tentamos fazê-lo, podemos dizer algumas coisas úteis.

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