Autor de Segunda Corintios


A liderança de Paulo é desafiada; Desígnio de Paulo e motivo da escrita dessa epístola; Autoridade dessa epistola.
Quanto a declarações sobre o consenso geral acerca da autoria paulina da segunda epístola aos Coríntios, sem importar se a mesma era uma única missiva ou uma combinação de epístolas, ver os artigos sobre às epístolas aos Romanos e I Coríntios, onde fica demonstrado que as epístolas aos Romanos, aos Gálatas e I e II Coríntios são universalmente consideradas como obras clássicas paulinas indisputadas, tendo obviamente saído da mesma pena, conforme fica demonstrado por meio da crítica literária. Portanto, a fim de evitar uma repetição desnecessária de material, que o leitor pode consultar em outros lugares, sob o título de «Autoria», damos aqui somente outro material informativo importante que diz respeito às relações entre Paulo e a igreja de Corinto.
a.  A liderança de Paulo é desafiada.
—    A autoridade de Paulo, na moderna igreja evangélica, e, de fato, por toda a história eclesiástica, remota da era apostólica imediata, que ê tão inquestionavelmente recebida, leva os estudiosos modernos a se admirarem sobre como podiam fazer-lhe oposição no cristianismo primitivo. O fato, porém, é que os primeiros anos da igreja não se caracterizavam por tal paz, amor e unidade, conforme os cristãos modernos geralmente supõem, atribuindo tais qualidades tão precipitadamente ao caráter da igreja apostólica. Pelo contrário, os primeiros anos da igreja produziram alguns conflitos notáveis. Entre os próprios apóstolos surgiram algumas brigas feias. Sem dúvida alguma, houve casos notáveis de tal unidade; porém, antes do fim do século II D.C., o poder da personalidade de Jesus havia gerado nada menos de cem seitas diferentes, todas elas reivindicando autoridade recebida da parte de Jesus Cristo, o que, por si só, serve de poderosa prova de seu caráter transcendental.
Não é de surpreender, portanto, que no seio da própria igreja cristã houvesse tanto desassossego. Como reconciliar o judaísmo com Jesus ou com Paulo, ou com ambos? Como reconciliar Paulo com Jesus? Como explicar o profundo discernimento espiritual de Paulo, que parecia ter revolucionado os conceitos judaicos e legalistas no campo religioso? Esses não eram problemas de pouca monta e até os nossos dias muita discussão se centraliza em volta de certos aspectos dos mesmos. Entre os problemas da igreja cristã primitiva, avultava o problema «legalista». Como podia a doutrina da graça, da justificação pela fé e da transformação segundo a imagem de Cristo ser reconciliada com o legalismo centenário do antigo judaísmo? Os mais amargos inimigos de Paulo parecem ter sido aqueles que, tendo-se convertido a Jesus como o Messias, aferravam-se ao que Moisés ou a tradição judaica ensinavam, considerando que as obras da lei e a circuncisão eram necessárias à salvação.
Quanto a isso, pode-se consultar o décimo quinto capítulo do livro de Atos, pois o primeiro concílio universal da igreja cristã foi efetuado a fim de discutir e resolver exatamente esse problema.
Esse problema, contudo, jamais foi solucionado, nem mesmo em nossos próprios dias. Em lugar das formas mais antigas de legalismo, surgiram novas formas. Por exemplo, aquilo que os judeus atribuíam à circuncisão, muitos cristãos modernos atribuem ao batismo em água, assim pervertendo a religião mística de Paulo em um ensino sacramental ou legalista, ou uma combinação de ambas as coisas. Muitos cristãos primitivos, grande número dos quais se convertera da seita dos fariseus, conceituavam o cristianismo apenas como um judaísmo reformado, sem jamais terem apreendido realmente o fato revolucionário de que o cristianismo era uma revelação nova, não tendo percebido igualmente que Paulo fora o instrumento divino pelo qual Deus revelava essa elevada fé. Uma das razões disso é que esses judeus jamais puderam antecipar a grandeza de Paulo.
As doutrinas paulinas da graça, da justificação pela fé, da transformação segundo a imagem transcenden­tal de Cristo, formando assim uma religião totalmente mística em sua natureza, em contraste com a religião legalista ou sacramental, não permitiam que a igreja cristã fosse uma mera forma de judaísmo modificado. Todavia, não é provável que o cristianismo da Palestina, nos tempos de Paulo, houvesse realmente compreendido as profundas implicações expostas por Paulo em suas epístolas. Isso sucedeu principalmente no mundo gentílico e nos processos históricos que elevaram a pessoa de Cristo ao pináculo dos poderes cósmicos. O conflito pela elevação ao planalto das realidades espirituais mais altas não foi nem espontâneo e nem fácil, como de resto não pode ser espontâneo ou fácil qualquer avanço espiritual ou físico, havendo muitas covas ao longo do caminho, nas quais os homens podem cair.
Portanto, quando Paulo escreveu suas várias epístolas aos crentes de Corinto, o partido dos legalistas e fundamentalistas da velha guarda, preso em sua mentalidade rígida, fixa em leis e cerimônias, se opôs a Paulo amargamente. Esses imaginavam estar prestando um serviço a Deus, porquanto Deus havia falado a Moisés, conforme eles bem o sabiam; mas, teria Deus falado a Paulo? Não possuía ele linguagem deficiente e o seu aspecto físico não era inadequado? Não era ele apenas um outro dos seguidores de Jesus, e além de tudo herético? Não entendiam a profunda significação de Paulo, tal como seus contemporâneos haviam estado embotados para com a significação de Jesus.
A oposição Paulo não se verificou somente em Jerusalém, mas também se deu em todos os lugares onde o judaísmo invadira o mundo gentílico. Não nos deveríamos surpreender, por conseguinte, que., em Corinto, onde viviam muitos judeus, tendo alguns desses passado para a igreja cristã, e onde outros judeus tinham vindo de Jerusalém, apresentando-se como autoridades nas questões religiosas, que a doutrina de Paulo tivesse recebido ali tão grande oposição, e que a sua autoridade apostólica tivesse sido posta em dúvida. Ver o artigo sobre Paulo.
Não sabemos se Pedro chegou a visitar a cidade de Corinto; mas sabemos que o seu nome era equivocadamente usado como se ele fosse represen­tante ou líder do partido legalista. (Ver Atos 19:1 e I Cor. 1:12). É possível que alguns membros da igreja de Jerusalém, amigos ou não de Paulo, houvessem exercido alguma influência na igreja de Corinto, e que uma facção houvesse sido ali criada com o propósito de preservar a fé, o que, para eles, era compreendido como a mescla entre o cristianismo e o legalismo mosaico, tudo posto em um molde só. Não há razão para supormos que Pedro realmente fez oposição a Paulo, porquanto isso é negado nos capítulos dez, onze e quinze do livro de Atos, bem como nos capítulos primeiro e segundo da epístola aos Gálatas.
Em face dessas razões, poucos intérpretes situam Pedro no campo legalista; pelo contrário, ele certamente se aliou a Paulo na controvérsia com os legalistas, embora não houvesse sido tão constante defensor e coluna da doutrina da graça como o era Paulo; porém, quem se assemelhava a Paulo, nesse particular? Seja como for, certos líderes, evidente­mente vindos do exterior, chegaram a Corinto, trazendo cartas de recomendação (ver II Cor. 3:1), e afirmando possuir credenciais de autoridade sobre a igreja cristã (ver II Cor. 12:21).
Sendo esses legalistas inclinados a interpretar o cristianismo segundo os seus pontos de vista legalistas, conseguiram diminuir e quase anular a autoridade de Paulo entre os crentes de Corinto. Paulo tentou usar Timóteo como mediador nesse problema, mas Timóteo era tímido por natureza, e a sua missão não obteve sucesso (ver I Cor. 16:10,11, 17). Posteriormente, entretanto, Tito cuidou eficaz­mente da situação (ver II Cor. 7:14,15). E o próprio Paulo, entre a escrita da primeira e da segunda epístolas aos Coríntios, fez mais uma ou mais visitas a Corinto, na tentativa de solucionar os problemas ali existentes e de confirmar a sua autoridade abalada.
Sua epistola severa, partes da qual são aludidas na segunda epistola aos Coríntios, e que é especificamen­te mencionada em II Cor. 10:10, tem sido identificada por alguns estudiosos como certas porções dos capítulos décimo a décimo terceiro dessa segunda epístola, que os próprios adversários de Paulo consideram como eficaz. A primeira porção desta segunda epístola aos Coríntios mostra-nos que a combinação de meios, escolhida por Paulo, para cuidar da situação, foi essencialmente eficaz, tendo obtido a reconciliação entre esse apóstolo e a igreja cristã de Corinto, com a correção de muitas de suas faltas e o reestabelecimento de sua autoridade apostólica naquela comunidade cristã.
As diversas descrições que Paulo nos oferece sobre os seus oponentes, dão-nos uma boa ideia da natureza deles. Atacavam a Paulo em vários pontos. Acusavam-no de insinceridade, como se ele estivesse meramente atrás dos bens materiais dos crentes de Corinto (corrompendo assim o seu intuito de recolher uma oferta voluntária para os santos nobres de Jerusalém); de usar de engodo e ludibrio (ver Cor. 12:16); e de não exibir os poderes manifestos de um verdadeiro apóstolo. Sua aparência pessoal era débil, não sendo ele um bom orador. (Ver II Cor. 10:10). Parece que haviam acusado ao apóstolo de ter uma linguagem obscura em sua pregação (ver II Cor. 4:3), e,    embora ele manifestasse vários dons do Espírito Santo, mais do que todos eles (ver I Cor. 14:18), tendo recebido muitíssimas visões místicas (ver II Cor. 12:1 e I Cor. 9:11), para eles Paulo parecia ser um líder inadequado para a igreja cristã, e talvez até pensassem ser ele um tanto desequilibrado mental­mente. Tais eram os ataques contra a pessoa de Paulo.
A maioria desses judeus, perseguidores de Paulo, parece ter-se composto de intrujões ambulantes, representantes do partido legalista da igreja, mas violentos quanto aos seus métodos de ataque. Eles se apresentavam como os «verdadeiros apóstolos», e Paulo, zombeteiramente, chamava-os de «superapóstolos». (Ver II Cor. 11:5 e 12:11). Paulo não admitia que eles fossem verdadeiros crentes, mas intitulava-os de «falsos apóstolos», obreiros enganadores, que meramente se fantasiavam de apóstolos de Cristo. (Ver II Cor. 11:13). Os homens aceitavam pronta­mente o apoio financeiro daquela igreja de Corinto, e chegavam mesmo a insistir em receber tal ajuda. (Ver II Cor. 11:12). Faltava-lhes o coração próprio de um pastor, e eram antes ditatoriais, dominadores, cobiçosos, brutais e arrogantes. (Ver II Cor. 11:20). Paulo, pois, os acusava de pregarem a «outro Jesus» e a «outro evangelho», embora em parte alguma ele nos tenha informado sobre o que queria dizer exatamente com isso. Houve momentos em que o apóstolo parece admitir que eles deveriam ser classificados como cristãos (ver II Cor. 10:7 e 11:23), mas geralmente pegava especificamente isso, classificando-os de servos de Satanás (ver II Cor. 11:13-15).
«Como, pois, Paulo retratou-se como verdadeiro apóstolo? Ele era um pecador reconciliado (II Cor. 5:18), um ser humano frágil (II Cor. 4:7), que não possuía nem os recursos espirituais e nem os recursos físicos para tal ministério. Entretanto, Deus é quem nos dá a graça e as forças necessárias (II Cor. 3:5 e 12:9), e somente pela vontade de Deus é que Paulo chegara a ser um apóstolo (II Cor. 1:1). Na qualidade de ministro do novo pacto, alicerçado no Espírito (II Cor. 3:3-6), foi-lhe conferido o poder de servir e de realizar os sinais de um apóstolo, através de milagres (II Cor. 4:7 e 12:12). Na qualidade de cativo de Cristo (II Cor. 2:14) e de embaixador de Cristo (II Cor. 5:20), por amor a Jesus (II Cor. 4:5), ele efetuou uma obra pioneira (II Cor. 10:13-16), tanto como evangelista (II Cor. 5:11) quanto como ministro da reconciliação (II Cor. 5:18,19). Ele sumariava a sua mensagem como ‘Cristo Jesus, o Senhor’ (II Cor. 4:5). Jamais se esqueceu das igrejas por ele fundadas: a preocupação por elas todas pesava constantemente sobre ele (II Cor. 11:28), e ele era o seu servo (II Cor. 4:5) e conselheiro. Os motivos que o impulsionavam eram a gratidão a Deus e a Cristo (II Cor. 1:3 e 5:14), o temor reverente pelo Senhor, seu Salvador e Juiz (II Cor. 5:10,11a), bem como o amor sincero pelas igrejas por ele fundadas (II Cor. 2:4 e 11:11), as quais eram ò motivo de sua alegria e interesse (II Cor. 2:2,3). A integridade assinalava o seu ministério, e as cicatrizes de um labor degastador e de sofrimentos voluntaria­mente aceitos eram os sinais que o identificavam como um verdadeiro apóstolo (II Cor. 1:12; 6:3-10 e 11:23,29)». (Floyd V. Filson, Introdução a II Coríntios).
A leitura e meditação dos comentários que se seguem, nesta seção, demonstrarão a profundidade do problema que Paulo teve de enfrentar, no que diz respeito aos seus oponentes, no tocante a pontos de doutrina, o que, naturalmente, tinha as suas aplicações na vida prática.
Ainda outras facções religiosas se levantaram para perseguir a Paulo acerca de outras questões, talvez principalmente por motivo de conflito, de personali­dades. Havia, por exemplo, o eloquente Apoio, que punha Paulo em má luz como orador, embora não haja quaisquer indícios de que Paulo e Apoio houvessem jamais entrado pessoalmente em choque, porquanto todas as indicações de que dispomos mostram que Apoio sempre se mostrou fiel para com
Paulo. Contudo, em torno da forte personalidade de Apoio, desenvolveu-se uma certa facção na igreja de Corinto, que provavelmente consistia dos elementos mais inclinados para o intelectualismo, talvez ex-filósofos convertidos ao cristianismo, ou pelo menos, pessoas versadas na filosofia da época. Apoio era proveniente do centro importantíssimo de erudição que era Alexandria; e é bem provável que a sua mensagem fosse pregada de forma agradável para os intelectuais de então. Por conseguinte, uma certa facção da igreja de Corinto não tardou em fazer dele o seu herói.
Além disso, havia a lassidão moral da cultura e da sociedade de Corinto, o que penetrava a fundo nas barreiras da igreja cristã daquela cidade. E então, os elementos mais liberais, ou mais desavergonhada­mente lassos quanto às questões morais, naturalmen­te se opunham ao inflexível Paulo, cuja atitude para com as questões morais se assemelhava à dos judeus, e da escola mais estrita do judaísmo, segundo se percebe em II Cor. 12:21. Não era fácil a tentativa de reunir os coríntios tão liberais quanto às questões morais, com os estritos pontos de vista judaico-cristãos. Aqueles que não podiam, ou melhor, não queriam viver de conformidade com esse padrão, eram inimigos naturais de Paulo.
Seria um otimismo exagerado de nossa parte supormos que, em qualquer dessas controvérsias, Paulo conseguiu o que queria, sendo bem possível que a igreja cristã de Corinto se tornou mais corrupta do que nunca. Em termos gerais, entretanto, a segunda epístola aos Coríntios mostra-nos que a autoridade apostólica de Paulo foi confirmada na igreja de Corinto, e que Paulo obteve boas vitórias espirituais no que se relaciona àqueles crentes. (Maiores detalhes sobre as relações entre Paulo e a igreja de Corinto podem ser vistos no artigo sobre a primeira epístola aos Coríntios, onde esse tópico ocupa toda a seção III desse artigo).
b. Desígnio de Paulo e motivo da escrita dessa epistola.
O propósito de Paulo era reconciliar-se com a igreja cristã de Corinto, o que envolvia o reestabelecimento de sua autoridade apostólica ali; a correção das falhas e o fim das facções. Portanto, ele enviou Timóteo como seu representante. (Ver I Cor. 16:10,11,17). Mas Timóteo obteve resultados inadequados ou negativos, como também nos mostra o trecho de II Cor. 7:5 e ss. Por conseguinte, Paulo enviou Tito em missão similar; e dessa vez com positivos resultados. (Ver II Cor. 7:6,7,14,15). Tito parece ter permaneci­do em Corinto mais do que o tempo esperado, evidentemente para ajudar a Paulo em sua intenção de recolher uma oferta entre as igrejas gentílicas, para o benefício dos crentes pobres de Jerusalém. (Ver II Cor. 8:6).
Na segunda epístola aos Coríntios, Paulo explica por que razão escreveu a sua chamada «epístola severa», não o tendo feito apenas para dar vazão às suas indignações contra a oposição e as falhas morais, e,  sim, em amor, tal como um pai repreende severamente a um filho seu, por saber o que é melhor para ele. (Ver II Cor. 2:1 e ss).
Paulo antecipava ainda outra visita à cidade de Corinto, embora não quisesse chegar ali de espírito pesado e triste, conforme se caracterizara a sua última visita. Por conseguinte, na primeira porção de II Coríntios, ele procura remover qualquer pensamento de insinceridade, de duplicidade e de instabilidade, que poderia ter sido deduzido do fato dele não ter cumprido sua anteriormente planejada visita a Corinto, mas que ele cancelara por desejar poupar, tanto a si mesmo como aos crentes de Corinto, ainda maior dor. (Ver II Cor. 1:12 e ss). A conduta de Paulo, entre os crentes de Corinto e de outros lugares, porém, comprovava a sua sinceridade. (Ver II Cor. 2:3 e ss).
Paulo se aproveita dessa ocasião da escrita da segunda epístola aos Coríntios a fim de ensinar! Ele fala sobre a obra de Satanás, isto é, um falso evangelho, em contraste com o seu próprio evangelho da verdade, conforme existia e exercia autoridade até mesmo entre os crentes de Corinto. Esse ensino, mui provavelmente, foi inspirado por várias controvérsias com falsos líderes cristãos, conforme foi previamente descrito. (Ver II Cor. 4:1-4,6). A glória futura haverá de ser o prêmio das ações dignas, e disso Paulo assegura aos seus leitores. (II Cor. 4:7 e 5:1). A mais importante seção neotestamentária sobre a imortali­dade se encontra no décimo quinto capítulo da segunda epístola aos Coríntios, sendo uma descrição magnificente da glória futura, embora apresentada de mistura com uma severa advertência do julgamento futuro de que participarão os crentes. Serão delineados os temas da salvação e suas consequências morais, em II Cor. 5:9 e 6:10,11.
«Com base no ponto de vista geral do conteúdo dessa epístola (II Coríntios), o ‘desígnio’ de Paulo se torna perfeitamente claro. Tudo visou a restauração e a confirmação da autoridade desse apóstolo, que havia sido assediada tão amarga e obstinadamente, bem como a remoção de todos os empecilhos aos seus esforços, que visavam ao bem-estar espiritual de seus leitores. A maioria daqueles crentes foi conquistada para o lado do apóstolo Paulo, ficando aberto o caminho para trazê-los de volta à obediência, incluindo outros que ainda se opunham a Paulo. A fim de obter tal coisa, Paulo foi obrigado a eliminar os preconceitos que tinham surgido contra ele, desven­dando a insinceridade e a perversidade daqueles que tinham seduzido àqueles crentes. Ê evidente que esses sedutores eram ‘judaizantes’ (comparar com II Cor. 11:22). Até hoje continua questão controvertida se esses pertenciam ao partido de Pedro ou ao partido de ‘Cristo’. Contrariamente à opinião daqueles que mantinham que pertenciam ao primeiro (Meyer e outros), tem sido objetado como verdade, que essa epístola jamais dá a entender que Pedro era o cabeça desse partido; nem mesmo a frase principais apóstolos (ver II Cor. 11:5 e 12:11) pode referir-se aos apóstolos de nosso Senhor. Outros estudiosos ainda argumen­tam que a existência do partido de ‘Cristo’ parece dar a entender, em II Cor. 10:7, que haja rejeição de ‘toda’ a autoridade apostólica, em face dessas palavras, ‘os principais apóstolos’, dizendo que há certo número de indicações que mostram que eles se tinham desviado da doutrina comumente recebida, com respeito à pessoa de Jesus (ver II Cor. 11:12 e 2:17). Entretanto, parecem ter-se distinguido espe­cialmente por sua oposição, à autoridade apostólica de Paulo, bem como pelo seu zelo em favor da lei judaica e pelo cristianismo, como se este fora um mero sistema Legal». (Comentário de Lange, Introdução a II Coríntios, pág. 5).
c.  Autoridade dessas epistola.
Esta segunda epístola aos Coríntios ocupa um lugar antigo no «cânon», conforme pode ser demonstrado em favor de qualquer outro livro do N.T. Sem dúvida alguma este livro já era usado na igreja cristã desde antes do tempo em que Márcion, cujo grande herói era Paulo, incluiu-a entre as dez epístolas paulinas que ele reputava autênticas, em cerca de 140 D.C.
Não há razão alguma para supormos que Márcion foi quem fez a primeira coleção das epístolas de Paulo; pelo contrário, ele deve ter herdado essa coleção daquilo que já era corrente na igreja cristã, embora seja verdade que a sua aceitação dessas dez epístolas, juntamente com uma versão modificada do evangelho de Lucas, tenha provocado a canonização do N.T. O próprio Márcion rejeitava a autoridade dos livros do A.T., elevando a pessoa de Paulo à posição mais magnificente em toda a história da literatura religiosa.
Várias citações sugerem-nos que Policarpo se utilizou dessa segunda epístola aos Coríntios, e isso tão cedo como 115 D.C. (Ver a sua Ep. ad Philipp., 6, onde ele emprega as palavras de II Cor. 8:21). Clemente de Roma (91-101 D.C.), em suas citações, é um exemplo de um uso ainda anterior dessa epístola. (Ver Ep., cap. xii, onde parece bem definidamente que ele citou os trechos de II Cor. 8:21 e 11:29). Atenágoras e Atenas, em 117 D.C., em sua obra De fessurr. mort., 18, evidentemente se utilizou de uma parte desta segunda epístola aos Coríntios. Por semelhante modo, Irineu de Lyons (177-202 D.C.), em seu tratado Contra Haer, livro ii, cap. xxx.7, menciona e comenta o fato da experiência do «terceiro céu», que Paulo teve, e que é referido no décimo segundo capítulo desta segunda epístola aos Corín­tios. Clemente de Alexandria (191-202 D.C.) cita trechos da segunda epístola aos Coríntios por nada menos de vinte vezes. (Ver sua obra Paedag., livro X, cap. vi: livro I, cap. vii). Nessas citações ele se refere também à experiência do «terceiro céu», citando completamente o trecho de II Cor. 2:14-16, juntamente com algumas poucas sentenças, depois de II Cor. 5:7. Conforme já se disse, outras citações dessa natureza, em número considerável, podem ser encontradas nos escritos de Clemente de Alexandria. O que falamos aqui serve apenas de exemplos.
As indicações, pois, é que por volta de 95 D.C., esta segunda epístola aos Coríntios já desfrutava de distribuição regularmente lata na igreja cristã, e que, pelo fim do século II D.C., ela deve ter sido quase universalmente conhecida. E não há qualquer evidência, até onde diz respeito à igreja, no sentido de que ela tenha jamais circulado em qualquer outra forma senão aquela que conhecemos atualmente, embora originalmente, antes de sua circulação, em Corinto, talvez tenha resultado de uma combinação de epístolas, parte da correspondência de Paulo com a igreja de Corinto. Naquele tempo, tal como hoje em dia, para nós, era uma autêntica expressão da mente, do coração e do ministério de Paulo, o grande apóstolo dos gentios.

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