Confirmação Antiga


O livro de Apocalipse de João foi escrito a fim de ser lido nas igrejas (ver Apo. 1:3). E podemos supor que, desde os tempos cristãos mais remotos, em algumas porções da igreja, especialmente na Ásia Menor, para quem esse livro foi dirigido, era ele tido como dotado de autoridade idêntica ao dos livros proféticos do A.T. No entanto, foi somente perto dos fins do século II D.C., que esse livro obteve alguma proeminência em qualquer segmento maior da igreja cristã. A mais antiga menção específica ao livro de Apocalipse (que também o atribui ao apóstolo João) foi feita por Justino Mártir, que viveu em Éfeso, em cerca de 135 D.C. (antes de ter-se mudado para Roma). Escrevendo pelos meados do século II D.C., disse ele: «Além disso, um homem entre nós, de nome João, um dos apóstolos de Cristo, profetizou, em uma revelação que lhe foi feita, que aqueles que tiverem confiado em nosso Cristo passarão mil anos em Jerusalém, e que após a ressurreição universal e eterna, terá lugar o julgamento». (Diálogo com Trifo, 81).
Não temos meios para precisar de que modo Justino determinou a «canonicidade» do livro de Apocalipse; mas o certo é que, havendo ele atribuído essa obra ao apóstolo João, ele não tinha qualquer dúvida quanto à sua «autoridade». A aceitação da «autoridade» de um livro é apenas um passo distante de sua canonização formal.
Antes da época de Justino Mártir, porém, não há qualquer citação clara e indisputável do livro de Apocalipse. Isso não se encontra nem nos escritos de Clemente de Roma (fins do século I D.C.), nem de Inácio (começo do século II D.C.), nem de Hermas (meados do século II D.C.), e nem no livro e na epístola de Barnabé (cerca de 130 D.C.). Andreas, no prólogo de seu comentário, informa-nos que Papias de Hierópolis, na Frigia (cerca de 150 D.C.), conhecia e usava o livro de Apocalipse, considerando-o divinamente inspirado. Entretanto, ele não disse qualquer coisa acerca de seu autor ter sido um «apóstolo», o que certamente teria feito, se o tivesse sabido. O próprio Eusébio, entretanto, nunca declara definidamente que Papias sabia da existência do Apocalipse. (Ver História Eclesiástica iii.39). Uma declaração em sua História Eclesiástica (iii.39,12), que ele atribuiu a Papias, entretanto, parece ser um reflexo do livro de Apocalipse. (Essa declaração parece refletir o vigésimo capítulo do, livro de Apocalipse, o milênio e a ressurreição dentre os mortos).
Melito, bispo de Sardes (160 – 190 D.C.), escreveu um livro sobre «o diabo e a revelação de João» (o que é mencionado por Eusébio, em sua História Eclesiástica iv.26.2). Jerônimo compreendia que isso se referia a dois livros separados, escritos por Melito; mas, seja como for, é certo que ele conhecia e usava o Apocalipse de João. Também é significativo que Melito viveu em Sardes, uma das cidades às quais o livro de Apocalipse foi originalmente enviado (ver Apo. 3:1 e ss.); e era apenas natural, pois, que ele tivesse aceito esse livro antes do mesmo ter sido aceito em outras partes da cristandade antiga.
Eusébio, em História Eclesiástica iv.18.8, mostra que Irineu (nos fins do século II D.C., em Lyons, na Gália) sustentava a autoria apostólica de todos os presentes escritos joaninos do N.T. Em seu livro, Contra as Heresias, Irineu refere-se ao livro de Apocalipse, em iv. 14.2; 17.6,18; 21.3; v.28.3; 34.2; iv. 20.11; v.26.1.
Teófilo, bispo de Antioquia (Síria ocidental), na última metade do século II D.C. cita o Apocalipse em suas disputas contra Hermógenes (ver Eusébio, História Eclesiástica iv.24), pelo que evidentemente ele aceitava a sua autoridade como Escritura Sagrada.
Alexandria, Clemente (200 D.C.) cita o livro de Apocalipse como Escritura Sagrada (ver Paed. ii.119), atribuindo-o ao apóstolo João (Quis dives, 42; Strom. vi. 106,107). Orígenes fez a mesma coisa (em Joann. tom. v 3; Lommdtzsch, i. 165; Eusébio, História Eclesiástica vi.25.9).
Roma, O Cânon Muratoriano, que reflete o uso romano de cerca de 200 D.C. alistou o livro de Apocalipse como autoritário, tendo-o atribuído ao apóstolo João. O Apocalipse de Pedro também é favoravelmente mencionado; mas outras fontes informativas romanas mostram que essa não era a opinião de todos os segmentos da igreja cristã.
Cartago, Essa comunidade cristã, filha da igreja romana, também aceitava o livro de Apocalipse, pelos fins do segundo século de nossa era. Tertuliano, em seus vários escritos, cita trechos de dezoito entre vinte e dois capítulos. Ele o atribuía ao apóstolo João («De Ressur.», 38, Pud. 12). Os quiliastas e milenarístas — do segundo século de nossa era, como os montanistas, uma seita cristã que se originou na Frigia (cerca de 156 D.C.), aceitavam anelantemente o livro, porquan­to oferecia vários textos de prova para suas ideias. Finalmente, essa seita contou com Tertuliano como um de seus aderentes.
Houve disputas sobre o Apocalipse, como também alguns o rejeitaram. Apesar de que pelos fins do século II D.C. o livro de Apocalipse gozava de larga aceitação, tanto quanto a de qualquer outro livro do N.T,, houve aqueles que o rejeitaram. Márcion, um herege gnóstico (ver o artigo sobre o gnosticismo), mais ou menos pelos meados do segundo século da era cristã, aceitava como seu «cânon» neotestamentário dez epístolas paulinas e uma forma mutilada do evangelho de Lucas. Rejeitava ele o livro de Apocalipse por causa de seu caráter judaico, porquanto viera a considerar o judaísmo como oponente do cristianismo. Negava ele que qualquer apóstolo de Cristo tivesse escrito tal livro. (Ver Tertuliano, Adv. Marc., iv.5; iii. 14).
O grupo herege chamado de alogoi (dos fins do século II e de começos do século III D.C.), porquanto não aceitava a doutrina joanina do «Logos», como é óbvio, rejeitava também todos os chamados escritos joaninos, incluindo o livro de Apocalipse. Asseveravam que seu verdadeiro autor teria sido Cerinto, um herege gnóstico que viveu nos fins do primeiro século, e que atribuíra seu livro a «João» para obter prestígio para o mesmo (ver Epifânio, Haer. li.3; li.33). Afirmava esse grupo que o Apocalipse tem por demais simbolismos, errando quanto a questões literais, como a de haver sido escrita uma das sete cartas para Tiatira, onde não havia qualquer comunidade cristã.
Entretanto, a rejeição do livro de Apocalipse não se limitava a grupos hereges. Havia certos grupos que se opunham ao mesmo e aos quiliastas (especialmente os montanistas), os quais vieram a duvidar da autentici­dade do Apocalipse, chegando mesmo a rejeitá-lo, evidentemente como resultado do fato de que algumas das suas doutrinas favoreciam aos hereges. Assim é que Caio de Roma (cerca de 210 D.C.), ao escrever contra os montanistas, terminou por rejeitar também ao livro. Hipólito (215 D.C.) replicou contra o ataque de Caio ao livro de Apocalipse; e essa obra se revestiu de tal vigor que poucos, no Ocidente, daí por diante, continuaram a duvidar da autoridade desse livro. Portanto, as traduções em Latim Antigo e da Vulgata Latina, sempre contiveram o Apocalipse, sem qual­quer indicação de dúvida acerca de sua autenticidade, Vitorino (martirizado em 304 A.C.) escreveu um comentário em latim sobre o livro de Apocalipse, que posteriormente foi refeito por Jerônimo.
Contudo, em certos lugares fora do Ocidente, continuou havendo dúvidas sobre o livro do Apocalip­se. Dionísio, bispo de Alexandria (247-265 D.C.), renovou dúvidas sobre sua autenticidade, oferecendo fortes motivos para sua crença que não foi o mesmo escrito pelo apóstolo João, e certamente não pelo mesmo autor que escreveu o evangelho de João. (Ver Eusébio, História Eclesiástica vii.24). Muitas das linhas de raciocínio, nos escritos de Dionísio, têm sido bem acolhidas por eruditos modernos, especialmente devido à qualidade vastamente diferente do grego, entre o quarto evangelho e o livro de Apocalipse. Dionísio informa-nos, igualmente, que em seus dias, muitos duvidavam do citado livro ou mesmo o rejeitavam. Ele mesmo, acreditando que o mesmo fora escrito por um certo João de Éfeso (um dos anciãos da igreja) e não pelo apóstolo João, duvidava de sua autenticidade e autoridade, porquanto o mesmo não seria «apostólico».
Eusébio (326 D.C.), o grande historiador eclesiásti­co, parece ter concordado com a avaliação geral de Dionísio (iii.29:6), mas deixou que cada congregação local manuseasse a questão a seu talante.
Cirilo de Jerusalém (315-386 D.C.) excluía o Apocalipse de seu «cânon», tendo inclusive proibido seu uso no culto público ou particular. (Ver Catch. iv.36).
O sínodo de Laodicéia (cerca de 360 D.C.) não incluiu o Apocalipse em seu «cânon» das Escrituras.
As Constituições Apostólicas (fins do século quarto da era cristã), no cânon 85, não contêm o livro de Apocalipse.
Gregório de Nazianzeno (falecido em 389 D.C.) também não o incluiu.
Anfilócio de Icônio (falecido em 394 D.C.) declarou que «a maioria» das autoridades rejeitava o livro de Apocalipse como canônico.
A escola de Antioquia (407 D.C.) também o omitiu. Crisóstomo (407 D.C.), que representava essa escola em Constantinopla, também o rejeitava, tal. como o fez Teodoreto (386 – 456 D.C.).
As igrejas Armênia e Síria Oriental não aceitavam o Apocalipse como canônico, e não podia o mesmo ser encontrado em qualquer manuscrito do N.T. naque­les idiomas, por muitos séculos. Alguns manuscritos passaram a incluí-lo no ano de 508 D.C. Mas foram necessários séculos para que a igreja siríaca ficasse convencida acerca da autoridade do livro de Apocalipse. Não veio a participar da Bíblia armênia senão já no século XII D.C.
No século XIII, a canonicidade do apocalipse era universalmente aceita, exceto na igreja nestoriana. Até mesmo nos tempos da Reforma Protestante alguns duvidavam de sua autenticidade. Calvino, muito prolífico como escritor e comentador das Escrituras, nada disse acerca do Apocalipse. Ver o artigo sobre o Cânon do N. T.

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