Cristo como Fundamento da Igreja


I.   Discussão Preliminar
ICor3:11: …ninguém pode lançar outro funda­mento, além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo.
Comenta C.T. Craig (ín loc.), como segue: «A mudança de figura simbólica provoca a mudança de tom. O outro homem, que agora edificava, não6 referido por nome. Nada havia de errado com o regar de Apoio no campo, mas sem dúvida alguns materiais defeituosos estavam sendo utilizados na construção. Deus havia comissionado Paulo mediante um ato de sua graça, que fizera dele um apóstolo. Ele era o «sábio construtor», que lançara o tipo certo de alicerce. Não podia mesmo haver outro alicerce para a Igreja além de Jesus Cristo. E por que razão isso precisava ser frisado para a comunidade cristã de Corinto? Será possível que o líder da facção que tinha por seu herói a figura de Cefas afirmasse que ele era a rocha sobre a qual estava edificada a Igreja? (Ver Mat. 16:18). Isso é perfeitamente possível. Esta passagem dá a impressão de que Paulo tinha em mente essa tradição e que ele resistia com todas as forças contra essa idéia. O próprio Paulo não- edificava sobre alicerces lançados por outros homens (ver Rom. 15:20). Não obstante, não se opunha a tal prática por parte de outros, conforme verificamos em suas cordiais palavras a respeito de Apoio. O que atiçava a sua indignação era otipo de trabalho que vinha sendo feito ali. Tal como havia feito oposição a Cefas, face a face (ver Gál. 2:11), assim também Paulo agora não hesitava em fazer oposição àqueles que aparentemente reivindicavam possuir a autorida­de de Pedro em Corinto». (Ver o artigo sobreFundamento da Igreja, Pedro Como).
Não há meios para sabermos exatamente àquem Paulo se referia com essas palavras, mas é bem possível que esteja em foco alguma pessoa em particular, como alicerce da igreja de Corinto; embora também seja possível que Paulo estivesse imaginando alguma «doutrina» ou sistema doutri­nário desenvolvido em lugar do sistema cristão, centralizado em Jesus Cristo, como alicerce básico de todo o cristianismo. É possível que a tentativa, por parte do partido dos «intelectuais», no sentido de criar uma «nova sabedoria», com base no cristianismo fosse a doutrina fundamentalcontra a qual Paulo fazia objeção aqui. Mas também é possível que ele simplesmente quisesse enfatizar que somente Cristo poete ser oobjeto de nossa adoração e serviço, o que significa que a elevação de outros homens, até o lugar que cabe exclusivamente a Cristo, atribuindo-lhesglória, em um espírito faccioso, na realidade seja equivalente a substituir Cristo por outros homens, como o alicerce da Igreja cristã. Este último pensamento parece mais provável, embora não saibamos como demonstrá-lo, porquanto a referência de Paulo na realidade não nos fornece qualquer idéia sobre o que ele queria dizerexatamente.
A única coisa que fica clara, entretanto, é que somente Jesus Cristo pode servir de base sobre a qual edificamos a nossa fé; somente sobre o Senhor pode uma vida remida ser construída, e somente tendo por centro a pessoa de Cristo é que se pode fundar uma comunidade cristã organizada. Por conseguinte, atribuir glória a qualquer outro é roubar o Senhor Jesus da posição fundamental que ele ocupa apropriadamente em sua Igreja. Através desse símbolo do alicerce, pois, Paulo quiçá estivessetão-somente continuando seu ataque contra o espírito contencioso que havia na Igreja de Corinto, e não lançando um novo ataque contra algum partido diferente, como aquele que tinha por seu herói, a Cefas.
II.    Oa Alicerces e o Grande Alicerce
1.   Os intérpretes tèm posto I Cor. 3:11 em oposição ao trecho de Mat. 16:18; mas tal esforço é fútil, inútil e desnecessário. Pedro, em certo sentido, era uma figura fundamental para a igreja. Mas, em um sentido mais elevado, somente Jesus Cristo é o alicerce da Igreja.
2.   Como poderia Pedro ser fundamental para a Igreja? Da mesma maneira que Abraão o foi para Israel. A teologia rabinica comum pensava que Abraão era fundamental para o judaísmo. Por semelhante modo, os apóstolos e profetas formam o alicerce da Igreja (ver Efé. 2:20). Mediante essa metáfora, a Igreja é apresentada como um edifício espiritual, um templo cujo alicerce, por assim dizer, é formado pelos apóstolos e profetas do N.T., pois o crescimento da Igreja dependia dasatividades deles. Dentro dessa metáfora, Cristo nio é o alicerce inteiro, mas antes, é a principal pedra angular. Ora» uma pedra angular não pode servir de alicerce inteiro. Isso comporia uma metáfora absurda. (Ver Efé. 2:20 e I Ped. 2:6 quanto a Cristo como esse elemento especial do alicerce, e não como o alicerce inteiro). A Igreja encarada pelo ângulo de seu desenvolvimento histórico, por estar alicerçada sobre os ensinamentos dos apóstolos e profetas do N.T.,fundamenta-se sobre eles.
3.  Mas, no que diz respeito à salvação, só pode haver um alicerce, a saber, Cristo. Ninguém pode alicerçar sua salvação, ou mesmo o desenvolvimento de sua missão espiritual, sobre qualquer homem. Somente Cristo serve como alicerce, estando, então, em foco um alicerce obviamente diferente daquele que é considerado no ponto dois. Cristo, encarado como o principal evangelista, pode ser tido como parte do alicerce da Igreja, a saber, seu mais importante elemento—a pedra angular. Porém, encarado como o Salvador, ele é o único alicerce em que se baseia um crente.
4.  Paulo, ao pregar sobre o Salvador e sobre o Senhor, sobre quem devemos edificar as nossas vidas, falou a seu respeito como o único alicerce possível. Se ele estivesse falando a respeito do desenvolvimento* histórico da Igreja, então poderia ter feito menção de outro tipo de alicerce, —queinclui os apóstolos e profetas. Oferecemos notas mais detalhadas acerca desses conceitos, em Mat, 16:18 e Efé. 2:20 no NTI.
5.  A polêmica envolvia o seguinte; Visto que Cristo é o único alicerce, a adoração a figuras heróicas, no seio da Igreja, e o orgulho denominacional, são erros tptalmente ilegítimos. A sabedoria e os esforços humanos não podem outorgar para nós qualquer alicerce autêntico na vida. Paulo adverte a seus críticos de Corinto e deixa entendido que eles edifica­vam a jactância humana e não sobre Cristo.
Com a finalidade de conciliarmos as várias passagens envolvidas nessa questão, poderíamos aceitar que, de uma maneira especial, não comparti­lhada por qualquer outro, Cristo é o fundamento da Igreja cristã. Então, examinando a passagem que ora comentamos, poderíamos dizer que Paulo quis dizer que Cristo é o alicerce básico de sua igreja em um sentido exclusivo. Assim sendo, somente sobre a pessoa de Cristo é que se poderia edificar uma Vida cristã individual ou a vida da comunidade cristã em geral. Essa idéiacertamente está com a razão, pois nenhum mero homem pode tomar tal posição. Porém, um outrosentido, no sentido histórico, pode-se dizer que outros fazem parte do alicerce da Igreja cristã. Assim é que a doutrina ensinada por Jesus Cristo foi transmitida através de vários indivíduos, sobretudo, através dos profetas (provavelmente estão em foco os profetas do N.T., em Efé. 2:20) e dos apóstolos. Sobre esses, pois, historicamente falando, é que a Igreja de Cristo foi edificada, porquanto faram os esforços evangelizadores desses homens que ergueram o cristianismo.
III. O Unificador
Nesse caso, o próprio Jesus Cristo, por ser o principal evangelista, é também a pedra angular, porquanto ele é o unificador de todo o esforço enviado, bem como o tema central da própria mensagem. Mais ou menos dessa maneira é que podemos reconciliar as diversas referências acerca do fundamento da Igreja; apesar de não podermos ter certeza absoluta se Paulo se sentiria satisfeito perante tal reconciliação. Por isso mesmo é que existem alguns estudiosos que nem procuram estabelecer reconciliação entre essas várias passagens neotesta- mentárias, simplesmente afirmando que diferentes pontos de vista sobre a questão existem nos escritos dos diversos escritores do Novo Testamento.
Apôs a destruição da cidade de Jerusalém, a autoridade viável da fé religiosa, que era o templo e o sinédrio, desapareceu. Foi necessário, portanto, estabelecer alguma nova autoridade central, algum novo fundamento e devem ter surgido diferentes soluções para esse problema, em diferentes seções da Igreja cristã. Dentro da literatura judaica, Abraão e os patriarcas são chamados de alicerce da congrega­ção israelita. Portanto, não deveríamos ficar sur­preendidos se, de certo modo, alguns homens também sejam chamados de fundamentos da Igreja cristã, a comunidade religiosa do novo pacto, pois isso seria tão-somente a reiteração de uma lógica consagrada pelo uso. Todavia, em seu zelo em favor de Cristo, Paulo poderia ter feito objeção a qualquer idéia dessa ordem, não sendo impossível que I Cor. 3:11 encerre exatamente tal objeção, a despeito do fato de que o cânon do N.T. finalmente, tenha incluído alusões a tais homens, os quais, em um sentido secundário, poderiam ser considerados como alicerces da Igreja cristã. (Ver o artigo sobre Fundamento da Igreja, Pedro Como).
Multo« intérpretes protestantes, através de truques de interpretação e de sofismas filosóficos, procuram tirar da passagem de Mat. 16:18 toda a alusão a Simão Pedro como o fundamento; mas muitos excelentes intérpretes, incluindo alguns dos melhores intérpretes protestantes, dizem que essa passagem fica sem sentido se Pedro não está em foco ali.
Deve-se notar, entretanto, que esse passo bíblico de Mat. 16:18 na realidade não dizqualquer coisa diferente que a tradição judaica dizia acerca de Abraão ou que o trecho de Efé.2:20 declara especificamente, e com grande clareza, acerca dos profetas e apóstolos, isto é, que esses são peças fundamentais da Igreja de Cristo. Portanto, é inútil querer desvirtuar a passagem citada do evangelho de Mateus, pois encontraríamos a mesma dificuldade em Efé.2:20, porquanto aquilo que é dito sobre Pedro, no evangelho de Mateus, é subsequentemente dito sobre todos os outros apóstolos e sobre os profetas, na epistola aos Efésios. Nossa explicação, pois, deve seguir alguma linha que procure reconciliar a idéia que diz que Jesus Cristo é o alicerce exclusivo da Igreja, com a idéia que diz que certos indivíduos também são peças fundamentais da Igreja, ainda que em sentido secundário, conforme foi sugerido, mais acima. Essa interpretação é pelo menos possível, e certamente é superior a algum manuseio desonesto e sofista que somente torce as Escrituras.
O apóstolo Paulo queria que entendêssemos que sò pode haver um alicerce—Cristo—porquesubstitui-lo é pôr em risco a estrutura inteira do edifício espiritual da Igreja. Só existe um sobre o qual podemos construir nossas vidas, e sobre o qual pode ser edificada a vida da Igreja de Cristo, porquanto é por intermédio dele que nos é conferida a vida espiritual em todos os seus aspectos. A pessoa real de Cristo deve ser vista como esse fundamento, o qual não se compõe apenas de alguma doutrina a respeito dele. Porquanto é através dele que nos vem a vida, e não meramente através da crença em alguma doutrina em tomo de sua figura. Considerando isso, somos levados a pensar sobre a intimidade ou comunhão mística com ele, através do seu santo Espirito. Nisso é que consiste verdadeiramente o caminho em que as pedras que são sobrepostas ao fundamento podem ser chamadas de «pedras vivas», conforme disse Cefas, em I Ped. 2:5-8. Essas «pedras vivas», portanto, é que chegam a compor a «casa espiritual». Ora, tudo isso pressupõe alguma transmissão real de vida; e somente o próprio Cristo, mediante o seu Espirito, pode fazer isso.
IV.   A Comunidade do Espirito
Disso tudo se conclui que a fé não é uma confiança baseada em alguma mera doutrina acerca de Cristo, como também não é a aceitação de algum credo do qual ele aparece como figura central. A fé é parte integrante da comunicação do Espirito, o primeiro passo da regeneração, parte integrante da conversão; e tudo isso é resultado de uma operação divina sobre a alma. Quando Paulo lançou o fundamento, pois esse fundamento não consistia em sua pregação, mas a sua prédica conduzia Cristo aos corações humanos; e assim é que o fundamento foi posto por ele. E foi assim que a vida de Cristo era transmitida aos corações.
Quão silentemente, quão silentemente,
O maravilhoso dom é conferido!
Assim Deus confere aos corações humanos As bênçãos de seus céus.
Nenhum ouvido ouvirá a sua vinda.
Mas neste mundo de pecado,
Onde as almas mansas o recebem, contudo,
O querido Cristo entra ali.
(Phillips Brooks).
Que foi posto. Essas palavras, no dizer de vários intérpretes, aludem ao plano divino e à ação de Deus Pai. E essa idéia certamente é verdadeira. O apóstolo Paulo, somente em um sentido bem secundário, através de seu oficio e ministério apostólico, em situações geográficas, lançara o fundamento que já havia sido determinado dentro do plano de Deus. (Com essa passagem se pode comparar I Ped. 2:5-8, onde a construção aparece sob a forma de uma «casa espiritual», composta de pedras vivas, e da qual Cristo é a principal pedra angular, idéia essa que também aparece em Efé.2:20). Por conseguinte, essa deve ter sido uma metáfora comum entre os cristãos primitivos.

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