Caracterização Geral (Corpo e Mente)


1. A Luta dos Filósofos com o Problema. A filosofia tem-nos ensinado que palavras de rico sentido, como beleza, bondade, verdade, mente, matéria, e até mesmo palavras corriqueiras como jogo, coração, além de muitas outras, não podem ser adequada e definitivamente definidas. O melhor que se pode fazer é oferecer uma série de descrições, na esperança de termos afirmado algo de significativo. Assim, podemos afirmar que a matéria é constituída de átomos em movimento; mas a teoria atômica é uma ciência ainda em pleno desenvolvimento. Em consequência, as nossas afirmações são sempre parciais.
Excetuando o caso dos céticos radicais e niilistas, os homens afirmam que eles têm um corpo, e que a vida é mais do que um cortejo de sensações que, mediante a fé animal, identificamos com uma pessoa qualquer. A maioria das religiões, e, provavelmente, a maioria das pessoas, também afirmam que o homem tem alma, ou melhor, que o homem é uma alma. Para eles, isso significa que um ser humano é, essencial­mente, um ser imaterial, revestido de um corpo físico.
Na filosofia, a mente, com frequência, é usada como sinônimo da alma imaterial, ou, então, é considerada como uma propriedade ou atributo da alma. Os gregos empregavam a palavra nous para indicar a Mente divina; e, na metafísica dualista, a mesma palavra era usada para indicar a mente humana, como uma instância da Mente divina. Ao que parece, Anaxágoras foi o primeiro filósofo grego a usar o termo nous, «mente», para designar uma entidade separada de existência. Porém, a doutrina dele de que o nous compõe-se de partículas, as menores e mais puras, dá margem a uma interpreta­ção materialista desse conceito. Antes dele, os filósofos milesianos — Tales, Anaximandro e Anaxí- menes, que viveram e ensinaram filosofia em Mileto, o que explica o apodo que lhes foi dado — de acordo com alguns intérpretes, ensinavam o pampsiquismo, e não o materialismo. Se isso exprime uma verdade, então, há mente em todas as coisas ou, conforme dizia Tales: «Todas as coisas estão repletas de deuses». Se Tales ensinava o pampsiquismo, então a mente, desde o começo mesmo da filosofia grega, era um ensino vital.
Seja como for, Platão distinguia claramente a mente daquilo que é material, e dava à mente lugar superior do da matéria, como representante da realidade, visto que os universais (ideias, formas) são entidades mentais e imateriais, e não entidades físicas. No tocante ao homem, a mente é uma função da alma. Durante muitos séculos, o dualismo platônico dominou a filosofia; e os filósofos, incluindo aqueles da Igreja cristã, muito pensavam sobre a alma e a mente, e com frequência aludiram às funções intelectuais como atributos da alma.
Os idealistas modernos geralmente usam o termo «mente» como sinônimo de espirito. Deus é a Mente absoluta; a mente do homem é uma instância dessa mente divina; os eventos físicos são meros epifenômenos ilusórios dos eventos mentais. Para eles, Deus é Intelecto; os homens são intelectos; o espírito é real; e a chamada matéria é apenas uma manifestação da mente. Encontramos aí a posição do monismo, que diz: o espírito é a única realidade.
O materialismo também é um monismo, embora a realidade única que ele postule seja a matéria, e todos os eventos mentais seriam meros epifenômenos do cérebro material. O surgimento das ciências naturais produziu o fortalecimento da ideia do monismo, apesar da debilidade dessa teoria como explicação dos eventos mentais. Os cientistas de nossos dias estão lançando ataques contra o materialismo, como teoriá inadequada para explicar fenômenos que podem ser observados diariamente. Torna-se necessária uma visão mais ampla do mundo, a fim de explicar aquilo que podemos ver e experimentar. Os estudos no campo da parapsicologia, na opinião de alguns cientistas e filósofos, têm servido para fortalecer o dualismo. Esse assunto não é uma das considerações deste artigo. Antes, concentraremos a atenção  as Experiências Perto da Morte. Essa é uma das maneiras possíveis de subentender fortemente o dualismo, embora nenhuma inquirição científica, pelo menos por enquanto, disponha de provas para, esse conceito.
Reunindo o que foi dito até este ponto, pelo momento concordamos que os homens são seres’ constituídos de mente e corpo. Nesse caso, nós é que temos criado a tarefa de explicar como esses dois elementos interagem. Essa é a essência do problema corpo-mente, na opinião de muitos filósofos. Os materialistas, por sua vez, pensam que a essência do problema é de natureza neurológica e cerebral, imaginando, em sua teoria reducionista, que todos os eventos mentais podem ser reduzidos a meras funções cerebrais. Para eles, os eventos mentais não envolvem a interação da mente, como uma substância imaterial, com o corpo, uma substância material, mas apenas as estranhas operações do cérebro, operações essas que, algum dia, conforme eles dizem, a ciência estará capacitada a explicar, sem ter de apelar para a complicação de alegadas substâncias imateriais.
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2. O Maior dos Problemas do Homem. O maior problema do homem consiste em entender sua própria natureza e identidade, sua própria consciência e autoconsciência. Um homem pode resolver algo inteiramente arbitrário. Posso levantar-me da cadeira e caminhar até à janela, olhando para fora, se eu quiser fazê-lo. Uma máquina não pode realizar qualquer ato voluntário, e não pode fazer qualquer coisa, a menos que tenha sido programada para tanto. Uma máquina não tem vontade e nem desejos. Uma máquina não pode ser arbitrária ou dotada de propósito. Apesar dos grandes avanços da ciência no campo da inteligência artificial, ainda não se conseguiu fabricar uma máquina capaz de amar, de ter ódio, de deleitar-se, de admirar-se, de ter reverência. Se o homem não passa de uma máquina sofisticada, de onde lhe vêm essas qualidades tão diferentes das máquinas? As qualidades humanas parecem ser contrárias a uma visão mecanística de sua natureza. O homem parece ter qualidades que ultrapassam da capacidade do materialismo explicar. Essa é uma das razões pelas quais filósofos e teólogos têm postulado as dimensões não-materiais da natureza humana. E há muitas outras razões que manam da fé religiosa e das especulações filosóficas, que estão fora do escopo do presente artigo.
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3. Duas Ilustrações do Problema Corpo-mente.
a. O fenômeno da transpiração das mãos. «…a transpiração, todos sabem, é secretada por minúscu­las mas complexas glândulas existentes na pele. Secretam essa substância, não por qualquer ordem mental, mas pela contração de minúsculos músculos não-estriados. Esses minúsculos músculos são com­postos de numerosas e pequeníssimas células, onde ocorrem reações químicas da mais incrível complexi­dade. Crê-se, porém, que a energia requerida para essa atividade deriva-se da oxidação de ácidos graxos, ou, talvez, do aceto-acetato. Sua concentração, seja como for, gera minúsculas mas mensuráveis correntes elétricas. Poderíamos supor que esses músculos são inervados pela mente, o que, mediante alguma misteriosa alquimia, produz as reações químicas no interior das células. Mas, ainda que isso faça sentido, certamente não corresponde à realidade. Os músculos são ativados por hormônios produzidos pela medula adrenal, como reação a impulsos do sistema de nervos automáticos, provavelmente pelos hormônios epinefrina ou norepinefrina, ou, mais provavelmente ainda, no caso em foco, por uma substancia similar à epinefrina, produzida em minúsculas quantidades pelas fibras adrenérgicas, isto é, certos neurônios pós-ganglionares do sistema nervoso simpático. Não se sabe qual a origem dessa substância, embora não se possa duvidar que seja uma substância material—de fato, sabe-se qual é a sua fórmula química, e que ela é sintetizada no organismo. Seja como for, não tem ela qualquer origem mental ou extrafísica. Ora, é a atividade dos neurônios do sistema nervoso simpático que leva à produção dessa substância similar à epinefrina, através das fibras adrenérgicas. Também não se entende bem como esses impulsos são propagados através desses neurônios, embora o processo pareça ser como segue: o estimulo de um neurônio aumenta a permeabilidade de sua membrana, causando a difusão de íons de sódio até o interior do próprio neurônio, de tal modo que internamente aquele neurônio fica positivamente carregado, enquanto o exterior fica negativo, com uma corrente elétrica resultante. Tais correntes são facilmente detectadas, podendo até ser precisamente medidas por um fisiologista. As fibras difusas do sistema nervoso simpático aglutinam-se e se concentram em tomo de duas correntes de gânglios, arranjadas de ambos os lados da medula espinal.
De forma diferente dos neurônios do sistema nervoso parassimpático, os neurônios do sistema nervoso simpático formam sinapses ou junções perto desses gânglios. O impulso nervoso é transmitido mediante essa divisão de nervos com a ajuda da acetilcolina, uma substância regularmente bem- conhecida que, segundo se crê, é produzida pelas fibrilas terminais dos nervos. As células dos gânglios espinais possuem fibras neurônicas pré-ganglionares, que se originam na medula espinal. Essas fibras acabam reunindo-se, da maneira mais complicada, com o hipotálamo, uma porção muito delicada do cérebro, que está envolvida com as reações emocionais do organismo, bem como com as chamadas homeóstase do organismo, ou seja, o auto-regula­mento de seu meio ambiente interno. Como tudo isso opera a fim de obter esse equilíbrio interno, originando aqueles impulsos que produzem diversos efeitos, como a sudõrese, o aumento de batimentos cardíacos, e assim por diante, é algo que a ciência ainda não descobriu. Porém, aqueles que sabem algo a respeito não opinam que haja em tudo isso algum comando mental. O hipotálamo, por sua parte, está intimamente ligado ao córtex e à área subcortical do cérebro, de maneira tal que alterações físicas e químicas, nessas áreas, produzem efeitos físicos dentro do hipotálamo, o qual, por sua vez, mediante uma série de processos físicos, cuja complexidade estamos apenas começando a descobrir, produz efeitos tão remotos como a secreção da transpiração nas palmas das mãos».
«Nos seus traços mais gerais, temos aí a química e a física da transpiração emocional. O que está envolvido é uma enorme cadeia de complexas causas da transpiração física. Mas, para cada aspecto dessa cadeia de causas que podemos compreender, sem dúvida há centenas de outros aspectos que não compreendemos ainda. O ponto importante, entre­tanto, é que, ao descrevermos aquilo que melhor entendemos, em cada estágio, não há necessidade de introduzir substâncias ou reações mentais ou não-físi­cas… Sabemos que o resultado final dessa cadeia de processos físicos é a secreção de transpiração nas mãos. Temos algum conhecimento sobre os processos intermediários. Todavia, levanta-se agora a pergunta embaraçosa: Como começou uma série tão complexa? Já pudemos notar que o hipotálamo está intimamente ligado às porções cortical e subcortical do cérebro. É de presumir-se, pois, que há alguma modificação no interior dessas porções que provoca, finalmente, a secreção da transpiração. No entanto, o cérebro é um órgão físico, e as únicas modificações de que ele é capaz são modificações físicas, similares àquelas manifestadas por outras porções do corpo. Se, de acordo com isso, a mente atua sobre o corpo a fim de produzir transpiração nas mãos, então é ali, nas porções cortical e subcortical do cérebro que ocorrem aquelas interações».
Observações:
* O serviço que nos foi prestado por esse autor é que ele nos forneceu uma elaborada ilustração do problema corpo-mente.
** Ele é humilde, e admite que estamos abordando uma questão embaraçosa: nem mesmo os aspectos físicos da questão são bem compreendidos; e para cada elemento conhecido nessa cadeia de causas, deve haver pelo menos cem outros elementos que desconhecemos.
*** Ele admite que não há resposta cientifica convincente sobre como o primeiro elemento causal ocorre, dando inicio ao processo no hipotálamo. Os dualistas asseveram que esse elemento causal é um pensamento, um elemento mental. Os materialistas afirmam que é uma percepção física que entra pela visão e é transmitida ao cérebro. Portanto, desde o ponto inicial da questão, permanecem essas opiniões conflitantes.
Antes de avançarmos na exposição do problema, consideremos uma outra ilustração, que deverá ajudar-nos a perceber mais claramente o problema.
b. Vendo um Leão na Floresta. Suponhamos que eu estivesse em um ambiente natural na Africa. Caminhando por uma trilha, eu apreciava a cena tropical. Subitamente, bem defronte de mim, um leão exibe sua formidável cabeça. Ele não parece amistoso. Primeiramente, meus pelos se eriçam; e, então, aparece suor em minhas mãos. O processo antes descrito ocorre instantaneamente, além daquele outro, que envolve meus cabelos, mas que prefiro não discutir.
Esta história ilustra o problema corpo-mente. Quem não tem treinamento filosófico não percebe qualquer coisa, nesses acontecimentos, que precise ser analisada. O materialista não-sofisticado pensa que o problema, na verdade, é um pseudoproblema.Ele simplesmente explica que uma percepção física ativou um processo físico, que resultou em um fenômeno físico. O dualista, de sua parte, acredita que a mente foi que iniciou aquele cortejo de causas e efeitos. A idéia é o verdadeiro gatilho disparador. O argumento persiste.
Modificando a Ilustração:
Estou em um ambiente natural na Africa. Caminhando por uma trilha, aprecio a cena tropical. Subitamente, bem defronte de mim, um leão exibe sua formidável cabeça. Ele não parece amistoso. Porém, noto que está preso em uma gaiola, que os nativos fizeram com toras fortes de madeira. O leão, assim sendo, não me assusta, e nem as minhas mãos ficam suadas. O não-filósofo continua feliz em sua indiferença. O materialista não-sofisticado explica que o fato de minhas mãos não terem ficado suadas é que a percepção física que ocorreu não é do tipo que causa temor, pelo que nada de novo ocorreu no meu hipotálamo. O dualista afirma que a idéia que acompanhou o encontro com o leão não é do tipo que causa temor, e, consequentemente, que nada aconteceu. O problema persiste.
Outra Modificação da Ilustração:
Estou em um ambiente natural na Africa. Caminhando por uma trilha, aprecio a cena tropical. Subitamente, bem defronte de mim, um leão exibe sua formidável cabeça. Ele não parece amistoso. Primeiramente, meus pêlos se eriçam; e, então, aparece suor em minhas mãos. Porém, eu estava somente sonhando, e não houve qualquer percepção física de algum leão físico, e, sim, apenas a avaliação mental sobre um leão, em um sonho. Mas, acordando assustado logo em seguida, noto que as minhas mãos estão úmidas de suor. Embora não tivesse havido qualquer experiência físicá, algo fez exsudar suor de minhas mãos.
Impõe-se então a pergunta: como poderia ter começado o processo, em meu hipotálamo, se não houve qualquer percepção física? Uma percepção apenas imaginada poderia dar início ao processo? É óbvio que sim. Porém, uma percepção imaginada é apenas uma ideia. Uma mera ideia deu início ao processo? £ claro que sim.
Todas as três ilustrações provam a mesma coisa.
Voltemos agora à ilustração original. O dualista, agora parecendo estar vencendo em seu raciocínio, quer mostrar que, na realidade, não houve diferença alguma no que sucedeu, sem importar se aquele leão é real ou apenas me apareceu em un sonho. Assim, se houve o envolvimento de algum leão físico, não foi a percepção física do mesmo que agitou meu hipotá- lamo. O que fez isso foi a minha avaliação sobre o perigo representado pelo leão. Ora, uma avaliação é uma ideia. Vejo um leão, e, então, o avalio. E é esse segundo ato mental, que é um evento mental, que agita o cérebro em algum lugar especifico. Imagine­mos uma criança que tivesse sido ensinada que os leões são animais amistosos, apenas gatinhos grandes. A criança estava me acompanhando no passeio pela floresta. O leão aparece e as minhas mãos ficam suadas. Mas as mãos da criança não ficam. Por quê? Porque a criança avaliou o leão (te modo bem diferente de mim. Sua ideia não envolveu o elemento do temor, pelo que nada sucedeu em suas mãos.
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4. Crença Verdadeira, Justificada, Não-Derrotada. O materialismo não se sente feliz ante a direção a que nos levou a nossa discussão. Então, ele faz uma certa pergunta: O que é uma ideia? O dualista retruca, dizendo que uma ideia é algo imaterial, associado à alma imaterial do homem; um atributo da alma. Mas o materialista persiste em sua indagação, porque o dualista está ficando vago. O dualista fala sobre diferentes formas de energia, algumas delas mate­riais, e outras imateriais. A ciência tem mostrado que temos algumas descrições daquelas primeiras formas de energia (um tanto ou quanto inexatas), e o misticismo e, talvez, a parapsicologia, têm-nos fornecido algumas descrições não-conclusivas das segundas formas de energia. O materialista persiste em sua pergunta, e o resultado é que o dualista não é capaz de dizer muita coisa sobre a natureza da ideia, pelo que, por que motivo deveríamos crer nas ideias como separadas das funções cerebrais? O dualista, em seguida, fornece várias respostas:
    1. A experiência humana, no campo do misticismo, tem algum valor, e o misticismo implica no dualismo.
    2. A experiência humana, no campo religioso, deve ter algum valor, e a fé religiosa (com suas reivindicações de revelação divina) deve ter algum valor.
    3. A parapsicologia apresenta-nos alguma evidência cientifica em favor do dualismo.
    4. Existe algo a que se pode chamar de crença verdadeira, justificada, não-derrotada.
    5. As experiências perto da morte parecem destacar a realidade da inteligência extracerebral (os processos mentais prosseguem, mesmo quando o corpo físico está clinicamente morto). Ora, essa posição reflete o dualismo. Um dos propósitos do presente artigo é mostrar que essas experiências favorecem o dualismo. (Os outros argumentos do dualista—a.b. e c.—estão fora doescopo deste artigo). Essas experiências lançam alguma luz sobre o antigo problema da relação entre a mente e o corpo físico.
Especificamente, no tocante à crença verdadeira, justificada, não-derrotada, consideremos a seguinte ilustração.
Eu nunca havia crido na existência da alma. Costumava dizer: «Quando morrer, ficarei extinto». Eu já tinha problemas para viver minha vida terrena, e não ansiava por pensar sobre os problemas de uma alegada existência após-túmulo. Então pensei: «Uma vida de cada vez. Se houver outra vida (do que duvido), enfrentarei a mesma, quando ela chegar». Sócrates dizia: «Todos os homens são mortais». Mas eu esperava que os deuses imortais permitissem uma exceção, e que eu poderia continuar vivendo interminavelmente. Porém, não foi assim que sucedeu. Chegou o dia da minha morte, e morri. Para minha surpresa, descobri que o verdadeiro eu continuava vivo, dotado de memória, consciência, raciocínio… e tudo em nível muito mais elevado. Antes, nada sabia sobre esse novo estado, que chegou a me surpreender. Não sei como descrever o novo estado. Mas, é real. Portanto, tenho uma crença verdadeira, justificada, não-derrotada. Justificada, porque continuo vivo; não-derrotada, porque nada pode desprová-la. Verdadeira, porque estou verda­deiramente vivo. Mas, tudo é apenas crença.
As experiências perto da morte dão-nos alguma evidência em prol desse tipo de crença. Isso tem muita importância, mesmo que as evidências não sejam de ordem científica. A ciência pode começar por aí. A elaboração de provas para crenças pode começar mais tarde. Além dessa forma de crença, as experiências perto da morte fornecem-nos algumas evidências científicas em favor do dualismo, e esse dualismo fala sobre a existência da alma humanà e sua sobrevivên­cia diante da morte física.
Nada de novo há com a idéia de que o homem é mais do que o seu corpo físico, e que ele não depende do mesmo para continuar existindo. Nossos credos e dogmas nos têm assegurado isso desde milhares de anos atrás. A novidade consiste nas evidências cientificas, fidedignas, que nos informam que os teólogos e filósofos estavam certos o tempo todo.
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5. Definições e Caracterizações do Problema Corpo-Mente, e como isso se relaciona às experiências perto da morte. «Um dos mais persistentes problemas da história da filosofia, o problema corpo-mente, indaga como se pode entender a relação entre a mente e o corpo. Visto que as descrições do conteúdo mental são bem diferentes das descrições dos processos físicos, a mente e o corpo podem ser considerados ou não uma identidade? O problema está tão profundamente arraigado que a discussão a respeito de suas possíveis soluções equivale a uma discussão sobre os sistemas filosóficos».
«O problema corpo-mente, na primeira instância, diz respeito à questão se pode ser feita uma distinção válida entre a mente e o corpo. Se tal distinção puder ser feita, então, também poderemos indagar se, de
fato, existem quaisquer coisas às quais podemos aplicar qualquer desses termos, ou ambos esses termos. Finalmente, se existem coisas às quais ambos os termos podem ser aplicados, então, poderemos indagar quais são as relações entre a mente e o corpo»(3).
«Essas experiências, relatadas por Moody, nada mais são do que acometimentos nos lóbulos temporais (do cérebro). Vejo vários pacientes, a cada semana, que descrevem experiências similares duran­te esses episódios cerebrais. Wilder Penfield descreveu esses fenômenos no começo da década de 1950, usando técnicas de eletroestimulação do cérebro. Isso sucedeu antes que ele, como Moody, tivesse sido envolvido nas sequelas religiosas dessas ocorrências. Penfield fez algumas contribuições muito significati­vas à neurologia até àquele ponto»(4). (Comunicação pessoal de um professor de neurologia ao Dr. Michael B. Sabom, cujo nome não foi revelado).
O Dr. Sabom ofereceu razões pelas quais as experiências perto da morte não podem ser identifica­das com os acometimentos epilépticos, que afetam os lóbulos temporais do cérebro. Em primeiro lugar, ele mostra que tipos de experiências mentais são provocadas por esses ataques epilépticos. Em segundo lugar, ele mostra que tais experiências são diferentes daquelas provocadas pelas experiências perto da morte (5).
O Dr. Wilder Penfield, conhecido por suas contribuições ao campo da neurologia, considerando anos passados de pesquisa nesse terreno, chegou à seguinte conclusão sobre o problema corpo-mente: «Em minha opinião, após uma vida profissional inteira, passada na tentativa de descobrir como o cérebro explica a mente, foi com surpresa que cheguei a descobrir, durante esse exame final das evidências, que a hipótese dualista (distinção entre a mente e o cérebro) parece a mais razoável das duas explicações possíveis… A mente entra em ação e sai de ação juntamente com o mais elevado mecanismo cerebral, é verdade. Mas a mente possui energia. A forma dessa energia é diferente daquela forma de energia das potencialidades neuronais que percorrem as veredas dos axônios. Neste ponto, devo deixar a questão».
O Dr. Michael B. Sabom, em seus pensamentos finais sobre seu livro acerca das experiências perto da morte, afirmou que as evidências indicam a separa­ção entre a mente e o corpo, perto da morte. Salienta que seus pacientes estavam próximos do momento da morte, e não necessariamente mortos. Naturalmente, houve casos em que a morte ocorrera, pelo que as pessoas envolvidas estavam clinicamente mortas. Seja como for, a indagação que se impõe vigorosamente é se essa separação significa a separação entre a alma e o corpo, alma essa que continua a existir após a morte definitiva do corpo. Em caso positivo, conforme Sabom pensa que sucede, então temos a ciência e a fé religiosa frente a frente, sobre uma questão muito critica. «Morrendo o homem, porventura tomará a viver?» (Jó 14:14). Sabom estava «totalmente perple­xo» diante do fato de que muitos de seus pacientes tinham enfrentado condições físicas incompatíveis com a vida biológica, e, no entanto, voltaram a vida ainda com maior energia. E mostrava-se sensível diante dos fatos científicos, obtidos através da pesquisa, que salientam a realidade das experiências perto da morte; mas, mais ainda, ele se identificou com as lágrimas de alegria e tristeza que acompa­nham o desdobramento desses misteriosos dramas. Ele se humilhou diante dos mistérios do universo, e citou Albert Einstein, que escreveu, com uma atitude similar:
«Todo aquele que se tem envolvido seriamente nas inquirições da ciência está convencido de que se manifesta um Espirito nas leis do universo—um Espírito vastamente superior ao espirito do homem, em face de cujo Espírito, nós, com nossas modestas capacidades, precisamos sentir-nos humildes».
Sabom, por sua vez, afirmou que é precisamente esse Espirito que, por tantas vezes, foi reconhecido pelos seus pacientes. Muitos deles referiram-se ao poder transformador das experiências perto da morte e às suas óbvias qualidades espirituais, e não meramente à aparente separação entre as porções não-material e material do ser humano. Esse é o Espírito que vem viver naqueles que são tocados por alguma verdade inefável. Tais pacientes quedavam-se admirados diante de algum grandioso segredo, que tinham podido contemplar de modo tão breve, mas que deixara marcas indeléveis em suas mentes.
Portanto, o problema corpo-mente envolve mais do que alguma mera questão acadêmica, pois penetra nas mais profundas questões da própria vida.
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6. Uma Ponte que Liga a Ciência e a Fé Religiosa. Se o homem é uma alma imortal, conforme é ensinado pelo dualismo, e se as evidências científicas dão isso a entender em termos bastante convincentes atualmente, devendo fazê-lo ainda mais definitiva­mente no futuro, então, quanto a essa questão importante, a ciência e a fé religiosa estão unidas por uma ponte. As experiências perto da morte fazem parte do começo da construção dessa ponte.
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7. O Problema Corpo-Mente e Sena Corolários Morais e Espirituais «…a vida eterna começa aqui na terra, e a alma do homem vive e respira onde ela ama; e o amor, mediante uma fé viva, tem forças suficientes para fazer a alma humana experimentai unidade com Deus—‘duas naturezas em um único espírito e amor’… Não acredito que um filósofo possa discutir sobre a imortalidade da alma sem levar em conta as noções complementares que o pensamento religioso acrescenta às verazes mas incompletas respostas que a razão e a filosofia podem fornecer-nos» (Jacques Maritain).

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