A Quem Foram Dirigidas


Se as «epístolas pastorais» são genuinamente paulinas, então os jovens ministros, Timóteo e Tito, foram os endereçados. Timóteo é mencionado no N.T. fora das duas epistolas que têm seu nome, em Atos 16:1; 17:14,15; 18:5; 19:22; 20:4; Rom. 16:21; I Cor. 4:17; 16:10; II Cor. 1:2,19; FU. 1:1; 2:19; Col. 1:1; I Tes. 1:1; 3:2,6 e File. 1. Seu nome também figura em I Tim. 1:2,18; 6:20 e no titulo. Por semelhante modo, seu nome aparece nos títulos da primeira epístola aos Coríntios, na segunda epístola a Timóteo e em II Tim. 1:2. (Notas expositivas completas são dadas a seu respeito, em Atos 16:1 no NTI). Por sua vez, Tito é mencionado no N.T. em I Cor. 2:13; 7:6,13,14; 8:6,16,23; 12:18; Gál. 2:1,3; II Tim. 4:10; Tito 1:4 e nos títulos da segunda epístola aos Coríntios e na epístola a Tito.
A tradição supõe que Timóteo trabalhou em Éfeso e nas regiões vizinhas, e isso, sem dúvida alguma, se baseia nos trechos de I Tim. 1:3; II Tim. 1:18 e 4:12. Tito é apresentado a trabalhar em Creta, conforme a afirmação em Tito 1:5. Se estas «epístolas pastorais» são realmente paulinas, então aquelas são as regiões para onde elas foram enviadas. Alguns supõem que o «anjo» de Apo. 2:1 seja Timóteo.
Ainda que essas epístolas tenham sido dirigidas a Timóteo e a Tito como crentes individuais, é muito provável que essas epistolas tenham um desígnio instrutivo para qualquer crente que aspire à liderança na igreja, para que saibam quais as qualidades e os deveres que se esperam dele.
Notemos que as personagens de Timóteo e Tito, nessas epístolas, são muito mais que simples pastores, dois entre muitos, que compartilhavam da liderança de igrejas locais, o que é o caso normal no restante do N. Testamento. Pelo contrário, eram figuras de grande autoridade, capazes de nomear outros pastores, ou, pelo menos, de exercerem algum controle sobre a nomeação dos mesmos. Isso talvez reflita o desenvolvimento da maquinaria eclesiástica dos fins do século I D.C.
Nas próprias «epístolas pastorais» há indícios que parecem justificar as especulações expostas acima; mas é difícil determinarmos até que ponto isso é verdade. Mas pelo menos se percebe que a simplicidade primitiva do governo eclesiástico já tinha começado a tornar-se mais complexa.
As epistolas de Inácio e as epistolas pastorais. Inácio de Antioquia escreveu sete epístolas, enquanto se encaminhava da Síria à cidade de Roma, onde seria martirizado, entre 110 e 117 D.C. Essas epístolas foram enviadas às igrejas cristãs de Êfeso, Magnésia, Trales, Filadélfia e Esmima; outra foi enviada a Roma, e ainda outra, a Policarpo, que era o pastor de Esmima. Nessas epístolas, o termo «igreja católica», isto é, «igreja universal», aparece pela primeira vez; e parece que a igreja cristã realmente tinha atingido um estágio de desenvolvimento — que merecia tal denominação.
É interessante observarmos que até mesmo nessa data tão anterior se reconhece o primado da igreja de Roma, um passo gigantesco para o desenvolvimento posterior do papado, embora, nos tempos de Inácio, nada houvesse equivalente a isso. Em relação às epistolas pastorais é importante observarmos que, pelo tempo de Inácio, a hierarquia de bispos, sacerdotes e diáconos já estava bem estabelecida, e isso ao ponto em que é óbvio que as epístolas pastorais refletem um estágio anterior ao dessa situação. Isso significa que as epístolas que ora consideramos não podem ser datadas além de 110 D.C., e que talvez tenham de ser datadas consideravelmente mais cedo que isso. Entretanto, alguns estudiosos, como Bauer (Rechtglaubigkeit und Ketzerei im altespen Christen- tum, Tubingen, 1934), supõem que os documentos que possuímos desvalorizam propositadamente os movimentos heréticos e exageram os padrões de fé «ortodoxos», fazendo com que a igreja da suposta corrente principal tivesse mais autoridade e domínio do que realmente sucedia. Inácio, por exemplo, bem poderia ter sido líder de um grupo de minoria, que procurava impor a outros grupos a sua autoridade, o que significaria que seu «episcopado monárquico» não representava, necessariamente, a verdadeira situação da igreja nos primórdios do século II D.C. Ê possível, pois, que o suposto padrão «avançado» de governo eclesiástico, representado nas epistolas de Inácio, represente mais um ideal distante do que um fato consumado.
Com as presentes Informações de que dispomos, é impossível averiguar-se quanto há de verdade nessas especulações. Mas, se porventura essas especulações estão com a razão, então não haveria grande diferença entre o estado do governo eclesiástico, refletido nas epistolas pastorais — e nas epístolas de Inácio. No entanto, o próprio fato de que Inácio pôde descrever um governo eclesiástico mais desenvolvido, existente em qualquer área da igreja cristã, serve para mostrar-nos que houve desenvolvimento a partir do que é refletido nas «epístolas pastorais», sendo difícil crermos que tudo quanto Inácio disse sobre esse ponto foi um «esforço da imaginação». Nesse caso, a natureza totalmente conjectural das sugestões de Bauer recebe um vigor antes insuspeitado. Pelo menos, nas «epistolas pastorais», fica subentendida a existência de uma situação eclesiástica composta de bispo-pastor-diácono. Não há nessas citadas epistolas qualquer tentativa de defender as formas de governo eclesiástico já existentes, ou de impô-las a terceiros (como parece ter sido o caso das epístolas de Inácio); pelo contrário, nas epístolas pastorais há apenas a tentativa de assegurar que homens qualificados ocupassem as funções representadas por esses termos. Timóteo e Tito representariam esses homens devidamente qualificados.

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