A Possibilidade de Conhecer o Ser de Deus


Do que acima foi dito já transparece que a questão quanto à possibilidade de conhecer a
Deus em Seu Ser essencial ocupou as melhores mentes da igreja, desde os primeiros séculos. E
o consenso da opinião da igreja primitiva, durante a Idade Média, e no tempo da Reforma, foi que
Deus, em Seu Ser mais recôndito, é O Incompreensível. E, em alguns casos, a linguagem
empregada é tão forte que aparentemente não admite nenhum conhecimento do Ser de Deus. Ao
mesmo tempo em que a empregam, ao menos em alguns casos, parecem Ter considerável
conhecimento do Ser de Deus. Mal-entendidos podem facilmente surgir se não compreender a
precisa questão que está sendo considerada, e se deixar de discriminar entre “saber” e
“compreender”. Os escolásticos falavam de três perguntas às quais todas as especulações a
respeito do Ser Divino podiam reduzir-se, a saber: An sit Deus? Quid sit Deus? e Quali sit Deus? A
primeira pergunta refere-se à existência de Deus, a segunda, à Sua natureza ou essência, e a
terceira, a Seus atributos. Nesse parágrafo é particularmente a Segunda pergunta que requer
atenção. A pergunta, então, é, o que é Deus? Qual a natureza de Sua constituição interna? O que
é que faz que Ele seja o que Ele é? Para responder adequadamente essa pergunta, teríamos que
ser capazes de compreender Deus e de oferecer uma explicação satisfatória do Seu Ser Divino, e
isto é completamente impossível. O finito não pode compreender o Infinito. A pergunta de Zofar,
“Por ventura desvendarás os arcanos de Deus ou penetrarás até a perfeição do Todo-poderoso?”
(Jó 11.7) tem a força de uma vigorosa negativa. E se considerarmos a segunda pergunta
inteiramente desvinculada da terceira, a nossa resposta negativa fica sendo ainda mais inclusiva.
Fora da revelação de Deus em Seus atributos, não temos absolutamente nenhum conhecimento
do Ser de Deus. Mas, até onde Deus se revela em Seus atributos, também temos algum
conhecimento do Seu Ser Divino, embora mesmo assim o nosso conhecimento esteja sujeito às
limitações humanas.

Lutero emprega algumas expressões muito fortes a respeito da nossa incapacidade de
conhecer alguma coisa do Ser de Deus ou da Sua essência. Por outro lado, ele distingue o Deus
absconditus (Deus oculto) e o Deus revelatus (Deus revelado); mas, por outro lado, ele também
afirma que, conhecendo o Deus revelatus, somente O conhecemos em Seu ocultamento. Com
isto ele quer dizer que, mesmo em Sua revelação, Deus não se manifestou inteiramente como Ele
é essencialmente, mas, quanto à Sua essência continua encoberto por impenetrável escuridão.
Só conhecemos a Deus na medida em que Ele entra em relação conosco. Calvino também fala da
essência divina como incompreensível. Ele sustenta que Deus, nas profundezas do Seu Ser, está
fora de alcance. Falando do conhecimento do Quid e do Qualis de Dues, diz ele que é inútil
especular sobre o primeiro, ao passo que o nosso interesse prático jaz no segundo. Diz ele:
“Simplesmente, brincam com frígidas especulações aqueles cuja mente se fixa na questão do que
Deus é (Quid sit Deus), quando o que realmente nos interessa saber é, antes, que espécie de
pessoa Ele é (Qualis sit) e o que é apropriado à Sua natureza”.1 Conquanto ele ache que Deus
não pode ser conhecido à perfeição, não nega que possamos conhecer algo do Seu Ser ou da
Sua natureza. Mas este conhecimento não pode ser conhecido por métodos a priori, mas somente
de maneira a posteriori, mediante os atributos, que ele considera como reais determinativos da
natureza de Deus. Eles nos transmitem ao menos algum conhecimento do que Deus é, mas,
especialmente, do que Ele é em relação a nós.

Ao tratar do nosso conhecimento do Ser de Deus, certamente devemos evitar a posição de
Cousin, particularmente invulgar na história da filosofia, de que Deus, mesmo nas profundezas do
Seu Ser, não é absolutamente Incompreensível, mas, sim, essencialmente inteligível; mas
também devemos afastar-nos do agnosticismo de Hamilton e Mansel, segundo o qual não
podemos ter qualquer conhecimento do Ser de Deus. Não podemos compreender Deus, não
podemos ter um absoluto e exaustivo conhecimento dele, mas, sem dúvida, podemos ter um
conhecimento relativo ou parcial do Ser Divino. É perfeitamente certo que este conhecimento de
Deus só é possível porque Ele se colocou em certas relações com as Suas criaturas morais e se
revelou a estas, e que mesmo este conhecimento é humanamente condicionado; mas, não
obstante, é um conhecimento real e verdadeiro, e, no mínimo, é um conhecimento parcial da
natureza absoluta de Deus. Existe diferença entre um conhecimento absoluto e um conhecimento
relativo ou parcial de um Ser absoluto. Não se resolve dizer que o homem só conhece as relações
nas quais Deus se mantém para com Suas criaturas. Nem seria possível Ter um apropriado
conceito dessas relações sem conhecer alguma coisa de Deus e do homem. Dizer que não
podemos saber nada do Ser de Deus, mas que podemos conhecer somente relações, é
equivalente a dizer que não podemos conhecê-lo absolutamente e não podemos fazê-lo objeto da
nossa religião. Diz o Dr. Orr: “Não podemos conhecer a Deus nas profundezas do Seu Ser
absoluto. Mas podemos, ao menos, conhecê-lo até onde Ele se revela em Sua relação conosco. A
questão, portanto, não é quanto a possibilidade de um conhecimento de Deus na
impenetrabilidade do Seu Ser, mas é esta: Podemos conhecer a Deus procurando saber como
Ele entra em relação com o mundo e conosco? Deus entrou em relação conosco em Suas
revelações de Si próprio, e, supremamente, em Jesus Cristo; e nós, cristãos, humildemente
alegamos que, por meio desta auto-revelação, de fato sabemos que Deus é o Deus verdadeiro, e
temos um real conhecimento do seu Caráter e da Sua vontade. Tampouco é correto dizer que este
conhecimento que temos de Deus é apenas um conhecimento relativo. É em parte um
conhecimento da natureza absoluta de Deus também.”2 As últimas declarações provavelmente
são feitas coma intenção de guardar-se da idéia de que todo o nosso conhecimento de Deus é
relativo à mente humana, de modo que não teríamos segurança de que ele corresponda à
realidade como ela existe em Deus.