Conceitos de Deus


Que podemos dizer sobre Deus por meio de conceitos? Oferecemos a análise abaixo, que inclui muita coisa que filósofos e teólogos dizem sobre a Ideia Divina. Ao apresentar este estudo, lembramos nossos leitores do que foi dito nas duas primeiras seções, advertindo, desde o começo, que os nossos conceitos ficam muito aquém de uma verdadeira descrição de Deus, sem importar a utilidade que esses conceitos possam ter.
Eis Principais Ideias sobre Deus
As principais ideia sobre a pessoa e a natureza de Deus podem ser classificadas sob os seguintes títulos:
1.  Politeísmo. Trata-se de uma espécie de «teísmo», embora afirme que existem muitos deuses que mantêm interesse pelas vidas humanas, mantendo com os homens alguma espécie de contato. O politeísmo, em sua fase original, consistia na personificação de importantes elementos da natureza, como o sol, a lua, a fertilidade, o amor, o poder, a violência ou a misericórdia.
a.     No Egito, encontramos os deuses Atne Re-Khepri, o Sol; Amon-Re, o rei dos deuses; Ptah, Sekhmet e Nefer Tem, que formavam uma espécie de trindade e que seriam pai, mãe e filho, — que compunham uma família divina. Havia também muitas outras personificações divinas menores, como Ãpis ou Serâpis, o boi divinizado. Foi a essa divindade que o povo de Israel chegou a sacrificar seus filhinhos, em um momento de apostasia bárbara. Muitas outras nações compartilhavam desses deuses pagãos.
b.     Na Grécia temos o deus Cronos (tempo, eternidade), o qual, em tempos primitivos, foi o principal dos deuses, segundo diz a própria mitologia grega. Finalmente, porém, seu filho, de nome Zeus, obteve a supremacia. Havia muitos outros deuses do Olimpo.
c.  Em Roma a situação se torna um tanto caótica. Houve uma mescla de suas divindades com outras de outros povos, e muitos desses deuses estrangeiros passaram a ser conhecidos por outros nomes ali. Assim é que os romanos identificavam o Zeus dos gregos com o seu próprio Júpiter. Hera, a esposa de Zeus, segundo os gregos, passou a ser chamada Juno, pelos romanos. Júpiter era reputado pai dos deuses e dos homens. Juno era a rainha dos céus, e também era a deusa do matrimônio. Hermes passou a ser chamado Mercúrio, pelos romanos, e era o deus da fertilidade, do gado e da música, da qual era o patrono. Segundo a mitologia romana, Mercúrio era o mensageiro dos deuses, bem como o advogado dos demais deuses. Atena, que os romanos chamavam de Minerva, era a virgem deusa do conselho, da guerra e das belas artes femininas. Apoio era o deus da poesia, da música e da profecia. Conforme dizia a mitologia romana, Apoio era a luz dos céus. Afrodite, que os romanos chamavam de Vênus, era a deusa do amor, da beleza feminina e da fertilidade, tanto da terra como dos homens. Esculápio, que em Roma se chamava Asclépio, era o deus da medicina, da cura. Esse deus era adorado sob o símbolo de uma serpente.
Segundo se pode observar claramente por essas brevíssimas descrições, os homens criaram deuses de acordo com as suas próprias noções. A única diferença é que as experiências e os conceitos imaginários desses deuses seriam mais absolutos, porquanto lhes eram atribuídos tanto seres como qualidades mais exaltadas que entre os homens. Quase todos os pagãos e politeístas atribuíam aos seus deuses, as suas próprias fraquezas e pecados; mas, ao fazê-lo, tornavam esses deuses mestres do mal, extremamente poderosos para a maldade. Disso é que se derivou o conceito errôneo de que «poder é razão», e que a moralidade equivale a alguém poder fazer algo sem que ninguém tenha poder suficiente de tolher tal ação. Por esse mesmo motivo é que Zeus supostamente governava aos deuses, mas não por sua bondade, e nem por amor à bondade, e, sim, por causa dos raios que ele despedia ao redor e que podiam fazer parar a qualquer deus ou homem que porventura quisesse por algum obstáculo aos seus desejos.
Infelizmente, até mesmo na cristandade, continua em existência um conceito de Deus que não difere muito da ideia dos pagãos. Esse conceito, na filosofia, é chamado voluntarismo, isto é, a vontade é que domina, e não a razão. Isso significa que a bondade pode ser qualquer coisa que Deus porventura deseja; e pôr em dúvida a justiça deste ou daquele ato divino é reputado como por em dúvida a própria autoridade de Deus. No entanto, a fé ensina-nos que aquele que governa os céus não fará jamais um ato errado; e a razão confirma que Deus jamais quebrará as suas próprias regras. E posto que ele tem revelado para nós no que consiste a moralidade, podemos supor que aquilo que o Senhor nos tem revelado, nas Santas Escrituras, concorda com a natureza moral de seu próprio ser.
2.  Enoteismo. Essa palavra se deriva de uma palavra grega, hen, que é um adjetivo numeral, «um». Trata-se da crença em um deus que age em nosso favor, mas que não nega que talvez existam outros deuses, cuja ação e autoridade são exercidas em outras esferas. Assim sendo, haveria um deus que exerce controle sobre os homens, interessando-se por alguma pessoa, alguma cultura ou alguma nação. Por essa razão alguns intérpretes acreditam que esse conceito de divindade, na cultura dos hebreus, precedeu ao puro monoteísmo. Em outras palavras, supõem que os israelitas originalmente criam que Yahweh era deus deles, — e não o Deus criador de todos. Os israelitas também pensariam que Yahweh era o maior de todos os deuses, mas que isso não eliminava a possibilidade da existência de outros deuses, que de Yahweh receberiam a sua autoridade. Isso seria apenas a combinação de ideia monoteístas e politeístas. Praticamente seria monoteísmo, mas teoricamente seria politeísmo. Também seria uma forma de teísmo, porquanto ensina que o deus supremo ou mesmo vários deuses mantem contato com os homens, estando interessados por eles, guiando-os, punindo-os por suas más ações e galardoando-os por suas boas ações.
3.   Monoteísmo. O judaísmo, o islamismo e o cristianismo são os três grandes expoentes dessa ideia da divindade. Segundo essa posição, existe apenas um único Deus, em sentido absoluto, não querendo isso dizer que ele é o nosso deus e que existem outros deuses de outros povos. Antes, somente um ser é o possuidor da divindade autêntica. Ê interessante observarmos que esse ensino foi antecipado ou mesmo parcialmente duplicado dentro da filosofia platônica, em seu conceito de bondade universal, como também no conceito do «intelecto puro», de Aristóteles. Essa doutrina é ensinada francamente na idéia de «Yahweh», segundo o judaísmo posterior, segundo a qual Deus é o Deus de todos, e não meramente da nação israelita. Na realidade, ele é o Deus de todos os universos, de tudo quanto existe, sem importar se pertence à categoria terrena ou celestial, humana ou angelical, material ou espiritual.
Ordinariamente as seguintes ideias são vinculadas ao monoteísmo:
a. Deus é um ser infinito ou absoluto. Daí a origem da introdução do vocábulo «omnis», em «onipotente», «onipresente» e «onisciente». Isso nos leva à suposição de que Deus é, em grau infinito, aquilo que experimentamos apenas em pequena medida.
Naturalmente os conceitos sobre a infinitude na realidade são negativos, porquanto não possuímos qualquer experiência sobre qualquer coisa infinita. Assim que alguém começa a tentar descrever o «infinito», por motivo de suas próprias descrições já começou a reduzir o infinito à mera finitude. Não obstante, temos fé suficiente para crer que apesar de nada realmente sabermos sobre a infinitude, e apesar de não possuirmos linguagem capaz de descrevê-la, podemos atribuir a qualidade da infinitude a Deus, supondo que aquilo que possuímos, de forma finita, ele possui em grau infinito. Discussões semelhantes ao raciocínio que aqui expomos mostram-nos quão pouco realmente conhecemos sobre Deus, visto que nossas descrições e nossa mentalidade não se prestam muito para descrever a natureza infinita de Deus.
b.    Além disso, declaramos que esse Deus possui tanto a vida necessária como a vida independente. Em outras palavras, Deus possui aquela forma de imortalidade verdadeira, que não pode deixar de existir. Esse é um dos pontos doutrinários mais exaltados do evangelho de João, onde há comentários nos trechos de João 5:26 e 6:57 no NTI. Todos os demais seres possuem uma vida que não é necessária, isto é, aquela variedade de vida que pode deixar de existir. No entanto, o ensino do evangelho de João é que Deus outorgou essa vida necessária a Jesus Cristo, como homem — e através dele, a todos os seres humanos que nele vierem a crer; e assim o homem pode tornar-se possuidor da imortalidade verdadeira, o mesmo tipo de vida que Deus tem e que caracteriza agora a vida do Senhor Jesus. Mas a vida de Deus é igualmente «independente», isto é, uma vida que existe por si mesma, sem depender de outra qualquer, para sua origem e continuação. Ora, os remidos, por intermédio de Cristo, por semelhante modo tornar-se- ão possuidores dessa «vida independente», que também caracteriza a verdadeira imortalidade.
Tomás de Aquino criou um argumento em prol da existência de Deus com base na ideia da vida necessária e independente, supondo que a menos que ela existisse em algum lugar, seria impossível para qualquer outra coisa existir. A alternativa do pen­samento de que alguma vida necessária foi a origem de toda a vida dependente, é o regresso infinito de uma causa para outra, «ad infinitum». Ou seja, uma coisa teria sido a causa de outra, mas ela, por sua vez, também teria causa, e esta causa teria sido causada por outra coisa, etc., até que nos cansamos de repetir a mesma coisa. Tomás de Aquino, pois, pensou ser muito mais lógico supormos que esse regresso infinito se interrompe quando chega à «vida necessária», que não precisa ter tido uma causa, mas antes, representa a verdadeira imortalidade.
c.  Ordinariamente, o conceito do monoteísmo in­clui a ideia de que Deus é o criador de todas as coisas, que somente ele existiu desde a eternidade, e que todo o resto da existência, sem importar se pertence à natureza física ou à natureza espiritual, se deriva dele. O conceito da criação, conforme aparece como ideia filosófica, não requer a introdução de um inicio absoluto; ou, em outras palavras, pode ser encarado no mesmo sentido em que dizemos que um objeto físico «cria» uma sombra quando exposto & luz. Nesse caso, a sombra realmente coexiste com o objeto, mas este último é a «causa» da sombra, ou seja, o «criador» da sombra. Por semelhante modo, no conceito da emanação (conforme ensinado pelo panteísmo estói­co), embora a criação seja vista como parte integrante do criador, e, por isso mesmo, co-eterna com ele, contudo, ainda assim poderíamos falar em criação, pois Deus teria criado tudo emanando a si mesmo.
Não obstante, tanto os judaísmos como o cristianismo ensinam que os mundos físicos, juntamente com tudo quanto existe, tiveram início em um ponto do tempo, deixando somente Deus como eterno. Isso tem criado, para alguns, o pseudoproblema que indaga: «E o que Deus estava fazendo quando somente ele existia?» Orígenes, para resolver esse problema, supôs que a criação seria um ato eterno de Deus, de tal forma que nunca teria havido um tempo em que Deus esteve inativo. Mas outros estudiosos da Bíblia ensinam que o tempo pertence somente à criação, e que, por isso mesmo, antes da criação, não havia tempo. Ainda outros intérpretes, em busca da solução para esse problema, têm sugerido que a criação é eterna apenas como um conceito de Deus, isto é, existente na mente de Deus desde a eternidade. Todavia, a ideia ordinária, aceita pela maioria dos teólogos cristãos, é que Deus criou todas as coisas em um ponto inicial do tempo, mediante a sua própria energia, como que «do nada»; embora a criação, através da própria energia divina, com a qual Deus teria formado a matéria, baseado em princípios espirituais, não é realmente uma criação do nada.
Como parte usual da teologia monoteísta avulta o conceito de que Deus é um ser pessoal, e não alguma força cósmica impessoal. Deus é um ser inteligente; e podemos saber algo a seu respeito mediante o exame do ser humano, — que foi criado à sua imagem. Mais perfeitamente ainda, podemos saber sobre Deus através do Senhor Jesus Cristo, que refletiu a sua glória. Deus é Espirito, no que faz contraste com a matéria, ainda que não saibamos no que consiste um «espírito», exceto que não pode ser compreendido em termos das coisas materiais. Além disso, Deus possui natureza emocional. Deus tem vontade e razão, de uma maneira infinita, ainda que, até certo ponto, o homem seja um reflexo dessas verdades, possuindo tais propriedades mais ou menos da mesma maneira que Deus as possui, posto que em grau muito menor. Por conseguinte, somos levados à conclusão de que Deus não é alguma força cósmica, remota, impessoal, sem qualquer consciência da existência do homem. Pelo contrário, é um ser vivo que tem todo o conhecimento dos homens, que os guia, que os castiga ou galardoa, segundo as suas ações, e que determina os eventos e o destino de cada ser humano. Ora, essa é a posição do «teísmo».
d.    Ao Deus único, o Deus apresentado pelo monoteísmo, também atribuímos a qualidade da moralidade. Deus é bom, amoroso e santo, sendo o grande despenseiro da justiça. O seu amor, entretan­to, não é da qualidade do «eros» ou amor erótico, sensual, e, sim, é «agape», um amor sem causa, sem começo e puro em seu principio, consistindo em um interesse genuíno e eterno pelo bem-estar de todas as suas criaturas. Esse amor, outrossim, é independente, ou seja, não é criado ou mantido por qualquer coisa, existente no objeto amado; pelo contrario, devido à sua suprema natureza amorosa, Deus é quem dá corpo ao princípio da bondade e da justiça, não precisando indagar, de quem quer que sega, o que seria bom e o que não o seria. Assim, pois, Deus e o padrão final de todos os valores morais.
Kant, um filósofo alemão, costumava utilizar-se dessa ideia da moralidade de Deus como prova de sua existência. £ óbvio que neste mundo não prevalece a justiça, embora nossos sentimentos íntimos digam- nos que a justiça terá de prevalecer final e completamente. Porém, somente uma personalidade como Deus poderia fazer com que essa vitória final do bem venha a ser uma realidade. A isso devemos acrescentar que somente uma pessoa como Deus pode ser o Juiz de todos, recompensando e punindo, de conformidade com um principio correto. Há igual­mente um pensamento que não devemos esquecer a
imortalidade precisa ser um fato, pois somente depois desta vida é que a maior parte das vidas pode prestar contas a Deus como convém. A fim de dar a esse Juiz o tempo de tomar essa prestação de contas, o homem precisa sobreviver à morte física, para que possa apresentar-se ao julgamento, recebendo sua recompensa ou sua punição, de conformidade com o que cada um tiver feito nesta vida terrena. Além disso, deve haver lugares de recompensa e de punição.
e.  Trinitarismo ou triteísmo? No cristianismo se desenvolveu a doutrina da trindade, a fim de preservar tanto a unidade como a complexidade existentes dentro da personalidade do ser a quem chamamos de Deus. Essa doutrina não ensina que existem três pessoas distintas e separadas, que seriam todas as três outros tantos deuses: Pai, Filho e Espirito Santo, e não um único Deus, em três pessoas ou manifestações. O mormonismo é a principal expressão religiosa da cristandade que ensina o triteísmo, o que, naturalmente, não passa de uma forma de politeísmo. £ interessante observarmos que segundo a teologia vulgar da igreja cristã, não se faz a distinção entre o triteísmo e o trinitarismo. Isso envolve não somente os leigos, os simples membros das igrejas evangélicas, mas também atê os seus próprios ministros. Assim sendo, o pastor evangélico comum, ao ser solicitado a apresentar uma definição de Deus, dará uma resposta triteista, e não trinitarista. Mas isso se deve ao fato de que rara é a pessoa que reconhece o que é o trinitarismo.
4.    O teísmo. — O teísmo reivindica possuir conhecimento; em outras palavras, declara que há evidências conclusivas em favor da existência de Deus, suficientemente positivas para permitir-nos uma declaração em prol de sua existência. Essas evidências nos chegam através da observação mera­mente empírica da grandiosidade e do desígnio aparentes neste mundo, através da intuição, através da razão e, sobretudo, através das experiências místicas. Outrossim, nossa experiência, física e espiritual, confirma para nós que Deus jamais abandonou ao seu universo, mas antes, continua bem próximo de nós, mantendo assim constante contato com os homens, no que visa o benefício e o proveito eternos deles.
O trecho de Atos 17:24-31 apresenta elevadas expressões teístas. Deus, pois, é a fonte originária de toda a vida física e espiritual, e é o poder sustentador de ambos esses tipos de vida. Deus é a fonte de toda a forma de consciência. Ele é a origem de todas as ideia morais, como também de todos os valores humanos. Deus é imanente em sua natureza, e não absolutamente transcendental. Ele é quem preserva todo o valor e a dignidade humanos. Finalmente, Deus é o Salvador e o Redentor do homem, aquele que se oferece para elevar o homem à vida divina, por intermédio de Cristo. Além disso, Deus é o Juiz de todas as suas criaturas inteligentes, morais, que as recompensa ou pune, de conformidade com a retidão ou a maldade de suas ações. Deus é o alvo de toda a existência. £ a própria razão para continuarmos vivendo.
5.     O deísmo. Esse ponto de vista faz contraste direto com a posição anterior, a do «teísmo». O deísmo consiste na noção de que Deus é totalmente transcendental, porquanto, apesar de ser o criador e a fonte da vida, divorciou-se de seu universo, abando­nando-o completamente e não mais exercendo interesse por ele. Deus teria criado, segundo essa posição filosófica, os mundos, como se fossem máquinas dotadas de movimento perpétuo, as quais após o impulso inicial da criação, não mais necessitariam da orientação e da energia da mente divina. Deus seria a primeira causa de todas as coisas, mas não seria objeto apropriado de nossa adoração, porquanto nem mesmo daria atenção a seus adoradores.
Na realidade, o deísmo equivale ao ateísmo prático, porquanto Deus nada significaria para o homem. Segundo esse sistema, a moralidade fica inteiramente ao encargo do homem. Ele é que tem de descobrir quais leis concordam com aquilo que Deus determi­nou no princípio; e então, se conseguirem acertar, tudo irá bem com os seres humanos. Mas isso não porque Deus recompensará ou punirá aos homens, e, sim, porque praticar o bem é melhor do que praticar o mal e, em certo sentido, praticar o bem é sua própria recompensa. O deísmo guia-se pela crença de que a lei estabelecida, com seus resultados naturais para o bem ou para o prejuízo dos homens, dependendo tão-somente de como obedecerem ou desobedecerem a essas leis, é suficiente para os homens. Isso significa que Deus jamais haverá de retomar à sua criação, fazendo intervenção em qualquer sentido, de forma pessoal, a fim de recompensar ou de castigar aos homens. Por conseguinte, o homem seria responsável apenas diante de si mesmo, embora de conformidade com uma lei natural originalmente estabelecida por Deus. Epicuro é considerado o criador dessa ideia; e ele a criou a fim de desenvolver uma ética humanista, aliviando os pagãos de seus temores supersticiosos dos seus «deuses».
6.   O panteísmo. De conformidade com esse sistema, a natureza inteira é reputada como parte integrante de Deus. Em outras palavras, todas as coisas têm a mesma essência de Deus, não havendo qualquer distinção, entre Deus e a criação, no que diz respeito à essência ou substância. O mundo seria o corpo de Deus, e Deus seria a alma do mundo. Tudo quanto existe é Deus, e Deus é tudo quanto existe. Dentre as escolas filosóficas, podemos dizer que o estoicismo, o neoplatonismo, o «um» de Parmênides e diversas formas do idealismo germânico representam variações do panteísmo. Segundo o panteísmo, não existe qualquer Deus pessoal, não existe qualquer inteligência superior, distinta da criação, em qualquer sentido absoluto, como se Deus fosse possuidor de uma natureza diferente do resto. Tudo que existe pode ser comparado ao sol. O sol envia os seus raios, a sua energia. A sua energia faz parte do próprio sol. Assim também Deus é visto como o grande Sol que emana a si mesmo. Assim, tudo que existe é produto de sua emanação, participando de sua natureza, ainda que sob formas modificadas, tal como os raios do sol fazem realmente parte desse astro luminoso.
7.  Realismo agnóstico. Essa filosofia assevera que a verdadeira natureza de qualquer Deus ou deuses, mente divina, realidade última, ou qualquer outro termo que queiramos usar, é desconhecida e impossível de ser conhecida. Poderíamos dizer alguma coisa acerca dessa suposta realidade última; porém, o mais que podemos fazer, nesse caso, é usar uma linguagem simbólica. Igualmente, seria um erro supormos que aquilo que dizemos representa fielmen­te o que na realidade representa esse suposto «Deus». Poderíamos fazer alusão a uma «primeira causa» ou à «fonte da existência»; mas tudo isso não passa de meras tentativas de formularmos ideia sobre uma divindade acerca da qual nada realmente sabemos com certeza. Herbert Spencer foi um grande advogado dessa ideia, no que diz respeito a Deus. Esse ponto de vista não nega a existência de Deus; mas tão-somente deixa na dúvida a questão inteira.
8.   O humanismo é aquela posição filosofica que pensa que Deus não é alguma força cósmica e final, algum poder supremo, alguma existência absoluta, algum ser supremo e transcendental, pessoal oü impessoal, teísta ou deísta, que seria um só ou diversos, e nem tería forças como uma energia, a gravidade, etc. Pelo contrário, Deus seria «le grande etre», ou «grande ser». Esse grande ser seria a própria humanidade, o que há de melhor no homem, as suas esperanças e realizações mais excelentes, os seus valores mais altos, a sua suprema bondade. Essa idéia é criação de Comte (1759-1857, — o genitor do positivismo lógico) e também foi esposada por John Dewey, um dos principais representantes do pragma­tismo, por Max Otto, Roy Wood Sellars, Corliss Lamont e outros filósofos pragmáticos e humanistas.
9.     O Idealismo impessoal. Deus seria o valor ideal. Trata-se de um conceito similar ao da posição filosófica precedente, podendo ser classificado como uma subcategoria do «humanismo». Todavia, neste caso, a ênfase recai sobre os valores. Os valores possuiriam uma existência objetiva, «sui generis». Os valores, ou princípios ideais, que seriam válidos e universais, é que seriam Deus, de acordo com esse ponto de vista.
10.  A sobrenaturalidade deísta. Deus seria o revelador sobrenatural dos valores. Deus aparece usualmente como transcendental (o que mostra as tendências para o «deísta» dessa posição filosófica). Contudo, algumas vezes ele penetraria no universal a fim de alterar o rumo das coisas, efetuando um milagre, revelando algo importante, mantendo algum contato com o homem. (E isso mostra que essa posição também combina com o «teísmo»). Ao mesmo tempo, entretanto, Deus é totalmente distinto do universal; é transcendental. Isso significa que às vezes Deus é teísta, e às vezes é deísta. As raízes dessa ideia podem ser encontradas em várias declarações de Lutero, de Calvino e de outros teólogos cristãos. Mais recentemente, tal ideia foi expressa no existencialismo de Soren Kierkegaard, como também em determina­das seções das obras de Karl Barth (em sua neo-ortodoxia) Ê interessante que algumas declara­ções das Escrituras parecem ter um certo colorido que as assemelham às afirmações da sobrenaturalidade deísta.
11.   O naturalismo religioso. De acordo com essa idéia, a tendência observável nos homens e no mundo, que busca alcançar a perfeição e que produz valores, é que é Deus (tal como na oitava e na nona posições, mais acima). Mas com isso estaria combinada a teoria da evolução. O alvo da evolução seria a perfeição. Esse alvo é Deus. No dizer de Nelson Wieman: «Deus é o desenvolvimento da significação e do valor no mundo». Deus seria o valor teleológico.
12.   O panenteísmo. Essa posição filosófica deriva sua designação de vocábulos gregos que significam, mais ou menos, «Deus conforme aparece em tudo». Conforme dizem os seguidores dessa idéia, Deus penetra e enche todas as coisas, porquanto se mantêm imanente em tudo; porém, ao mesmo tempo, não deve ser identificado com esses objetos, conforme diz o panteísmo. Deus estaria em tudo, mas não é tudo. Possui a sua própria natureza ou essência distinta. Assim ensinavam Alfred North Whitehead e Alberto Schweitzer.
13.   O ateismo. O ateísmo também afirma possuir certo conhecimento, acreditando contar com evidên­cias suficientes, de natureza negativa, que afirmam que não há Deus. Nem Deus e nem deuses existem. Conforme dizem os seus seguidores, no nosso mundo
existem provas, que podemos observar na maldade existente no universo, que negam a existência de um bondoso Deus, juntamente com a confusão e o sofrimento que imperam por toda a parte. E posto que o mal e o sofrimento obviamente existem, os ateus acreditam que isso significa que Deus não existe. De conformidade com o conceito cristão, as ideia aqui enumeradas como sexta, oitava, nona e décima primeira, são todas formas de ateísmo, as quais, embora retenham a palavra «Deus», em seu vocabulário, na realidade não querem dizer coisa alguma com isso, a não ser dar uma satisfação às Escrituras Sagradas ou à teologia cristã, no que esse termo realmente significa.
O ateísmo está vinculado às seguintes declarações básicas, que o definem:
a.   Não existe qualquer Deus, segundo qualquer definição.
b.  Não existe Deus, segundo os termos de qualquer filosofia ou religião, sem importar a forma tomada pelas declarações que fazem as filosofias ou religiões.
c.     Não existe Deus, sobretudo conforme a proclamação do judaísmo e do cristianismo.
Usualmente o ateismo aceita como pontos de vista válidos somente aquelas coisas sujeitas à percepção dos sentidos, ficando assim negados o misticismo, a intuição e a razão pura como meios de que dispõem os homens para saberem das coisas. Ora, não haveria percepção de Deus através dos sentidos, mas bem pelo contrário. Igualmente, a percepção dos nossos sentidos pode conferir-nos uma razoável descrição da maldade e da corrupção que imperam no mundo; e, por isso mesmo, essas coisas negam a existência de um Deus bom e inteligente. No entanto, alguns ateus têm caído no absurdo de declararem; «Se eu fosse Deus, teria criado um universo melhor». Não obstante, isso nos permite entrever que os ateus acreditam ordinaria­mente que este universo imperfeito, especialmente do ponto de vista moral, serve de prova que, no universo, agem forças cósmicas e impessoais, em vez de um Deus pessoal e moral. Todavia, não dignificam os ateus a essas forças naturais e impessoais, chamando- as de «Deus».
Em comparação com a posição assumida pelos ateus, o teísmo também assevera possuir determinado conhecimento, afirmando que existem evidências suficientes que confirmam a existência de Deus. Essas evidências são de ordem positiva. E isso leva os que assim pensam a afirmarem que Deus realmente existe. Pois a própria percepção dos sentidos, que nos permite observar os vários fenômenos maravilhosos da natureza, nos confere testemunhas variegados da existência de Deus.
14.  Agnosticismo. Essa é a posição filosófica teoló­gica que afirma: Talvez Deus exista; talvez não exista. E a posição de quem não afirma ser possível ter tal conhecimento com certeza. Existiriam provas tanto positivas como negativas da existência de Deus, mas nenhuma delas seria suficientemente conclusiva para capacitar os homens a tomarem uma decisão firme sobre a questão. O agnosticismo admite a possibilida­de da existência de certo conhecimento sobre a questão, mas que esse conhecimento está sujeito a modificações, com a passagem do tempo, de acordo com elementos positivos ou negativos que forem surgindo.
Alguns agnósticos se inclinam para o teísmo, e outros para o deísmo. Em outras palavras, alguns deles pensam quê as evidências em favor da existência de Deus, apesar de não serem conclusivas, são sugestivas dessa existência. Mas outros agnósticos, a despeito de admitirem que não sabemos se Deus realmente existe ou não, afirmam que a existência disponível é principalmente negativa, o que os leva a suspeitarem que Deus realmente não existe. Por conseguinte, essa segunda forma de agnosticismo tende para o ateísmo.
O agnosticismo, estranhamente, também afirma possuir certo conhecimento, porquanto aceita a ideia de que talvez existam evidências inconclusivas a respeito do caso. No entanto, mantém a posição que diz: «Não sabemos». Assim sendo, o nome «agnóstico» se deriva dos termos gregos «a gnosis», palavras que significam «não-conhecimento». Alguns agnósticos têm a fé que é impossível, tanto agora como talvez para sempre, sabermos se realmente Deus existe, crendo que essas questões, e outras similares, não são possíveis de serem respondidas pela mente humana. Ainda outros desses agnósticos acreditam que a evidência de que dispomos não está necessariamente estagnada, e que futuras modificações poderão propiciar base para a crença favorável ou contrária à ideia da existência de Deus.
15.  O ceticismo. O ceticismo é uma espécie de agnosticismo radical. Àquilo a que chamamos de conhecimento, segundo esse ponto de vista, não é realmente tal, mas, quando muito, apenas indicações parciais do que a natureza de qualquer coisa poderia ser. Os céticos radicais pensam que tanto agora como para sempre será impossível obter qualquer conheci­mento real acerca da natureza verdadeira do que quer que seja. Ora, isso se aplica não somente a Deus, mas a todas as coisas também, incluindo a natureza da matéria. Assim sendo, os homens podem falar sobre os átomos, sobre as partículas dos átomos, como os elétrons, os nêutrons e os três elementos do eléctron, chamados «quarks»; porém, tudo quanto os homens dizem, quando muito, não passaria de uma descrição parcial do que é a matéria, porquanto não sabemos no que consiste a matéria, embora possamos fazer descrições tentativas a respeito.
Os céticos ordinariamente limitam os meios humanos de obter conhecimentos à percepção dos sentidos, e por isso mesmo negam qualquer valor à intuição, à razão e ao misticismo, como meios de obtenção de conhecimentos. Porém, conforme é bem conhecido o fato, a percepção dos sentidos não é muito acurada, e podemos estar certos de que a maior parte dos fenômenos que ocorrem no mundo não está sujeita à percepção dos nossos sentidos. Alguns indivíduos podem ver áreas de luz que outros não podem. Alguns podem ouvir sons que geralmente não podem ser ouvidos. Ê lógico, por conseguinte, que qualquer coisa que os homens conhecem através de seus cinco sentidos, só pode ser uma descrição parcial até mesmo dos objetos físicos. Quão pouco é o nosso conhecimento, adquirido através desses sentidos físicos, pois, acerca de realidades imateriais como Deus, os anjos, a alma, etc., não sabemos entrar em contato através desses sentidos?
16.  O positivismo lógico. Trata-se de uma forma de ceticismo que domina a ciência moderna. Tal como o ceticismo comum, limita tudo quanto se pode conhecer à mera percepção dos sentidos, assim rejeitando quaisquer reivindicações de conhecimento que nos chegam através de outros meios, como a razão pura, isto é, aquela que prescinde de experiências, a intuição ou o misticismo, que também inclui a revelação divina. Todas as proposi­ções de conhecimento que não têm base na experiência são sem sentido; ou em outras palavras, não haveria qualquer meio de julgar o seu verdadeiro
valor. Assim sendo, o ateísmo e o teísmo são igualmente errados porque dizem que existem evidências: indicações negativas (não há Deus – ateísmo); indicações positivas (há Deus – teísmo). As duas declarações são incorretas, no dizer dos positivistas lógicos, porquanto ambos fazem declarações que são «sem sentido», porque é impossível demonstrar a existência de Deus através da experiên­cia baseada na percepção dos sentidos. O positivismo lógico rejeita também a maior parte dos sistemas de ética, de metafísica e de estética, reduzindo a filosofia a um mero método científico.
Até mesmo quando falam de assuntos que podem ser conhecidos cientificamente, os positivistas lógicos não se referem a algum conhecimento autêntico, mas tão-somente buscam encontrar alguma taxa de probabilidade, no tocante ao seu valor verdadeiro. Assim sendo, algumas coisas teriam uma elevada taxa de probabilidade, ao passo que outras teriam uma taxa de probabilidade bem baixa; e esse seria o verdadeiro valor dessas coisas. Em todas as experiên­cias científicas, todas as evidências jamais podem ser descobertas, acerca de qualquer objeto; e isso significaria que nada, realmente, pode jamais ser conhecido com certeza absoluta. Por conseguinte, não haveria qualquer coisa como uma lei científica, porque outras evidências e experiências podem modificar os nossos conceitos sobre tais leis. Todas as chamadas «leis» seriam meramente taxas de probabi­lidade e sempre estariam sujeitas a sofrer modifica­ções. Até mesmo o chamado conhecimento científico não passa de uma «inferência lógica».
17. O existencialismo. De acordo com essa posição filosófica, Deus seria transcendental, o «ser sem limites». Assim sendo, não poderíamos dizer que Deus «existe» ou «não existe», porque essas palavras não têm significado quando são aplicadas a Deus. Elas subentendem «um ser» entre outros seres. E dizer alguém que «Deus existe», é, na realidade, expressar uma forma de ateísmo, porquanto reduz o Grande Deus Transcendental à categoria daquelas coisas que podemos conhecer e expressar com a nossa mentali­dade tão limitada. A própria palavra «Deus» não se refere a uma «realidade», e nem mesmo à «mais alta realidade», mas é antes uma alusão à fonte e ao alicerce de toda a vida e existência. Ao mesmo tempo, essa qualidade transcendental suprema é totalmente transcendental, e jamais poderá vir a ser descoberta e descrita pela investigação. Deus é o grande mistério perpétuo, e sempre haverá de ser o objeto do ser, o objeto de uma pesquisa admirada. E assim, quer neste mundo material, ou em algum outro mundo, após a morte física, Deus será sempre o «Grande Mistério» em direção ao quais os homens se movimentam, dirigindo-lhe a sua atenção, sempre procurando, mas sem jamais encontrá-lo, porquanto Deus é inerentemente transcendental. Esse é o tipo de existencialismo religioso, conforme é apresentado por Paul Tillich.
A principal fraqueza dessas diversas formas de incredulidade, descritas acima, consiste no fato de que ordinariamente fazem da percepção dos sentidos o único meio de adquirirmos conhecimentos, não dando a devida consideração a outros meios, como a intuição, a razão pura e o misticismo, que são meios de descobrimento de Deus muito melhores do que a percepção dos sentidos. Pois se realmente Deus existe (isso é fato) e ele resolve revelar-se, poderá simplesmente fazê-lo através de visões, sonhos ou outros meios dessa natureza, deixando assim inteira­mente de lado toda e qualquer necessidade do concurso da percepção dos sentidos, e até mesmo da razão e da intuição.
Deus se dá a conhecer aos homens como um ato de sua misericórdia e graça, e alguns indivíduos, altamente inteligentes e treinados, têm arriscado as suas vidas sobre essa proposição. O mais poderoso argumento em favor do conhecimento religioso de toda a variedade, incluindo o conhecimento da existência de Deus, é o apresentado pelo misticismo. O Antigo e o Novo Testamento se alicerçam sobre a suposição de que o Ser Supremo e divino se tem revelado aos homens por intermédio de meios especiais. Isso quer dizer simplesmente que o conhecimento autentico de Deus é um «dom de Deus» e não, necessariamente, aquilo que pensaríamos que devemos experimentar, para afirmar tal verdade.

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