Por que verdadeiros pregadores são líderes de adoração


Uma tendência inadequada tem ocorrido em algumas igrejas — a separação entre pregação e adoração ou louvor. Não quero dizer que as duas coisas já não são realizadas no mesmo culto, mas que muitas pessoas pensam nelas como distintas mesmo quando ocorrem juntas. O termo louvor se tornou praticamente sinônimo de cantar, especialmente cantar música contemporânea. Com nossa ênfase saudável do pós-modernismo na experiência, a adoração é valorizada como algo mais atraente, holístico, participativo e até mesmo transformador do que a pregação, que por sua vez traz a conotação de cognição e do monólogo autoritativo. O louvor é “para cima”, a pregação é “para baixo”, e os dois nunca se encontram.
Em contraste com essa tendência, argumento que a Bíblia descreve a pregação e a adoração como firmemente entrelaçadas em uma relação simbiótica. O texto de 1 Pedro 4.11 capta esse conceito: “Se alguém fala, faça-o como quem transmite a palavra de Deus [...] de forma que em todas as coisas Deus seja glorificado mediante Jesus Cristo”.
A adoração é revelação e resposta
A adoração pode ser resumida como revelação e resposta. O que esse resumo perde em precisão, ele ganha em amplitude. Ele é amplo o suficiente para incluir tudo aquilo que a Biblia chama de louvor, incluindo o canto e a oração, assim como apresentar nosso corpo como sacrifício vivo (Rm 12.1) e repartir com outros (Hb 13.16). Ele é amplo o suficiente para capturar a extensa amplitude de atividades e modos caracterizando o louvor na Bíblia — cantar, gritar, silenciar, arrepender-se, lembrar, servir, dar, devolver o dízimo, interceder, tocar um instrumento musical, levantar as mãos, dançar, ajoelhar-se, jejuar e festejar. Todas essas atividades são res­postas instigadas pela revelação do caráter e da vontade de Deus.
Dois textos clássicos defendem a idéia de que o louvor é revelação e resposta. O primeiro é Isaías 6, em que o profeta viu o Senhor sentado em um trono elevado e exaltado. A revelação da santidade de Deus instigou Isaías a responder: “Ai de mim” e: “Eis-me aqui. Envia-me” (Is 6.5,8). O segundo texto, Miquéias 6, descreve uma troca similar. Miquéias pergunta como ele poderia adorar: “Deveria oferecer holo- caustos de bezerros de um ano?”. Deus responde com uma lembrança do que já havia sido revelado: “Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o SENHOR exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus” (Mq 6.6b,8).
Nesses textos, o próprio Deus (ou seus serafins encarregados) revela sua glória, mas, mesmo quando Deus usa instrumentos humanos — a loucura da pregação —    o processo é o mesmo. Ele se revela a si mesmo e estimula uma resposta. Portanto, o louvor é improvável (ousemos dizer que é impossível) sem a pregação.
Sei que meu argumento saltou rapidamente sobre as cercas da objeção,&então me deixe qualificar o argumento. Não estou dizendo que a pregação precisa ocor­rer em todo o período de adoração. Um hino fora de moda pode ser um louvor maravilhoso. Nem estou dizendo que a única forma em que Deus se revela é por meio das palavras. Ele também comunica aspectos de sua glória por meio da na­tureza, da arte e do companheirismo. Já louvei a Deus enquanto caminhava na beira do Grand Canyon, ouvia um concerto e desfrutava do carinho do amor dos meus amigos.
Eu estou dizendo que quando Deus revela sua magnificência, ela natural­mente produz reações de louvor — arrependimento, riso, obras de justiça, cântico e assim por diante. Também estou dizendo que Deus escolheu a pregação como um canal primário de sua auto-revelação, de modo que a separação entre adoração e pregação não é natural, na melhor das hipóteses, e é prejudicial, na pior das hipóteses. Quando reduzimos o louvor somente aos seus componentes experi­mentais, afetivos e artísticos, já não fazemos o louvor bíblico. O verdadeiro louvor está enraizado na auto-revelação de Deus — por isso, a necessidade da pregação.
A pregação revela o caráter de Deus e também revela suas expectativas para o seu povo. A pregação explica a doutrina e a aplica ao dia-a-dia. Como Warren Wiersbe diz: “O sermão não é um quadro na parede, pendurado lá para que pes­soas o admirem. [... ] O sermão é uma porta que se abre para um caminho que conduz o viajante a novos passos de crescimento e ao serviço para a glória de Deus (Preaching and Teaching with Imagination [Pregando e Ensinando com a Imaginação, p. 218). Visto que os sermões exortam e equipam, eles são indispensáveis para o aspecto de resposta da adoração.
A igreja primitiva sabia disso. No livro The Reading and Preaching ofthe Scrip­tures in the Worship ofthe Christian Church [A leitura e pregação das Escrituras na adoração da igreja cristã], Hughes Old resume a Didaquê, um manual da vida de igreja do começo do século II: A congregação adoradora entendeu que Cristo estava presente com eles “por meio do ensino e da pregação da palavra de Deus”. Em contraste com uma doutrina que se desenvolveu alguns séculos depois, “a Didaquê ensina a doutrina da presença real que é querigmática, não eucarística” (p. 265). Quando encontramos essa visão elevada da pregação, ficamos surpresos de ver que muito da exortação da Didaquê é instrução moral dirigida, prática e realista. Ela fala do relacionamento entre professores e estudantes, maridos e esposas e pais e filhos. Ela promove pureza e atos de caridade. A igreja acreditou que no meio de tal ins­trução moral Cristo se revelou a si mesmo. A revelação era mesclada com resposta.
A combinação de revelação e resposta, e o padrão dessa ordem, estão presentes na maioria das cartas de Paulo. Ele começa com doutrina e depois procede para a exortação. Esse padrão também caracteriza muito a pregação bíblica — explanação e depois aplicação. É uma forma testada pelo tempo e faz sentido.
O padrão é tão antigo quanto o Israel pós-exílico quando Esdras leu a lei em voz alta “desde o raiar da manhã até o meio-dia”, enquanto todo o povo “ouvia com atenção” (Ne 8). Na resposta, o povo “ergueu as mãos e respondeu: ‘Amém! Amém!’ Então eles adoraram o senhor, prostrados, rosto em terra”. Os Levitas “instruíram o povo na Lei, e todos permaneciam ali. Leram o livro da Lei de Deus, interpretando-o e explicando-o”. Isso incitou tristeza quando o povo percebeu o quanto havia se desviado, mas logo Neemias e Esdras pediram um fim ao seu pranto: “Podem sair, e comam e bebam do melhor que tiverem, e repartam com os que nada têm preparado. Este dia é consagrado ao nosso Senhor”. A revelação da glória de Deus e de suas exigências produz resposta.
O papel do pregador como revelador da glória e da vontade de Deus é capta­do em uma citação de Cotton Mather, o teólogo da Nova Inglaterra: “O grande desígnio e intenção do ofício de um pregador cristão é restituir o trono e domínio de Deus na alma dos homens” (citado em John Piper, A supremacia de Deus na pregação, Shedd Publicações).
As implicações da pregação na adoração
Duas implicações resultam de meu argumento de que a pregação existe em uma relação simbiótica com a adoração. Primeiro, a pregação precisa ser completa­mente centrada em Deus (teocêntrica), não centrada no homem (antropocêntrica).
Se um visitante na sua igreja puder confundir o seu sermão com um discurso de auto-ajuda, crítica moral severa ou uma aula espiritual, você não está pregando biblicamente. A recomendação de Barth de preparar sermões com a Bíblia em uma mão e o jornal em outra é útil contanto que seguremos a Bíblia em nossa forte mão direita. A Bíblia precisa interpretar o jornal. Outra forma de dizer isso é que a busca por relevância precisa começar com problemas percebidos, mas essas ne­cessidades precisam ser ligadas a problemas fundamentais — escuridão e rebelião —   e as soluções precisam incluir arrependimento e fé em Deus instigados por sua beleza extraordinária. Pregadores são líderes de adoração. Nosso trabalho é enaltecer a Deus, explicar seus decretos e estimular respostas. Essa é a essência do louvor.
Uma tendência na homilética, popular entre nossos irmãos e irmãs reforma­dos, entendeu essa implicação, Essa tendência é chamada de pregação cristocêntrica. Você pode discordar de alguns detalhes desse programa (eu mesmo tenho dúvidas em relação à sua hermenêutica), mas certamente todos nós aplaudimos sua postura básica: a pregação é sobre Jesus! Essa postura não nega nossa ne­cessidade de analisar os nossos ouvintes, mas ela vai negar formas extremas de adaptações aos ouvintes. Afinal, não é o rabo que abana o cachorro.
A segunda implicação da pregação como algo essencial à adoração é que pre­gadores deveriam trabalhar em sintonia com todo o período de louvor.
Isso requer planejamento. Nós devemos ajustar o canto, a oração, a música especial, a oração, o testemunho, a comunhão e outros elementos de acordo com o padrão geral de revelação e resposta, assim como com a revelação específica para aquele culto. As igrejas na tradição litúrgica têm feito isso por séculos. Talvez os períodos de louvor dessas igrejas se beneficiariam com mais flexibilidade, de modo que pudessem, por exemplo, dar espaço depois do sermão para um testemunho como uma resposta direta. As igrejas da tradição “livre” poderiam se beneficiar com mais estrutura. Por exemplo, elas poderiam adotar a tradição de terminar cada culto com uma exortação para estimular resposta ao que foi revelado.
Independentemente de como trabalharmos esses detalhes, minha esperança é a de que a pregação seja vista como indispensável para a adoração e o louvor, visto que ela tanto revela a Deus quanto estimula a resposta.

Nenhum comentário: