Alguns Aspectos Históricos da Escatologia


1.     A palavra «escatologia» não foi usada antes de 1844; mas, no começo, havia um certo sentido depreciador no termo. Até mesmo os comentadores bíblicos falavam em termos bastante vagos sobre o futuro e o assunto não atraía grande atenção. Havia alguns estudos sobre a parousia, mas nenhum deles satisfatório. Naturalmente, na Igreja antiga, após a era apostólica, houve grande interesse sobre o assunto. Os anabatistas (que vede), na época da Reforma (que vede) pensavam que a parousia poderia ocorrer a qualquer instante; e alguns deles chegaram mesmo a marcar datas quanto à mesma. A atitude que prevalecia na era apostólica era que a parousia ocorreria em breve e os crentes viviam na expectação diária da mesma. Porém, quando isso não sucedeu, gradualmente a Igreja foi aceitando uma longa jornada, que, agora, já se prolonga por quase vinte séculos. E foi por esse motivo que as profecias preditivas também se foram tomando menos importantes nas teologias.
2.    No segundo quarto do século XIX, houve uma explosão de estudos críticos do Novo Testamento. Isso trouxe em sua esteira um renovado interesse pelas questões escatológicas. A ideia de que Jesus conhecia o futuro em termos precisos e sem qualquer erro foi abandonada por muitos e teve começo a busca pelo Jesus histórico, em contraste com o Jesus teológico. Alguns teólogos decidiram que as predições bíblicas sobre o futuro do mundo eram meras invenções da Igreja primitiva, em face de seu amargo desaponta­mento ante o fracasso do aparecimento imediato da parousia. E o reino de Deus passou a ser interpretado como o governo presente e imanente do Espírito Santo no coração e nas vidas dos homens. Isso significa que o livro de Apocalipse passou a ser desconsiderado nos estudos escatológicos. Quase todas as expectativas da autêntica escatologia foram abandonadas como delírios de indivíduos entusiasmados, mas sem qualquer base na verdadeira inspiração. Em outras palavras, a escatologia passou a ser vista como um envoltório artificial do cristianismo antigo, do qual nos podemos desfazer sem incorrer em grande perda.
3.  Albert Schweitzer, entretanto, entre 1901 e 1906, em sua obra The Quest ofthe Historical Jesus, lançou uma bomba no mundo teológico. Ele demonstrou, nesse e em outros livros, e de modo bastante vigoroso e convincente, que a erudição critica havia imposto a si mesma certas limitações artificiais. Na verdade, ele destacava que a escatologia devia ocupar uma posição central, e não periférica, no ensino de Jesus. Mais do que isso, ele afirmava que a escatologia ensinada por Jesus era a chave à correta compreensão de sua vida e de sua doutrina. Conforme ele dizia, Jesus veio para proclamar uma crise que resultaria na consumação da história. Mas Schweitzer deu uma distorção toda sua à questão, ao afirmar que quando Jesus percebeu que estava prestes a ser condenado, e que o reino de Deus não se materializaria em seus dias, ele resolveu que deveria tomar deliberadamente, sobre si mesmo, os «ais» apocalípticos, oferecendo-se como o resgate que permitiria a Deus inaugurar, finalmente, uma nova era. Presumivelmente, de acordo com essa teoria, Jesus dirigiu-se a Jerusalém a fim de provocar a sua própria morte, a fim de que Deus, mediante a sua morte, pudesse produzir os outros acontecimentos que haveriam de constituir a consumação. Seu clamor de abandono, na cruz, deixa-nos na dúvida se Jesus manteve ou não, até o fim, as suas convicções a respeito. Não obstante, a menos que contemplemos a Jesus sob essa luz escatológica, somos quase forçados a retroceder para o ceticismo sobre a vida e a significação de Jesus, exceto que podemos continuar admirando os seus ensinamentos éticos.
4.    A reação, uma escatologia realizada. Muitos estudiosos rejeitaram a teoria de Schweitzer, mas essa teoria exerceu uma longa influência. O material encontrado nas cavernas de Qumran exibe uma escatologia mais complexa e menos bem arrumada, e uma esperança messiânica menos nítida do que ele havia antecipado. C.H. Dodds, na década de 1930, restaurou um pouco o equilíbrio, ao mostrar que o Novo Testamento, sobretudo no livro de Atos e nas epístolas paulinas, já fala sobre um reino que nos é acessível, que não espera por eventos cataclísmicos para tornar-se uma realidade espiritual. Em outras palavras, desde agora já existe um reino pelo qual podemos e devemos viver e lutar. Não podemos preocupar-nos somente com a futura crise inerente na escatologia. Com base nisso, Dodds procurou mostrar que Jesus também via as coisas por esse prisma, não contemplando meramente uma crise. Na verdade, ele ressaltava o complexo de eventos que Jesus deflagrou por meio de Seu nascimento, vida, ensinamentos, morte e ressurreição. Esse complexo de eventos trouxe o reino de Deus até os homens. No entanto, conforme costuma suceder entre os eruditos, Dodds exagerou em sua posição, ao pensar que os ensinos apocalípti­cos de Jesus não eram realmente seus e, sim, da Igreja primitiva, mas postos nos lábios de Jesus. A teoria de Dodds veio a ser conhecida como escatologia realizada.
5.   A escatologia inaugurada. Esse é o nome dado à teoria de R.H. Fuller, exposta em seu livro, The Mission and Achievement of Jesus (1954). Jesus teria visto, conforme ele pensava, o reino de Deus em ligação ao seu próprio ministério, embora não
plenamente revelado e nem atuante senão após a grande crise da sua morte e da subsequente vindicação dele, mediante a sua ressurreição. Naturalmente, a tentativa de decidir qual teria sido o verdadeiro ensino de Jesus a respeito do reino está vinculada ao problema inteiro do Jesus histórico versus o Jesus teológico, uma questão criada artificialmente pelos estudiosos. Bultmann (que vede) desistiu da tentativa de recuperar um quadro completo sobre a vida e os ensinamentos verdadeiros de Jesus, porquanto supunha que uma espessa nuvem de mitos e atividades eclesiásticas obscurecia a questão inteira. Mas, permanecem questões intensa­mente disputadas exatamente o quanto Jesus conse­guiu prever, se ele antecipava ou não uma era da Igreja, se ele pensava ou não em termos apocalípticos, e quantos acontecimentos apocalípticos restam para se manifestarem. — Schweitzer havia asse­verado de que aqueles que não aceitassem uma escatologia coerente, nos ensinamentos de Jesus, terminariam por cair no ceticismo; e, pelo menos, quanto a esse particular, a história eclesiástica subsequente lhe tem dado apoio.
6.   A espiritualização da escatologia. John Arthur Robinson, que seguia a tradição iniciada por Dodds, pensava que a parousia de Cristo deve ser entendida não como uma série de futuros eventos literais, mas antes, descreveria «o que deve acontecer, e já está acontecendo, todas as vezes que Cristo se manifesta em amor e poder, onde possam ser detectados os sinais de sua presença, sempre que as marcas de sua cruz puderem ser vistas. O dia do julgamento seria um quadro dramatizado e idealizado de todos os dias» (pág. 69 de seu livro, In the End, God). Sentimentos como esses têm o seu valor, mas é ridículo dizer que Jesus estava falando apenas uma linguagem mitológi­ca ou simbólica, e não predizendo, verdadeiramente, o futuro. Robinson sentiu-se capaz até mesmo de distorcer trechos bíblicos como o de Marcos 14:62 ss («Eu sou /o Filho do Deus Bendito/, e vereis o filho do homem assentado à direita do Todo Poderoso e vindo com as nuvens do céu»), como se o Senhor não estivesse falando sobre qualquer parousia literal, futura. Ele supunha tão-somente que declarações assim afirmam que Ele haveria de ser vindicado diante do tribunal de Deus, em contrário aos atos humanos, que o rejeitavam.
7.    Os teólogos evangélicos conservadores. Natural­mente, esses continuam a levar muito a sério as porções escatológicas da Bíblia. Contudo, tem havido a penetração de certos abusos entre esses grupos, como no caso dos Adventistas do Sétimo Dia, que têm marcado datas para a parousia, sem qualquer sucesso. Além disso, seitas fanáticas têm exagerado o quadro escatológico tendo exprimido toda a forma de previsões que nunca tiveram cumprimento.
8.    Os místicos modernos. Antigamente, o interesse pelas profecias confinava-se à Igreja cristã. Porém, atualmente o assunto tem-se tomado muito popular. Os místicos modernos têm-se  manifestado ativamen­te, como no caso dos livros de Jeanne Dixon e de outros, que têm despertado o interesse pelo assunto, em muitos lugares onde a Bíblia não era lida e nem estudada. Interessante é observar que o esboço profético advogado pelos místicos modernos concorda essencialmente com a tradição bíblica. Mas eles acrescentam detalhes que não figuram nas páginas sagradas. Se esses detalhes extrabiblicos são certos ou verdadeiros, não sabemos dizê-lo. Somente o cumpri­mento das profecias mostrará isso. Pessoalmente creio que a popularização da profecia é um acontecimento necessário, controlado por um propósito divino. Até mesmo o jornal oficial da União Soviética, Tass, tem publicado, em escárnio, naturalmente, o que certos profetas têm dito no tocante ao papel da Rússia nos últimos dias, com uma predita invasão russa da Palestina, e que seria uma das principais causas da Terceira Guerra Mundial. Nos debates havidos entre o presidente Reagan (que acredita nas profecias) e Mondale, antes da segunda eleição de Reagan, este foi consultado sobre a sua opinião sobre as profecias concernentes aos eventos vindouros. Em sua resposta, ele não afirmou que cria nas profecias de condenação, como verdadeiras ou iminentes, mas também não negou a validade das mesmas. Ele meramente asseverou que se essas predições são verdadeiras, ele não tinha como determinar exatamente quando elas teriam cumprimento. Portanto, essas predições não deveriam fazer parte de nossas considerações no tocante à diplomacia em favor da paz. O fato de que uma questão dessa natureza tenha entrado nos debates presidenciais, televisionados para todos os países do mundo, mostra-nos até que ponto questões escatológicas são importantes em nossos dias. Acredito que assim está sucedendo porque o mundo deve tomar conhecimento, por vários meios, bíblicos e extrabíblicos, até que ponto a degradação nos está levando. De fato, uma parte dessas predições é que elas deverão ser conhecidas em geral, entre as grandes massas populacionais do mundo, antes que aqueles eventos tenham lugar.
9.    O aumento de interesse já serve de sinal sobre o fim. Consideremos este fato: à minha frente, neste momento, está aberta uma enciclopédia bíblica que foi escrita há quase cem anos atrás. Ela dedica três breves parágrafos ao titulo Escatologia. Em contraste com isso, a Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible dedica dezesseis páginas inteiras ao assunto. Ã medida que os eventos preditos se forem aproximan­do, mais vital ir-se-á tornando o interesse por essas predições.

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