Atributos Intelectuais


Na Escritura Deus é apresentado como Luz e, portanto, como perfeito em Sua vida
intelectual. Esta categoria compreende duas perfeições divinas, a saber, o conhecimento e a
sabedoria de Deus.

1. O CONHECIMENTO DE DEUS. Pode-se definir o conhecimento de Deus como a perfeição
de Deus pela qual Ele, de maneira inteiramente única, conhece-se a Si próprio e a todas as
coisas possíveis e reais num só ato eterno e simples. A Bíblia atesta abundantemente o
conhecimento, como, por exemplo, em 1 Sm 2.3; Jó 12.13; Sl 94.9; 147.4; Is 29.15; 40.27, 28. Em
conexão com o conhecimento de Deus, vários pontos pedem consideração.

a. Sua natureza. O conhecimento de Deus difere do dos homens nalguns pontos importantes.
É arquetípico, o que significa que Ele conhece o universo como ele existe em Sua própria idéia
anterior à sua existência como realidade finita no tempo e no espaço; e esse conhecimento não é
obtido de fora, como o nosso. É um conhecimento caracterizado por perfeição absoluta. Como tal,
é intuitivo, antes que demonstrativo ou discursivo. É inato e imediato, e não resulta de observação
ou de um processo de raciocínio. Sendo perfeito, é também simultâneo e não sucessivo, de modo
que Ele vê as coisas de uma vez em sua totalidade, e não fragmentadas uma após a outra. Além
disso, é completo e plenamente consciente, enquanto que o conhecimento do homem é sempre
parcial, freqüentemente indistinto, e muitas vezes não consegue ascender à clara luz da
consciência. Faz-se distinção entre o conhecimento necessário e o livre conhecimento de Deus. O
primeiro é o conhecimento que Deus tem de Si mesmo e de todas as coisas possíveis, um
conhecimento que repousa na consciência de Sua onipotência. É chamado necessário porque
não é determinado por uma ação da vontade divina. Também é conhecido como conhecimento de
simples inteligência, em vista do fato de que é pura e simplesmente um ato do intelecto divino,
sem nenhuma ação concomitante da vontade divina. O livre conhecimento de Deus é aquele que
Ele tem de todas as coisas reais, isto é, das coisas que existiram no passado, que existem no
presente ou que existirão no futuro. Funda-se no conhecimento infinito que Deus tem do Seu
propósito eterno, totalmente abrangente e imutável, e é chamado livre conhecimento porque é
determinado por um ato concomitante da vontade. Também é denominado scientia visionis,
conhecimento de vista.

b. Sua extensão. O conhecimento de Deus não é perfeito somente em sua natureza, mas
também em sua abrangência. É chamado onisciência, porque é absolutamente compreensivo.
Para uma adequada avaliação desse atributo, podemos particularizá-lo como segue: Deus se
conhece a Si próprio e em Si próprio todas as coisas que dele provêm (conhecimento interno). Ele
conhece todas as coisas como realmente se dão, passadas, presentes e futuras, e as conhece
em suas reais relações. Ele conhece a essência oculta das coisas, em que o conhecimento do
homem não pode penetrar. Ele não vê como vê o homem, que só observava as manifestações
externas da vida, mas penetra as profundezas do coração humano. Além disso, Ele conhece o
que é possível, como conhece o que existe concretamente; todas as coisas que poderiam ocorrer
em certas circunstâncias são atuais para a Sua mente. Diversas passagens da Escritura ensinam
claramente a onisciência de Deus. Ele é perfeito em conhecimento, Jó 37.16, não olha para a
aparência exterior, mas para o coração, 1 Sm 16.7; 1 Cr 28.9, 17; Sl 1.6; 119.168, conhece o lugar
da sua habitação, Sl 33.13, e os dias da sua vida, Sl 37.18. É preciso defender esta doutrina do
conhecimento de Deus contra todas as tendências panteístas de apresentar Deus como base
inconsciente do mundo fenomenológico, e daqueles que, como Márcion, Socino e todos quantos
acreditam num Deus finito, só atribuem a Ele um conhecimento limitado.

Contudo, há uma questão que requer discussão especial. Refere-se à presciência de Deus
quanto às livres ações dos homens e, portanto, dos eventos condicionais. Podemos entender
como Deus pode Ter conhecimento prévio onde a necessidade domina, mas achamos difícil
conceber um conhecimento prévio de ações que o homem origina livremente. A dificuldade deste
problema levou alguns a negarem a presciência das ações livres e outros a negarem a liberdade
humana. É perfeitamente evidente que a Escritura ensina a presciência divina de eventos
contingentes, 1 Sm 23.10-13; 2 Rs 13.19; Sl 81.14, 15; Is 42.18; Jr 2.2, 3; 38.17-20; Ez 3.6; Mt
11.21. Além disso, ela não nos deixa em dúvida quanto à liberdade do homem. O certo é que ela
não permite a negação de nenhum dos dois termos do problema. É nos levantado um problema
aqui, que não podemos resolver plenamente, conquanto seja possível aproximar-nos de uma
solução. Deus decretou todas as coisas, e as decretou com as suas causas e condições na exata
ordem em que ocorrem; e a Sua presciência das coisas e também dos eventos contingentes
apóia-se em Seu decreto. Isto soluciona o problema no que se refere à presciência de Deus.

Mas agora surge a questão: A predeterminação das coisas é coerente com o livre arbítrio do
homem? E a resposta certamente é que não é, se se considerar a liberdade da vontade como
indifferentia (arbitrariedade), mas não há base segura para esta concepção da liberdade do
homem. A vontade humana não é uma coisa inteiramente indeterminada, uma coisa solta no ar. E
que pode pender arbitrariamente numa ou noutra direção. Ao invés disso é uma coisa arraigada
em nossa natureza, ligada aos nossos mais profundos instintos e emoções, e determinada por
nossas considerações intelectuais e por nosso próprio caráter. E se concebemos a nossa
liberdade humana como lubentia rationalis (auto-determinação racional), não temos base
suficiente para dizer que é incoerente com a presciência divina. Diz o dr. Orr: “Há uma solução
para este problema, embora as nossas mentes não consigam captá-la. Provavelmente ela está,
em parte, não em negar a liberdade, mas numa concepção revista da liberdade. Pois, afinal de
contas, liberdade não é arbitrariedade. Em toda ação racional há um porquê para agir – uma
razão que decide a ação. O homem verdadeiramente livre não é o homem incerto e imprevisível,
mas o homem seguro, confiável. Em resumo, a liberdade tem suas leis – leis espirituais – e a
Mente onisciente sabe quais são. Mas, deve-se reconhecer, permanece um elemento de
mistério”.

Teólogos jesuítas, luteranos e arminianos sugeriram a scientia media, assim chamada, como
solução do problema. O nome indica o fato de que ela ocupa o ponto intermediário entre o
conhecimento necessário de Deus e o livre. Difere daquele em que seu objeto não são todas as
coisas possíveis, mas uma classe especial de coisas realmente futuras; e deste em que a sua
base não é o eterno propósito de Deus, mas a livre ação da criatura como simplesmente prevista.
Chamam-lhe média, diz Dabney, “porque supõem que Deus chega a esse conhecimento, não
diretamente, conhecendo o Seu propósito de efetua-la, mas indiretamente, pela Sua infinita
compreensão da maneira pela qual a causa secundária e contingente atuará, em dadas
circunstâncias externas, previstas ou produzidas por Deus”.3 Isto, porém, não é solução de
problema, absolutamente. É uma tentativa de conciliar duas coisas que logicamente se excluem
uma à outra, a saber, a liberdade de ação no sentido pelagiano e uma certa presciência dessa
ação. Ações que de maneira nenhuma são determinadas por Deus, direta ou indiretamente, mas
que são totalmente dependentes da vontade arbitrária do homem, dificilmente podem ser objeto
do pré-conhecimento divino. Ademais, é objetável, porque torna o conhecimento divino
dependente da escolha do homem, virtualmente anula a certeza do conhecimento dos eventos
futuros e, assim, nega implicitamente a onisciência de Deus. Também é contrária a passagens da
Escritura como At 2.23; Rm 9.16; Ef 1.11; Fp 2.13.

2. A SABEDORIA DE DEUS. Pode-se considerar a sabedoria de Deus como um aspecto do
Seu conhecimento. É evidente que conhecimento e sabedoria não são a mesma coisa, conquanto
estreitamente relacionados. Nem sempre vão juntos. Um homem sem instrução formal pode ser
superior em sabedoria a um erudito. O conhecimento é adquirido pelo estudo, mas a sabedoria
resulta de uma compreensão intuitiva das coisas. Aquele é teórico, enquanto que esta é prática,
tornando o conhecimento subserviente a algum propósito específico. Ambos são imperfeitos no
homem, mas em Deus são caracterizados por absoluta perfeição. A sabedoria de Deus é a Sua
inteligência como manifestada na adaptação de meios e fins. Ela indica o fato de que Ele sempre
busca os melhores fins possíveis, e escolhe os melhores meios para a consecução dos Seus
propósitos. H. B. Smith define a sabedoria divina como “o atributo de Deus pelo qual Ele produz
os melhores resultados possíveis com os melhores meios possíveis”. Podemos ser um pouco
mais específicos e chamar-lhe a perfeição de Deus pela qual ele aplica o Seu conhecimento à
consecução dos Seus fins de um modo que O glorifica o máximo. Implica um fim último ao qual
todos os fins secundários estão subordinados; e, segundo a Escritura, este fim último é a glória de
Deus, Rm 11.33; 14.7, 8; Ef 1.11, 12; Cl 1.16. A Escritura se refere à sabedoria de Deus em muitas
passagens, e até a apresenta como personificada em Provérbios 8. Vê-se esta sabedoria
particularmente na criação, Sl 19.1-7; 104.1-34; na providência, Sl 33. 10,11; Rm 8.28; e na
redenção, Rm 11.33; 1 Co 2.7; Ef 3.10.

3. A VERACIDADE DE DEUS. A Escritura utiliza várias palavras para expressar a veracidade
de Deus: no Velho testamento ‘emeth, ‘amunah, e ‘amen, e no Novo Testamento alethes
(aletheia), alethinos, e pistis. Isto já indica o fato de que ela inclui diversas idéias, como verdade,
fidedignidade, e fidelidade. Quando se diz que Deus é a verdade, esta deve ser entendida em seu
sentido mais abrangente. Primeiramente, Ele é a verdade num sentido metafísico, isto é, nele a
idéia da Divindade se concretiza perfeitamente; Ele é tudo que como Deus deveria ser e, como
tal, distingue-se de todos os deuses, assim chamados, os quais são chamados ídolos, nulidades e
mentiras, Sl 96.5; 97.7; 115.4-8; Is 44.9, 10. Ele é também a verdade num sentido ético e, como
tal, revela-se como realmente é, de modo que a Sua revelação é absolutamente confiável, Nm
23.19; Rm 3.4; Hb 6.18. Finalmente, Ele é também a verdade num sentido lógico e, em virtude
disto, conhece as coisas como realmente são, e constitui de tal modo a mente do homem que
este pode conhecer não apenas a aparência, mas também a realidade das coisas. Assim, a
verdade de Deus é o alicerce de todo conhecimento. Deve-se ter em mente, ademais, que esses
três sentidos são apenas diferentes aspectos da verdade, que é única em Deus. Em vista do
precedente, podemos definir a veracidade ou verdade de Deus como a perfeição de Deus em
virtude da qual Ele responde plenamente à idéia da Divindade, é perfeitamente confiável em sua
revelação, e vê as coisas como realmente são. É devido a esta perfeição que Ele é a fonte de
toda verdade, não somente na esfera moral e da religião, mas também em todos os campos da
atividade científica. A Escritura é muito enfática em suas referências a Deus como verdade, Êx
34.6; Nm 23.19; Dt 32.4; Sl 25.10; 31.6; Is 65.16; Jr 10.8, 10, 11; Jo 14.6; 17.3; Tt 1.2; Hb 6.18; 1
Jo 5.20,21. Há ainda outro aspecto desta perfeição divina, e um aspecto sempre considerado da
maior importância. Geralmente se lhe chama fidelidade, em virtude da qual Ele está sempre
atento à Sua aliança e cumpre todas as promessas que fez ao Seu povo. Esta fidelidade de Deus
é de máxima significação prática para o povo de Deus. É a base da sua confiança, o fundamento
da sua esperança, e a causa do seu regozijo. Ela os salva do desespero ao qual a sua própria
infidelidade facilmente os poderia levar, dá-lhes coragem para prosseguirem, a despeito de todos
os seus fracassos, e enche os seus corações de jubilosas antecipações, mesmo quando estão
profundamente cônscios do fato de que perderam o direito a todas as bênçãos de Deus. Nm
23.19; Dt 7.9; Sl 89.33; Is 49.7; 1 Co 1.9; 2 Tm 2.13; Hb 6.17, 18; 10.23.