Reforma na Itália e outros países europeus (1527-1580)


Há um interesse especial ligado à história da Reforma na Itália, visto
ser ali o centro do catolicismo romano. Os italianos, em geral havia muito
que tinham tido para o papismo sentimentos parecidos com o desprezo,
porque eram testemunhas constantes da maldade pública na sua metrópole,
e não podiam deixar de ver que essa maldade tinha o seu centro no
Vaticano. Há muito que andavam desgostosos com o desregramento, a
avidez, a ambição e a fraude que eram notórias na sua cidade principal, e
mais de um coração sincero suspirava por uma mudança muito antes de
ter começado a obra da Reforma. Por isso, logo que chegou à Itália a notícia
da colisão de Lutero com Tetzel, houve muitos ali que pediram
ansiosamente os escritos daquele. Alguns meses mais tarde o seu
impressor em Basiléia escrevia nos seguintes termos: "Blásio Salmónio, livreiro
de Leipzig, presenteou-me na feira de Francfort com alguns tratados
compostos por si, os quais, como eram aprovados por homens sábios,
mandei imprimir imediatamente, enviando seiscentas cópias para a França
e a Espanha. Os meus amigos asseguraram-me que esses escritos são
vendidos em Paris, e lidos e aprovados até pelos sorbo-nistas. Calvo,
livreiro de Pávia, que é um sábio, e dedica-se às musas, levou uma grande
parte da impressão para a Itália..." Apesar do terror reinante pelas bulas
pontificais, e das atividades dos que velavam pela sua execução, os escritos
de Lutero, Melanchton, Zwínglio e Bucer continuaram a circular e a ser
lidos com prazer e avidez em várias partes da Itália. Alguns foram
traduzidos na língua italiana e, para escapar à vigilância dos inquisidores,
foram publicados debaixo de nomes fictícios. Este desejo de serem lidos os
seus escritos dava ânimo aos reformadores e não provinha de uma
curiosidade vã.
Durante mais de vinte anos pôde esta obra prosseguir sem grande
oposição; no ano de 1542, porém, viram claramente em Roma que ela ia
fazendo enfraquecer o papismo; e então a Inquisição recebeu ordens para
usar de força contra os protestantes, e em breve viram-se as prisões
atulhadas de vítimas.

AONEO PALEARIO

Aôneo Paleário, autor de um livro intitulado "O Benefício da morte de
Cristo", era um dos mais notáveis campeões da Reforma italiana, mas bem
depressa veio o martírio cortar a sua útil carreira. "Na minha opinião", dizia
ele, "nenhum cristão deve pensar em morrer na sua cama, nos tempos que
vão correndo. Ser acusado, feito prisioneiro, esbofeteado, enforcado, cozido
num saco e lançado às feras, não é bastante. Que eles me assem no fogo.
se por uma tal morte a verdade puder ser melhor trazida à luz". Quando os
seus acusadores lhe perguntaram qual fora o primeiro meio de salvação
que tinha sido dado ao homem, ele respondeu - "Cristo", "e o segundo?" -
"Cristo" - "e o terceiro?" - "Cristo".
Paleário esteve preso na masmorra da Inquisição durante três anos, e
por fim queimaram-no em vida.
Os inquisidores agiam em toda a parte da Itália, e o país estava cheio
de espiões. Eram estes na sua maior parte pagos pelo Vaticano, e a sua
missão era ganhar a confiança dos particulares suspeitos de heresia, e
assim facilitar a sua captura. Havia-os entre todas as classes do povo,
desde a mais elevada à mais humilde, e, devido à sua infame perfídia, as
prisões depressa se encheram de vítimas. Algumas destas foram
condenadas a penitências, outras mandadas para as galés, outras
torturadas e mutiladas; outras carregadas de ferros pesados e deixadas á
morrer de fome em masmorras insalubres, e outras foram queimadas em
vida. Muitos procuraram refúgio noutros países, onde em geral foram bem
recebidas, e não poucos desses refugiados encontraram lugar na Inglaterra.
Pode-se fazer uma idéia do desenvolvimento da obra na Itália pelo fato de
serem descobertos, na busca que se deu aos livros que eles chamaram
heréticos, mais de quarenta mil exemplares do livro de Paleário: "O
Benefício da Morte de Cristo".

NA ESPANHA

Da Reforma na Espanha não podemos, infelizmente, fazer uma
descrição tão vantajosa, porque as perseguições que se seguiram à
introdução naquele país das doutrinas reformadas levaram milhares de
pessoas para o exílio, e os que ficaram foram para a tortura ou para as
galés. Mas a Inglaterra protestante ainda achou lugar para receber muitos
dos seus irmãos exilados. Os principais agentes da Reforma espanhola
eram dois irmãos João e Afonso de Valdés.

NOS PAÍSES BAIXOS

De Espanha passamos naturalmente para os Países Baixos, visto
formarem parte dos domínios do rei espanhol. Aí, apesar da perseguição,
as doutrinas revivificadas espalharam-se com rapidez, e o martírio de três
monges da Ordem Agostinha, que foram condenados por lerem as obras de
Lutero, despertou um tal espírito de investigação entre o povo, que nem as
ameaças nem as torturas puderam-no reprimir.
No ano 1566 foi uma deputação apresentar ao rei uma Petição
pedindo tolerância, e assinada por cem mil protestantes, mas este, em vez
de satisfazer o seu pedido aconselhou sua irmã Margarida de Parma, a
governadora dos Países Baixos, a levantar um exército de 3.000 homens de
cavalaria e 10.000 de infantaria para dar cumprimento aos seus decretos.
Mas exércitos e ordens reais pouco valiam, pois Deus tinha decidido que a
obra fosse por diante. O número dos protestantes aumentava diariamente,
apesar dos esforços da força armada para o diminuir e espalhar. O insensível
e fanático Filipe entendeu que tinha de recorrer a medidas mais
desesperadas do que as adotadas até então, se quisesse exterminar mesmo
aquela religião odiada.

AUMENTO DA PERSEGUIÇÃO

Pouco satisfeito com a clemência de Margarida, deu plenos poderes
ao duque de Alba, o qual, pouco depois, chegou ao país com um exército de
15.000 espanhóis e italianos. Começou então uma série de atrocidades que
quase não tem igual nos anais da perseguição.
A Inquisição começou logo a funcionar; e dentro em pouco podiam
contar-se as suas vítimas aos milhares. A maior parte das igrejas
protestantes e casas de oração foram destruídas, levantando-se forcas para
enforcar os luteranos. As cidades despovoavam-se porque o povo fugia
como quem foge da peste - e o comércio do país ficou paralisado.
Mercadores, operários, artistas, gente de todas as classes, saíam às
pressas do país e consideravam-se felizes por serem capazes de salvar as
suas vidas. Para os que ficavam a morte era certa.

ROBERTO OGIER

Em 1562, Roberto Ogier, de Ryssel, em Flandes, sofreu o martírio, em
companhia do seu filho mais velho. Este, que ainda era muito jovem,
exclamou quando já estava nas chamas, "O Deus, Pai eterno, aceita o
sacrifício das nossas vidas em nome do teu amado Filho". Um monge que
se achava perto retorquiu encolerizado: "Tu mentes, maroto, Deus não é
teu pai; vós sois filhos do Demônio"-Um momento depois o mancebo
exclamou: "Olha, meu Pai, o Céu está se abrindo, e eu vejo um milhão de
anjos que se regozijam em nós! Estejamos contentes porque estamos
morrendo pela verdade". "Mentes! mentes!" gritou o padre, "o Inferno é que
se está abrindo, e vem mais de um milhão de demônios que vão os lançar
no fogo eterno". A mulher de Roberto Ogier e outro filho que lhe ficou, sofreram
igual sorte alguns dias depois, e assim se reuniu toda a família no
Céu.

MISÉRIAS E MARTÍRIOS

Tinha chegado o pior tempo para os Países Baixos. As execuções pela
água, pelo fogo e pela espada, e a confiscação de bens, sucediam-se sem
cessar. As vítimas eram aos milhares. O número de emigrantes aumentava
na mesma proporção, e o produto da confiscação chegou pouco a pouco à
soma de trinta milhões de dólares. Os antigos privilégios desses países
estavam aniquilados; a população tinha diminuído assustadoramente; a
prosperidade de agricultura estava ameaçada de ruína; o comércio, parado;
as portas vazias, as lojas e armazéns devastados; muitos braços sem
trabalho; os grande negócios parados, as cidades comerciais, que tanto
prosperavam estavam empobrecidas. Em suma, tudo que tinha contribuído
para a prosperidade comercial e industrial daquela região começou a
decair.
Mas o duque de Alba não se importou com isso. Sendo escravo ativo
dum senhor cruel, nunca o pensamento da economia política perturbou o
seu espírito; esse medonho retrocesso nada era para ele. Ainda mais, ele
ainda não tinha pensado em acabar com o sacrifício das vidas humanas - a
sua sede de sangue não estava saciada! O assassinato de alguns milhares
de protestantes não era bastante para satisfazer a crueldade de um tal
homem; a foice precisava ceifar mais vidas; numa palavra: Toda a nação de
hereges devia cair debaixo das mãos do assassino! No ano 1568, quando o
"concilio de Sangue" se reuniu pela segunda vez, foi decretado que todos os
habitantes dos Países Baixos fossem condenados d morte como hereges; e
desta horrorosa sorte ninguém era excetuado senão raras pessoas Que
foram especialmente indicadas.
Os efeitos deste edito cruel foram terríveis. Muitos enlouqueceram, e
outros, que conseguiram fugir para os bosquês de Flandres tornaram-se
selvagens em conseqüência da solidão e do desespero. Nas cidades e vilas
ouvia-se o dobrar dos sinos a todos os momentos; e é certo que o estado de
coisas não podia ter sido mais terrível se o país tivesse sido visitado por
uma peste! Em todas as casas havia luto, e os corpos carbonizados e
mutilados das vítimas daquele medonho decreto estavam expostos às
centenas poi toda a parte.

GUERRA CIVIL

Por fim entenderam que não podiam mais suportar aquela opressão
e, levantando-se com a energia do desespero, saíram dos seus lares
desolados e dos seus esconderijos nos bosques, e reuniram-se em volta da
bandeira de Guilherme de Nassau, Príncipe de Orange. Não podemos agora
entrar nos detalhes da guerra civil que se seguiu. O exército protestante a
princípio não foi bem sucedido, mas foi auxiliado por Isabel, da Inglaterra;
pelo rei da França, e pelos protestantes alemães; e no ano 1580 puderam
finalmente ver-se livres do jugo espanhol e firmar a sua independência,
constituindo-se em um novo estado protestante na Europa.

NA SUÉCIA

Na Suécia, depois de alguma oposição, foi a Reforma estabelecida
pelo conhecido rei Gustavo Vasa, que foi auxiliado pelos irmãos Olaus e
Laurentins Petri. Apesar de todos os obstáculos, a Reforma prevaleceu ali,
e o rei teve, em pouco tempo um partido tão poderoso para o ajudar, que
conseguiu a restauração dos vários estados e castelos que os prelados
tinham obtido dos seus súditos por meios ilícitos. Também reprimiu o
poder dos bispos e tirou-lhes das mãos os rendimentos da igreja,
proibindo-os de tomar dali por diante qualquer parte nos negócios do
Estado.
Gustavo Vasa, foi, sem dúvida, o homem adequado para tais
empreendimentos, e apraz-nos poder acrescentar que a obra por ele
começada foi concluída com a maior rapidez, e sem tumultos ou
derramamento de sangue.

NA DINAMARCA

Na Dinamarca, também um rei - Cristiano II - estava à frente da
Reforma, e apesar da oposição do partido eclesiástico, que se tornou um
sério embaraço para os seus movimentos, e de os bispos terem chegado a
promover a sua deposição, continuou sempre a sua boa obra enquanto esteve
no exílio, empregando o seu secretário para traduzir o Novo
Testamento para a língua dinamarquesa.
Os dinamarqueses deviam muito ao ministério do intrépido monge de
Antvorscov, João Tausen, que tendo sido feito prisioneiro por pregar a
justificação pela fé, continuou a expor a doutrina pela janela da sua prisão.
O novo rei Frederico ouvindo falar nele, deu ordem para o porem em
liberdade, e pouco depois nomeou-o um dos seus capelães.
Na conferência de Odense, que teve lugar em 1527, o rei declarou-se
publicamente a favor da Reforma; e, embora os bispos fizessem muita
oposição, decretou ele que dali por diante os protestantes gozariam as
mesmas regalias que os católicos. Quando Frederico morreu, os bispos fizeram
outro esforço desesperado para restabelecer o papis-mo, e
conseguiram o exílio de Tausen, mas o triunfo deles não foi duradouro. O
novo rei era tão favorável à Reforma como o seu antecessor; e no ano 1536
foi reunido um Concilio em Copenhague, que estabeleceu a religião
protestante no país. Os bispos, acusados de intrigas e de outros atos de
traição, foram destituídos dos seus cargos e emolumentos; e os últimos
sinais do papismo que ainda existiam acabaram por completo na
Dinamarca.

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