Negação da Cognoscibilidade de Deus


A possibilidade de conhecer a Deus tem sido negada sobre diferentes bases. Geralmente
essa negação se baseia nos supostos limites da faculdade cognitiva humana, embora se
apresente de diferentes formas. A posição fundamental é a de que a mente humana é incapaz de
conhecer qualquer coisa que esteja além e por trás dos fenômenos naturais, e, portanto, é
necessariamente ignorante quanto às coisas supersensoriais e divinas. Huxley foi o primeiro a
aplicar àqueles que assumem esta posição, ele próprio incluído, o nome de “agnósticos”. Estes
acham-se inteiramente alinhados com os céticos dos séculos anteriores e da filosofia grega. Em
regra, os agnósticos não gostam de ser rotulados de ateus, desde que eles não negam
absolutamente a existência de um Deus, mas declaram que não sabem se Ele existe ou não e,
mesmo que exista, não estão certos de terem algum genuíno conhecimento dele, e, em muitos
casos, negam de fato que possam Ter algum real conhecimento dele.

Hume tem sido chamado o pai do moderno agnosticismo. Ele não negava a existência de
Deus, mas afirmava que não temos um verdadeiro conhecimento dos Seus atributos. Todas as
nossas idéias dele são, e só podem se, antropomórficas. Não podemos estar certos de que haja
alguma realidade correspondente aos atributos que a Ele atribuímos. O seu agnosticismo resultou
do princípio geral de que todo o conhecimento se baseia na experiência. Contudo, foi
especialmente Kant que estimulou o pensamento agnóstico com sua inquisidora sondagem dos
limites do entendimento e da razão humanos. Ele afirmava que a razão teórica só conhece
fenômenos e necessariamente ignora aquilo que está subjacente a esses fenômenos – a coisa
em si. Disto segue-se, naturalmente, que nos é impossível Ter algum conhecimento teórico de
Deus. Mas Lotze já assinalou que os fenômenos, quer físicos quer mentais, estão sempre
relacionados com alguma substância subjacente, da qual eles são manifestações. O filósofo
escocês, Sir Willian Hamilton, embora não concordam inteiramente com Kant, partilhou do
agnosticismo intelectual dele. Ele afirma que a mente humana só sabe aquilo que está
condicionado e existe em várias relações, que existe independentemente de quaisquer relações,
não podemos obter nenhum conhecimento dele. Mas, conquanto negue que o Infinito pode ser
conhecido por nós, não nega a Sua existência. Diz ele: “Pela fé apreendemos aquilo que está
além do nosso conhecimento”. As suas opiniões foram partilhadas substancialmente por Mansel,
e por este foram popularizadas. Para ele também parecia completamente impossível conceber a
idéia de um Ser Infinito, embora também professasse fé em Sua existência. O raciocínio destes
dois homens não levava convicção consigo, visto que se percebia que o Absoluto ou Infinito não
existe necessariamente fora de todas as relações, mas pode entrara em várias relações, e que o
fato de que só conhecemos as coisas em suas relações não significa que o conhecimento assim
adquirido seja simplesmente um conhecimento relativo ou irreal. Comte, pai do positivismo,
também era agnóstico em religião. De acordo com ele, o homem nada pode conhecer, senão os
fenômenos físicos e suas leis. Os seus sentidos são as fontes de todo verdadeiro pensamento, e
ele nada pode conhecer, exceto os fenômenos que os seus sentido apreendem e as relações em
que estes se mantêm uns para com os outros. Os fenômenos mentais podem ser reduzidos a
fenômenos materiais, e, na ciência, o homem não pode ir além deste. Mesmo os fenômenos
suscetíveis de percepção imediata estão excluídos, e mais, tudo o que está por trás dos
fenômenos. A especulação teológica representa o pensamento em sua infância. Não se pode
fazer nenhuma afirmação positiva a respeito da existência de Deus, e, portanto, tanto o teísmo
como ateísmo estão condenados. Mais tarde em sua vida, Comte sentiu a necessidade de alguma
religião e introduziu a “religião da Humanidade”, assim chamada. Ainda mais que Comte, Herbert
Spencer é reconhecido como o grande expoente do moderno agnosticismo científico. Ele foi muito
influenciado pela doutrina de Hamilton sobre a relatividade do conhecimento e pelo conceito do
Absoluto de Mansel, e, à luz destas coisas, elaborou a sua doutrina do Incognoscível, que foi a
designação que deu ao que quer que seja absoluto, o primeiro ou o último na ordem do universo,
Deus inclusive. Ele parte da suposição de que há alguma realidade subjacente aos fenômenos,
mas sustenta que toda reflexão sobre isso nos larga em meio a contradições. Esta realidade
última é completamente inescrutável. Conquanto devamos aceitar a existência de um Poder
último, pessoal ou impessoal, nenhuma concepção dele podemos formar. Incoerentemente, ele
dedica grande parte do seu First Principles ao desenvolvimento do conteúdo positivo do
Incognoscível, como se, na verdade, fosse ele bem conhecido. Outros agnósticos, influenciados
por ele, são, entre outros, Huxley, Fiske e Clifford. Também encontramos repetidamente o
agnosticismo no humanismo moderno. Diz Harry Elmer Barnes: “Para o autor, parece inteiramente
óbvio que a posição agnóstica é a única que pode ser apoiada por uma pessoa de mentalidade
científica e com disposição crítica no presente estado do conhecimento”.

Além das formas indicadas acima, o argumento agnóstico tem assumido várias outras, das
quais as seguintes são algumas das mais importantes. (1) O homem só tem conhecimento
mediante analogia. Conhecemos somente aquilo que tem alguma analogia com a nossa natureza
ou com a nossa experiência: “Similia similibus percipiuntur”. Mas, embora seja verdade que
aprendemos muita coisa por meio de analogia, também aprendemos por contraste. Em muitos
casos as diferenças são precisamente as coisas que chamam a nossa atenção. Os escolásticos
falavam da via negationis pela qual eles, em seu pensamento, eliminavam de Deus as
imperfeições da criatura. Além disso, não devemos esquecer que o homem foi feito a imagem de
Deus, e que existem importantes analogias entre a natureza divina e a natureza do homem. (2) O
homem realmente conhece somente aquilo que ele pode captar em sus inteireza. Em resumo, a
posição é a de que o homem não pode compreender a Deus, que é infinito; não pode Ter um
exaustivo conhecimento dele, e, portanto não pode conhecê-lo. Mas esta posição parte da
duvidosa suposição de que um conhecimento parcial não pode ser um conhecimento real,
suposição que, na verdade, invalidaria todo o nosso conhecimento, desde que este é sempre
incompleto. O nosso conhecimento de Deus, conquanto exaustivo, pode, contudo, ser muito real e
perfeitamente adequado às nossas necessidades. (3) Todos os predicados de Deus são
negativos e, portanto, não fornecem conhecimento real. Diz Hamilton que o Absoluto e o Infinito
só podem ser concebidos como uma negação imaginável; o que de fato significa que não
podemos Ter deles absolutamente nenhuma concepção. Mas, embora seja verdade que muito
daquilo que nós atribuímos a Deus é negativo, quanto à sua forma, isto não significa que, ao
mesmo tempo, não possa comunicar alguma idéia positiva. A asseidade de Deus inclui a idéias
positivas da Sua auto-existência e auto-suficiência. Além disso, idéias como amor, espiritualidade
e santidade são positivas. (4) Todo o nosso conhecimento é relativo ao sujeito que exerce o
conhecimento. Diz-se que conhecemos os objetos de conhecimento, não como eles são
objetivamente, mas somente como eles são em sua relação com os nossos sentidos e
faculdades. No processo de conhecimento, nós os torcemos e lhes damos colorido. Num sentido,
é perfeitamente certo que todo o nosso conhecimento é subjetivamente condicionado, mas o
significado insinuado pela assertiva em foco parece consistir em que, uma vez que só
conhecemos as coisas por intermédio dos nossos sentidos e faculdades, não as conhecemos
como elas são. Mas isto não é verdade; na medida em que temos algum real conhecimento das
coisas, esse conhecimento corresponde à realidade objetiva. As leis da percepção e do
pensamento não são arbitrárias, mas correspondem à natureza das coisas. Sem tal
correspondência, não só o conhecimento de Deus, mas também todo verdadeiro conhecimento
seria completamente impossível.

Alguns tendem a considerar a posição de Barth como uma espécie de agnosticismo. Zerbe
afirma que o agnosticismo prático domina o pensamento de Barth e o torno vítima da
incognocibilidade kantiana da coisa-em-si-mesma, e o cita como segue: “Romanos é uma
revelação do Deus Desconhecido; Deus vem ao homem, não o homem a Deus. Mesmo após a
revelação, o homem não pode conhecer a Deus, pois Este é sempre o Deus desconhecido. Ao se
manifestar, Ele está mais longe que nunca antes (Rbr. p. 53)”.1 Ao mesmo tempo, ele acha
incoerente o agnosticismo de Barth, como também o de Herbert Spencer. Diz ele: “Já se disse de
Herbert Spencer que ele sabia muita coisa acerca do ‘Incognoscível’, assim, quanto a Barth, fica-
se a indagar como ele veio a saber tanta coisa do ‘Deus Desconhecido’”.2 Dickie toca na mesma
tecla, quando diz: “Ao falar do Deus transcendente, às vezes Barth parece falar de um Deus de
Quem nunca podemos saber nada”.3 Todavia, ele acha que, também quanto a isso, houve
mudança de ênfase em Barth. Embora seja perfeitamente claro que Barth não pretende ser um
agnóstico, não se pode negar que algumas de suas afirmações prontamente podem ser
interpretadas como tendo um sabor agnóstico. Ele acentua vigorosamente o fato de que Deus é o
Deus oculto, que não pode ser conhecido a partir da natureza, da história e da experiência, mas
somente por meio de Sua revelação em Cristo, quando esta encontra a resposta da fé. Mas,
mesmo nesta revelação, Deus aparece somente como o Deus oculto. Deus se revela
precisamente como o Deus oculto, e, mediante Sua revelação, faz-nos mais cônscios da distância
que O separa do homem do que nunca antes. Isto pode ser facilmente interpretado como
significando que aprendemos pela revelação apenas que Deus não pode ser conhecido, de modo
que, depois de tudo, estamos face a face com um Deus desconhecido. Mas, em vista de tudo o
que Barth tem escrito, é evidente que não é isto que ele quer dizer. Sua afirmação de que, à luz
da revelação, vemos a Deus como o Deus oculto, não exclui a idéia de que pela revelação
adquirimos também muito conhecimento útil de Deus, à medida que Ele entra em relação com o
Seu povo. Quando ele diz que, mesmo em Sua revelação, Deus continua sendo para nós o Deus
desconhecido, realmente quer dizer o Deus incompreensível. O Deus que se revela é Deus em
ação. Por sua revelação aprendemos a conhecê-lo em Suas operações, mas não adquirimos
nenhum real conhecimento do Seu interior. A seguinte passagem da obra The doctrine of the word
of God,1 é deveras esclarecedora: “Sobre esta liberdade (liberdade de Deus) repousa a
inconcebilidade de Deus, a inadequação de todo conhecimento do Deus revelado. Mesmo a tri-
unidade de Deus é-nos revelada somente nas operações de Deus. Portanto, a tri-unidade de
Deus é-nos inconcebível também. Daí, também, a inadequação de todo o nosso conhecimento da
tri-unidade. A concebilidade com a qual ela surge diante de nós, primariamente na Escritura,
secundariamente na doutrina da igreja sobre a Trindade, é uma concebilidade própria da criatura.
A concebilidade segundo a qual Deus existe por Si mesmo, não é somente relativa: Está
absolutamente separada desse ponto. Somente da livre graça da revelação depende que a
concebilidade primeiramente mencionada, em sua absoluta separação do seu objeto, não esteja,
contudo, desprovida de verdade. Nesse sentido, a tri-unidade de deus, como a conhecemos
graças à operação de Deus, é uma verdade”.